Quem debocha da Igreja é de Cristo que debocha

Causou-me espanto esta notícia segundo a qual uma revista jesuíta (!), em solidariedade à Charlie Hebdo, após o recente atentado, resolveu publicar algumas charges do semanário francês agressivas ao Catolicismo (!!). Segundo explicou originalmente Étvdes, a tese era que rir de certos traços da instituição “Igreja” era «uma demonstração de força» (!), uma vez que mostrava que aquilo a que os católicos estavam realmente ligados [Cristo, suponho] está «além das formas sempre transitórias e imperfeitas [nas quais a Igreja visível se manifesta, acredito]».

[No original francês a que tenho acesso somente de segunda mão: C’est un signe de force que de pouvoir rire de certains traits de l’institution à laquelle nous appartenons, car c’est une manière de dire que ce à quoi nous sommes attachés est au-delà des formes toujours transitoires et imparfaites.]

A extravagante iniciativa recebeu diversas críticas; em particular este pedido de um jesuíta francês por «um pouco de bom senso» merece-nos alguma atenção. Como é possível que um católico ache que o escárnio da sua Fé é algo cuja divulgação possa ser sequer considerada por uma revista religiosa? A falta de visão sobrenatural e a pouca importância com a qual os editores da Étvdes tratam as coisas mais importantes da vida são de estarrecer. A revista – que se diz «de culture contemporaine»… -, com isso, mais parece um veículo de toda a podridão debochada, de mau gosto e descartável que se auto-intitula “cultura” nos dias de hoje. Desse tipo de mundanidades o mundo já está muitíssimo bem servido. Para quê pôr religiosos no desempenho de tão deplorável papel?

As caricaturas foram posteriormente retiradas. No lugar delas, a revista pôs uma nota sobre a «Repercussão», dizendo que a reprodução das irreverências era «um meio de afirmar que a fé cristã é mais forte do que as caricaturas que [dela] se podem fazer, ainda que os cristãos se sintam ofendidos». Ora, a explicação não faz nenhum sentido.

Primeiro, porque é óbvio que a fé cristã é mais forte do que as caricaturas. Qualquer ideia é mais forte do que as representações caricaturescas que os seus oponentes possam conceber para a ridicularizar. Isso independe da veracidade ou falsidade da ideia, sendo um simples dado da realidade: por definição, a caricatura é menor do que o caricaturizado. Também a fé islâmica ou o Nationalsozialismus são maiores do que as garatujas de Maomé ou os cartuns antinazistas britânicos da década de 30, por exemplo.

Segundo, porque quem se ofende são as pessoas mesmo, e não as suas crenças. Em qualquer agrupamento humano civilizado, é esta a razão que faz com que certos comportamentos sejam socialmente aceitos e, outros, reprováveis. Pretender que não haja problema com a blasfêmia porque “Deus Todo-Poderoso pode muito bem aguentar uma piada” é uma argumentação que não tem cabimento nem teológica e nem sociologicamente. Teologicamente é um absurdo, porque do fato de Deus ser perfeitíssimo só segue que a Sua glória intrínseca não sofre dano com o pecado dos homens: a glória extrínseca d’Ele, por sua vez, dado que depende não d’Ele próprio mas do mundo que Lhe é externo, aumenta ou diminui de acordo com os homens honrarem-No ou O rejeitarem. E sociologicamente é um nonsense porque, para além de quaisquer possíveis desavenças teológicas, indiscutivelmente o crente é ofendido com a blasfêmia, e isso por si só dificulta o bom e pacífico relacionamento entre os cidadãos que é um dos fins mais óbvios de qualquer sociedade.

Terceiro, por fim, porque a revista comodamente “se esqueceu” do que dissera anteriormente – e que é o seu erro maior. A questão de fundo é que, para os jesuítas da Étvdes, como eles disseram originalmente, há uma distinção radical entre um Cristo invisível e espiritual e as instituições humanas que se reúnem para falar d’Ele, há uma Igreja espiritual que nada tem a ver com a Igreja visível e histórica: isto, sim, explica que eles não vejam problema em escarnecer da Igreja Católica!

O problema é que tal se trata de uma concepção herética incontáveis vezes condenadas: a Igreja Católica é o Corpo Místico de Cristo e, portanto, não existem essas «formes toujours transitoires et imparfaites» além das quais a revista parece crer que Cristo está. Entre incontáveis outros, quem o disse – e muito recentemente – foi o próprio Papa Francisco: «Nenhuma manifestação de Cristo, nem sequer a mais mística, pode jamais ser separada da carne e do sangue da Igreja, da realidade histórica concreta do Corpo de Cristo». O que passa pela cabeça desses jesuítas franceses, que não dão ouvidos ao Papa nem mesmo quando é um jesuíta a sentar-se no sólio pontifício?

«Quem vos ouve, a mim ouve; e quem vos rejeita, a mim rejeita», disse Cristo aos Apóstolos – à Igreja, portanto (cf. Lc X, 16). Estas palavras continuam válidas nos dias de hoje, e em observância a elas podemos muito bem concluir: quem debocha da Igreja é de Cristo que debocha. Não se trata de nenhuma conclusão teológica de altíssima sofisticação: é matéria de doutrina católica a mais comezinha, da mais básica piedade popular. É questão de bom senso! Bom seria se os editores da Étvdes não tivessem somente retirado os cartoons blasfemos por conta da repercussão que eles tiveram. Bom seria se estes jesuítas tivessem se dado conta de que, na verdade, escarnecem de Cristo quando não se pejam de escarnecer da Igreja d’Ele.

O Sínodo e o homossexualismo: Papa Francisco e o Beato Paulo VI

Como parece que não há até agora nenhuma tradução, oficial ou oficiosa, para nenhuma língua civilizada afora o italiano, do relatório final do Sínodo dos Bispos (no último sábado publicado), ofereço aqui os meus dois tostões com os parágrafos referentes ao homossexualismo:

A atenção pastoral a respeito das pessoas com orientação homossexual

55. Algumas famílias passam pela experiência de possuir, entre seus membros, pessoas com orientação homossexual. A respeito dos que nos interrogam sobre quais cuidados pastorais são oportunos nestas situações, [em resposta] referimo-nos a quanto ensina a Igreja: «Não existe fundamento algum para assimilar ou estabelecer analogia, nem mesmo remota, entre as uniões homossexuais e o desígnio de Deus sobre o Matrimônio e a família». Inobstante, os homens e as mulheres com tendências homossexuais devem ser acolhidos com respeito e delicadeza. «Em relação a eles, evitar-se-á todo traço de discriminação injusta» (Congregação para a Doutrina da Fé, Considerações sobre os projectos de reconhecimento legal das uniões entre pessoas homossexuais, 4).

56. É totalmente inaceitável que os pastores da Igreja sofram pressões nesta matéria, [bem como] que os organismos internacionais condicionem o auxílio financeiro aos países pobres à introdução de leis que instituam o “matrimônio” entre pessoas do mesmo sexo.

Relatio Synodi, 55-56

Os termos são estes e apenas estes. Não há outros parágrafos; desapareceu toda aquela história de «accettando e valutando il loro orientamento sessuale» e quetais que tanta celeuma provocou na semana passada. No lugar dela, a referência peremptória, clara e cristalina, ao ensino da Igreja: entre as uniões homossexuais e o Matrimônio não é possível estabelecer sequer uma analogia remota. Sumiu a referência às «coppie dello stesso sesso»; em seu lugar, uma referência negativa ao “matrimônio” – com as aspas no original! – «entre pessoas do mesmo sexo», que os organismos sociais não poderiam impôr como condição ao fornecimento de auxílio financeiro aos países pobres.

A mídia, naturalmente, fez o seu burlesco espetáculo: «Vaticano elimina “boas-vindas” a gays em documento final do Sínodo». Uma verdadeira piada. Ora, se as referidas “boas-vindas” forem no sentido de alterar o ensino moral da Igreja, então não as há neste documento final como não havia tampouco no primeiro. Se, ao contrário, trata-se de estar sempre de portas abertas aos pecadores, quaisquer que sejam os seus pecados, então há tantas “boas-vindas” na versão preliminar quanto no relatório definitivo. Em uma palavra: a redação é outra, e a mensagem é a mesma. Contudo, o primeiro texto dava muito mais margem para interpretações tresloucadas do que o último, e portanto é um verdadeiro bálsamo que este tenha saído do jeito que saiu.

E mais: se é regra hermenêutica básica, de qualquer discurso, que as passagens mais ambíguas e vagas sejam interpretadas à luz das mais claras, então o Relatio Synodi determina e especifica o sentido do Relatio post disceptationem na semana passada divulgado. É isso: os parágrafos 50-52 do relatório preliminar diziam exatamente o que eu disse aqui que eles diziam, qual seja,

que os homossexuais «[d]evem ser acolhidos com respeito, compaixão e delicadeza»; e ainda que, para com eles, «[e]vitar-se-á (…) qualquer sinal de discriminação injusta» (CCE 2358).

