Ajoelhando-se diante de Deus

Eu li no Fratres in Unum sobre o Arcebispo que deseja «formar [!!] o povo a não comungar de joelho para evitar transtornos no momento da Celebração Eucarística». Melhor seria dizer deformar.

A determinação é tão absurda que carece de qualquer legitimidade. Ninguém precisa obedecer a este tipo de abuso, como é fácil de se ver. Por onde eu começo? A Eucaristia é o Corpo, Sangue, Alma e Divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo – e, portanto, deve ser adorada. Ora, prostrar-se de joelhos é – na cultura ocidental ao menos – a postura de adoração por excelência e, portanto, os fiéis deveriam ser é incentivados a se ajoelharem diante de Deus, e não o contrário.

Ainda: receber a Santíssima Eucaristia de joelhos e na boca é praxis antiquíssima da Igreja Católica, tendo já (há muito!) recebido legitimidade e “cidadania litúrgica” graças ao testemunho dos séculos. É o que a Igreja chama de “costume”, que não tem nada a ver com as invencionices introduzidas de um par de anos [ou mesmo de um par de décadas] para cá, em tal ou qual paróquia específica. O costume tem a ver com amplas regiões e com o decurso dos séculos. Comungar de joelhos é costume. Comungar na mão é que é novidade. Ainda que na paróquia de pe. Fulaninho todo mundo comungue na mão “desde que eu me entendo por gente”, o costume é a comunhão de joelhos e na boca, e não na mão. Não se entende como esta santa prática possa provocar “transtornos no momento da Celebração Eucarística”.

Mais: o Santo Padre vem – há mais de três anos! – insistindo em distribuir a Eucaristia diante de um genuflexório, no qual os fiéis se ajoelham e recebem o Corpo de Cristo diretamente na boca. Isto se observa em toda celebração litúrgica oficiada pelo Vigário de Cristo. É interessante ver isto aqui: trata-se do Arcebispo Mario Conti, de Glasgow (Escócia), que disse «em uma nota escrita e dirigida aos sacerdotes de sua arquidiocese que os fiéis não devem se ajoelhar para receber a Sagrada Comunhão». Qualquer semelhança com a situação atual não pode ser mera coincidência. Pois bem: um ano antes, o Papa visitara esta mesma arquidiocese e distribuíra a comunhão na boca dos fiéis ajoelhados, a despeito do “desgosto” do Ordinário local. A conclusão se impera: mesmo «sendo o moderador da vida litúrgica da diocese, o bispo não goza do direito de exceder sua legítima autoridade, removendo o que está previsto no Missal».

Porque receber a comunhão de joelhos e na boca é um direito do fiel, que não lhe pode ser negado. Assim dispõe (entre outras) a Redemptionis Sacramentum: «Assim pois, não é lícito negar a sagrada Comunhão a um fiel, por exemplo, só pelo fato de querer receber a Eucaristia ajoelhado ou de pé. Todo fiel tem sempre direito a escolher se deseja receber a sagrada Comunhão na boca ou se, o que vai comungar, quer receber na mão o Sacramento» (RS 91-92 – grifos meus).

Para qualquer lado que nós olhemos, portanto, não existe cabimento algum em proibir [ou mesmo em colocar obstáculos a]o salutar costume de se receber a Eucaristia diretamente na boca e de joelhos. A despeito do que estabelecem alguns prelados, cumpramos o nosso dever fazendo a nossa parte: exercendo o nosso direito de comungar da mesma maneira que comungaram os cristãos que nos precederam. Porque também a nós (e talvez principalmente a nós) leigos compete o encargo de resgatar o sentido de sagrado na Liturgia. E isto se consegue por meio de coisas bastante simples: prestando atenção ao Santo Sacrifício do Altar; rezando silenciosamente; ajoelhando-se diante de Deus.

A Beleza verdadeira exige a Verdade e a Ela conduz

Eu gostei deste texto do Marcelo Coelho, ateu confesso, a respeito de uma missa à qual ele foi a pedido de um amigo católico. E que nos valeu – a nós, católicos todos – a indulgência do embevecido ateu: «Depois de uma missa tão bonita e inteligente, vocês estão desculpados».

