En Passant

O “Pacientes na Tribulação” resolveu escrever contra um artigo do Veritatis Splendor – artigo este, aliás, que foi posteriormente tirado do ar pelo próprio VS. Não tenho tempo para me meter na polêmica agora [ainda tenho, aliás, algumas pendências com os senhores Sandro Pontes e Felipe Coelho aqui, das quais não me esqueci]; gostaria somente de registrar o ocorrido e comentar uma frase feita nos comentários. O autor do blog disse o seguinte:

Quando os protestantes falam em “Roma”, eles querem atacar a Igreja Católica enquanto instituição. Quando um tradicional usa o termo “Roma modernista”, ainda que impróprio, refere-se aos modernistas infiltrados na Santa Igreja de Roma.

E isso não me parece uma diferença lá muito grande, porque também os protestantes não atacam “a Igreja em Si” com a clareza de consciência de que o estão fazendo, e sim a Igreja Católica que, para eles, não é a Igreja de Cristo. Pari passu, quando os “tradicionalistas” atacam o Papa [que, para alguns, não é o Vigário de Cristo…], a semelhança [antes que comecem os protestos, uso o termo “semelhança” de propósito, a “igualdade” preferindo-o] é evidente.

– Na Argentina [a notícia tem um mês mas eu ainda não comentei sobre o assunto aqui] segue o processo de descristianização da sociedade por meio da campanha de apostasia coletiva promovida no país. Os inimigos da Igreja que, antes, agiam de maneira sutil, envenenando a cultura, promovendo anti-valores nos meios de comunicação, debochando dos religiosos, etc., agora saem às ruas para, às claras, falar em apostasia e em repúdio formal à Igreja de Nosso Senhor.

A campanha de apostasia em andamento na Argentina foi lançada no dia 7 de março com o slogan “Não em meu nome!”. O objetivo é fazer chegar á Igreja católica argentina o maior número de pedidos de apostasia. A este propósito foi criado um site onde os interessados a pedir a apostasia podem baixar e preencher uma carta endereçadas às autoridades eclesiásticas.

Deus tenha piedade da Argentina.

Missas suspensas em Cidade do México, por causa da gripe suína; o México confirmou a oitava morte. Os colégios estão fechados, mas as igrejas não: os fiéis podem continuar a rezar nelas, caso o desejem. Não entendo, portanto, o motivo da suspensão das celebrações; da última vez que isso aconteceu no México, os motivos eram mais sérios e, os resultados, foram mais trágicos [aliás, vale muito a pena – recomendo enfaticamente – ver um velho cristero falando sobre “el gobierno cabrón” e cantando Viva Cristo Rei!]. Que Nossa Senhora de Guadalupe proteja o México: Santa Maria de Guadalupe, a ti rogamos proteção e amparo, para que em breve vençamos essa epidemia que afligiu o nosso país, pois tu nos amas com um afeto especial. Com o teu cuidado maternal velas sobre nós e com a tua intercessão maternal estás sempre disponível para nós.

Garota em São Paulo está grávida da namorada; lesbianismo, dupla de homossexuais cuidando de crianças, fecundação artificial heteróloga, barriga de aluguel: um verdadeiro compêndio de imoralidades e de ofensas à lei de Deus. Segundo a notícia dada por Jamildo, o que as duas querem “é sair da maternidade juntas, com um documento que permita registrar as crianças no cartório com o sobrenome de cada uma e o nome das duas mães na certidão de nascimento”; acaso isso é permitido no Brasil?! Ontem à noite, nasceram os gêmeos. Diante das câmeras. Sob o entusiasmo dos gayzistas de todos os naipes. Tenha Deus misericórdia de nós todos.

CNBB e redução da maioridade penal

Hoje eu não estou com muita paciência… A CNBB emitiu uma nota na qual reafirma posição contrária à redução da maioridade penal. Incrivelmente, um documento desta natureza é divulgado até em ZENIT! Cabe fazer algumas perguntas:

1. Onde a Igreja ensina que é errado ser a favor da redução da maioridade penal? Não encontrei tal informação nem no Catecismo da Igreja Católica, nem no Compêndio de Doutrina Social, e nem no site do Vaticano. Pode ser que eu não tenha procurado direito e, portanto, se alguém tiver essa informação, será de grande valia.

2. Se “[a] pena tem como primeiro objetivo reparar a desordem introduzida pela culpa” (CIC 2266), qual a justificativa para que fiquem isentos de pena os menores de 18 anos [quando eles, aliás, já podem dirigir, votar, casar-se…]?

3. Se “[c]rianças, adolescentes e jovens precisam ser reconhecidos como sujeitos na sociedade e, portanto, merecedores de  cuidado, respeito, acolhida e principalmente oportunidades” (nota da CNBB citada), por que a esses sujeitos não pode ser reconhecida a responsabilidade por seus atos?