Os próprios termos do relatório final foram os que eu usei no post do blog quatro dias antes! Não, isso não significa (necessariamente…) que os cardeais consultam o Deus lo Vult! nas horas vagas para descobrir a melhor forma de redigir um documento eclesiástico. Significa, tão-somente, que o sentido dos textos da Igreja deve ser buscado em referência aos outros documentos correlatos, e não ao desiderato da mídia. Porque a Doutrina Católica, ao contrário dos mass media, não muda ao sabor do momento. Aos incréus perdoa-se que ignorem essas coisas. Os católicos, que temos Fé, não podemos nos prestar a tão deplorável espetáculo.

Uma última coisa: o Papa Francisco beatificou ontem, no Vaticano, o seu predecessor Paulo VI. Na homilia, destacou o seguinte (grifo meu):

Nesta humildade, resplandece a grandeza do Beato Paulo VI, que soube, quando se perfilava uma sociedade secularizada e hostil, reger com clarividente sabedoria – e às vezes em solidão – o timão da barca de Pedro, sem nunca perder a alegria e a confiança no Senhor.

Não sei se todos conhecem em detalhes a dramática história: uma comissão fora instituída, ainda nos tempos de João XXIII, para estudar a doutrina da Igreja referente à contracepção. A expectativa de que a Igreja flexibilizasse o Seu ensinamento, bem como a pressão para que Ela o fizesse, eram então enormes. De fato,

na primavera de 1967, quatro documentos da comissão vazaram e foram publicados em inglês e francês. Estes documentos revelavam que a maioria dos membros estava a favor de mudar o ensinamento tradicional sobre a anticoncepção e que tinham recomendado isso ao Papa.

A imprensa fez uma festa com os documentos que vazaram. Os católicos do mundo inteiro receberam a impressão de que a Igreja preparava uma “mudança em seu magistério” sobre a questão da anticoncepção. Consequentemente, as esperanças e expectativas falsas se fortaleceram.

[…]

Os documentos deixam claro que, desde o começo da expansão de tal comissão, sob o governo papal de Paulo VI, o secretário-geral da comissão, o sacerdote dominicano Henri de Riedmatten, de acordo com outros membros de igual opinião, estava decidido a persuadir o Papa para que mudasse o ensinamento da Igreja (no referente à anticoncepção).

Quando se votou, em 20 de junho de 1966, dos 15 bispos, membros da comissão que estavam presentes, 9 votaram a favor da mudança. Além disso, 12 dos 19 especialistas teólogos apoiaram a mudança, assim como quase todos os conselheiros legais. Tristemente, inclusive o teólogo pessoal de Paulo VI, Dom Carlo Colombo, deixou claro que ele achava que poderia haver métodos anticoncepcionais em consonância com a tradição moral da Igreja.

No entanto, para a maior glória de Deus, o que veio foi a Humanae Vitae. E o resto da história nós já conhecemos.

Será que ela não se repete? Vejo (P.S.: não fui o único e nem o primeiro a vê-lo) um notável paralelo entre a contracepção na década de 60 e o homossexualismo nos dias de hoje, bem como entre as expectativas anteriormente provocadas nos católicos do século passado e estas, que a mídia contemporânea está tão empenhada em semear entre os descendentes daqueles. Haverá o mesmo paralelo entre Paulo VI e o Papa Francisco? A beatificação de ontem me deu essa esperança. Que o novo Servo de Deus possa olhar com particular zelo pela Igreja que ele precisou capitanear “às vezes em solidão”. Que a sua coragem e clarividência inspirem o Papa Francisco; que ele, pela intercessão do Beato Paulo VI, possa ser um timoneiro prudente – ainda que incompreendido… – a guiar a Igreja de Cristo nessas águas tumultuosas dos dias correntes.

Dom Fabien Raharilamboniaina, OCD, fala-nos do Papa e de Teresinha

[FonteThérèse de Lisieux
Tradução: Pedro Ravazzano]

Quando de nossa visita “ad limina”, dos bispos de Madagascar, no momento em que me apresentei como bispo carmelita, diante de todos os meus confrades, o Santo Padre tomou a palavra para partilhar conosco da sua experiência com Santa Teresa do Menino Jesus.

Ele nos disse que descobriu a espiritualidade de Santa Teresinha em 1991 e que depois desta data Teresa não deixou de realizar surpresas em sua vida, inclusive nos tempos atuais. A santa sempre envia um sinal quando intercede por ele. Teresa está além das nossas expectativas e nos dá o que sequer imaginamos.

O Papa nos convidou a celebrar a Missa no outro dia pela manhã na Casa Santa Marta. Ele celebrou em ação de graças pela intercessão de Santa Teresinha. Depois da Eucaristia, perguntou o meu nome sem eu saber o porquê.

Alguns minutos depois, surpreendi-me quando o próprio Papa me buscava pelo telefone, em meu quarto em Santa Marta. Infelizmente ou providencialmente, eu estava ausente. Contudo, ele enviou uma pessoa em minha procura quando já estava a ponto de partir. Este funcionário me guiou até os seus aposentos.

O Papa estava orgulhoso de me mostrar as relíquias de Santa Teresinha e dos seus pais que se encontravam ao lado do seu escritório. Eu estava maravilhado. O Papa Francisco confirmou a sua proximidade com a espiritualidade de Teresa, tão simples e essencial, mas de modo eficaz. Ele me convidou à oração, pedindo a Teresinha pela minha missão. Nós dois rogamos a Teresa a fim de que seus pais realizassem um milagre para a canonização e sobretudo neste momento do sínodo sobre a família.

Eu estava maravilhado pela simplicidade e pela confiança do Papa, pelo seu amor à Teresinha. Ele novamente me convidou à Casa Santa Marta: “Venite a dialogare”, conforme a sua expressão.

Durante a nossa estadia em Santa Marta, nós tomamos café-da-manhã, almoçamos e jantamos junto ao Santo Padre no mesmo refeitório. Alegrava-me ao vê-lo falando diretamente com os cozinheiros, entrando na cozinha para perguntá-los da comida, de prepara-nos e servir-nos um arroz que é próprio nosso, refeição principal malgaxe.

De volta ao meu país, Madagascar, estamos agora nos preparando ativamente para a visita das relíquias da família Martin, de Santa Teresinha e dos Beatos Luís e Zélia, que virão em nossa casa em 2015, durante o período da JMJ local que reunirá cerca de 40.000 jovens.

Retirado e traduzido de “Thérèse de Lisieux – La revue du Sanctuaire, Juin 2014”

Oração a São João Paulo II

[Fonte: Infovaticana.]

Estampa-San-Juan-Pablo-II

Ó São João Paulo, das janelas do Céu dá-nos a tua bênção! Abençoa a Igreja que amaste, serviste e guiaste, empurrando-A corajosamente pelos caminhos do mundo a fim de levar Jesus a todos e todos a Jesus. Abençoa os jovens, que foram a tua grande paixão. Ensina-os a sonhar, ensina-os a olhar para o alto a fim de encontrar a luz que ilumina os caminhos desta vida daqui.

Abençoa as famílias, abençoa cada família! Tu advertiste contra o assalto de Satanás contra esta preciosa e indispensável centelha do Céu que Deus acendeu na terra. São João Paulo, protege com tua oração a família e cada vida que floresce na família.

Roga pelo mundo inteiro, ainda marcado por tensões, guerras e injustiças. Tu combateste a guerra invocando o diálogo e semeando o amor: roga por nós, para que sejamos incansáveis semeadores de paz.

Ó São João Paulo, das janelas do Céu, onde te vemos próximo a Maria, faz descer sobre todos nós a bênção de Deus. Amen.

“Efeito Francisco”: Missas mais cheias e filas mais longas nos confessionários

[Publico uma tradução de um texto do Tornielli (em espanhol aqui) sobre os efeitos que o Papa Francisco tem provocado nos católicos americanos. Parece-me sinceramente difícil negar os bons frutos deste Pontificado.

As coisas não me parecem mais “confusas” do que (p.ex.) no ano passado, a despeito de todos os esforços da mídia anti-clerical para seqüestrar o Papa Francisco. Ao contrário, as informações que o Card. Dolan nos trazem dizem o extremo oposto disso: as missas estão mais cheias, há mais interesse sobre a Fé Católica e os confessionários são mais procurados. Os confessionários! Somos tão ímpios ao ponto de ousar pôr em dúvida a eficácia dos Sacramentos da Igreja Santa de Deus? Perdemos tanto assim o senso do sobrenatural que somos incapazes de ver o horizonte enfeitar-se com as cores do arrebol agora, quando mais e mais almas acorrem ao Sacramento da Penitência?