Eu já repeti aqui outras vezes que salvar a Liturgia é salvar o mundo, e creio que remete a Dostoievski a formulação clássica: «a Beleza salvará o mundo». Porque o Belo, como eu já disse algures, é um transcendental que tem uma impressionante capacidade de “tocar” as almas que se permitem contemplá-Lo. O Belo atrai; e, algumas vezes, atrai até mesmo de uma maneira mais eficaz do que a Verdade e o Bem.

Algum amigo questionava, diante deste artigo do Marcelo Coelho, qual culto protestante seria capaz de provocar uma impressão assim em homens incrédulos. Isto é uma verdade facilmente perceptível: ao se afastarem do Verum, os protestantes acabaram por afastar-se também do Pulchrum. Porque a Beleza verdadeira exige a Verdade. Os erros são feios em si, e facilmente degeneram em manifestações externas também feias, privadas da Beleza capaz de encantar as almas: daquele tipo particularmente Belo de beleza, capaz de tocar até mesmo as almas incrédulas.

Não é outro o motivo, afinal, pelo qual é feia a arte moderna. Minando a sensibilidade estética dos homens, a Revolução consegue mais facilmente minar-lhe o intelecto e o senso moral. Porque, afinal de contas, chamar o feio de belo é uma outra modalidade de pecado que certamente também recai sob aquela condenação vetero-testamentária: «Ai daqueles que ao mal chamam bem, e ao bem, mal, que mudam as trevas em luz e a luz em trevas, que tornam doce o que é amargo, e amargo o que é doce!» (Is 5, 20). Também é pecado conceder às coisas feias a consideração devida somente às belas. Negar-se a entregar a Deus o que existe de belo no mundo é também uma outra forma de se repetir o diabólico brado de non serviam! de Satanás.

E um pecado particularmente malicioso é buscar corromper o senso estético dos homens, para assim mais facilmente levá-los ao erro e ao mal. Contra este, porém, resta a esperança de que existe algo no interior do homem que resiste à enxurrada de feiúra que se lança sobre ele. Existe algo que sobrevive à doutrinação moderna, e que é capaz de reconhecer a Beleza onde ela se encontra. Existe um ateu capaz de vislumbrar o Pulchrum em uma Santa Missa bem celebrada! Só isto deveria ser o suficiente para redobrarmos – aliás, para centuplicarmos – o cuidado com as nossas celebrações. Porque, por vezes, nós não conseguimos conceber a dimensão da importância da beleza da Liturgia. Mas, ainda que nós não percebamos, por vezes o Belo é justamente a porta de entrada para a Religião Verdadeira.

Sobre o falecimento de Dom Clemente Isnard

Faleceu anteontem (quarta-feira 24/08), aqui em Recife, aos noventa e quatro anos de idade, Sua Excelência Dom Clemente Isnard, arcebispo emérito de Nova Friburgo. Espantei-me ao ler hoje esta nota de pesar publicada pelo Secretário-Geral da CNBB, Dom Leonardo Steiner.

Antes de mais nada porque a epígrafe não serve de epitáfio para Sua Excelência. É, aliás, uma tremenda falta de caridade para com o prelado recém-falecido, que precisa urgentemente é de orações de sufrágio e de súplicas ardentes ao Todo-Poderoso para que se tenha arrependido de tanto mal que causou à Igreja durante a sua vida. Dom Clemente precisa é da misericórdia do Altíssimo por ter perseguido a Cristo, e não de “preces de gratidão” como se houvesse sido em vida um Defensor Fidei.

O texto de Dom Steiner fala que Dom Clemente foi “o responsável direto pela reforma litúrgica no Brasil”. Isto é verdade; mas, antes de ser motivo de orgulho, é causa de vergonha e de opróbrio para ele próprio, para a Ordem de São Bento, para o Episcopado Brasileiro e para a Igreja Católica nesta Terra de Santa Cruz. É precisamente graças a Dom Clemente Isnard que nós sofremos, até hoje, com uma tradução porca do Missale Romanum (para cuja aprovação a Santa Sé foi enganada por Dom Isnard) que o Vaticano tenta em vão melhorar, e com uma babel litúrgica universalmente generalizada de fazer inveja à Europa pós-Reforma de Lutero. Nós, hoje, amarguramos os frutos podres das desonestidades de Dom Isnard que, antes de ser sentinela zeloso pela preservação da Fé Católica e pelo decoro do culto a Deus, foi inimigo da Igreja que Lhe abriu as portas por dentro para os assaltos das tropas de Satanás.