4. Caso este tema esteja entre aqueles sobre os quais é lícito aos católicos terem uma posição ou outra, por que motivo uma Conferência Episcopal – que, teoricamente, em um certo sentido representa todos os católicos – toma posição pública por uma solução em detrimento da outra? Acaso a Conferência não fala pelos católicos e não deve defender as posições católicas? Ou ela pode dividir o rebanho tomando posição pública sobre temas diante dos quais o fiel católico é livre para optar por caminhos distintos?

5. Se os católicos podem ser a favor da redução da maioridade penal, não percebe a Conferência Episcopal que, emitindo um documento público como o que ela emitiu, de certo modo obriga os católicos que discordam da nota a também tomarem posição pública contra a própria Conferência? Acaso isso é prudente?

6. A tomada de posição pública sobre temas que não são obrigatórios para todos os católicos [como a redução da maioridade penal], obrigando por conseguinte alguns católicos a se colocarem contra a Conferência, acaso não enfraquece as manifestações públicas sobre posições que – estas sim – são obrigatórias e absolutamente indiscutíveis, como o aborto? Acaso não enseja a comentários do tipo “ah, se quando a CNBB fala sobre a redução da maioridade penal eu não sou obrigado a concordar, então quando ela fala sobre aborto eu também não sou obrigado a fazê-lo”?

7. Qual é a relevância deste tema – e da abordagem que sobre ele foi feita – para a maior glória de Deus, a salvação das almas e a exaltação da Santa Madre Igreja? Ou por acaso são outros – e não estes – os fins que almeja a CNBB?

O custo da Arca

Um amigo mostrou-me este post do controle remoto. No início, achei que era somente mais uma das falcatruas envolvendo a Igreja Universal do Reino de Deus, daquelas sobre as quais nem adianta mais falar porque todos já estão cansados de saber. E, talvez, seja mesmo; não conheço a IURD para além das piadas feitas entre amigos e das manchetes que acompanho com vívido desinteresse, de modo que talvez isso que eu li agora seja expediente corriqueiro por aquelas bandas. Mas vamos ao que interessa.

O sr. Edir Macedo está pedindo ajuda para manter o site da Arcauniversal, baseado na seguinte prestação de contas apresentada no seu blog:

Aqui vão as despesas mensais com o site do Arca Universal:

  • – Hospedagem de Servidores
  • – Salário dos Funcionários
  • – Serviço de Imagens
  • – Luz/Água/Telefone + Gastos Administrativos

Em um Total de Custos de: R$ 107.622,00

E o sr. Felipe Neto está indignado com as despesas superfaturadas. Eu não sei o que são “serviços de imagens” nem o quê exatamente entra em “gastos administrativos”; mas me parece evidente que esta quantia empregada mensalmente para manter um site, se é que é realmente empregada, é um desperdício. Por quê? Simplesmente porque as coisas básicas para deixar o site funcionando – a hospedagem e [vá lá!] luz/água/telefone -, somadas a um salário justo para uma quantidade razoável de funcionários, fica muito aquém disso. Agora, se este “serviço de imagens” inclui processamento pela NASA, se os “gastos administrativos” cobrem as despesas com os processos que a IURD sofre, e se entre os funcionários estão especialistas em futilidades pagos a peso de ouro, aí sim a conta, talvez, atinja o valor estipulado pelo sr. Macedo.

É óbvio que é indecente gastar cem mil reais por mês para deixar um site funcionando. Este primeiro ponto é incontestável; no entanto, há dois outros pontos periféricos na história toda que eu não quero deixar de abordar.

Primeiro: o sr. Felipe disse no seu blog, logo no início do texto sobre o Edir Macedo: “Seu poder [de Edir Macedo] de mentiras e lucro através da fé só perde para a Igreja Católica pré-Reforma, por meados do século XV e XVI, com suas indulgências, venda de um pedaço no céu, venda de salvação das almas dos mortos, venda de pedaços da cruz de Cristo e ossos dos apóstolos”. Alto lá, sr. Felipe Neto, alto lá! Não aceito que a Igreja de Nosso Senhor seja comparada, sob nenhuma ótica, com esta ante-sala do inferno chamada Igreja Universal do Reino de Deus. É engraçado: até mesmo para falar mal do Edir Macedo, é necessário atacar a Igreja Católica! Nunca houve “mentiras e lucro através da fé” na Igreja de Nosso Senhor, nem na “pré-Reforma” e nem em nenhum outro momento da História. Os abusos cometidos por alguns membros do clero sempre foram combatidos pela instituição. Para sustentar a sua calúnia, deve o sr. Felipe Neto mostrar a bula papal que contém a contabilidade devidamente documentada dos gastos com os terrenos do Céu e relíquias dos santos, anexadas às tabelas de indulgências e do pedido formal de doações. Acaso ele pode fazer isso? Nós, católicos, no entanto, podemos provar que a simonia [comércio de coisas sagradas] era proibida muito antes de Lutero

Segundo: muito mais grave do que o dano provocado ao corpo é o dano provocado à alma; muito mais sério do que roubar dinheiro, é roubar das almas a Fé Católica e Apostólica sem a qual é impossível agradar a Deus. As irregularidades cometidas pela Igreja Universal não são a raiz do seu problema; são conseqüência de um problema de fundo muito mais sério, que é a tentativa de se colocar – por conta própria – uma outra igreja no lugar d’Aquela que foi estabelecida por Nosso Senhor. O problema radical do sr. Macedo et caterva não é financeiro, é teológico e, deste, decorrem todos os outros. Enquanto isso não for levado em consideração, podem denunciar mil e uma irregularidades, podem fazer provérbios e contar anedotas, podem conduzir investigações e abrir processos, que as cabeças do monstro vão renascer uma a uma por mais que se as cortem.

