Exemplo de argumentação abortista

Pra mim, é caso de exorcismo…

P.S.: Não sei se todos perceberam, mas este vídeo faz as vezes de uma espécie de parábola dos tempos modernos, ou – melhor dizendo, já que se trata de um fato e não de uma história inventada – de um apoftegma hodierno, onde o sentido transparece claramente: é “no grito”, “na marra”, “na violência” que os abortistas – privados de argumentos sustentáveis – querem empurrar goela abaixo a sua visão de mundo assassina.

Host in the Post

Existem umas idéias que, de tão estúpidas, a gente quase se recusa a acreditar. Esta é uma delas: uma igreja episcopal independente na Inglaterra vai enviar hóstias pelos correios (!!). Você solicita as hóstias “pré-consagradas” (seja lá o que isso signifique) pela internet e o novo serviço da igreja, chamado “host in the post”, faz com que elas cheguem na sua casa. Isto serve para atender “não apenas às pessoas que não podem comparecer à missa por idade avançada ou problemas de saúde, como também às que acabaram se distanciando da religião”.

Quanto mais as pessoas se afastam da Igreja, “Coluna e Sustentáculo da Verdade”, mas elas afundam nas práticas mais estapafúrdias. Perdem o senso do divino, do sagrado, do zelo, do respeito; aliás, perdem o bom senso. A prática de levar a Eucaristia aos doentes, presos e demais pessoas que não podiam assistir à Santa Missa remete, sim, aos princípios do Cristianismo, mas era feita com toda a reverência exigida à Presença Real de Nosso Senhor Jesus Cristo nas espécies consagradas. São Tarcísio foi martirizado justamente porque, interpelado no caminho por alguns curiosos sobre o que levava – estava levando a Eucaristia aos cristãos prisioneiros -, não quis entregar Nosso Senhor à turba de incrédulos que O exigiam. Cristão verdadeiro, preferiu morrer a expôr o Santíssimo Sacramento à impiedade dos pagãos. Estes que se auto-intitulam “cristãos” no século XXI, no entanto, devem achar que São Tarcísio fez uma tremenda bobagem, porque as hóstias poderiam ter sido enviadas nas algibeiras dos mensageiros, ou no meio dos trapos que chegavam às prisões, ou via pombo-correio, ou qualquer outra coisa.

É o cúmulo da falta de piedade. Estes episcopais não acreditam na presença real de Nosso Senhor, é óbvio, porque caso acreditassem não conceberiam jamais que Ele pudesse ser despachado pelo correio! E, quando confrontado com as objeções de alguns hereges de um pouco mais de bom senso, que diziam “que a hóstia pode acabar nas mãos de ateus e satanistas, que podem usá-las para rituais impróprios”, o “bispo” Jonathan Blake disse não estar preocupado com isso (!), porque “Jesus não fez essa distinção. Ele se doou a cada um e a todos. Não faz diferença, o corpo de Cristo é redentor”.

É, sr. Blake, não faz diferença nenhuma guardar as hóstias consagradas em vasos de ouro ou em papelotes de correios, distribui-las somente aos cristãos ou lançá-las aos cães e aos porcos. Não faz diferença nenhuma ser São Tarcísio ou entregar o Corpo de Cristo à impiedade dos incrédulos. Na cabeça deste cego sem Fé, nada disso faz diferença.

Acaso uma “religião” dessas pode satisfazer a sede de Deus que têm os homens? Um bispo que trate com tamanha irreverência o que, para ele, é o Corpo de Cristo, acaso pode fazer com que as pessoas acreditem no que ele prega? Só o que me consola é que estes hereges sem Fé não consagram validamente o Corpo de Deus, e as únicas coisas que enviarão pelos correios serão pães normais, e não Hóstias Consagradas. Porque, ao contrário do que acha o sr. Blake, há muita diferença entre ser católico e ter Fé e ser herege e pedir hóstias pela internet: os primeiros nutrem a alma com o Pão dos Anjos, os últimos enchem a barriga com bolachas secas. Há muita diferença entre São Tarcísio e um herege impiedoso: enquanto aquele, do Céu, ensina-nos a reverenciarmos o Santíssimo Corpo de Cristo, este arrasta as almas ao Inferno. Que os fiéis episcopais acordem, e voltem depressa à Igreja de Nosso Senhor, que é onde Ele pode verdadeiramente ser encontrado; não em embalagens enviadas pelo correio por “pastores” sem Fé.