Olhemos o que acontece a nosso redor. Não deixemos que o azedume de alguns feche-nos os olhos às maravilhas da Graça de Deus que, a despeito das limitações humanas, sempre encontra uma maneira de frutificar. Não nos esqueçamos desta verdade: Cristo Crucificado sempre atrai as almas a Si. Ainda que nos esforcemos por afastá-las d’Ele.]

Cardeal Dolan confirma o “efeito Bergoglio” nos Estados Unidos

Em uma entrevista à  CBS: «Meus párocos falam de mais gente nas missas e de filas maiores nos confessionários»

O “efeito Bergoglio” sente-se também nos Estados Unidos, segundo confirmou o cardeal Timothy Dolan, Arcebispo de Nova York, que chegou ao final de seu mandato como presidente da Conferência Episcopal do país.

O purpurado falou sobre o assunto em uma entrevista com a CBS, na qual disse perceber o efeito do novo pontificado «a cada momento». «Não posso caminhar pelas ruas de nossa amada Nova York – explicou – sem que as pessoas se aproximem e me digam: “Ei, obrigado pelo Papa Francisco. Fizeram um excelente trabalho. Nós o adoramos”.

Tenho ouvido nossos párocos, que sempre estão na linha de frente, dizerem que aumenta o número de pessoas nas missas dominicais e que as filas dos confessionários estão cada vez maiores. Aumentam as perguntas sobre a Fé Católica e também as esmolas».

O Arcebispo de Nova York também respondeu sobre o questionário de 39 perguntas enviado às Igrejas locais em vista do próximo Sínodo da Família: «O que o Papa nos está perguntando é: como podemos apresentar melhor o ensino da Igreja? Como podemos ser mais eficazes em ensinar? E como podemos alcançar com o amor e a compaixão aqueles que têm dificuldades em viver a doutrina da Igreja?».

As Verdades Eternas estão aí: ouçamo-las!

Trago aqui algumas recentes palavras do Papa Francisco, nas suas homilias na capela da Domus Sanctae Marthae. Ponho no original italiano (com a respectiva tradução logo abaixo) porque gostei sobremaneira das expressões originais; «ma, guardi» e «se ne fanno tanti», entre outras, são de uma sonoridade deliciosa. Quase imagino o Papa falando.

Não lembro quem foi que me disse ter ficado encantado com o Papa Francisco logo ao final da «Urbi et Orbi» do Habemus Papam, quando ele disse «buona notte e buon riposo». Digam o que disserem a respeito desta informalidade que não raro parece uma intimidade excessiva: há muitas pessoas carentes no mundo, as quais espero serem capazes de melhor assimilar o Evangelho de Cristo nestes termos do que no (inobstante tão necessário) latim eclesiástico das fórmulas solenes.

Veja-se, à guisa de exemplo, o discurso sobre supostas aparições marianas abaixo. A gente pode gastar um bocado de latim para justificar o porquê de certas aparições precisarem ser tratadas no mínimo com reservas; mas um meme do Vigário de Cristo dizendo que a SSma. Virgem não é chefe dos Correios tem um impacto incomparavelmente maior. A gente pode escrever tratados e mais tratados sobre a ditadura do relativismo, mas nada se compara a Sua Santidade chamando de adúlteros os que decidem fazer o que todo mundo faz. Podemos falar diuturnamente contra a maldição do aborto, mas muitas pessoas não vão assimilar o nosso discurso até ouvirem o Sumo Pontífice falar em leis modernas que protegem sacrifícios humanos. Obrigado, Santo Padre!

Sem mais delongas, ouçamos o Papa Francisco:

«Ma, guardi, la Madonna è Madre! E ama tutti noi. Ma non è un capo ufficio della posta, per inviare messaggi tutti i giorni. [Q]ueste novità allontanano dal Vangelo, allontanano dallo Spirito Santo, allontanano dalla pace e dalla sapienza, dalla gloria di Dio, dalla bellezza di Dio» (14 de novembro de 2013).

[«Mas, olhem, Nossa Senhora é Mãe! E nos ama a todos. Mas [Ela] não é chefe dos correios para mandar mensagens todos os dias. Esta novidade nos afasta do Evangelho, afasta-nos do Espírito Santo, afasta-nos da paz e da sabedoria, da glória de Deus, da beleza de Deus.»]

– «Questa gente — ha proseguito il Papa tornando al racconto biblico — ha trattato con il re, ha negoziato. Ma non ha negoziato abitudini… ha negoziato la fedeltà al Dio sempre fedele. E questo si chiama apostasia. I profeti, in riferimento alla fedeltà, la chiamano adulterio, un popolo adultero. Gesù lo dice: “generazione adultera e malvagia” che negozia una cosa essenziale al proprio essere, la fedeltà al Signore» […] Farà bene anche a noi, ha suggerito il Pontefice, pensare a quanto raccontato dal libro dei Maccabei, a quanto è accaduto, passo dopo passo, se decidiamo di seguire quel «progressismo adolescenziale» e fare quello che fanno tutti (18 de novembro de 2013).

[«Esta gente – prosseguiu o papa voltando ao relato bíblico [dos Macabeus] – tratou com o rei, negociou [com ele]. Mas não negociou [meros] costumes… negociou a fidelidade ao Deus sempre fiel! E isto se chama apostasia. Os profetas, referindo-se à [falta de] fidelidade, chamaram-na de adultério, um povo adúltero. Jesus o disse: “geração adúltera e malvada” que negocia uma coisa essencial ao próprio ser: a fidelidade ao Senhor» […] Far-nos-á bem, disse o Pontífice, meditarmos naquilo que é contado no livro dos Macabeus: nisto que ocorre, pouco a pouco, se decidimos seguir aquele «progressismo adolescente» e fazer o que todo mundo faz.»]

– «Voi pensate che oggi non si fanno sacrifici umani? Se ne fanno tanti, tanti. E ci sono delle leggi che li proteggono» (id. ibid.).

[«Pensais que hoje não se fazem sacrifícios humanos? Fazem-se tantos, tantos…! E há leis que os protegem!»]

São palavras duras e verdadeiras. Ouçamo-las! Depois, não poderemos dizer em nossa defesa que não sabíamos. Não poderemos nos justificar dizendo que pensávamos ser o novo Papa diferente dos anteriores. As Verdades Eternas estão aí; e, em um certo sentido, de um modo até mais acessível do que estavam nos lábios dos seus predecessores.

“Uma Igreja que pode e não pode mudar” – Avaliação da obra de John T. Noonan

[Publico interessante tradução de uma resenha publicada na revista «Nova et Vetera» a respeito de alegadas “mudanças” no ensino moral da Igreja ao longo dos séculos: em temas como juros, escravidão, indissolubilidade matrimonial e liberdade religiosa, mas é fácil ver que coisas análogas podem ser ditas para outros temas polêmicos – como as greves, por exemplo. A tradução foi-me enviada por um amigo, ao qual agradeço.]

Uma Avaliação da Obra de John T. Noonan
“A Church that Can and Cannot Change”.

Por: Lawrence J. WELCH, Ph.D.,
Professor de Teologia Sistemática.

[“John T. Noonan’s A Church that Can and Cannot Change: An Evaluation.”
In: Rev. Nova et Vetera, vol. 4, fasc. 3, verão de 2006, págs. 697-708.
Cfr. “docwelch.net/noonanRevforweb.pdf”.]

[Introdução: o autor e sua tese]

John T. Noonan é um juiz federal do Tribunal de Recurso dos Estados Unidos e estudioso bastante conhecido por seu trabalho na história da ética. A presente obra aborda o problema do desenvolvimento e mudança doutrinal com relação à escravidão, à usura, à liberdade religiosa e à autoridade do Papa de dissolver matrimônios naturais. O tema do desenvolvimento doutrinal e da mudança doutrinal já faz tempo que interessa a Noonan, remontando até 1947, quando ele estudou a questão da liberdade religiosa, e a uma dissertação de filosofia de 1951 sobre a usura. O magistrado Noonan é conhecido também pelo tempo em que fez parte da sedizente Pontifícia Comissão para o Controle de Natalidade, quando ele pôs-se ao lado dos que defendiam uma mudança e reversão no ensinamento da Igreja sobre a contracepção.