Viagem à Terra Santa: oportunidade de resgatar a verdade histórica

O Santo Padre estará, dentro de quinze dias, em uma peregrinação à Terra Santa. Sairá da Itália na sexta-feira 08 de maio e retornará a ela na sexta-feira seguinte, 15 de maio. Está programada uma “Visita ao Memorial de Yad Vashem em Jerusalém”, às 17:45 da segunda feira 11 de maio, onde o Papa fará um discurso; no entanto, há comentários de que o Papa não visitará o Museu do Holocausto, que fica no memorial, e que contém uma foto de Pio XII com um texto que lança dúvidas sobre a atuação do falecido Pontífice durante a Segunda Guerra Mundial.

Sinceramente, os “irmãos mais velhos” não ajudam. Parece que compraram a lenda negra fabricada contra Pio XII muito tempo depois de sua morte; por que motivo existe, num museu, ao que parece com a conivência passiva da comunidade judaica, uma sala [ou um quadro ou sei lá o quê] que denigre a imagem do homem que salvou no mundo mais judeus do que qualquer outro na história?

Não são todos os judeus, é questão de justiça frisar. A International Raoul Wallenberg Foundation [que não é uma fundação judaica, ao que me conste] está tentando “obter testemunhos de judeus salvos por católicos durante o Holocausto”. Tal campanha é “uma forma de celebrar a presença do Sumo Pontífice na Terra Santa e o abraço fraternal entre católicos e judeus que a mesma simboliza”. Não sei a quantas anda este trabalho, mas sei que o site da IRWF tem abundante material sobre o assunto. Por exemplo: Catholic saved Thousands during HolocaustCatholic diplomat who saved 30.000 refugees was remembered. Dois nomes: Father Marie Benoit [padre capuchinho] e Aristides de Sousa Mendes [diplomata português]; dezenas de milhares de judeus salvos durante a Guerra. Por que essas coisas nunca são lembradas?

Vale também a pena ler o artigo do prof. Valter de Oliveira, chamado Nazismo: Pio XII e os católicos foram omissos?, disponível no seu blog. “A Igreja teve, tem e terá filhos infiéis. Mas, por outro lado, a História aí está para atestar tudo o que, através de seus filhos, fez e faz pelo bem da humanidade”. Se a Igreja possui filhos infiéis, possui também santos em profusão, porque Ela própria é Santa e Santificante. Só uma análise seletiva da história, dando ênfase naquilo que convém e varrendo para debaixo do tapete o que não se coaduna com o próprio preconceito, é capaz de não se deixar convencer por esta verdade. Todo o edifício da difamação histórica anti-católica está assentado sobre esta metodologia de “mostrar o que confirma a minha tese e descartar tudo o que a contraria”. É eficaz, mas não é honesto, e a mentira não pode durar para sempre: há aqueles que não se deixam seduzir por análises irresponsáveis e eivadas de preconceito.

Vai o Papa a Terra Santa – que ele faça uma boa viagem! Que a presença do Vigário de Cristo na terra onde viveu e morreu o Salvador possa trazer abundantes graças para toda a humanidade e, em particular, para os judeus: que o véu que lhes cobre o coração (cf. II Cor 3, 15) possa ser retirado e sua inteligência obscurecida (cf. id. ibid., v. 14) possa ser iluminada pelas luzes do Espírito Santo. E que o trabalho feito por aqueles que estão verdadeiramente compromissados com a verdade histórica possa frutificar e sobrepujar o preconceito anti-clerical que existe em abundância nos nossos dias.

Cerimônia de premiação de Dom José

Infelizmente, eu não estava aqui quando houve a cerimônia de entrega do prêmio Cardeal Von Galen a Dom José Cardoso Sobrinho. Foi na última quinta-feira; eu estava em Aracaju, numa cerimônia de ordenação presbiteral. Entretanto, muitos amigos estavam presentes na cerimônia, que foi muito bonita e teve – graças a Deus – uma boa repercussão. De Aracaju, eu rezava por Sua Excelência que, em Recife, era homenageado; quando voltei a Recife, fiquei sabendo de mais detalhes sobre a noite.

Teve uma boa repercussão; o site da Arquidiocese publicou uma nota sobre a homenagem. O site da Comunidade Shalom também publicou. Vários jornais também o fizeram [cf. o pequeno “recorte de notícias” publicado pelo Wagner Moura]. LifeSiteNews.com,  como não poderia deixar de ser, também noticiou o fato, fazendo com que ele tivesse alcance internacional.

