Comunhão na boca JÁ!

Mundo afora, as pessoas estão preocupadas com a propagação da gripe suína. De diversos lugares, chegam-nos notícias de que os hábitos das pessoas estão sendo adaptados para minimizar os riscos de contágio com o temível vírus.

Uma mudança que encontramos em quase todos os lugares é a orientação para que, nas missas, a Sagrada Comunhão seja distribuída nas mãos dos fiéis, e não na boca, para diminuir o risco de contágio. Tal costume, segundo me informou um amigo, está bastante forte também em terras brasileiras, particularmente no Rio Grande do Sul.

Tal medida é claramente abusiva – porque ninguém pode obrigar o fiel a comungar nas mãos caso ele deseje receber a Santíssima Eucaristia na boca – e, ainda, é inadequada como “medida profilática” para o presente caso de pandemia. Faz muito mais sentido proibir a comunhão na mão, como muito argutamente apontou uma amiga.

Vejamos: a pessoa chega na igreja, possivelmente de ônibus. Senta-se nos bancos onde outras pessoas já sentaram, apoiando as mãos no banco da frente. Pega em jornaizinhos que foram utilizados anteriormente por outras pessoas. Pega em dinheiro na hora do ofertório. Aperta as mãos de cinco ou seis pessoas durante o “abraço da paz”. Dá as mãos durante o pai-nosso. Depois de tudo isso, sem lavar as mãos, ela vai receber a Eucaristia e, pegando-A com as mãos sujas, leva-a à boca! É muito mais razoável que o sacerdote, com as mãos lavadas antes da Santa Missa e durante o ofertório, coloque diretamente a hóstia sagrada na boca dos comungantes, bastando que ele distribua a comunhão como deve fazer, isto é, sem tocar nos lábios dos fiéis.

Não deixemos que as pessoas se aproveitem da situação difícil que atravessamos para, em nome de preocupações sanitárias – de cuja sinceridade não duvidamos, mas que são contra-producentes, como acabamos de mostrar -, proibirem as legítimas práticas da piedade cristã. Procuremos as nossas paróquias, os nossos padres e os nossos bispos, pedindo que eles reflitam com mais cuidado em suas determinações. Incentivemos a recepção da Sagrada Eucaristia diretamente na boca. Diante do atual surto de gripe, piedade cristã e boa medida profilática se encontram.

Resposta do pe. Fábio de Melo

Leiam a resposta que o pe. Fábio de Melo enviou à Carta Aberta escrita pelo Gustavo Souza, após aquela entrevista em Jô Soares que provocou escândalo entre os católicos. O texto é grande e eu não vou reproduzir; leiam na íntegra lá. Apenas destaco algumas frases soltas escritas pelo Reverendíssimo sacerdote (recomendando enfaticamente que as leiam na íntegra do texto, para que eu não cometa o erro de descontextualizar o pensamento do pe. Fábio):

[A] Teologia nos ensina que a Plenitude da Revelação é Cristo, mas esta plenitude não significa esgotamento da verdade.  Os desdobramentos desta verdade estão em todos os lugares do mundo. Deus continua se revelando. Plenitude não significa finalização. […] Deus continua se revelando ao mundo. O limite da Revelação é a inteligência humana.

A linguagem metafórica não é mentirosa. Sou professor universitário e ensinei Antropologia Teológica. É uma clareza que não posso perder de vista. Ao falar da condição adâmica nós precisamos pensar na humanidade como um todo. Não temos a certidão de nascimento de Adão. O que temos é a fé de que Deus criou a humanidade.

[A] fé não é um conjunto de certezas, meu caro. Não temos provas concretas para muitos aspectos da fé que professamos. Se as tivéssemos não precisaríamos ter fé. Acreditamos no que não vemos.

O mito não é uma mentira, mas também não precisa ser verdade, diz ele. O importante é a fé que ele sugere. O importante é reconhecer que ele está a serviço de uma verdade superior, porque não cabe no tempo. […] O mesmo não se dá com as nossas convicções religiosas?