Para não me alongar muito e para os leitores que não estejam a par do terrível mal que Dom Clemente fez à Igreja no Brasil, remeto a este texto do Oblatvs e a estes dois testes do Exsurge, Domine! (parte 1 e parte 2) sobre “O Inclemente Isnard”. E, aos que passarem por aqui, peço que rezem ao menos uma ave-maria por este homem recém-falecido aqui na minha terra, que foi chamado a se apresentar diante do Justo Juiz tendo nas costas tantas culpas por tantos e tão graves males provocados à Igreja à Qual ele jurou servir. Que Ele tenha se arrependido de seus crimes, e que o Todo-Poderoso não perca esta chance de mostrar como é de fato Rico em Misericórdia para além de quaisquer medidas humanas.

R.I.P.

“Um belo poema sempre leva a Deus”

Eu não conhecia este poema do Mário Quintana (na verdade, eu nem sei se é verdadeiro ou apócrifo). A despeito de uma certa irreverência, gostei bastante dele quando o li recentemente. Por conta principalmente de dois versos: “Tu quiseste dizer a Verdade e disseste a Beleza”, por um lado, e “a Beleza é a forma angélica da Verdade”, por outro.

Já devo ter citado algures a frase (que, se muito não me engano, é de Dostoiévski) segundo a qual a Beleza salvará o mundo. E o Pe. Z até há bem pouco ostentava no What Does The Prayer Really Say? a mesmíssima frase em uma versão católica: Save the Liturgy, Save the World. Salve a Liturgia, salve o mundo.

Porque os transcendentais identificam-se; e falar Verdade é falar Bondade é falar Beleza. E o Santo Sacrifício da Missa é sem dúvidas verdadeiro, porque é o verdadeiro Sacrifício de Cristo, e é sem dúvidas bom, porque é a Oblação Pura agradável ao Pai Onipotente. Mas ele é também indubitavelmente belo, e esta beleza – esta Beleza – precisa transparecer nos ritos exteriores. Precisa emanar da Liturgia.

Dói-me ver algumas missas tão horrivelmente celebradas que… fazem ser muito difícil enxergar a Beleza do Sacrifício de Cristo escondida por debaixo daquela bagunça ocorrendo no Altar de Deus! Lembro-me de uma história segundo a qual alguns embaixadores de um império oriental decidiram levar o Cristianismo para as suas terras quando tomaram contato com a Divina Liturgia de São João Crisóstomo; e lembro-me também dos índios do Brasil recém-descoberto, quando assistiam a uma Missa aqui celebrada e, apontando para o altar, apontavam em seguida também para o Céu. Como é difícil imaginar que algo assim pudesse acontecer hoje em dia nas nossas paróquias! No entanto, é o mesmíssimo Sacrifício que converteu selvagens e orientais: pleno de Beleza porque Belo é o Deus sobre o altar.

E o Sacrifício Verdadeiro é também o Belo Sacrifício, porque a Beleza é a Verdade! Eu também não o sabia, mas (ao que parece) são os modernos que mais gostam de incluir o Pulchrum entre os Transcendentais, e há inclusive quem defenda a hipótese de um aspecto não-transcendental da Beleza na Filosofia de Santo Tomás de Aquino. Para além das disputas acadêmicas, contudo, resta evidente (e certamente ninguém o haverá de negar) que Deus é Belo. E que, portanto, belas devem ser as coisas com as quais nos referimos a Ele.

O Mário Quintana tem ainda um outro poema: Se eu fosse um padre. No qual ele diz coisas absurdas sobre não falar em Deus ou em pecado, em anjos ou em santos. Mas o intento dele nestes versos é dizer que basta falar da Beleza porque, n’Ela, está tudo contido: Porque a poesia purifica a alma… / e um belo poema — ainda que de Deus se aparte — / um belo poema sempre leva a Deus!. E alegra-me ver que um poema, ainda que com tão fortes rasgos de oposição ao Cristianismo (aliás, talvez eu me alegre até mesmo por causa disso), seja capaz de perceber que Deus é a Beleza. No meio de tantas coisas más, falsas e feias que encontramos até mesmo dentro da Igreja, é-me um revigorante refrigério encontrar um poeta capaz de identificar os Transcendentais.