E temos também o material por nós mesmos produzido. Um amigo, o Claudemir Júnior, tirou algumas fotos e publicou no seu álbum pessoal do Picasa; vale muito a pena ver. Vale também a pena ler a narrativa de um outro amigo, o Anderson Pontes, que estava presente e pôs no blog da Paróquia das Graças as suas impressões sobre a noite.

Demos graças a Deus porque temos um Arcebispo sério, fiel à Igreja de Cristo e zeloso para com as leis de Deus. A atitude heróica de Dom José foi premiada; sua fidelidade foi reconhecida. Unimo-nos também nós àqueles que, na última quinta-feira, prestaram homenagem a um Sucessor dos Apóstolos digno da plenitude do Sacramento da Ordem que possui. Parabéns, Dom José Cardoso!

A lenda do “Corpus Christi”

Recebi nos últimos dias [de novo…] uns emails sobre um filme chamado “Corpus Christi”, cuja estréia estaria marcada para os próximos meses. Tratar-se-ia de um filme onde Nosso Senhor e os discípulos seriam retratados como homossexuais, e o email enviado propunha que se fizesse um abaixo-assinado para tentar impedir o seu lançamento. Eu já sabia que era um hoax [e, aliás, um hoax antigo], mas parece que o negócio tem enganado muita gente de boa fé. A Catholic League enviou um email contendo o seguinte teor:

Hoax “Corpus Christi”

Muitas pessoas contactaram a Liga [perguntando] sobre os rumores de que a peça [de teatro] anti-católica “Corpus Christi” está sendo transformada em um filme a ser lançado neste verão. Por favor, esteja avisado de que isto é um hoax.

Já faz bastante tempo que está na rede a denúncia de que se trata de HOAX. Aliás, vale uma leitura completa deste dossiê, do qual eu destaco duas coisas:

Pois bem, o filme não existe. Pelo menos até este momento (outubro de 2008) não há sequer notícia da intenção de fazê-lo. No entanto, uma peça intitulada Corpus Christi foi encenada na Broadway (Nova Iorque) em 1998. Nela, o autor Terrence McNally apresenta Cristo e seus apóstolos como homossexuais. (Veja Terrence McNally’s Corpus Christi Under Attack in Indiana [o link do Quatro Cantos está errado. Este aqui está correto]).

e

Essa lenda circula pela Europa desde os anos 80 antes mesmo de a Internet tornar-se o meio ideal para tal tipo de divulgação. Na década de 80 e princípio da de 90, essa história se propagava via fax e correio. Naquele tempo, como hoje, não existia nenhum filme sobre esse tema.

Prestemos atenção: a lenda circula desde os anos 80 e só em 1998 – i.e., no final dos anos 90 – a peça foi representada. Ou seja, é bem possível que a repercussão que a lenda teve tenha motivado a sua realização. Portanto, precisamos enterrar de vez este assunto, por dois motivos: o primeiro porque ele é falso, e nós temos muito mais coisas – verdadeiras – com as quais nos preocuparmos; e, o segundo, para que alguém não tenha a infeliz idéia de produzir realmente este filme, depois de toda a propaganda feita pelo hoax. Já basta a peça blasfema e todas as outras blasfêmias que acontecem quotidianamente e com as quais temos que nos preocupar – não precisamos de outras.

Ateísmo Irracional

[Texto anterior: O agnóstico ateu]

Ateísmo irracional

Chegamos portanto àquele que é, a meu ver, o principal motivo pelo qual o ateísmo não se difunde tão facilmente nos nossos dias quanto o Cristianismo se difundiu na Idade Média: não é de modo algum evidente que Deus com certeza não exista, e esta idéia só a muito custo penetra na mente das pessoas. É necessário um verdadeiro bombardeio de falsos argumentos, unido ao desejo interior e a priori de que Deus não exista, para que alguém “se convença” de tão anti-natural tese.

Façamos desde já uma ressalva muito importante. Não estou chamando de “irracional” o ateísmo porque ele seja oriundo de uma loucura qualquer, sem contar com nenhum elemento racional. Não é isso. É claro que os argumentos ateus fazem um certo sentido – caso contrário, o número dos seus adeptos seria consideravelmente menor do que é hoje. O problema é que eles – ao contrário do que muitas vezes pretendem – simplesmente não esgotam a questão.

Imagine um Deus Onipotente – pode dizer um ateu. Este Deus pode criar uma pedra tão pesada que nem Ele mesmo consiga carregar? A resposta a esta questão pueril é muito simples: não, não pode, porque tal pergunta (e qualquer variante dela: o machado que tudo destrói contra a porta indestrutível, a meia-calça indesfiável contra as Facas Ginsu, etc) pode ser resumida em sua formulação mais genérica que é “Deus pode não poder”? E é claro que Deus não pode não poder, e isto, ao invés de provar a inexistência da onipotência divina, está na própria definição de “Todo-Poderoso”. Lembro-me de um catecismo antigo que trazia uma pergunta parecida com “Deus pode pecar ou morrer?” – cito de memória e não ipsis litteris. E a resposta dada era: não, Deus não pode pecar e nem morrer, porque tais coisas são frutos de fraqueza e não de potência. A plenitude da potência – a Onipotência – exclui a fraqueza. Pretender “provar” a impossibilidade da Onipotência desrespeitando a sua própria definição não é honesto e não prova nada.