Papa, Trindade e Genoma

La prova più forte che siamo fatti ad immagine della Trinità è questa: solo l’amore ci rende felici, perché viviamo in relazione per amare e viviamo per essere amati. Usando un’analogia suggerita dalla biologia, diremmo che l’essere umano porta nel proprio “genoma” la traccia profonda della Trinità, di Dio-Amore.
– Bento XVI, Angelus, 07 de junho de 2009

Estas foram as palavras do Papa, na saudação do Angelus dominical, feita no domingo passado, Festa da Santíssima Trindade. G1 não perdeu tempo para publicar: Papa diz que homem tem em seu genoma marca profunda da Trindade.

Às vezes eu fico me perguntando o que passa pela cabeça de alguns jornalistas, porque parece que eles têm o dom de fazer os comentários mais irrelevantes possíveis sobre as palavras do Santo Padre. A leitura de uma matéria como essa me passa a forte impressão de que o autor dela “pescou” frases aleatórias do Papa e as distribuiu ao acaso formando uma colcha de retalhos sem nenhum significado.

Ao invés de traduzirem frases aleatórias, um serviço jornalístico muito mais útil seria se eles traduzissem a íntegra do pronunciamento de Bento XVI no Angelus. Aí, sim, poderíamos falar em uma informação que faz sentido. Ao apresentar frases desconexas com uma manchete nonsense, a imprensa não está fazendo o papel de informar os leitores.

Ainda mais se considerarmos que o Angelus dominical é… dominical. É um evento que se repete todas as semanas, todos os domingos, não configurando de nenhuma maneira um acontecimento digno das manchetes sensacionalistas. Já imaginaram uma manchete do tipo “Papa reza Angelus ao meio-dia do Domingo, diante da Praça de São Pedro”? Uma manchete dessas não poderia ser colocada nos jornais. Daí eles precisam “inventar”, e pegar uma frase qualquer colhida ao acaso do pronunciamento do Papa, e colocá-la na manchete da reportagem como se fosse a coisa mais importante daquele texto.

E é claro que a analogia com a biologia – aliás, a manchete não diz que é uma analogia… – não é a parte mais importante do pronunciamento do Papa. “Solta” assim, aliás, ela perde completamente o sentido. Entretanto, a mídia ávida por novidades parece que não consegue se acostumar com a cadência romana, e talvez fosse pedir demais uma tradução semanal dos discursos de Bento XVI: os brasileiros que se informam sobre a Igreja na grande mídia precisam se contentar com fragmentos desconexos daquilo que ensina o Sucessor de Pedro.

Os paradoxos do Cristianismo – Chesterton

Este estranho efeito provocado pelos grandes agnósticos, de levantarem dúvidas ainda mais profundas do que as suas próprias, poda ser exemplificado de várias maneiras. Citarei apenas uma. Quando li e reli todos os relatos não-cristãos e anticristãos a respeito da Fé, de Huxley a Bradlaugh, logo uma lenta e horrível impressão gravou-se, gradual mas graficamente, sobre o meu espírito – a impressão de que o Cristianismo devia ser algo extraordinário. De fato, o Cristianismo (como eu o entendia) tinha os mais  violentos vícios, mas tinha também, aparentemente, o místico talento de conciliar defeitos que pareciam incompatíveis entre si. Atacavam-no por todos os lados e pelas mais contraditórias razões. Assim que um racionalista acabava de demonstrar estar o Cristianismo demasiadamente longe para o leste, outro vinha demonstrar, com igual clareza, que ele estava muito mais longe para o oeste. E tão logo minha indignação esmorecera perante sua angular e agressiva quadratura, logo minha atenção era despertada para observar e condenar sua enervante e sensual esfericidade. Caso algum leitor não tenha compreendido o que quero dizer, dar-lhe-ei tantos exemplos quantos, ao acaso, lembrar-me a respeito desta auto-contradição do ataque cético. Começarei por apresentar quatro ou cinco exemplos; existem mais de cinqüenta.