[S]ua visão soteriológica é muito estreita. Salvar almas, somente? Essa visão compartimentada do ser humano é herética. Precisamos salvar a totalidade do humano, meu caro. Esqueceu o postulado fundamental da Antropologia cristã? Somos corpo e alma. Unidade.

Minha roupa de padre não me garante muita coisa. O sacerdócio que o povo espera de mim não está no hábito que ostento, mas na sinceridade que preciso ter diante do meu compromisso assumido. Zelo para que Deus não seja transformado numa caricatura qualquer.

Cuidado com as generalizações. Você tem combatido as CEBS. Cuidado. Há muita gente honesta nestes movimentos. Eu as conheço. Vi de perto o trabalho frutuoso, espiritual, humano, salvação total acontecendo em muitos lugares deste grande Brasil. Vi nomes sendo citados de forma banal, irresponsável. Irmã Doroty morreu defendendo o evangelho, meu filho. Gostando você, ou não, ela é foi uma mulher comprometida com as causas de Jesus. É muito triste ver o nome dela citado no seu espaço, como se fosse uma “mulher qualquer”. Chico Mendes foi um homem que defendeu questões nobres. Só por isso já merece o nosso respeito. Frei Beto é um homem fabuloso. Já fez muita gente se aproximar de Deus, por meio de sua inteligência e sabedoria aguçada.

P.S.: Neste Ano Sacerdotal, rezemos pela santificação do clero. E roguemos insistentemente ao Senhor da Messe, para que Ele nos mande sempre santos sacerdotes.

O CFEMEA e a Concordata

Que coisa interessante: feministas são contra o acordo entre o Brasil e a Santa Sé! Em um livreto intitulado “Brasil e Vaticano: o (DES)acordo Republicano”, cuja capa está repleta de palavras de ordem como “direitos reprodutivos”, “orientação sexual”, “pessoas livres”, “estados laicos” e “democracia”, o Centro Feminista de Estudos e Assessoria explica como “é incompatível a influência dos ditames morais religiosos nas questões de Estado”. O que quer que signifique isso, porque está claramente faltando um pedaço da frase – já que “incompatibilidade” só pode existir entre pelo menos duas coisas – que as feministas não se preocuparam em procurar. Talvez elas tenham querido dizer que era “inaceitável”, mas enfim…

O acordo é este aqui. Não foi assinado entre o Brasil e “o Vaticano”, e sim entre o Brasil e a Santa Sé, como o próprio texto do CFEMEA diz logo na apresentação, embora não na capa. É importante ler o acordo, antes de sair lançando acusações que não têm nada a ver com o teor do documento.

O livreto do CFEMEA está repleto de bobagens. Fala que “aos órgãos e políticas dos Poderes de Estado cabe respeitar a diversidade religiosa e as liberdades de culto e não, aderir a uma fé e impor suas crenças ao conjunto de toda a sociedade” (p. 4) – a má redação é essa mesma -, quando o acordo não tem nada a ver com “impor” crenças ao “conjunto de toda a sociedade”. Fala que o acordo “entra de fato no âmago da vida nacional, interferindo em direitos de brasileiros e brasileiras, de todas as idades e de todos os modos de crer e não-crer” (p. 7), sem explicitar no entanto quais são os “direitos” nos quais o acordo está interferindo [apenas cita os “direitos trabalhistas”, referindo-se ao inventado vínculo empregatício que supostamente haveria entre um padre e sua diocese!]. Fala em “fé imposta por lei” e em “imposição religiosa do Estado”, pelo simples fato do acordo “estabelecer o ensino católico na escola pública brasileira” (p. 14), esquecendo-se no entanto de citar o próprio acordo, onde é dito com todas as letras que “[o] ensino religioso, católico e de outras confissões religiosas, de matrícula facultativa, constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, em conformidade com a Constituição e as outras leis vigentes, sem qualquer forma de discriminação” (Art. 11 §1º, grifos meus). Enfim, não vale a pena insistir mais no assunto.