O título do livre presente [“Uma Igreja que Pode e Não Pode Mudar”] exprime a convicção de Noonan de que, embora a Igreja não possa alargar nem reduzir o depósito da fé confiado a ela, a Igreja poderia mudar em “continuidade com suas raízes” (7). É inegável que a doutrina se desenvolve. O argumento central do livro de Noonan parece ser que o desenvolvimento doutrinal em muitos casos envolveria uma completa reversão do prévio ensinamento da Igreja, que estava equivocado e era errôneo. Noonan julga que o desenvolvimento é dirigido pela regra da fé. Ele explica essa regra da fé com a ajuda de Agostinho, que afirmou que o verdadeiro entendimento da revelação divina é do tipo que edificará o “duplo amor de Deus e do próximo” (222). O desenvolvimento emerge da experiência humana que é aprofundada pela fé. A mudança social e a identificação com a experiência do “do outro” permitem aos cristãos superar seus erros morais. Escravidão, liberdade religiosa, usura e divórcio (aplicado a matrimônios não-sacramentais) serviriam todos de exemplo.

[A Igreja e a escravidão]

Os capítulos que tratam da Igreja e da escravidão ocupam mais de cinquenta por cento do livro. Noonan argumenta que, ao longo da maior parte de sua história, a Igreja aceitou a escravidão como uma instituição que era simplesmente parte da sociedade. Embora o Novo Testamento não tenha confrontado a instituição da escravidão, Noonan acredita, corretamente, que o NT estipulou os paradigmas que acabaram por solapá-la ao longo de um extenso período de tempo. O mandamento de amar ao próximo como a si mesmo, a injunção de Paulo a tratar o escravo com amor (Epístola a Filemon) e sua proclamação de que em Cristo Jesus não há escravo nem livre, foram todas coisas que trabalharam contra a aceitabilidade moral da escravidão. Sem embargo, cristãos, e mesmo alguns papas, foram donos de escravos. Nenhum Padre da Igreja, nenhum Doutor da Igreja, nenhum Papa e nenhum decreto conciliar da Igreja jamais fez uma condenação completa que abrangesse toda e qualquer escravidão. Noonan reconhece, sim, que a Igreja de fato trabalhou para suavizar os efeitos da escravidão de alguns modos. A Igreja defendeu certos direitos para os escravos, e os Papas proibiram a escravização das populações nativas da América. Algumas vezes, segundo Noonan, a Igreja teve de ser incitada a denunciar os males conexos com a escravidão. A história por trás da bula papal de 1839 In Supremo Apostolatus fastigioi (*), na qual Gregório XVI condenou o comércio de escravos africano, serve como exemplo principal. Todas essas coisas, porém, não chegaram a ser uma condenação direta e total da escravidão como instituição.

[(*) Nota do Tradutor: Este importante documento do Magistério da Igreja pode ser encontrado na íntegra, em português, nas págs. 94-98 do livro A Igreja Católica em face da escravidão (São Paulo, 1988), trad. br. por José G. M. Orsini dos capítulos XIV-XIX da obra-prima do filósofo católico espanhol Jaime Balmes (1810-1848), El Protestantismo comparado con el Catolicismo en sus relaciones con la civilización Europea; existe também online outra tradução no site da Associação Montfort.]

É questionável se Noonan faz justiça completamente à história dos esforços da Igreja em mitigar os males da escravidão. Algo do tratamento que ele dá aos materiais históricos parece, por vezes, destacado e achatado. Por exemplo, tome-se o relato feito por Noonan dos eventos em torno da condenação, pelo Papa Gregório XVI em 1839, do comércio de escravos (104-108). Na narrativa da história por Noonan, foi necessária a exortação da Grã-Bretanha protestante, para incitar Gregório XVI a condenar o comércio. Será que os apelos do governo britânico foram a única razão que moveu o Papa a repudiar o cruel comércio de africanos por todo o Atlântico? Por que o Papa foi tão receptivo ao pedido britânico? O relato de Noonan deixa essas importantes questões sem resposta. Ele observa que um pedido anterior, em 1822, de denúncia papal do comércio de escravos foi malsucedido. A Congregação para os Negócios Eclesiásticos Extraordinários, composta principalmente de cardeais que aconselhavam o Papa, relatou que, embora o comércio causasse sofrimento, todavia a escravidão não era contrária à lei natural, e que o Antigo Testamento aprovou-a por princípio. Mas, em 1839, de acordo com Noonan, o mesmo corpo de cardeais-consultores considerou outro pedido britânico de condenação do comércio de escravos africano. A Cúria Romana preparou o estado da questão para os consultores papais reunidos e relatou a eles que “‘os mais competentes dentre os autores e teólogos’ refutaram os argumentos em favor da escravidão e do comércio de escravos’” (106). Os cardeais-consultores aceitaram a declaração do problema pela Cúria e, desta vez, conta Noonan, os consultores prosseguiram assistindo o Papa na formulação de uma proibição do comércio de escravos. Mas Noonan deixa as perguntas óbvias sem resposta. Por que os consultores papais em 1839 deram ao Papa uma conclusão completamente oposta, sobre o comércio, daquela que fora dada em 1822? O que estava se passando no pensamento católico na época, que levou os consultores a estas diferentes conclusões num intervalo de somente 17 anos? O leitor é deixado a ver navios, se indagando sozinho sobre esta lacuna da história e sobre a importância dela para o entendimento dos bastidores da bula papal que condenou o comércio de escravos.

O importante para Noonan, ao fim e ao cabo, é mostrar que no caso da escravidão o que antes fora considerado não pecaminoso teria sido mais tarde declarado intrinsecamente mau, ou seja, sempre e em toda parte mau. Ele contrasta os pensamentos de John Henry Newman, autoridade preeminente sobre desenvolvimento da doutrina, com o ensinamento papal do Papa João Paulo II. Newman comentou certa vez uma palestra proferida por William Allies, um católico converso, que defendia que a escravidão fosse intrinsecamente má. Newman respondeu que, se bem que a escravidão é má e deve desaparecer, ela não era intrinsecamente má. Embora má, a escravidão nem sempre e em toda parte era má. Nem toda forma dela era má per se. Por mais ojeriza que ele tivesse pela escravidão, Newman explicou que os escritores inspirados das Escrituras, especialmente Paulo, impediam-no de declarar intrinsecamente má a escravidão. Paulo não disse a Filemon: ‘Libertai todos os vossos escravos imediatamente.’ Pelo contrário, ele deixou a escravidão para o lento desenrolar dos princípios cristãos.

[A dificuldade apresentada por João Paulo II
e a Gaudium et Spes]

Em contrapartida, o Papa João Paulo ensinou que toda escravidão era intrinsecamente má. Noonan argumenta que essa mudança na doutrina aconteceu primeiramente em 1993 na encíclica Veritatis Splendor, que incluiu a escravidão numa lista de males sociais que se diz serem intrinsecamente mais. Ele aponta também para um discurso que o Papa proferiu no Senegal, na ilha de Goreia, na sede da infame “Casa dos Escravos”, onde ele denunciou a escravidão e o comércio de escravos. Ali o papa disse: “É oportuno que seja confessado, com toda a verdade e humildade, esse pecado do homem contra Deus.” Noonan observa que o que não foi mencionado nessa confissão foi o quão recentemente esse pecado havia sido descoberto. Mas o leitor não é alertado para o inteiro contexto do discurso do papa, cujo tom frisa a continuidade com uma declaração de um dos predecessores do Papa João Paulo. O papa cita o Papa Pio II, que em epístola a um missionário chamou o tratamento dado aos negros de “crime enorme”, magnum scelus. Visto no contexto, o discurso do Papa João Paulo na Goreia não é uma espécie de reviravolta dramática do ensinamento anterior da Igreja. Não há nada no discurso do papa que indique que ele via a si próprio como fazendo uma mudança na doutrina católica.

Noonan tem um argumento mais forte a partir do que é ensinado na Veritatis Splendor, 80. O argumento dele pode aparentar, à primeira vista, ser irrefutável: o Papa João Paulo fez aquilo que o prévio ensinamento da Igreja não fez, e que os teólogos, como Newman, se recusaram a dizer: a escravidão é intrinsecamente má, sempre e por toda parte má. Logo, o Papa reverteu o prévio ensinamento da Igreja. O argumento de Noonan aqui parece ser muito forte. Mas será mesmo? Será que o Papa pretendeu condenar toda forma de escravidão per se? Será que ele realmente quis corrigir o ensinamento de Paulo, dos Padres da Igreja e dos Papas anteriores? Será que a Veritatis Splendor realmente foi uma tal revogação do ensinamento anterior?