Por exemplo, deixei-me influenciar bastante pelo eloqüente ataque contra o Cristianismo por sua desumana melancolia, pois sempre pensei (e ainda penso) que o pessimismo sincero é o pecado imperdoável. O falso pessimismo é uma realização social, mais aceitável do que qualquer outra coisa e, felizmente, quase todo o pessimismo carece de sinceridade. Mas, se o Cristianismo fosse, como se costumava dizer, algo meramente pessimista e contrário à vida, então eu estaria inteiramente disposto a mandar pelos ares a Catedral de S. Paulo. O mais extraordinário, porém, é o seguinte: provaram-me, no Capítulo I (para minha absoluta satisfação), que o Cristianismo era demasiadamente pessimista; mas, depois, no Capítulo II, provaram-me que ele era, em grande parte, otimista demais. Uma das acusações contra o Cristianismo era a de que ele impedia os homens, por meio de lágrimas e terrores mórbidos, de procurarem a alegria e a liberdade no seio da Natureza. Outra acusação, porém, era que ele confortava os homens com uma fictícia providência e os colocava numa creche rosa e branca. Um grande agnóstico perguntava por que motivo a Natureza não era suficientemente bela, e por que razão custava tanto ser livre. Outro agnóstico argumentava que o otimismo cristão – “esse vestido ‘de mentirinha’ tecido por mãos piedosas” – escondia de nós o fato de que a Natureza era feia e que era impossível ser livre. Quando um racionalista classificava o Cristianismo como um pesadelo, já outro começava a chamá-lo de paraíso dos tolos. Isso me intrigavam porque tais acusações pareciam-me incompatíveis. O Cristianismo não podia ser, ao mesmo tempo, uma máscara preta sobre um mundo branco e uma máscara branca sobre um mundo preto. A situação de um cristão não podia ser, ao mesmo tempo, tão confortável a ponto de ser ele um covarde para prender-se a ela, ou tão desconfortável a ponto de ser um tolo para nela permanecer. Se o Cristianismo deturpava a visão humana, devia deturpá-la de uma forma ou de outra: o cristão não poderia usar, ao mesmo tempo, óculos verde e óculos cor-de-rosa. E, como todos os rapazes daquele tempo, eu repetia com terrível alegria as zombarias que Swinburne proferia contra a monotonia do credo:

“Venceste, ó pálido Galileu, e o Mundo tornou-se sombrio com o Teu hálito”.

Mas, quando li as narrativas deste mesmo poeta acerca do paganismo (como em “Atlanta”), cheguei à conclusão de que o Mundo era ainda mais sombrio, se isso fosse possível, antes do Galileu bafejá-lo com o seu sopro, do que depois disso. Certamente o poeta afirmava, em abstrato, que a própria vida era escura como breu. E no entanto, de uma forma ou de outra, o Cristianismo a tinha obscurecido ainda mais. O mesmo homem que acusava o Cristianismo de pessimismo era, ele próprio, um pessimista. Achei que devia haver algo errado. E, num momento de exaltação, veio-me à mente a idéia de que aqueles talvez não fossem os melhores juízes da relação entre a religião e a felicidade, pois não possuíam nem uma coisa nem outra.

Deve-se compreender que não concluí, apressadamente, que as acusações eram falsas ou que os acusadores não passavam de loucos. Apenas deduzi que o Cristianismo deveria ser algo mais estranho e perverso do que se pretendia afirmar. Uma coisa pode ter esses dois defeitos opostos, mas era necessário que fosse bastante estranha para poder concentrar tais características. Um homem podia ser muito gordo em uma parte do corpo e muito magro em outra, mas seria preciso que tivesse uma compleição deveras singular. Nesse ponto, todos os meus pensamentos centravam-se, apenas, na bizarra forma da religião cristã, sem atribuir qualquer forma bizarra ao pensamento racionalista.