Na página final, talvez por ato falho, o apoio: Safe Abortion Action Fund. Que é um fundo da IPPF para reduzir o “aborto inseguro” ao redor do mundo. Vejam que interessante: “Desde 2007, o CFEMEA conta com o apoio do Safe Abortion Action Fund (SAAF), fundo especialmente lançado pelo International Planned Parenthood Federation (IPPF) para captar iniciativas em prol da discriminalização e legalização do aborto em todo mundo” (Vozes latino-americanas pela legalização do aborto, p. 8). Entidades multimilionárias internacionais aplicando dinheiro para desestabilizar o ordenamento jurídico de um país e promover comportamento tipificado como crime por um estado soberano? Isso, sim, deveria ser rechaçado com veemência pela sociedade brasileira! Mas as feministas financiadas pela IPPF “esquecem-se” disso e vêm à praça pública rasgar as vestes diante de uma simples concordata. Haja hipocrisia!

Ovelhas sem pastor

O “semanário litúrgico-catequético” da Paulus – O Domingo – estava hoje pior que de costume. Mas, por ironia, as leituras da Santa Missa do 16º Domingo Comum estavam perfeitamente adequadas ao jornalzinho que as continha.

Primeira leitura, do profeta Jeremias: “ai dos pastores que deixam perder-se e dispersar-se o rebanho de minha pastagem, diz o Senhor!”. Evangelho segundo São Marcos: “ao desembarcar, Jesus viu uma numerosa multidão e teve compaixão, porque eram como ovelhas sem pastor”. Talvez numa irresponsável tentativa de colocar-se como exemplo daquilo que as Sagradas Escrituras condenam, O Domingo publicou uma vergonhosa “Oração da Assembleia”, que é como segue:

PR: Entre os próximos dias 21 e 25 será realizado, em Porto Velho, Rondônia, o 12º encontro intereclesial das CEBs. Rezemos, em dois coros, para que esse encontro traga novo ânimo e vigor às comunidades cristãs.

L1: Deus da vida e do amor, / Trindade santa, a melhor comunidade: / queremos acolher vossa palavra, partilhar a eucaristia, / assumir a missão na comunidade eclesial / e no movimento popular.

L2: Somos as CEBs do Brasil, / seguidores e seguidoras de Jesus / em missão profética, ecumênica e transformadora.

L1: Na opção pelos pobres / e na defesa da terra, da água, da vida.

L2: Do ventre da terra, profanada pelo latifúndio depredador, / nos chega o clamor dos povos indígenas / e do povo sem-terra.

L1: Dos nossos campos e das nossas cidades / nos chega o clamor por justiça, partilha e paz.

L2: Animados pelo Espírito do ressuscitado, / sob a proteção de Maria, a mãe, / e com tantas testemunhas de vida e de martírio, / seguiremos a caminhada, / como Igreja de Jesus, / nas lutas e na esperança do reino.

AS: Amém!

Os erros litúrgicos, catequéticos e pastorais, ao lado dos de colocação pronominal e de minúsculas recorrentes nas referências às Pessoas da Trindade Santa, são da lavra dos responsáveis pelo Semanário. Sinceramente, é difícil acreditar que pessoas capazes de colocar um lixo desses na celebração da Santa Missa ainda possuam Fé. Contemplando estarrecido os católicos revezarem-se na recitação desta porcaria, deparo-me com uma imagem viva das imprecações do profeta Jeremias e da compaixão sentida por Nosso Senhor, recém-proclamadas: verdadeiramente, os católicos que acompanham a missa pel’O Domingo estão como ovelhas sem pastor. Que o Altíssimo tenha misericórdia de nós todos.

Rejubilar-se com a verdade…

… de onde quer que ela venha! De um comentário feito ao texto sobre ateus e crentes do Ecce Medicus, aqui citado en passant ontem:

[N]ão concordo com esse pensamento absurdo de que “tornar-se ateu é render-se a razão”. Pelo contrário, tornar-se ateu lendo os inflamados livros de Dawkings é tão alienante quanto dizimar na igreja renascer.

Subscrevo in totum.

Encerrando a tarde

Fetos têm memória. Saiu também no NewsBusters. Pesquisadores holandeses “descobriram que fetos de 30 semanas conseguiam lembrar do som por dez minutos, enquantos os de 34 semanas conseguiam lembrar por quatro semanas”.