Para começar, é crucial determinar o que o papa quis dizer com escravidão (servitus) na Veritatis Splendor, 80. Que significado e escopo ele deu a essa palavra? Historicamente, existiu o tipo de escravidão de sujeição absolta, que priva as pessoas humanas de todos os direitos pessoais. Existiram outras formas de escravidão, que privaram pessoas de muitos, mas não de todos os direitos pessoais, e existiram muitas outras formas menores de servidão que, hoje, poderiam ser consideradas como equivalentes à escravidão, para fins práticos. Pretendeu o papa que a palavra servitus englobasse toda e qualquer forma de escravidão que apareceu na história, quando ele a deu como exemplo de algo intrinsecamente mau? Os leitores à procura de respostas a essas questões ficarão desapontados, pois Noonan não presta atenção a elas, e são importantes para a interpretação do ensinamento da Veritatis Splendor. Ele pressupõe que o significado do termo servitus na encíclica seja óbvio. Acontece, porém, que o papa usou o termo do mesmo jeito genérico que Noonan reconhece ter sido o da Gaudium et Spes, 27, quando ela incluiu a escravidão na sua lista de males sociais vergonhosos e ofensivos à dignidade humana. Noonan admite que a Gaudium et Spes, 27, usou a palavra servitutis (sic) “sem definição ou elaboração, nem explicação” (120). Só que isso se aplica à Veritatis Splendor também, pois quando a encíclica menciona a servitus como estando entre os males sociais que são intrinsecamente maus, ela cita verbatim a lista da Gaudium et Spes, 27! Esse problema sozinho já deveria ter levado Noonan a ter cautela em concluir que o Papa quisesse declarar que a escravidão em todas as suas formas é intrinsecamente má e, destarte, tencionasse corrigir seus predecessores, muitos Padres da Igreja e autores sacros como Paulo. Tais conclusões parecem temerárias, sem consideração alguma do que foi que o papa quis que servitus significasse, especialmente à luz do fato de que ele a tirou verbatim da Gaudium et Spes, que empregou a palavra sem precisão.

Há outras dificuldades na interpretação também. Por exemplo, Veritatis Splendor, 80, condena a deportação como intrinsecamente má. Se o Papa quisesse condenar toda e qualquer forma de escravidão como intrinsecamente má, então presumivelmente ele teria querido condenar toda e qualquer forma de deportação, igualmente. Devemos crer que é intrinsecamente mau que um Estado deporte estrangeiros que sejam uma ameaça para a sua segurança nacional? Seguramente que o pontífice deixou espaço para algumas distinções e qualificações, para as quais Noonan faz vistas grossas. Nada disso pretende dizer que não haja algo de novo no que o papa ensinou na Veritatis Splendor sobre a escravidão, ou que ele não tenha querido dizer, no mínimo, que certas formas dela são más per se. Seja qual for o desenvolvimento que haja na Veritatis Splendor, 80, Noonan não demonstrou que seja o tipo de revolução na doutrina moral católica pela qual um Papa revertesse completamente ensinamentos errôneos de seus predecessores, dos Santos Padres e dos escritores bíblicos também.

[Uma analogia indevida,
com um objetivo torpe]

O que parece é que Noonan pretende dizer que, se os ensinamentos da Igreja numa área, como a escravidão, podem ser revertidos, eles podem ser revertidos noutras áreas também. Numa passagem sintomática, Noonan repreende o finado John Ford, SJ, o qual, junto de Gerald Kelly, publicou um manual de teologia moral que condenava a “escravidão-mercadoria” (“chattel slavery”) sem perceber, segundo Noonan, que uma tal condenação era uma “mutação enorme” na doutrina moral (117). Ford teria sido incoerente, por admitir uma mudança no ensinamento da Igreja sobre a escravidão, mas sem se dispor a admitir nenhuma possibilidade de desenvolvimento sobre a contracepção. O “desenvolvimento” que Noonan exige aqui, com relação à contracepção, só pode significar uma reversão do ensinamento tradicional da Igreja de que a contracepção é sempre má. O argumento de Noonan parece claro o bastante: a mudança no ensinamento da Igreja sobre a escravidão significaria que outras doutrinas morais, tais como a doutrina contra a contracepção, poderiam mudar ou ser revertidas também.

Há numerosos problemas com esse argumento. Ele é um exemplo do fracasso do livro de Noonan em fazer distinções importantes e em fazer justiça à complexidade do desenvolvimento da doutrina. Há uma grande diferença entre a história complexa do ensinamento da Igreja sobre a escravidão e o ensinamento dela sobre a contracepção. Para começar, em parte alguma Noonan mostra que a prévia aceitação da escravidão pela Igreja, como algo que se acreditava pertencer à estrutura da sociedade, fosse ensinamento definitivo da Igreja considerado irreversível. A doutrina da Igreja respondendo ao mal da contracepção, um mal que sempre envolve a rejeição do plano divino para o pacto matrimonial, é coisa inteiramente diferente e é clarissimamente ensinamento definitivo da Igreja, como o último pontificado assinalou em múltiplas ocasiões. Mesmo que se admitisse que o ensinamento da Igreja sobre a escravidão mudou para melhor, é também verdade que a anterior tolerância da escravidão pela Igreja e a falta de condenação total dela não excluíam a possibilidade de que a Igreja mais tarde a proibisse como pecaminosa — sobretudo, em vista do fato de que a Igreja a via como pena pelo pecado radicado na Queda de Adão e ensinou, com Paulo, que em Cristo ninguém é escravo. É defensável que a mudança e o desenvolvimento no ensinamento da Igreja tenha sido uma fidelidade maior a estes princípios. Nada haveria nem de remotamente semelhante a isto numa reversão do ensinamento da Igreja sobre a contracepção, que envolveria declarar, depois de ensinar durante muitos séculos o contrário, que a frustração intencional da capacidade procriadora humana no ato da relação sexual teria deixado de ser uma coisa que é sempre má.

[A condenação da usura pela Igreja]

Em três sóbrios capítulos Noonan faz uma apresentação justa e altamente informativa da interação entre a doutrina da Igreja sobre a usura e as novas formas de economia que emergiram no começo da idade moderna. Ele mostra como o ensinamento da Igreja sobre a usura foi adaptado para dar espaço a novas circunstâncias econômicas, para permitir a justa compensação pelo risco de perda de um empréstimo, para perdas incorridas na cobrança de um empréstimo e pelos custos associados às atividades bancárias. Noonan monta o argumento de que o desenvolvimento no ensinamento sobre a usura deveu-se não simplesmente a circunstâncias econômicas. O desenvolvimento deveu-se também às “mudanças nas análises feitas pelos teólogos e na aceitação, por eles, da experiência de outros seres humanos” (213). Noonan argumenta que o exemplo da usura demonstra que o desenvolvimento do ensinamento moral da Igreja realmente ocorre pela experiência humana que leva a uma compreensão melhor e mais aguda da natureza humana.

O caso da adaptação da doutrina sobre a usura às circunstâncias econômicas cambiantes e à experiência humana não parece equivaler a uma completa reversão da doutrina original. Afinal de contas, o ensinamento sobre a usura, embora estritamente interpretado, ainda permanece, como Noonan reconheceu em sua obra anterior. Os princípios morais católicos ainda proíbem taxas de juros injustas ou então exorbitantes. Ainda que se concedesse, em prol da argumentação, que a experiência humana levou a uma melhor compreensão da natureza humana, não se segue necessariamente disso que, portanto, a doutrina moral da Igreja sobre outras questões que envolvam a natureza humana esteja sujeita ao mesmo tipo de desenvolvimento. O exemplo da usura não nos dá razão para pensar que certos atos intrinsecamente maus como a contracepção sejam capazes de adaptação similar.

[O problema da liberdade religiosa
ensinada pelo Vaticano II]

Para Noonan, o tópico da liberdade religiosa e do ensinamento do Concílio Vaticano II na declaração Dignitatis Humanae serve como exemplo de como um concílio geral da Igreja rejeitou definitivamente cerca de 1.500 anos de seu ensinamento magisterial, bem como o pensamento de Agostinho e Aquino sobre a questão. Noonan argumenta que o Vaticano II afirmou que a liberdade de crença era um direito sagrado, mas não explicou como o ensinamento prévio, “a velha mensagem da intolerância”, pôde ser posto de lado por um Papa e um Concílio. A descontinuidade entre o ensinamento do Vaticano II e a prévia doutrina da Igreja é apresentada como radical. Ironicamente, nada enxergando além de uma total reversão da doutrina da Igreja, Noonan chega à mesma conclusão, se bem que por razões diferentes, do notório oponente da DH no Vaticano II, Marcel Lefebvre.