Pe. Demétrio e Pe. Paulo Ricardo na Canção Nova

Como todos sabem, a Canção Nova tem as suas (grandes) presepadas. De vez em quando, no entanto, ela permite que aconteçam algumas coisas maravilhosas.

Ontem, Quinta-Feira, o pe. Demétrio Gomes e o pe. Paulo Ricardo estiveram presentes na emissora. Deram palestras, celebraram a Santa Missa e participaram do programa “Escola da Fé” com o professor Felipe Aquino. Quanto a este último programa, eu ainda não encontrei na internet (alguém tem?); mas ouvi as palestras, que estão abaixo, e valem (muitíssimo!) a pena?

Deste último vídeo, a propósito, eu destaco:

Nós não podemos querer que nossas Missas agradem o mundo. (…) Querer agradar os homens é querer desagradar a Deus. (…) Os liturgistas são incapazes de perceber esta maravilha: o Céu e a Terra. E é por isso que o padre coloca uma roupa diferente, porque ele não está vivendo algo do seu dia a dia, algo trivial, algo comum. E e é por isso que as palavras são diferentes, é por isso que os cantos são diferentes, porque ali se realiza algo diferente. Não é humano; é de Deus, é do Céu, e nós não podemos converter os nossos presbitérios em palcos de show. Ali acontece a ação mais sagrada e transcendente da história dos homens. Não existe nada na terra mais importante do que a Missa, e os homens devem perceber o Sagrado que se actualiza pela voz, pelos gestos, por atos pequenos do sacerdote, porque nesses atos ele manifesta o seu amor ao sublime mistério de Deus. Em resumo, o que nós precisamos é de obediência àquilo que a Igreja pede.

Estas palavras foram proferidas na Canção Nova! E eu soube que, na Santa Missa celebrada à tarde, foram numerosos aqueles que receberam a Sagrada Comunhão de joelhos. O povo tem sede de Deus! Bem faria a Canção Nova se divulgasse mais eventos assim; se permitisse mais vezes a participação daqueles que querem realmente defender com fidelidade a Igreja Católica.

P.S.: (via Ecclesia Una): as palestras estão transcritas aqui, aqui e aqui.

Convite: “Símbolos da Missa Tridentina”

[Repasso o convite que um amigo, o Miguel Frasson, enviou-me por email. Peço perdão pelo aviso vir tão em cima da hora; mas o assunto é muitíssimo interessante e os que puderem ir não irão perder o seu tempo. Ainda mais com o convite para se assistir em seguida à Santa Missa da Ascensão do Senhor na Forma Extraordinária do Rito Romano.]

Palestra: “Símbolos da Missa Tridentina”
Autor: Miguel Frasson
Local: Círculo Católico, Recife (R. do Riachuelo, 105, Recife – PE)
Data e horário: Domingo 05/06, às 9h.
Duração: 2h

Sobre a palestra: “O Rito Romano da celebração da Missa católica tem duas formas em vigor hoje: nova, que é a Missa celebrada correntemente, e a antiga, conhecida como Missa tridentina, celebrada em todo lugar até tempo de nossos avós. Em sentido de promover o rito romano antigo, mostraremos como os principais eventos da história da salvação, desde a criação até Pentecostes, podem ser vistos nos símbolos (gestos, vestimentas, orações) deste belo rito da Missa.

A palestra é acessível a qualquer católico, não sendo necessário nem mesmo conhecer a Missa antiga.  Pode ser uma primeira explicação para quem não a conhece.

Após a palestra, quem se interessar, está convidado a assistir a Missa antiga que se celebra às 12h, na Igreja de Nossa Senhora da Conceição dos Militares, na Rua Nova, a apenas 600m do local da palestra”.

“Toda a criação ficou imersa nas trevas da dor” – Fulton Sheen

Eis a quarta palavra da Consagração da Missa do Calvário. As três primeiras palavras foram dirigidas aos homens. A quarta, porém, foi dirigida a Deus. Estamos agora na última fase do drama da Paixão. Na quarta Palavra, e em todo o Universo, só existem apenas Deus e Jesus. Esta é a hora das trevas.

Subitamente, o silêncio dessa escuridão é quebrado por um grito – tão terrível e tão inesquecível que até aqueles que não compreenderam a língua em que foi expresso hão de recordar-se sempre do tom estranho em que foi proferido: “Eli, Eli, lamma Sabcthany”.