Igreja apoia golpe contra Zelaya em Honduras e se opõe a Hugo Chávez, mais uma da série “notícias desinformativas”. Só avisando aos navegantes que não existe golpe em Honduras. Mas a frase do cardeal Oscar Rodríguez Maradiaga é excelente: “A coisa mais patriótica que ele [Zelaya] poderia fazer seria manter-se afastado”.

A entediante feminista malufista: leiam. A “velha guarda” do Deus lo Vult! vai reconhecer a Senhora Boring prontamente.

Deus, um desejo: um texto ateu acusando o Cristianismo… daquilo que fazem os ateus! “Mesmo que se ‘convença’ um homem ou mulher que ele(a) está errado(a) com fatos, números, lógica ou qualquer outro tipo de arma cognitiva que se queira usar, não se mata o desejo que ele(a) terá de que a história decorra assim, da forma como eles a veem” – é o típico ateu que tem fé inquebrantável na inexistência divina…

Escândalo e perseguições

– Via Luís Guilherme no Twitter: Father Saju George, S.J., the dancing Jesuit (!!). Claro que faltam vocações; quem é que, no seu juízo perfeito, vai querer ser sacerdote para ser como este meu homônimo? Falta fidelidade à Igreja, antes de tudo. E, infelizmente, vemos os filhos de Santo Inácio envergonharem ainda mais o seu fundador. Hoje em dia, parece ser verdade o dito mordaz: si cum Iesu itis, non cum iesuitis

Intentan quemar con gasolina una iglesia de Majadahonda en plena misa. Aliás, é interessante comparar esta notícia, do ABC, com a que saiu no El País… segundo informações deste último, eram bombas de fabricação caseira, formadas por garrafas de dois litros cheias de gasolina, que foram colocadas no duto de ventilação da Igreja. O padre percebeu porque sentiu um forte cheio de gasolina durante a missa. Não se sabe, até o momento, quem são os responsáveis pela tentativa de atentado.

Aparece en La Habana un sacerdote español asesinado con las manos atadas. O padre Mariano Arroyo Murillo tinha 74 anos e era da Cantabria; fazia missões por três anos em Cuba e já estava prevendo voltar à Espanha. Seu cadáver apareceu com várias punhaladas, queimaduras e mãos atadas. É o segundo sacerdote espanhol assassinado em Cuba “em poucos meses” – em meados de fevereiro foi apunhalado e estrangulado o pe. Eduardo de la Fuente Serrano, 61 anos. Tampouco se sabem os responsáveis.

Kasper e FSSPX

Uns comentários ligeiros sobre a entrevista de Kasper, à qual tive acesso via Exsurge, Domine. Original no Fratres in Unum.

Em primeiro lugar, e data maxima venia a Sua Eminência Reverendíssima, “o que alguns membros da FSSPX disseram (…) inclusive sobre mim” é provavelmente “inacreditável”, mas nem por isso é necessariamente falso. O cardeal alemão nunca foi famoso por sua ortodoxia. Pode-se até conceder que o pessoal da FSSPX veja as coisas “negras” demais, mas o cardeal Kasper parece-me ver as coisas negras de menos. Colocar no mesmo saco João Paulo II, Bento XVI e Walter Kasper – como fez o eminentíssimo cardeal na sua entrevista – é inadequado, para dizer o mínimo.

Depois, concordo em parte com Sua Eminência quando ele diz que “a FSSPX deve refletir sobre o gesto magnânimo do Papa” porque, até o presente momento, não se vê “nenhum sinal de reflexão por parte deles”. Eu vejo sinais de reflexão na FSSPX; menos numerosos do que gostaríamos, sem dúvidas, mas seria utopia esperar coisas muito maiores do que isso, considerando quem é a Fraternidade. Sem dúvidas que é necessário haver mais reflexão, e nesta intenção elevo súplicas ao Altíssimo por meio da Virgem Santíssima, Onipotência Suplicante. Mais reflexões, também, da parte de alguns cardeais da Cúria Romana, inclusive os de origem germânica.