É certamente verdadeiro que a declaração DH de liberdade religiosa como direito da pessoa humana e seu reconhecimento de que a Igreja não deve esperar da maioria das sociedades políticas seculares modernas que elas lhe deem reconhecimento e privilégios especiais, foram coisas novas. Noonan, contudo, exagera a descontinuidade da DH com o ensinamento passado da Igreja. Há várias razões para pensar que o ensinamento do Vaticano II sobre a liberdade religiosa não tenha sido de completa descontinuidade com o prévio ensinamento da Igreja. É decepcionante que Noonan não as reconheça nem discuta, nos capítulos dele. Por exemplo, Noonan passa batido, em completo silêncio, pelos indícios na própria DH que mostram que os Padres conciliares não entendiam que o que eles estavam ensinando fosse o tipo de desenvolvimento que equivale a uma completa reversão dos antigos ensinamentos da Igreja. DH, 1, declara que “o concílio pretende desenvolver a doutrina dos papas recentes sobre os direitos invioláveis da pessoa humana e a ordem constitucional da sociedade.” Não haveria muito sentido em os Padres formularem a coisa assim, se tudo o que se vissem fazendo fosse, simplesmente, revertendo o ensinamento anterior da Igreja, e não adaptando e desenvolvendo algumas das implicações dos ensinamentos anteriores num contexto novo. Durante os debates no Concílio, Émile De Smedt, bispo de Bruges e porta-voz da comissão que compôs e editou o texto da DH, argumentou que o ensinamento dela era compatível com ensinamentos prévios da Igreja. Noonan não menciona que teólogos em grande número defenderam a DH como efetivamente possuidora de maior continuidade com a tradição da Igreja, contra aqueles que nada mais viam nela do que uma alteração na fé da Igreja. Até mesmo John Courtney Murray, que era da opinião de que a Igreja havia demorado para reconhecer a liberdade religiosa como princípio ético, pessoalmente e coletivamente, ainda argumentava que a DH fosse “um autêntico desenvolvimento da doutrina no sentido de Vicente de Lérins, ‘um autêntico progresso, e não uma mudança, da fé.’” Ele também sustentou que o Vaticano II pôs de lado “uma teoria mais antiga da tolerância civil em favor de uma nova doutrina da liberdade religiosa mais harmônica com a autêntica e mais plenamente entendida tradição da Igreja.”

A falta de qualquer menção desses importantes indícios em contrário da alegação de Noonan de que a DH foi uma reversão e rejeição sem rodeios do prévio ensinamento da Igreja (157) deixará mal informado o leitor não instruído. Segundo observaram comentadores posteriores, o que documentos tais como a Mirari Vos condenaram não foi a própria liberdade religiosa, mas um conceito filosófico específico e determinado de liberdade religiosa que estava atrelado ao relativismo e a um secularismo antirreligioso. Comentando sobre a necessidade que os teólogos têm de discernir cuidadosamente o processo de mudança através da continuidade, o Papa Bento XVI observou recentemente que a Igreja deve rejeitar uma visão que enxerga a liberdade religiosa como expressando a incapacidade da humanidade de descobrir a verdade. Uma visão dessas implica que o relativismo seja a norma para a sociedade. Há uma diferença enorme entre essa visão da liberdade religiosa e o entendimento que decorre da verdade de que a liberdade de crer tem de vir de dentro e não pode ser imposta de fora, ou uma visão que enxerga a liberdade religiosa como algo exigido pela coexistência humana pacífica. Diante desse pano de fundo, explicar o desenvolvimento do ensinamento da Igreja sobre a liberdade religiosa no Vaticano II principalmente em termos de reversão e rejeição do prévio ensinamento da Igreja não faz jus à tarefa com que se depara o teólogo.

[A dissolução de matrimônios não-sacramentais
vs. o divórcio moderno]

Em quatro capítulos Noonan trata da dissolução de matrimônios não-sacramentais pela Igreja com base no privilégio paulino e no privilégio petrino, em “favor da fé”. Para Noonan, a complexa história dos privilégios mostraria que houve desenvolvimento da doutrina da Igreja sobre o “divórcio” para os não-batizados. Diz-se que essa aceitação do divórcio revelaria um novo entendimento da lei natural e uma interpretação em vias de desenvolvimento do Novo Testamento (214). O magistrado Noonan argumenta que o ensinamento bíblico “O que Deus uniu, homem nenhum separe” parece não admitir exceção e abarcar todos os casos, mas que nenhuma regra ou fórmula é suficiente para “evitar que ela seja torcida ou contornada” (212). Paulo foi o primeiro a dobrá-la e a abrir uma exceção a ela, quando permitiu que uma pessoa convertida à fé se separasse de um cônjuge não batizado.

O modo de Noonan encarar o mandamento divino sobre o matrimônio e a interpretação deste dada por Paulo é demasiado legalista. Nada mudaria realmente para o matrimônio com a vinda de Cristo, exceto pela repetição de uma regra. Na consideração do ensinamento bíblico por Noonan, Cristo nada mais tem a dizer, nada mais tem a dar ao homem para o matrimônio. Nunca parece ocorrer a Noonan que Paulo, com seus intérpretes, tivesse boas razões para pensar que os matrimônios entre uma pessoa cristã e uma não-cristã, por um lado, e os matrimônios entre cristãos, por outro, são diferentes por causa de uma relação com Cristo. Há uma coisa nova que Cristo dá ao matrimônio. Noonan não considera que a vida nova em Cristo dá a graça que permite respeitar o mandamento. Nem, tampouco, lida ele jamais com a importância do modo como o vínculo matrimonial foi elevado, no matrimônio sacramental.

Noonan discute como a Igreja interpretou o texto de Paulo como fundamento para permitir que se recase o cônjuge que crê. Ele observa que a visão predominante dos teólogos em torno da época de Aquino era que o segundo matrimônio do converso, contraído como cristão, dissolvia o primeiro matrimônio, contraído antes do batismo. Ele nota que Aquino explicou que “o mais firme” dissolvia “o menos firme”. Noonan alega que, embora houvesse a doutrina de que o matrimônio é naturalmente indissolúvel, grandes teólogos não contestaram a exceção. Mas, na realidade, o pensamento dos teólogos, como Aquino, aprofundou bastante a explicação de como a Igreja podia dissolver matrimônios não-sacramentais e ainda continuar fiel ao ensinamento bíblico. Por exemplo, Aquino explicou que no batismo de um convertido havia uma espécie de morte, aparentada à morte natural, que efetivamente dissolvia o vínculo corpóreo do matrimônio natural. Quando um convertido é batizado, ele é regenerado e morre para sua vida anterior. Ele deixa de estar vinculado na vida dele àquelas coisas às quais ele estava vinculado na sua antiga vida, “dado que a geração de uma coisa é a corrupção de outra”. Um homem que é regenerado em Cristo “é, mesmo corporalmente, sepultado junto com Cristo na morte” e, assim, é libertado da obrigação de “pagar o débito matrimonial”, mesmo que o matrimônio natural tenha sido consumado. Aquino refere-se aqui ao vínculo corpóreo do matrimônio natural. Uma esposa só tem direito ao corpo do marido na medida em que ele tenha permanecido na vida em que ele se casara, dado que somente ao morrer o marido fica a esposa liberada da lei de seu esposo. (Romanos VII,3). Assim como os incréus (e também os crentes, a propósito) deixam de estar ligados a seu cônjuge após a morte natural, assim também um incréu que receba o batismo e morra em Cristo, deixa de estar ligado ao cônjuge incréu (Supl. Q. 59, a.4, ver também a resposta ad 2).

Sto. Tomás de Aquino, tal como Agostinho, conhecia uma diferença entre o vínculo natural e o vínculo sobrenatural do matrimônio. A diferença entre os vínculos encontrava-se na santidade deles e no que eles significavam. Sto. Tomás mostra como a Igreja entende que existe uma certa hierarquia de vínculos matrimoniais. Ele explicou que o matrimônio natural é imperfeito, e portanto “menos firme”, pois tem a ver somente com a perfeição da natureza, enquanto que o matrimônio sacramental é uma perfeição na graça (ST. Supl. Q.59, a.2). O matrimônio sacramental para Sto. Tomás, é claro, participa na unidade indissolúvel entre Cristo e sua Igreja. O matrimônio em Cristo vincula “mais firmemente”, porque é perfeito. “Ora, a ligação mais firme dissolve a mais fraca, se for contrária a ela” (ST Supl. Q.59, art.5, ad 1). É por esta distinção que Sto. Tomás pode falar não de divórcio, mas da dissolução de um matrimônio natural. A esta luz, o privilégio paulino pode ser visto como algo que está em completa continuidade com o mandamento divino, um mandamento trazido à perfeição e ao cumprimento em Cristo e na união d’Ele com a Igreja. A dissolução do vínculo natural entre uma pessoa não-batizada e uma pessoa recém-batizada é dada em vista da possibilidade de a pessoa fiel batizada entrar na perfeição de um matrimônio sacramental com outra pessoa que crê.