Sim, embora alguns não pudessem compreender essas palavras da língua hebraica, o tom em que foram ditas não mais lhes esqueceu em toda a sua vida.

As trevas que cobriam a terra naquele momento representam apenas o símbolo exterior da noite escura da alma. O sol pode esconder a sua face perante o terrível crime dos deicidas, mas a verdadeira razão da noite que se estendeu sobre a terra foi a sombra da Cruz que se erguia no Calvário.

Toda a criação ficou imersa nas trevas da dor.

Qual foi, todavia, a razão do grito que partiu da escuridão?
“Meu Deus, Meu Deus, por que Me abandonastes?”

Esse foi o grito de espanto para o pecado, em que o homem abandonou Deus, em que a criatura esquece o Criador, em que a flor despreza o sol que lhe deu força e beleza. O pecado é uma separação, um divórcio da união com Deus, e do qual derivam todos os divórcios. Desde que Jesus veio a terra para remir os homens dos seus pecados, é certo que Ele sabia que havia de sentir esse abandono, esse apartamento, esse divórcio.

Ele sentiu-o, antes de mais, no íntimo da Sua alma, tal como a base da montanha, se fosse consciente, sentiria o abandono do sol quando uma nuvem descesse sobre ela, embora os seus cumes se conservassem radiosos, banhados de luz.

Não havia sombra de pecado na alma de Jesus, embora Ele quisesse sentir os efeitos do pecado, e a terrível sensação de isolamento e solidão – a solidão do afastamento de Deus.

Renunciando à divina consolação que poderia pertencer-Lhe, Ele quis mergulhar na tremenda solidão da alma que se extraviou de Deus pelo pecado, para expiar a solidão do ateu que nega a existência de Deus e deposita a sua fé nas coisas terrenas, a dor do coração despedaçado de todos os pecadores que sentem a amargura da ausência do seu Criador.

Jesus foi até ao ponto de remir todos aqueles que não crêem e que, na tristeza e na miséria, exclamam, blasfemando: “Por que é que a morte levou tal pessoa?”, “Por que é que perdi aos meus bens?”; “Por que é que hei de sofrer”.

O “Por que” que Jesus dirigiu a Seu Pai é uma expiação que abrange os “porquês” soltados por aqueles que blasfemam.

Para melhor revelar a sensação de tal abandono, Jesus exteriorizou-o. Porque o homem se apartara de Deus, Ele permitiu que o Seu sangue se separasse do Seu Corpo. O pecado entrara no sangue do homem e, como se os pecados do mundo recaíssem sobre Ele, Jesus deixou derramar o Seu precioso sangue, do cálice do Seu Corpo. Quase que podemos ouvi-Lo dizer:

“Pai, este é o Meu Corpo, este é o Meu Sangue. Eles estão separados um do outro, tal como a humanidade se separou de Ti. Esta é a Consagração da Minha Cruz”.

O que aconteceu então no Calvário acontece agora na Missa. Com uma diferença: Na Cruz, o Salvador estava só e, na Missa, está conosco. Nosso Senhor, agora, está no céu, à mão direita de Seu Pai, intercedendo por nós. Já não pode, portanto, sofrer na Sua natureza humana.

Como pode, pois, a Missa ser a renovação do drama da Cruz? Como é que Cristo pode renovar o drama da Cruz?

Ele não pode, realmente, voltar a padecer na Sua natureza, porque está no céu, gozando a divina bem-aventurança, mas pode ainda sofrer nas nossas naturezas humanas.

Ele não pode, de fato, reviver o Calvário no Seu Corpo físico, mas pode renovar os Seus sofrimentos no Seu Corpo Místico que é a Igreja.

O sacrifício da Cruz pode ser renovado, contanto que nós Lhe façamos a oferta do nosso corpo e do nosso sangue, em toda a plenitude. Jesus pode também oferecer-Se novamente a Seu Pai Celestial, pela redenção do Seu Corpo Místico – a Igreja.

Cristo anda no mundo juntando as almas que desejam ser outras tantos Cristos. Para que nos nossos sacrifícios, as nossas tristezas, os nossos calvários, as nossas crucificações, não fiquem isoladas, desunidas, a Igreja reúne-os, junta-os, e o agrupamento, a massa de todos esses sacrifícios humanos reúne-se ao grande sacrifício de Cristo na Cruz, durante a Missa.