Por fim, parece-me errada (ou, no mínimo, capaz de induzir ao erro) a resposta que S. E. R. dá ao problema levando pela Fraternidade: “[a] Igreja Católica não entende a Tradição como a FSSPX, ou seja, de maneira congelada no tempo anterior ao Concílio. Somos uma Igreja viva”. A Tradição Apostólica é “congelada” não no tempo anterior ao Concílio, mas na morte do último Apóstolo, porque é Palavra de Deus, parte integrante do Depositum Fidei, fonte (ou canal) da Revelação – e a Revelação encerrou-se com a morte do último Apóstolo, como ensina a boa Doutrina Católica.

A Tradição é “viva” somente no sentido em que a própria palavra de Deus – inclusive a Sagrada Escritura – é viva e eficaz (cf. Hb 4, 12). A Revelação “desenvolve-se” (talvez fosse até melhor dizer “é esclarecida”) ao longo dos séculos, mas eu não tenho muita certeza se é isso que o cardeal Kasper tem em mente quando critica a concepção de Tradição que tem a FSSPX. Aliás, entre um e outro, eu me sentiria inclinado a dizer que a São Pio X compreende a Tradição melhor do que o Cardeal germânico.

Mais Crimen Sollicitationis

Isto não é uma questão de anti-catolicismo, no sentido da malícia com a qual certos segmentos da sociedade americana sempre abordaram a Igreja Católica. Isto é um novo fenômeno – uma tendência de até mesmo as pessoas imparciais [fair-minded] acreditarem nas piores interpretações sobre qualquer história envolvendo a Igreja.

– John L. Allen Jr., August 15, 2003.

As minhas trocas de farpas com o pessoa da UNA deram resultado, motivo pelo qual fico muitíssimo feliz. Os ateus preconceituosos deram-se ao inaudito e louvável trabalho de pensar por conta própria, de ir às fontes e parar com a síndrome-de-papagaio de repetição de chavões. Não conseguiram ainda escapar do fenômeno cuja existência o Allen Jr. evoca na frase em epígrafe, mas já é um bom começo. Oxalá a progressiva abertura da mente à verdade e à honestidade termine por abrir enfim espaço Àquele que é a Verdade.

Após a irresponsável publicação de um documentário velho da BBC sem checar as fontes (e, aliás, repleto de erros crassos de português; ser obrigado a ler “pretesto” foi uma coisa realmente frustrante…), a UNA me surpreendeu com a publicação de um texto incomparavelmente melhor sobre o mesmo assunto, tanto que eu nem seria capaz de atribuir ambos ao mesmo blog. Não vou me deter no exame do documentário: basta dizer que a acusação principal – de que a Crimen Sollicitationis tenciona impedir que os padres pedófilos sejam punidos – é  totalmente descabida, pois segredo canônico não se confunde com investigações policiais.

Quanto ao texto da UNA, é uma pena que o louvável esforço investigativo feito por eles não tenha sido um pouco maior. Se eles tivessem pesquisado um pouquinho a mais, iriam encontrar esta discussão sobre o documento na Wikipedia inglesa que diz que a tradução para o inglês está cheia de erros. Se eles entendessem melhor sobre o assunto que estão falando, também chegariam facilmente à mesma conclusão, porque há trechos do documento que simplesmente não fazem sentido. Por exemplo, o número 11 fala em “penalty of excommunication latae sententiae, ipso facto and without any declaration [of such a penalty] having been incurred and reserved to the sole person of the Supreme Pontiff, even to the exclusion of the Sacred Penitentiary” (Crimen Sollicitationis, 11). Passei um tempo enorme tentando entender o que raios era essa “exclusão da Sagrada Penitenciária” [cheguei a cogitar se o documento não estaria dizendo que a pessoa estava excluída do Sacramento da Penitência], até me deparar com a tradução melhor na supracitada discussão da Wikipedia: a excomunhão é “reserved to the Supreme Pontiff in person alone, excluding even the Apostolic Penitentiary”.

As fontes consultadas pela UNA, portanto, por serem inacuradas, comprometem seriamente a análise que eles fizeram sobre o documento. Algumas coisas ditas, evidentemente, são verdadeiras. Mas outras são erros decorrentes quer da má tradução para o inglês, quer da falta de conhecimento que têm os ateus sobre as leis canônicas da Igreja Católica.