Tome então o paradoxo de Epicuro, pode acrescentar o nosso ateu. Em linhas gerais: se Deus conhece o mal e pode acabar com ele e não o faz, então não é bondoso; se é bondoso e pode acabar com o mal e não o faz, então é porque não o conhece [não é onisciente]; se sabe que o mal existe, é bondoso e não acaba com ele, então é porque não pode [não é onipotente]. Faltou a Epicuro, no entanto [provavelmente por ter vivido antes do Cristianismo], uma quarta possibilidade para o seu Deus: e se Ele é bondoso, conhece o mal, pode acabar com ele e não o faz de imediato porque tem planos melhores?

A resposta ao problema do mal, reconheçamos, não é fácil. Mas a Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo erguida diante de nós ensaia-nos uma resposta: o sofrimento tem sentido. Ele não é um mal absoluto, porque pode produzir [e amiúde produz] o bem. É análogo a, suponhamos, um pai que castiga o seu filho para ensiná-lo: a criança pode não entender, ou entender mal, o castigo que sofre, mas o pai sabe o que está fazendo. Também nós podemos não entender, ou entender mal, o porquê de existir mal no mundo: mas Deus o sabe. Deus permite o mal no mundo, pois, para respeitar a liberdade humana e porque pode tirar deste mal um bem ainda maior: eis as linhas gerais da resposta cristã. Que – vale salientar, antes que comecem os protestos dos ateus que não a aceitem – não é de modo algum uma demonstração da existência de Deus, mas sim uma alternativa a Epicuro que se propõe a eliminar o paradoxo por ele introduzido na definição de Deus.

E se o mundo “sempre existiu” – pode perguntar, por último, o nosso ateu – e não precisar, portanto, de ter sido criado em um dado momento? E se a ciência demonstrar que a matéria, ao menos em suas partículas elementares, não pode ser destruída e, portanto, tudo indica que ela “sempre existiu” mesmo? Para a teologia, isso à primeira vista não apresenta nenhum problema, porque [p.ex.] o inferno “sempre existiu” e vai existir para sempre e, nem por isso, a gente prescinde de Deus para criá-lo. Portanto, em uma resposta sucinta: se as coisas criadas “sempre existiram” – coisa que julgo muitíssimo pouco provável e que nem sei se é ortodoxa, admitindo aqui apenas para argumentar com o nosso ateu imaginário -, mesmo assim, pelo simples fato de serem criadas, elas precisam de um Criador.

A menos que elas fossem “incriadas”, mas a falsidade disso é empiricamente constatável. As coisas visíveis estão em constante movimento, degeneram-se, mudam, transformam-se: percebe-se que falta algo a elas, algo de onde elas possam tirar o próprio ser, que nelas sempre se apresenta… mutável. Os teístas, ao contrário do que devem pensar os ateus, não multiplicam os elos da corrente sem necessidade: se, ao investigar a Causa das causas, nós não paramos no Universo e damos um passo além para chegarmos a Deus, é porque o Universo não atende aos requisitos necessários para ser Causa Não-Causada, e não porque queiramos “multiplicar os entes” sem motivos.

A Fé, portanto, pode trazer argumentos em sua própria defesa e, se não os consegue erigir em demonstração matemática, é porque a natureza do objeto estudado é diferente e não o permite. A descrença, via de regra, resume-se a caluniar a Igreja Católica, “refutar” inadequadamente os argumentos em favor da existência de Deus, e apresentar considerações que tampouco se apresentam com a clareza de uma demonstração matemática. Os ateus, portanto, não provam as suas próprias teses da maneira que exigem que os teístas provem as suas. Podem optar por elas? Poder, podem (embora seja imprudente: lembrem-se de Pascal…), mas precisam entender que não são o baluarte do racionalismo contra as trevas religiosas, dado que a sua descrença é também culturalmente influenciada e não existe demonstração definitiva alguma da veracidade de suas teses.

O agnóstico ateu

[Texto anterior: A cultura atéia]

O agnóstico ateu

Como já foi colocado, uma coisa é não saber que Deus existe; outra, bem diferente, é saber que Deus não existe. O agnóstico pode afirmar a primeira; a segunda, no entanto, afirma-a o ateu. Se o agnóstico pode alegar em sua defesa a ausência de provas da existência de Deus, o ateu, no entanto, para embasar a sua afirmação peremptória, precisaria prová-la. A questão que se coloca, por conseguinte, é: como provar que Deus não existe?

Não dá para provar que Deus não existe. Desconheço até mesmo qualquer tentativa atéia de fazê-lo: todas as justificativas dos ateus para mostrar como é “racional” a sua posição resumem-se a [tentar] refutar os argumentos em favor da existência de Deus. Ora, em boa lógica, todo mundo sabe que a refutação de um argumento é somente a refutação do argumento, e não da tese; Schopenhauer até elenca entre os estratagemas da sua dialética erística [cf. “Como vencer um debate sem precisar ter razão”] um que consiste em tomar a prova de uma certa coisa por esta coisa em si. Em poucas palavras: “refutar” um argumento que se proponha a demonstrar a existência de Deus não é a mesma coisa de refutar a existência de Deus. Isso é claro. Mas muitos ateus não o percebem ou, se o percebem, agem como se não houvesse uma grande diferença entre uma coisa e outra.