Segue-se outro caso semelhante. Uma das coisas que eu julgava que mais depunham contra o Cristianismo era a acusação que lhe faziam, de que havia algo de tímido, de monacal e de desumano em tudo o que se costuma chamar de “cristão”, especialmente sua atitude perante a resistência e a luta. Os grandes céticos do século XIX eram, em grande parte, viris. Bradlaugh, de forma expansiva, e Huxley, de forma reservada, eram, decididamente, homens. Em comparação, parecia aceitável que existisse algo de fraco e de excessivamente paciente nos ensinamentos cristãos. O paradoxo do Evangelho acerca da outra face, o fato dos padres nunca lutarem em guerras, uma centena de coisas, enfim, tornava plausível a acusação de que o Cristianismo era uma tentativa de transformar o homem em um cordeiro. Li isso e acreditei, e, se não tivesse lido nada diferente, continuaria a acreditar. No entanto, li algo muito diferente depois. Virei a página seguinte do meu manual agnóstico, e logo meu cérebro ficou de pernas para o ar. Descobri, então, que tinha de odiar o Cristianismo, não por combater pouco, mas por combater demasiado. A religião cristã parecia a mãe das guerras. O Cristianismo tinha inundado o mundo em sangue. Eu, que havia ficado zangado com o Cristianismo por ele nunca se zangar, tinha, agora, de zangar-me com ele, porque sua fúria havia sido a coisa mais horrível e mais monstruosa da História da Humanidade. O seu ódio embebera-se na Terra e fumegara até o Sol. As mesmas pessoas que criticavam o Cristianismo por sua mansidão e pela não-resistência dos mosteiros eram as que vinham, agora, acusá-lo pela violência e pela bravura das Cruzadas. Fora por culpa do pobre e velho cristianismo (de uma forma ou de outra) que Eduardo, o Confessor, não combatera, e Ricardo Coração de Leão, sim. Os Quackers (assim ouvíamos dizer) eram os únicos cristãos típicos e, no entanto, os massacres de Cromwell e de Alba eram crimes tipicamente cristãos. O que tudo isso queria dizer? Que Cristianismo era este que sempre proibia as guerras e sempre estava a provocá-las? Qual poderia ser a natureza de uma coisa que era insultada, primeiramente, por não combater e, depois, por estar sempre envolvida em lutas? Em que mundo de enigmas se gerara esse monstruoso assassino e essa monstruosa mansidão? A forma do Cristianismo tornava-se mais estranha a cada instante.

Passo, agora, ao terceiro caso; o mais estranho de todos, porque envolve uma objeção real contra a Fé. A única objeção real contra a religião cristã é o fato [de] ser ela uma religião. O Mundo é um grande lugar, habitado por povos das mais diferentes espécies. O Cristianismo (parece-me razoável fazer esta afirmação) está limitado a um tipo de povo: surgiu na Palestina, e, praticamente, parou na Europa. Esse argumento impressionou-me fortemente na mocidade, e senti-me como que arrastado para a doutrina que sempre fora pregada nas sociedades éticas, isto é, a doutrina segunda a qual existe uma grande e inconsciente igreja que pertence a toda a Humanidade, fundada sobre a onipresença da consciência humana. Os credos – dizia-se então – dividiam os homens, mas a moral ao menos acabava por uni-los. A alma podia procurar as mais estranhas e mais remotas terras e épocas, e, ainda assim, encontraria o essencial senso comum ético. Podia encontrar Confúcio sob as árvores do Ocidente, mas encontrá-lo-ia escrevendo: “Não roubarás”. Podia decifrar os mais obscuros hieróglifos encontrados no mais primitivo deserto, e o seu significado, depois de decifrado, seria este: “Os meninos devem dizer a verdade”. Eu acreditava nesta doutrina da irmandade de todos os homens que diz respeito à posse de um senso moral, e nela acredito ainda, como acredito em outras coisas. Eu ficava, então, muito irritado com o Cristianismo, porque sugeria (como eu supunha) a idéia de que todas as épocas e impérios dos homens tinham escapado, inteiramente, a esta luz da justiça e da razão. Mas encontrei, depois, algo surpreendente. Verifiquei que as pessoas que diziam ser a Humanidade uma Igreja, de Platão a Emerson, eram as mesmas que afirmavam ter a moralidade mudado totalmente, afirmando, ainda, que o que era considerado certo em uma época já não o era em outra. Se eu pedisse, digamos, um altar, responder-me-iam que não havia necessidade dele, pois os nossos irmãos nos haviam deixado claros oráculos e um credo, nos seus ideais e costumes universais. Mas, se eu, serenamente, argumentasse que um dos costumes universais do homem era ter um altar, então os meus agnósticos mestres virar-se-iam completamente e responder-me-iam que os homens sempre tinham estado mergulhado nas trevas e nas superstições dos selvagens. Verifiquei que seu constante desdém em relação ao Cristianismo era por ser ele a luz de um povo, enquanto deixava todos os outros morrerem nas trevas. No entanto, pude também observar que era para eles motivo especial de orgulho o fato de serem a ciência e o progresso a descoberta de um povo, enquanto todos os outros povos jaziam na escuridão. O seu principal insulto contra o Cristianismo era, efetivamente, para eles, motivo de glória, e parecia uma estranha injustiça toda a sua relativa insistência nesses dois aspectos. Ao considerarmos algum pagão ou agnóstico, era forçoso lembrarmo-nos de que todos os homens tinham uma religião; ao considerarmos algum místico ou espiritualista, tínhamos apenas de ponderar as absurdas religiões que alguns homens professavam. Podíamos acreditar na ética de Epicteto porque a ética nunca tinha mudado, mas não devíamos acreditar na ética de Bossuet porque a ética tinha mudado. Operara-se uma mudança em duzentos anos, mas não em dois mil.