Quando assistimos ao Santo Sacrifício da Missa, não somos precisamente apenas criaturas terrenas, nem indivíduos solitários, mas sim parcelas vivas de uma grande ordem espiritual, na qual o Infinito penetra e envolve o finito, e o Eterno penetra no ser temporário e passageiro, e o Espiritual reveste a materialidade.

Arcebispo Fulton Sheen, “O Calvário e a Missa”.
Extraído de “A Grande Guerra”.

Dez dicas para a organização de celebrações litúrgicas

[Estas são dicas genéricas. Qualquer semelhança com pessoas ou fatos recentes é mera coincidência.]

1. Cuide-se para que o lugar da celebração assemelhe-se o mais possível a um templo sagrado, ainda que por razões de espaço a cerimônia tenha que se realizar fora do templo, ao ar livre. O altar seja visível e facilmente identificável como tal. Evitem-se construções arquitetônicas estranhas à tradição litúrgica da Igreja.

2. O centro de qualquer solenidade, por festiva que seja, é e tem que ser a Santa Missa. Haja parcimônia na colocação de outros eventos periféricos antes ou depois da celebração – como shows ou queima de fogos, por exemplo. Evite-se que os fiéis sejam instados a chegarem muito tempo antes da celebração para “prestigiar” os eventos precedentes ou, ao contrário, a permanecerem depois da Missa concluída para acompanhar a programação que porventura ainda haja. Principalmente, o momento da Comunhão não seja usado para pedir aos fiéis que fiquem depois da Missa para a queima de fogos.

3. A figura do comentarista é interessante e pode ser utilizada, mas que isso seja feito com parcimônia. O comentarista sirva para esclarecer sucintamente cada aspecto da celebração, e não para fazer as vezes de um animador incitando o povo a tal ou qual comportamento. Principalmente, que as suas intervenções sejam sucintas a ponto de não atrapalhar a celebração: comentários tão ou mais longos do que as próprias leituras da missa não são adequados.

4. A música tem uma função litúrgica insubstituível. Preze-se por cantos – ainda que populares – que sejam piedosos e adequados ao momento, tanto quanto à letra como quanto ao ritmo. Baterias sufocando as próprias vozes do coral de forma alguma são bem-vindas, e mais ainda se elas se mantiverem em uma batida que lembra “vamos brincar de índio” ou “ilari-lari-ê”.

5. A homilia do sacerdote é um importante momento de catequese dentro da cerimônia. Cuide-se para que ela seja audível pelos fiéis presentes, com as palavras claras e distintas, por meio de uma correta configuração do sistema de som. Se o sacerdote fala mais baixo, é imperativo que o microfone seja colocado mais alto, a fim de que não haja empecilhos a esta importante formação espiritual.

6. Dois corpos não ocupam o mesmo lugar no espaço, e as coisas tornam-se tão mais indistinguíveis quanto mais distantes elas estão do observador. Em uma multidão, é impossível que todos estejam próximos o suficiente do altar para que sejam capazes de ver a celebração – os sinais externos da Liturgia – da maneira como eles devem ser vistos. Neste caso, telões podem ser utilizados.

7. Em hipótese alguma seja tocado o Hino Nacional após a Consagração. Se isto for difícil de se entender, seja considerado ao menos que a posição adequada diante de Cristo Eucarístico é de joelhos e, diante da execução do Hino Nacional, é de pé. Como não é possível estar simultaneamente de pé e de joelhos, o Hino Nacional não seja tocado no meio da Oração Eucarística.

8. O patriotismo é um valor a ser protegido, mas que se evitem excessos. Avalie-se criteriosamente a conveniência de se colocar uma grande bandeira do Brasil nas costas do crucifixo que entra em procissão. Se o mesmo for estritamente necessário, que a bandeira seja retirada quando o crucifixo chegar ao presbitério, para evitar a flâmula tremeluzente por trás do altar durante toda a Missa.

9. Os chamados “ministros extraordinários da comunhão eucarística” – leigos – devem ser usados na ausência de sacerdotes. Em uma celebração com dezenas de bispos e centenas de padres, o uso de leigos para distribuir a Sagrada Comunhão não é aceitável. Evite-se.