Tomemos um agnóstico: um sujeito que se abstém de decidir pela existência ou inexistência de Deus, por considerar que não é possível saber se é verdade uma coisa ou a outra. Aceitemos – vá lá! – que uma mente aleijada graças ao envenenamento pela cultura descristianizada da qual falávamos anteriormente seja, de fato, incapaz de saber que Deus existe. O que ele deve fazer? A resposta correta para este dilema foi enunciada de maneira lapidar pela famosa “aposta de Pascal”: se não dá para saber se Deus existe e se, entre as duas posições a serem tomadas, uma delas fica entre ganhar tudo (caso esteja certa) e não perder nada (caso esteja errada) e, a outra, entre não perder nada (caso esteja certa) e perder tudo (caso esteja errada), é muito mais razoável “apostar” pela primeira, isso é, que Deus existe. Nós fazemos isso o tempo todo nas nossas vidas: ninguém tira órgãos para transplante de alguém que não se sabe se está morto, ninguém contrata um engenheiro que não se sabe se é formado em engenharia, ninguém liga um aparelho eletrônico de 110v em uma tomada que não se sabe se é 110v ou 220v, etc. É também famoso o princípio do Direito que diz que, na dúvida, deve-se decidir a favor do réu: in dubio pro reo. Ora, se nessas coisas mais simples a prudência manda optar por aquilo que vai causar o maior bem e/ou evitar o maior mal, mesmo que não se tenha certeza, por que motivo haveríamos de agir diferente quando a nossa incerteza é sobre uma coisa tão crucial quanto a existência de Deus?

Um agnóstico razoável, portanto, deveria acreditar que Deus existe, mesmo que estivesse convencido da impossibilidade de demonstrá-lo. Só que eu nunca vi um agnóstico agir dessa maneira: todos eles agem como se Deus não existisse, comportando-se na prática como se fossem realmente ateus. O ateísmo é uma escolha muito séria, que não pode deixar margem para dúvidas – lembremo-nos de Pascal. Portanto, um ateu que tenha consciência do que está fazendo precisa estar certo de que Deus não existe, sob pena de estar correndo um risco que ninguém em sã consciência ousaria correr. Dado, contudo, que não dá para demonstrar a inexistência de Deus, existe uma pergunta que não quer calar: de onde vem a certeza dos ateus?

Espantar-nos-ia constatar que ela não vem de lugar nenhum? É mera crença, que se impõe ao intelecto sem necessidade de demonstrações. Mera crença, que pode ter diversas explicações – desde a confusão acima mencionada entre a refutação da demonstração e a da tese, passando por problemas morais à aceitação da idéia de que existe um Deus, até puro preconceito, incompreensão do problema da existência do mal ou outros obstáculos intelectuais, etc. -, mas nunca razões verdadeiras. Aliás, diga-se de passagem, ao contrário da Fé, que sempre pode aduzir razões em seu favor…

Temos, portanto, que os “argumentos” em desfavor da existência de Deus poderiam conduzir no máximo ao agnosticismo, mas nunca ao ateísmo. Não obstante, vemos o tempo inteiro ateus encherem o peito para explicarem a sua opção por caminhos que a ela não conduzem de nenhuma maneira! Não se passa do agnosticismo ao ateísmo sem ser por meio de uma crença gratuita e irracional. Não deixa de ser irônico que todo o edifício construído pelos paladinos das luzes contra o obscurantismo medieval esteja assentado sobre bases tão frágeis como estas.

A cultura atéia

[Texto anterior: O nascimento de um ateu]

A cultura atéia

Sem pretensão de oferecer uma análise exaustiva da descristianização da nossa cultura, aponto três aspectos dela em particular que, no meu entender, muito colaboram para a proliferação dos ateus no mundo contemporâneo: os ataques à Igreja Católica, o desprezo da boa filosofia e o crescente progresso científico dos últimos séculos.

A Igreja Católica é a Igreja fundada por Nosso Senhor Jesus Cristo, é – fora de quaisquer dúvidas – a maior e mais eloqüente testemunha de que existe, indubitavelmente, um Deus que Se deixa alcançar pelos seres humanos por Ele criados. Lembro-me de que, há alguns anos, um amigo meu – católico convicto, convertido do protestantismo – disse que, caso a Igreja Católica não fosse verdadeira, ele seria ateu, porque então nada existiria. Há muito de verdade nesta frase, porque a Igreja reúne em Si a totalidade de tudo aquilo que é verdadeiramente espiritual; ora, se até mesmo a Igreja Católica for falsa, então todo o resto é também falso. A Igreja é o verdadeiro alvo das campanhas que tentam banir Deus da nossa cultura, exatamente porque os que fazem isso sabem perfeitamente que, caindo a Igreja, cai toda a religião – dado que em todas as demais religiões nada existe de verdadeiro que não pertença, por direito, à Igreja Católica e Apostólica.