Sobre os erros de tradução, a citada discussão da Wikipedia disse que, em um ponto, chegou-se ao absurdo de que the word “excepted” has been transformed into “accepted”, thereby reversing the meaning (!!!). E este ponto é precisamente o parágrafo 72 da instrução, usado pela UNA para mostrar que a Igreja impunha silêncio às vítimas de pedofilia. Na tradução do blog ateu:

72. Essas coisas devem ser tratadas conforme [as regras dos] pecados de solicitação [que] são válidas aqui, mudando apenas aquelas coisas necessárias para adaptá-las à sua natureza exata, a de pior de todos os pecados [o texto segue e adverte que todos estão obrigados a denunciar um eventual transgressor ao Superior Hierárquico, sob as penas da lei da Igreja, a menos que o conhecimento dos fatos tenha sido obtido por  Segredo de Confissão].

Isto foi dito baseado na versão inglesa do documento, que diz (grifos meus) “having accepted the obligation of the denunciation from the positive law of the Church”. Contudo, o original em latim diz claramente (de novo, meus grifos) “excepta obligatione denunciationis ex lege Ecclesiae positiva”. Francamente, isso não é nem mesmo uma falsa cognata! O que impediu o sujeito que fez a tradução para o inglês de escrever a tradução imediata “excepting the obligation of the denunciation”? Devido ao erro de tradução e à inversão do sentido da frase, a UNA disse que, “nos casos de abuso de menores, prevalece a lei da imposição do silêncio”. Não é verdade. Nos casos de abuso de menores – o “pior de todos os pecados” -, não existe a obrigação de se fazer a denúncia ao Superior e, por conseguinte, não existe o voto de silêncio que é feito nesta denúncia.

Na verdade, não fosse – de novo – por aquele estranho fenômeno ao qual alude o jornalista na citação em epígrafe, os ateus deveriam ter percebido que havia alguma coisa estranha. Imposição de silêncio pontifício para casos de parafilias com “PORCOS, ÉGUAS, GALINHAS E VACAS”? Isso pode fazer sentido na cabeça atéia preconceituosa, mas ofende o bom senso. O voto de silêncio que é exigido nos casos de crimes de solicitação decorre da natureza sigilosa da penitência sacramental. O segredo de confissão é absolutamente inviolável e, por isso, as denúncias de crimes que ocorrem neste contexto também estão envoltas em sigilo. Não havendo Confissão Sacramental, não existe imposição de segredo; e, assim, fica desmascarada esta que talvez seja a mais cretina calúnia contra a Igreja que já tive a oportunidade de analisar aqui no Deus lo Vult!. Agradeço à UNA pela oportunidade.

Por último, e já esclarecida a questão principal e mais importante sobre a falsa “imposição de silêncio” da Igreja às vítimas de pedofilia, resta uma questão de somenos importância sobre se a Crimen Sollicitationis ainda está em vigor ou não. O cân. 6, logo na segunda página do CIC, diz o que segue:

Cân. 6 – §1. Com a entrada em vigor deste Código, são ab-rogados:

[…]

3º Quaisquer leis penais, universais ou particulares, dadas pela Sé Apostólica, a não ser que sejam acolhidas neste Código;

[Código de Direito Canônico]

Sempre soube que, com a entrada em vigor do Código de 1983, ficaram ab-rogadas as leis penais – incluindo, portanto, as excomunhões – promulgadas anteriormente. Na verdade, todo católico sabe (aliás, eu já disse aqui mais de uma vez) que só existem oito excomunhões automáticas, que são (1) revelação de sigilo sacramental, (2) absolvição de cúmplice em pecado contra o Sexto Mandamento, (3) agressão física contra o Romano Pontífice, (4) profanação eucarística, (5) heresia, apostasia ou cisma, (6) sagração episcopal sem mandato pontifício, (7) aborto provocado e (8) tentativa de ordenação feminina [esta, é recente]. Não existe nenhuma excomunhão automática para quem “revela Segredo do Santo Ofício”, desde a promulgação do Código vigente.