Todo esse tópico do poder que o Papa tem de dissolver matrimônios não-sacramentais, mesmo entre dois cônjuges não-batizados, é um tema complexo. Noonan, porém, acredita que a dissolução de matrimônio não-sacramental em favor da fé seja algo como uma exceção à indissolubilidade do matrimônio. Ele pensa que nunca houve realmente uma explicação adequada, seja do privilégio mesmo ou do modo de seu exercício. Noonan acusa o Papa João Paulo II de continuar o exercício do privilégio, mas sem reconciliá-lo com aquilo que ele chama de “divórcio papal” com a doutrina da indissolubilidade (189-90). É claro que o que o papa defendeu, como muitos de seus predecessores, foi a absoluta indissolubilidade dos matrimônios sacramentais. A dissolução papal de um matrimônio não-sacramental em favor da fé só é concedida sob condições muito estritas, mas Noonan nunca indica esse fato. Ele faz parecer o contrário, ao dizer que os matrimônios dos não-batizados pareçam candidatos improváveis para a dissolução papal, por não serem na realidade nada diferentes, em grau, dos matrimônios dos batizados, já que são uniões carinhosas, amantes, fiéis e frutuosas também (180). A falta de toda e qualquer atenção real, por parte de Noonan, para o significado da sacramentalidade do matrimônio e para suas implicações, o fracasso dele em considerar como Cristo realiza a perfeição e elevação do vínculo matrimonial natural, faz com que fique difícil para ele enxergar o privilégio como qualquer outra coisa que não algo legalista, arbitrário, e divórcio com outro nome.

A chave para entender o poder do Papa de dissolver matrimônios não-sacramentais em favor da fé, e os limites desse poder, está na novidade que Cristo traz ao matrimônio. Trata-se de algo mais do que a repetição verbal de uma lei. É a perfeição das coisas mesmas que são intrínsecas ao matrimônio: a unidade e a indissolubilidade. Segue-se daí que, se Cristo aperfeiçoa o matrimônio natural elevando-o ao nível de sacramento, ele tem autoridade sobre o matrimônio não-sacramental. O Papa, Vigário de Cristo e Sucessor de Pedro, a quem os católicos creem que o Senhor fez rocha e detentor das chaves da Igreja, partilha dessa autoridade. A participação do Papa na autoridade de Cristo sobre o matrimônio natural é parte do poder das chaves e da autoridade de ligar e desligar dada por Cristo.

Entendido dentro desta moldura, o privilégio petrino não envolve contornar um mandamento divino, mas sim um privilégio que é dado para ser exercido a serviço do mandamento divino dado no Gênesis e repetido por Cristo. Matrimônios não-sacramentais foram dissolvidos em favor da fé, para que aqueles que foram liberados para casar conhecessem, ou pudessem ter a esperança de conhecer, a perfeição que é dada no matrimônio sacramental. O caso que Noonan cita de 1959, quando o Papa João XXIII dissolveu um matrimônio não-sacramental para que uma pessoa católica pudesse entrar em matrimônio com uma não-crente, pode ser entendido como estando a serviço da perfeição do matrimônio em Cristo porque havia a esperança de que o cônjuge incréu pudesse ser evangelizado e se convertesse, e assim entrasse na perfeição de um matrimônio sacramental. Que o privilégio está a serviço da evangelização pode ser visto nas normas atuais. Exigem estas que uma pessoa não-batizada, que foi liberada de um prévio vínculo matrimonial para se casar com um católico, declare que ele ou ela está disposto a permitir ao cônjuge católico a liberdade de praticar a religião dele ou dela e a batizar e educar os filhos como católicos. O profundo respeito que a Igreja tem pelo vínculo matrimonial natural é ilustrado pela exigência das normas atuais de que o postulante não pode ser “a causa culpável, exclusiva ou principal da destruição da vida conjugal” do matrimônio não-sacramental que há de ser dissolvido em favor da fé. Nem, tampouco, pode a outra parte, com quem o novo matrimônio será contraído, ser culpada de provocar a separação dos esposos da união não-sacramental. Nenhuma dessas coisas informa a apresentação de Noonan. São de primordial importância para entender o modo como o privilégio é exercido dentro de limites estritamente prescritos que respeitam, por um lado, a dignidade do vínculo natural do matrimônio e, por outro lado, a responsabilidade da Igreja de evangelizar.

Noonan alega que o desenvolvimento, partindo das palavras de Jesus em Marcos sobre o matrimônio, foi enorme. Se o pleno significado da sacramentalidade do matrimônio for mantido em vista, que implica um certo entendimento de uma hierarquia dos vínculos matrimoniais – “o menos firme” e “o mais firme” –, aí então o desenvolvimento não é do tipo que Noonan imagina que seja. Não envolve um contornar a doutrina da indissolubilidade. Se há uma coisa que o desenvolvimento foi e continua sendo, é uma questão de a Igreja discernir as implicações do significado sacramental do matrimônio e de aplicá-las a novas circunstâncias pastorais, em prol da realização daquilo que Cristo quer para a perfeição do matrimônio.

[Conclusão]

A força da obra de Noonan reside principalmente nos dados e fatos que ele descobriu na sua pesquisa. Se bem que ele tem uma tendência de apresentar o que ele descobriu de maneira carente de equilíbrio e unilateral, a pesquisa dele terá de ser plenamente considerada por todos os que quiserem explicar o desenvolvimento da doutrina da Igreja nas áreas de que Noonan trata. Não se pode dizer, contudo, que ele tenha obtido sucesso em demonstrar a tese dele de que o desenvolvimento doutrinal frequentemente signifique uma flagrante reversão de ensinamentos da Igreja que teriam estado equivocados e errôneos. Ademais, essa tese não faz jus aos dados históricos que o próprio Noonan desenterra.

Lawrence J. Welch
Kenrick-Glennon Seminary
St. Louis, MO

“Levai adiante o testemunho de que Jesus está vivo” – Papa Francisco

P.S.: A tradução oficial já se encontra disponível no site da Santa Sé.

[…]

Um outro elemento: nas profissões de Fé do Novo Testamento, como testemunhas da Ressurreição, são lembrados apenas os homens, os Apóstolos, mas não as mulheres. Isto porque, de acordo com a Lei Judaica daquele tempo, as mulheres e as crianças não podiam prestar um testemunho digno de fé, crível. Nos Evangelhos, ao contrário, as mulheres têm um papel primário, fundamental. Que possamos colher [aqui] um elemento a favor da historicidade da Ressurreição: se fosse uma invenção, no contexto daquele tempo, [quem a inventou] não a vincularia ao testemunho das mulheres. Ao contrário, os Evangelistas narram simplesmente aquilo que aconteceu: são as mulheres as primeiras testemunhas. Isto [nos] diz que Deus não elege segundo os critérios humanos: as primeiras testemunhas do nascimento de Jesus são os pastores, gente simples e humilde; as primeiras testemunhas da Ressurreição são as mulheres. E isto é belo. Isto é um pouco da missão das mulheres: das mães, das mulheres! Dar testemunho aos filhos, aos netos, que Jesus está vivo, é o Vivente, é ressuscitado. Mães e mulheres, avante com este testemunho! Para Deus importa o coração, quando estamos juntos a Ele, se somos como as crianças que confiam. Mas isto nos faz refletir também sobre como as mulheres, na Igreja e no caminho da Fé, tiveram e têm ainda hoje um papel particular na abertura das portas ao Senhor, no segui-Lo e no comunicar a Sua Face, porque o olhar da Fé tem sempre necessidade do olhar simples e profundo do amor. Os Apóstolos e discípulos tiveram mais dificuldade para acreditar. As mulheres não. Pedro corre ao Sepulcro, mas pára no Túmulo Vazio; Tomé precisa tocar com as suas mãos as feridas do Corpo de Jesus. Também no nosso caminho de Fé é importante saber e sentir que Deus nos ama, não ter medo de amá-Lo: a Fé se professa com a boca e com o coração, com a palavra e com o amor.

[…]

Deixemo-nos iluminar pela Ressurreição de Cristo, deixemo-nos transformar por Sua força, a fim de que também através de nós os sinais da morte no mundo dêem lugar aos sinais de vida. Vi que há tantos jovens nesta praça: ei-los! A vós eu digo: levai convosco esta certeza: o Senhor está vivo e caminha a nosso lado na vida. Esta é vossa missão! Levai convosco esta esperança. Ancorai-vos a esta esperança, [com] esta âncora que está no Céu: segurai firme esta corda, ficai ancorados e levai adiante a esperança. Vós, testemunhas de Jesus, levai adiante o testemunho de que Jesus está vivo e isto nos dará esperança, dará esperança a este mundo tão envelhecido pelas guerras, pelos males, pelo pecado. Avante, jovens!