Tudo isso começava a parecer alarmante. Não que o Cristianismo fosse suficientemente mau para agregar em si todos os defeitos, mas qualquer vara era suficientemente boa para açoitar a religião cristã. A que poderíamos comparar esta coisa extraordinária que todos estavam ansiosos por contradizer, sem mesmo repararem que, assim procedendo, contradiziam a si próprios? Observei o mesmo em todo o lugar. Não posso dispor de mais espaço para esta discussão em todos os seus pormenores, mas, para que não se suponha que estive selecionando, injustamente, três casos aleatórios, mencionarei, rapidamente, alguns outros. Alguns céticos descreveram que o grande crime do Cristianismo tinha sido o seu ataque contra a família. O Cristianismo arrastava as mulheres para a solidão e para a vida contemplativa de um mosteiro, longe de seus lares e de seus filhos. Mas logo outros céticos (ligeiramente mais avançados) vinham dizer que o grande crime do Cristianismo era forçar-nos ao casamento e à constituição da família, condenando as mulheres ao duro trabalho do lar e dos filhos, proibindo-lhes a solidão e a vida meditativa. As acusações eram, na verdade, contraditórias. Dizia-se, ainda, que algumas palavras das Epístolas ou do Rito do Matrimônio revelavam desprezo pelo intelecto das mulheres. No entanto, concluí que os próprios anticristãos sentiam desprezo pelo intelecto das mulheres, porque seu grande desdém pela Igreja no continente era devido ao fato de afirmarem que “só as mulheres” a freqüentavam. Outras vezes, o Cristianismo era censurado por seus trajes indigentes e pobres, por seu burel e suas ervilhas secas. Entretanto, no momento seguinte, o Cristianismo era censurado por sua pompa e ritualismo, seus relicários de pórfiro e suas vestes de ouro. Acusavam-no por ser demasiadamente humilde e por ser demasiadamente pomposo. O Cristianismo era acusado, ainda, de ter sempre reprimido em extremo a sexualidade, quando Bradlaugh, o Malthusiano, descobrira que ele a reprimia muito pouco. De um só fôlego, lançavam-lhe ao rosto uma recatada respeitabilidade e uma religiosa extravagância. Nas capas do mesmo panfleto ateu, fui encontrar a fé censurada por sua falta de união (“uns pensavam uma coisa e outros pensavam outra”) e, ao mesmo tempo, por sua união (“é a diferença de opinião que impede o Mundo de se arruinar”). No decorrer da mesma conversa, um amigo meu, livre-pensador, censurava o Cristianismo por desprezar os judeus e depois desprezava a si mesmo por ser judeu.

Eu desejava ser absolutamente imparcial, como ainda o desejo ser agora, e não concluí que o ataque ao Cristianismo fosse de todo injusto. Concluí apenas que, se o Cristianismo estava errado, estava, sem dúvida, muito errado. Tão hostis terrores poderiam ser combinados em uma só coisa, mas tal coisa devia ser bem estranha e única. Há homens que são avarentos e, ao mesmo tempo, perdulários; porém, são raros. Há também homens lascivos e, ao mesmo tempo, ascéticos, mas estes também são raros. Mas, se este amálgama de loucas contradições realmente existisse, pacifista e sanguinário, suntuoso e maltrapilho, austero e lascivo, inimigo das mulheres e seu tolo refúgio, pessimista declarado e otimista ingênuo, se este mal existisse, então haveria nele algo de supremo e único. De fato, não encontrei nos meus mestres racionalistas explicação alguma para tal excepcional corrupção. O Cristianismo (teoricamente falando) era, a seus olhos, apenas um dos mitos ordinários e um dos erros dos mortais. Eles não me davam a chave para esta retorcida e desnatural maldade. Esse mal assumia as proporções do sobrenatural. Era, sem dúvida, quase tão sobrenatural como a infalibilidade do papa. Uma instituição histórica que nunca se mostrou acertada é um milagre tão grande como uma instituição que nunca pode errar. A única explicação que imediatamente me ocorreu à mente foi que o Cristianismo não viera do céu, mas do inferno. Na verdade, se Jesus de Nazaré não fosse Cristo, devia ter sido o Anticristo.