10. Uma solenidade não é medida pela sua duração. Uma missa pode ser extremamente solene sem que precise ser desnecessariamente longa. Seja levado em consideração o fato de que os fiéis também se cansam, geralmente estão em posição desconfortável, sujeitos às intempéries da natureza e, talvez, tenham horários inegociáveis (de viagens, por exemplo) a cumprir após a cerimônia. Dependendo da Liturgia, uma missa de uma hora e meia ou até duas horas está de bom tamanho. Duas horas e meia ou três horas é geralmente um exagero desnecessário.

Versus Deum

Passei por algumas igrejas aqui em Salvador hoje. São igrejas antigas, que mantêm – entre outras coisas – os altares laterais onde antigamente eram celebradas missas. De frente para Deus.

É impressionante, e triste, constatar como o sentido desta posição litúrgica se perdeu por completo. Hoje, por pelo menos duas vezes eu ouvi dois guias turísticos distintos “explicarem” que, antigamente, os padres celebravam “de costas para o povo”. E sem disfarçar o tom de desprezo a esta atitude ultrapassada dos padres de outrora.

Na verdade, a idéia moderna é bastante estúpida. Nunca antes na Igreja passou seriamente pela cabeça de ninguém que os padres estivessem celebrando de costas para o povo. Porque sempre se soube que ambos, padre e povo, estavam voltados juntos para a mesma direção. Ambos voltados para Deus.

E isso, que qualquer pessoa – por mais humilde que fosse – sempre aprendeu “na prática”, foge completamente à compreensão dos homens modernos. Estes simplesmente são incapazes de conceber que o padre e o povo devessem estar ambos voltados para a mesma direção para significar, exteriormente, uma convergência interior. Ambos olham para a mesma direção porque ambos olham em direção a Deus. Isto, que é tão simples, parece ser incompreensível para os homens que se desacostumaram a volver os olhos para o Criador do mundo.

Em uma das igrejas em que estive – acho que na nova Sé – eu vi um pequeno altar de parede. Neste, havia um grande, um enorme e belíssimo crucifixo. E, por um instante, eu imaginei um sacerdote diante deste altar, diante desta cruz, celebrando a Santa Missa. Durante o cânon romano, “elevando os olhos” e mirando, bem perto de si, enorme e alto, Cristo Crucificado. Mostrando, de forma visível e bem visível, o milagre que ele tem invisível em suas mãos. E nada será capaz de me convencer que não seria (muito) mais fácil manter a Fé este sacerdote que, todos os dias, celebrasse o Santo Sacrifício tendo, literalmente, o Crucificado diante dos olhos.

Instrução Universae Ecclesiae – sobre a aplicação do Motu Proprio Summorum Pontificum

[Publicando ainda sem ler, assim que encontrei. Esta instrução era esperada, literalmente, há anos! Depois teço comentários com mais calma. Hoje é dia da Virgem de Fátima! Que Ela interceda por nós. Que Ela ajude a Igreja. Que Ela nos ajude a todos.

Fonte: Sancta Missa Portugal]

PONTIFÍCIA COMISSÃO ECCLESIA DEI

INSTRUÇÃO
Sobre a aplicação da Carta Apostólica
Motu Proprio Summorum Pontificum
de S. S. O PAPA BENTO XVI

I.
Introdução

1. A Carta Apostólica Summorum Pontificum Motu Proprio data do Soberano Pontífice Bento XVI, de 7 de julho de 2007, e em vigor a partir de 14 de setembro de 2007, fez mais acessível à Igreja universal a riqueza da Liturgia Romana.

2. Com o sobredito Motu Proprio o Sumo Pontífice Bento XVI promulgou uma lei universal para a Igreja com a intenção de dar uma nova regulamentação acerca do uso da Liturgia Romana em vigor no ano de 1962.

3. Tendo recordado a solicitude dos Sumos Pontífices no cuidado pela Santa Liturgia e na revisão dos livros litúrgicos, o Santo Padre reafirma o princípio tradicional, reconhecido dos tempos imemoráveis, a ser necessariamente conservado para o futuro, e segundo o qual “cada Igreja particular deve concordar com a Igreja universal, não só quanto à fé e aos sinais sacramentais, mas também quanto aos usos recebidos universalmente da ininterrupta tradição apostólica, os quais devem ser observados tanto para evitar os erros quanto para transmitir a integridade da fé, de sorte que a lei de oração da Igreja corresponda à lei da fé.”1

Continuar lendo Instrução Universae Ecclesiae – sobre a aplicação do Motu Proprio Summorum Pontificum