Papa Francisco,
Catequese da Quarta-Feira, 03 de abril de 2013

“O Papa Francisco é o terceiro de três campeões da liberdade” – por Hugh Hewitt

Original: HughHewitt.com
TraduçãoGarcia Rothbard
Publicação Original: Direita crítica e autocrítica

O Papa Francisco é o terceiro de três campeões da liberdade – por Hugh Hewitt

Karol Wojtyla conheceu os regimes nazista e comunista, e ajudou a provocar o desmoronamento do Império Comunista.

Joseph Ratzinger cresceu sob os nazistas, também, e passou a maior parte de sua vida ao lado de seu amigo João Paulo II na batalha mundial contra os Soviéticos e suas ramificações em várias fachadas intelectuais através do mundo.

Agora surge Jorge Mário Bergoglio, que também passou muitos anos de sua vida em duplo conflito com fascistas e comunistas. Christopher Hitchens disse-me na última entrevista que fiz com ele que o ditador argentino General Jorge Videla foi o mais perverso dos muitos homens perversos que o escritor tinha conhecido. O novo Papa teve portanto que lutar contra o pior dos piores, justamente como seus imediatos predecessores.

As batalhas do século 20 nos entregaram um novo experimentado líder para os capítulos iniciais do novo século. Francisco vem liderar uma Igreja que está realmente cansada e ferida por aquelas épicas batalhas, e essas feridas têm ficado mesmo mais dolorosas. Um corpo enfraquecido é vulnerável a tais coisas. Como qualquer Americano que pode ler sabe, a Igreja Católica Romana na América e em vários lugares do mundo foi invadida por grandes males que estão ainda sendo expurgados e expiados por novos líderes como o Cardeal Timothy Dolan, de New York, ou os arcebispos Charles Chaput de Philadelphia e José Gomez de Los Angeles.

Uma vez que J.R.R. Tolkien era um Católico, deixem-me tomar emprestado uma referência ou duas de “O Senhor dos Anéis” para ilustrar os desafios que afrontam Francisco.

O mal nunca dorme. Logo que foi desalojado na fantasia épica ele começou a procurar um novo lar, e ocupou Mordor. Eu não imaginaria representar os riscos de Tolkien com o Tom Bombadil da mídia moderna, Stephen Colbert, mas o universo do épico do inglês está sempre em nossa frente.

O Bem luta contra o Mal, e mesmo quando o Bem ganha – como em 1945 e 1989 – o Mal convoca reforços e abre uma nova frente para renovar a batalha.

Muitas e muitas pessoas estão abençoadamente vivendo em seus vários condados, atacando o aquecimento global e vários outros pretensos monstros, mas os horrores reais estão lá fora, e a Igreja Católica Romana tem, pela terceira vez em sequencia, evocado um líder que conhece exatamente a profundeza do mal.

Eu passei a maior parte da última semana entrevistando lideres intelectuais da Igreja Católica Romana na América: George Weigel, e padres como Robert Barron, Joseph Fessio, C. John McCloskey e Robert Sirico. Cada um deles estava surpreso mas também feliz com a escolha do Papa Francisco, confiantes em sua sabedoria íntima (todas essas entrevistas estão disponíveis na página de “Transcriptis” do site HughHewitt.com).

Minha última entrevista desta semana foi com o Arcebispo Chaput, que disse do novo papa que Francisco era “um homem extraordinário” e uma “extraordinária escolha”, e que ninguém deveria temer que a teologia da libertação tivesse penetrado na corte de São Pedro pela América do Sul.

“Esquerdistas argentinos da Teologia da Libertação não gostavam dele como bispo, e realmente tentaram impedir que ele fosse promovido a arcebispo de Buenos Aires”, Chaput disse-me. “Então, eles devem estar especialmente perturbados agora”.

Mas não os defensores da liberdade religiosa. Como com João Paulo II e Bento XVI, eles têm em Francisco um confiável, resistente, experiente e corajoso líder.

Hugh Hewitt é um professor de direito na Universidade Chapman e um radialista que atualiza diariamente seu blog em HughHewitt.com.

“Cristo é o único Salvador do homem todo e de todos os homens” – Papa Francisco

[P.S.: Tradução oficial já disponível no site do Vaticano.]

[…]

Alguém me dizia: os cardeais são os padres do Santo Padre. Esta comunidade comunhão, esta amizade, esta proximidade nos fará bem a todos. E [foi] esta consciência e esta abertura mútua [que] nos facilitou a docilidade à ação do Espírito Santo. Ele, o Paráclito, é o supremo protagonista de toda iniciativa e manifestação de Fé. É curioso: faz-me pensar, isto. O Paráclito faz todas as diferenças da Igreja, e [por isso] parece ser um apóstolo de Babel. Por outro lado, contudo, é Ele que faz a unidade destas diferenças, não na “igualdade”, mas na harmonia. Eu lembro aquele Padre da Igreja que a O definia assim: “ipse harmonia est”. O Paráclito dá a cada um de nós carismas diversos e nos une nesta comunidade da Igreja – que adora o Pai, o Filho, e Ele, o Espírito Santo.

Partindo do autêntico afeto colegial que une o Colégio Cardinalício, exprimo a minha vontade de servir ao Evangelho com amor renovado, ajudando a Igreja a Se tornar cada vez mais – em Cristo e com Cristo – a vinha fecunda do Senhor. Estimulados também pela celebração do Ano da Fé, [que] todos nós, juntos, Pastores e fiéis, esforcemo-nos para responder fielmente à missão de sempre: levar Jesus Cristo ao homem e conduzir o homem ao encontro com Jesus Cristo, Caminho, Verdade e Vida, [que está] verdadeiramente presente na Igreja e ao mesmo tempo em todo homem. Tal encontro conduz a leva a nos tornarmos homens novos no mistério da Graça, animando-nos com aquela alegria cristã que é o cêntuplo dado por Cristo àqueles que O acolhem na própria existência.

Como o Papa Bento XVI nos lembrou tantas vezes nos seus ensinamentos e, por último, com aquele seu gesto corajoso e humilde, é Cristo quem guia a Igreja por meio do Seu Espírito. O Espírito Santo é a Alma da Igreja com Sua força vivificante e unificante: de muitos faz um só corpo, o Corpo Místico de Cristo. Não nos entreguemos nunca ao pessimismo, àquela amargura que o diabo nos oferece todos os dias; não nos entreguemos ao pessimismo e ao desencorajamento: tenhamos a firme certeza de que o Espírito Santo concede à Igreja, com Seu sopro potente, a coragem de perseverar e também de buscar novos métodos de evangelização, a fim de levar o Evangelho até os confins da Terra (cf. At 1, 8). A verdade cristã é atraente e persuasiva porque responde à necessidade profunda da existência humana, anunciando de maneira convincente que Cristo é o único Salvador do homem todo e de todos os homens. Este anúncio permanece válido hoje como foi no início do Cristianismo, quando se operou a primeira grande expansão missionária do Evangelho.

Caros amigos, força! A metade de nós já somos de idade avançada: a velhice é – me agrada dizê-lo assim – a sede da sabedoria [sapienza] da vida. Os velhos têm a sabedoria de terem caminhado na vida, como o velho Simeão e a velha Ana no Templo. E foi exatamente aquela sabedoria que os fez reconhecerem Jesus. Transmitamos esta sabedoria aos jovens: como o bom vinho, que com os anos se torna ainda melhor, transmitamos aos jovens a sabedoria da vida. Vem-me à mente aquilo que um poeta alemão dizia sobre a velhice: “Es ist ruhig, das Alter, und fromm”: é o tempo da tranquilidade e da oração. E também de transmitir aos jovens esta sabedoria [saggezza]. Voltareis agora para vossas respectivas sedes, a fim de continuar o vosso ministério; [voltareis] enriquecidos pela experiência desses dias, assim repletos de Fé e de comunhão eclesial. Tal experiência única e incomparável nos permitiu compreender em profundidade toda a beleza da realidade eclesial, que é um reflexo do fulgor de Cristo Ressuscitado: [e] um dia veremos o belíssimo rosto de Cristo Ressuscitado!

À poderosa intercessão de Maria, nossa Mãe, Mãe da Igreja, confio o meu ministério e o vosso ministério. Que cada um de nós, sob o Seu olhar materno, possamos caminhar felizes e dóceis à voz do Seu Divino Filho: reforçando a Unidade, perseverando juntamente na oração e testemunhando a verdadeira Fé na presença contínua do Senhor. Com estes sentimentos – são sinceros! -, com estes sentimentos, transmito-vos de coração a Bênção Apostólica, que estendo aos vossos colaboradores e às pessoas confiadas à vossa cura pastoral.

Papa Francisco
Discurso aos cardeais, 15 de março de 2013