G. K. Chesterton, “Ortodoxia”, pp. 114-121. Ed. LTr, São Paulo, 2001.

Duas diversas

Duas de G1:

1. ‘Só existe um remédio: a fé’, diz pai de príncipe brasileiro. A missa no Rio de Janeiro, sexta-feira passada, na intenção das vítimas do acidente, foi celebrada pelo Arcebispo do Rio de Janeiro, Dom Orani Tempesta. “Estou aqui como um pai que perdeu um filho. Eu acredito que todos compartilham do mesmo sentimento nessa hora de dor. Só existe um remédio: a fé. Deus levou o meu filho, mas ele é misericordioso, sabe o que faz”, disse Dom Antonio de Orleans e Bragança, pai do príncipe vítima da tragédia.

2. Enquanto isso, na Coréia do Norte, duas jornalistas americanas foram condenadas a 12 anos de trabalhos forçados. “Laura Ling, de 32 anos, e Euna Lee, de 36, ambas de uma rede de TV da Califórnia, foram detidas na fronteira em 17 de março, na região do Rio Tumen, perto da China”. Segundo o New York Times citado por G1, “Ling sofre de úlcera e precisa de medicação e Lee deixou uma filha de quatro anos em casa”.

Comentando notícias empoeiradas

No meio das centenas de mensagens não lidas da minha caixa de emails, encontrei algumas que vale a pena comentar ainda que seja en passant, que já viraram embrulho de peixe mas bem que merecem ser conhecidas:

– Por ocasião da excomunhão dos médicos abortistas de Recife, a sra. Danuza Leão escreveu um texto [15 de março de 2009] sobre a Igreja Católica e o sofrimento. E faz uma triste constatação: “[o]s sacrifícios, tão cultuados entre os católicos (…), eram um grande sinal de amor a Deus”.

Eram…? E não são mais? Na cabeça da articulista, não. Igreja para ela, agora, “só em excursão turística – e assim mesmo só algumas”. O artigo é bem clichê com um monte de acusações nonsense – “ao considerar quase tudo que dá prazer um pecado, não dá para perceber o quanto as mentes católicas são doentes?”, “ai dos que são felizes, dão risadas e gostam da vida”, “[q]uem faz uma jura dessas [jurar amor ‘até que a morte nos separe’] é hipócrita, porque até as crianças do jardim-de-infância sabem que a vida não é assim”, “[s]e o Vaticano se desfizesse de metade de seus tesouros, é bem possível que não houvesse mais fome no mundo”, mas serve para que se constate, com tristeza, como o mundo perdeu o sentido salvífico da dor.

– Saiu n’O Globo [23 de março de 2009] um artigo de um leitor explicando por que a Igreja não é culpada pela proliferação da AIDS. São tempos estranhos, em que a acusação serve como prova cabal de culpa e o acusado precisa se justificar para provar que é inocente. Mas o sr. Yasha Gallazzi escreveu muito bem.

Torna-se, assim, mais simples atacar a pessoa do Papa e desmerecer seus argumentos, em vez de nos debruçarmos sobre o que ele falou. Ao lembrar que a distribuição maciça de camisinhas não foi suficiente para aplacar a disseminação da Aids, Bento XVI não disse nenhuma mentira, nem errou em sua análise. O que fez foi lembrar que o sexo casual e descompromissado é, sim, uma vertente do sexo irresponsável. A camisinha se torna uma espécie de algoz de sua suposta virtude, pois estimula – e isso é inegável – o sexo ligeiro e sem compromisso.