No entanto, o documento usado pela UNA para “provar” que a Crimen Sollicitationis continua em vigor é a Graviora Delicta. Esta Carta Apostólica não “evoca e confirma” a instrução de 1962 como disseram os ateus – ela apenas cita a instrução dizendo que até o momento estava em vigor. Na minha opinião, ela foi substituída pela própria Graviora Delicta, por força do motu proprio Sacramentorum Sanctitatis Tutela; por falta de competência, deixo no entanto esta questão para os canonistas, porque ela não faz muita diferença, já que a instrução de 2001 também fala em segredo pontifício para todas as coisas que nela são tratadas: Huiusmodi causae secreto pontificio subiectae sunt.

Demonstrado está, portanto, que a Igreja nunca impôs silêncio às vítimas de pedofilia, nem nos dias de hoje e nem à época da Crimen Sollicitationis. O Segredo Pontifício, antigo “Segredo do Santo Ofício”, decorre – no caso em pauta – do sigilo sacramental e não de uma tentativa da Igreja de “encobrir” os crimes dos Seus pastores; e este segredo, contudo, não se aplica aos casos de pedofilia, ao contrário do que o artigo da UNA se esforçou para provar.

Curtas

– Entrevista com Francis Collins, do Projeto Genoma, que eu não conhecia: Ciência não exclui Deus. É antiga [VEJA, n.º 1.992, Amarelas, 24/01/2007, páginas 11, 14 e 15], mas quem não viu ainda vale a pena ver. O dr. Collins não é um católico – questionado sobre as pesquisas com CTEHs, ele responde que “interromper as pesquisas científicas ou impedir que uma pessoa com uma doença terrível tenha uma vida melhor só porque a religião não aceita determinado tratamento é antiético” -, mas dá algumas respostas interessantes sobre os limites da ciência e a não-oposição entre ela e a Fé.

– Olavo de Carvalho sobre o pe. Lodi: Suprema Iniqüidade. “A partir do momento em que o Supremo Tribunal Federal acatou a sentença que condenara o Pe. Luiz Carlos Lodi da Cruz pelo crime de chamar uma adepta do aborto de abortista, os demais casos de emprego do termo no mesmo sentido passam automaticamente a ser crimes. Cabe portanto às autoridades a escolha entre punir todos os seus autores – isto é, a população nacional em peso, excluído o modestíssimo contingente dos militantes pró-aborto que jamais tenham usado a palavra proibida (o que não é o caso de todos eles) –, ou então deixá-los todos impunes e castigar discricionariamente um só, o Pe. Luiz Carlos Lodi da Cruz”.

– Recebo um email da “Editora Partilha”, que não faço idéia do que seja. Era este folder, oferecendo-me o Calendário da Campanha da Fraternidade 2010. Tema: Economia e Vida. Lema: “Vocês não podem servir a Deus e ao dinheiro”. Homenageados: indistintamente, Dom Hélder, Dom Luciano, Irmã Dulce, Madre Teresa de Calcutá, Dom Aloísio e Irmã Dorothy. Domine, miserere!

Dom Tissier: “Nunca assinaremos acordos”. O bispo da FSSPX foi peremptório na entrevista que concedeu: “Nunca assinaremos acordos; as discussões não avançarão ao menos que Roma reforme suas posições e reconheça os erros aos quais o Concílio levou a Igreja”. Rezemos para que o amor-próprio de alguns não tornem natimortos os importantes debates sobre o Concílio Vaticano II que se delineiam no horizonte. E já bastante tardaram.

– Achei que o Ecclesiae Unitatem ia passar incólume pela mídia anti-católica, mas me enganei. A Folha mandou um “Papa remove cardeal responsabilizado por crise sobre Holocausto” – impressionante! Mas o Marcio Antonio já comentou muito bem. “Do jeito que saiu a notícia na Folhapress, ficou parecendo que o Papa estava retaliando o cardeal Castrillón pela sua atuação no caso dos lefebvristas. Assim como os idiotas do Estadão fizeram parecer que o Papa tinha aceito a renúncia de dom José por causa do episódio de Alagoinha”.