A mais eficaz maneira de conduzir as pessoas ao ateísmo é, portanto, desacreditar a Igreja Católica, maior prova da existência de Deus que pode ser encontrada no mundo visível, dado que é obra fundada pelo próprio Deus. É por isso que, num mundo onde o catolicismo é menosprezado, onde os mais variados rótulos odiosos são aplicados à Igreja, onde Ela é alvo constante de um tão grande número de ataques que se torna tremendamente difícil encontrá-La por debaixo da poeira levantada pelos projéteis contra Ela atirados, o ateísmo pode crescer. Se a Igreja é falsa, tudo o mais é falso: os ataques à Igreja fornecem, portanto, excelente matéria-prima para o nascimento dos ateus.

O desprezo à boa filosofia vem engrossar as fileiras dos que militam pela descristianização da cultura ocidental. Também aqui não tenho tempo e nem tampouco competência para uma análise profunda, mas desejo apenas dar uma pincelada sobre o assunto: é francamente de se espantar o desdém que a nossa cultura nutre pela metafísica, como se fosse coisa de pouca monta, ou como se se resumisse a devaneios de desocupados, ou como se estivesse no campo das meras opiniões particulares! Como se as grandes mentes da humanidade que ao longo dos séculos se tivessem debruçado sobre estes problemas tivessem apenas desperdiçado tempo e energia.

Quando acontece de alguém ler, p.ex., as Cinco Vias de Santo Tomás de Aquino e pretender ser capaz de “refutá-las” com meia dúzia de argumentos simplórios (como se ninguém tivesse sido capaz de pensá-los até o século XX!), uma pessoa dessas certamente não entende o que está em discussão. Ou ela não sabe a quê se propõe a metafísica – que não é a mesma coisa de um experimento de laboratório, vale salientar – ou não lhe concede valor. Tomemos um exemplo da primeira opção: demonstra-se a existência de um Criador a partir das coisas criadas. Quando se percorre a seqüência até o fim e se chega ao Não-Criado, e um dos “refutadores” de Santo Tomás aplica a Navalha de Ockham (!) para “eliminar um passo” e dizer que o próprio Universo [p.ex.] pode ser incriado… o que dizer? É óbvio que o Universo não pode ser “incriado”, não pode ser o Primeiro Motor Imóvel simplesmente porque… ele (é empiricamente constatável) se move, se transforma, é contingente! Se uma pessoa não percebe isso, então ela não entende o que está discutindo. Aristóteles e Santo Tomás revirar-se-iam no túmulo caso vissem a qualidade dos “filósofos” que os desafiam!

Pode-se também não conceder valor à metafísica por achar que todo conhecimento digno deste nome é o dito “científico”. A única realidade existente – ou pelo menos a única digna de atenção – seria aquela mensurável em laboratório e reprodutível in vitro. Tal ilusão é fruto do deslumbramento provocado pelo progresso da ciência e pelos benefícios dele advindos. Não que o progresso em si seja uma coisa ruim – de modo algum, é excelente. Mas a má-formação filosófica das pessoas, como foi dito acima, faz com que elas passem a idolatrá-lo! E isso, sim, é inaceitável. É como se elas ouvissem: “ouve, ó século XX! A Ciência é o único conhecimento, e fora d’Ela não há nenhum outro”. Comportam-se, então, como sacerdotes de um novo culto intolerante, e não aceitam que haja mais nada para além dos limites da Deusa-Ciência. A caricatura não é exagerada, pois muitos comportam-se [à parte a terminologia] exatamente assim.

Eis, pois, em linhas gerais (mais não exaustivas), a cultura que propicia e enseja o surgimento de ateus: privados da Igreja Católica, amputados da sã filosofia e deslumbrados com os avanços da ciência, os homens findam por cair na descrença. O progresso científico provocou um terrível fascínio nas almas daqueles que não conseguiam mais enxergar a Verdadeira Igreja nem sabiam mais a arte do bom pensar, fascínio semelhante àquele que os fenômenos naturais provocavam nos povos primitivos: um e outro degenerou em uma crença irracional.

Ao me referir ao ateísmo falo em “crença”, sim, porque existe uma passagem nada sutil entre o agnosticismo e o ateísmo, mas que no entanto quase todo mundo realiza sem lhe dar a menor importância. É sobre ela que pretendo falar um pouco agora.

O nascimento de um ateu

Inicio hoje uma pequena série de despretensiosas considerações sobre o ateísmo. Se é verdade que sempre, desde que o mundo é mundo, existiram pessoas que não acreditavam em Deus, é igualmente verdade que, hoje em dia, o número dos que abraçam semelhante tese é bem mais considerável do que já foi em outras épocas. Acredito que seja também verdade que nunca na história houve um – chamemo-lo assim – “ateísmo militante” tão violento como o que vemos hoje em dia. De onde vem semelhante descrença? Qual é, na verdade, o cerne da discussão entre ateus e teístas? Tais perguntas que se apresentam não possuem respostas triviais. De maneira alguma pretendo esgotar o assunto; o meu objetivo é tão-somente expôr algumas (em grande parte, particulares) opiniões sobre esta realidade.

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O nascimento de um ateu

Já ouvi por algumas vezes alguém dizer que o ateísmo é a “condição natural” do ser humano, porque ele nasce sem acreditar em Deus e, só depois, com a educação que recebe, com a influência da cultura onde vive, passa a abraçar tal ou qual religião. Não acredito que a tese possa ser subscrita assim, simpliciter, por uma razão bastante simples: se é óbvio que uma criança não tem nenhuma ciência da existência de Deus, ela igualmente não tem nenhuma ciência da Sua não-existência. Uma criança recém-nascida não é “atéia”; ela simplesmente ignora a existência de Deus, como ignora também uma série de outras coisas que só com o tempo vai passar a conhecer. O ateísmo não se apresenta, até onde eu saiba, como a “ignorância” de Deus (se bem que ele possa muito bem ser assim definido, mas deixemos isso para uma outra oportunidade), e sim, ao contrário, como o conhecimento de que Deus não existe. E este conhecimento, é óbvio que as crianças não possuem.

Deveriam, portanto, os ateus, que se vangloriam de serem racionais, pararem de equiparar a ignorância infantil à afirmação madura, consciente e deliberada de que Deus não existe. São duas coisas completamente diferentes. O ateísmo não se apresenta como “não saber que Deus existe”, e sim como “saber que Deus não existe”: a posição da partícula negativa na frase faz toda a diferença. Ninguém, portanto, “nasce” ateu; a pessoa passa a ser atéia quando, após atingir a idade da razão, após considerar por conta própria o problema da existência de Deus dentro da cultura na qual está inserida, opta por acreditar na Sua não-existência – exatamente como qualquer processo de “nascimento” de um religioso. O ateísmo não está imune à influência externa que ele tanto critica na formação da consciência religiosa. Também ele é construído, e não inato, como algumas vezes quer pretender.

Dizem-nos, por vezes, que “você é cristão porque nasceu no Ocidente; caso houvesse nascido em algum país do Oriente Médio, seria muçulmano e, portanto, a religião é meramente um produto cultural determinado pela aleatoriedade do lugar onde a pessoa nasceu e foi educada”. Se formos aceitar isso em suas linhas gerais [porque é óbvio que não existe este determinismo absoluto sentenciado, haja vista a existência, p.ex., de cristãos no Oriente Médio e de muçulmanos no Ocidente], poderemos igualmente dizer ao nosso interlocutor: você só é ateu porque nasceu no século XX do Ocidente descristianizado, e esta sentença não seria menos verdadeira do que a primeira. Alguns ateus gostam de pensar que, se tivessem nascido na Idade Média, seriam queimados nas fogueiras da Inquisição; eu julgo isso muitíssimo pouco provável, e tal erro é decorrente da mania que têm os ateus de analisarem-se a si próprios “isolados” da cultura onde nasceram. Se tivessem nascido na Idade Média, os ateus de hoje seriam, em sua grande maioria, cristãos e bons cristãos. Porque aí eles respirariam cristianismo desde a mais tenra infância, e não seriam envenenados pela triste cultura que hoje vivemos.

Parece-me fora de qualquer discussão que a cultura na qual vivemos propicia e enseja o surgimento de ateus, de um modo análogo àquele segundo o qual a cultura cristã da Europa Medieval propiciava e ensejava o surgimento de católicos. Se, no entanto, os ateus quiserem julgar o mundo inteiro com base em um modelo que não aceitam aplicar a si próprios, então eles não estão dispostos a discutirem seriamente – simples assim. Não é honesto utilizar dois pesos e duas medidas. Se os ateus querem enfatizar a importância da cultura no nascimento dos religiosos – coisa que, até onde eu saiba, é indiscutível -, devem também enfatizar a importância da mesma no nascimento de si próprios.

“Ah, mas se o meio cultural do Ocidente do século XX provocasse o surgimento de ateus, então estes seriam a maior parte da população, como os católicos o eram na Idade Média”, alguém pode dizer. Negativo, por três motivos. Em primeiro lugar, porque não existe determinismo na escolha religiosa [ou irreligiosa] dos indivíduos; influência, sim, mas necessidade, não. Em segundo lugar, porque hoje em dia existe ainda, embora em menor escala, a influência religiosa [principalmente – ainda! – no seio familiar], de modo que esta é capaz de oferecer uma opção [graças a Deus, ainda abraçada por muitos] à descrença. Em terceiro lugar, porque o ateísmo é – digamo-lo francamente – uma escolha que repugna a razão, de modo que são necessários grandes esforços para enfiá-la na cabeça das pessoas. Voltaremos a este último ponto mais adiante. Agora, falemos um pouco sobre o porquê da civilização ocidental descristianizada ser terra fértil para o aparecimento dos ateus, sem a qual o número destes não chegaria jamais a ser significante.