– Uma mulher matou marido, irmã e sobrinhas porque “não queria ver a família sofrer” [16 de abril de 2009]. Muito nobre? Inadmissível? De uma forma ou de outra, são argumentos análogos àqueles utilizados para a defesa do aborto eugênico ou da eutanásia. Às vezes é preciso levar as aplicações dos princípios às últimas conseqüências para que a bobagem resplandeça em toda a sua clareza. Infelizmente, tem gente que nem mesmo assim consegue ver…

– Aplicação concreta do que foi dito acima: Justiça de Goiás autoriza aborto eugênico [09 de abril de 2009]. “Infelizmente, é certa a morte do produto da concepção da requerente, não havendo procedimento médico capaz de corrigir a deficiência do órgão vital”, escreveu o juiz. O que tem [tinha?] a criança? “Síndrome de Kantrell [Cantrell]”, segundo a notícia. Qual a “lógica” do juiz? “Se não tem como curar, a gente mata”. Como um veterinário faria com um cachorro. “Para evitar o sofrimento dos parentes”, como a mulher da notícia anterior. Vinte segundos no Google me mostraram um relato de caso em adulto logo como primeiro resultado. Mas a sanha assassina de alguns não tem limites, não tem paciência: reservar vinte segundos para consultar o Google seria estender por tempo demasiado o sofrimento da mãe…

Santo Agostinho e o mal

Cap. 37 – Do mal dos pecadores Deus extrai um bem

Por conseguinte, se todas as naturezas conservassem o modo, a espécie e a ordem que lhes são próprios, não haveria o mal; mas, se alguém quer abusar desses bens, nem por isso vencerá a vontade de Deus, o qual sabe como fazer entrar, de maneira justa, os pecadores na ordem universal, de sorte que, se eles pela perversidade da sua vontade abusarem dos bens da natureza, Ele, pela justiça do seu poder, extrairá bens dos males, ordenando retamente com penas os que se desordenaram pelos pecados.

Cap.38 – O fogo eterno, que atormenta os maus, não é um mal

E eis que nem sequer o próprio fogo eterno, que atormentará os réprobos, é em si uma natureza má, porque também tem o seu modo, a sua espécie e a sua ordem, e não foi corrompido por nenhuma iniqüidade. Mas o tormento é um mal para os condenados, que mereceram pelos seus pecados. A própria luz atormenta os que têm olhos enfermos, sem todavia ser uma natureza má.

Cap. 39 – Diz-se que o fogo é eterno não porque o seja como Deus, mas porque não tem fim.

O fogo é eterno, mas não do mesmo modo como o é Deus; pois, conquanto não acabe nunca, teve porém princípio, e Deus não o teve. Além do mais, a sua natureza está sujeita à mudança, apesar de ter sido destinado a servir de castigo perpétuo para os pecadores. A verdadeira eternidade é a verdadeira imortalidade, ou seja, a suprema imutabilidade, que é atributo exclusivo de Deus, o qual é absolutamente imutável.

Uma coisa é não mudar, apesar da possibilidade de mudança, e outra, muito diferente, é não poder mudar. Diz-se, assim, que um homem é bom, conquanto não como a bondade de Deus, de Quem se disse: “ninguém é bom senão Deus só” (Mc X, 18); e diz-se que a nossa alma é imortal, mas não como o é Deus, de Quem se disse: “é o único que possui a imortalidade” (1Tm VI, 16); e diz-se que o homem é sábio, mas não como o é Deus, de Quem se disse: “a Deus, que é só o sábio” (Rm XVI, 27) – e também se diz que o fogo do inferno é eterno, mas não como o é Deus, cuja imortalidade é a verdadeira eternidade.

Cap. 40 – Não se pode causar dano a Deus, nem a nenhuma criatura sem a justa ordenação de Deus

Assim sendo, a Fé Católica, e a Sã Doutrina, e a Verdade bem compreendida, proclamam que ninguém pode causar dano à natureza de Deus, e que a natureza de Deus não aflige mal injusto a ninguém, e que Ele não permite que nenhuma injustiça fique sem castigo. “Aquele, pois, que cometer injustiça”, diz o Apóstolo, “receberá segundo o que fez injustamente: e não há acepção de pessoas diante de Deus” (Col III, 25).

Santo Agostinho, “A Natureza do Bem”, pp. 49-53. 2ª Edição, Sétimo Selo, Rio de Janeiro, 2006

Veritas Ipsa – Paulo III

[Fonte: Veritatis Splendor]

Bula Veritas ipsa

Considera os índios seres racionais,
capazes de se salvarem e livres por natureza

Paulo III,
a todos os fiéis cristãos que as presentes letras virem,
saúde, e bênção apostólica.

A mesma Verdade, que nem pode enganar, nem ser enganada, quando mandava os Pregadores de sua Fé a exercitar este ofício, sabemos que disse: “Ide e ensinai a todas as gentes”. “A todas”, disse, indiferentemente, porque todas são capazes de receber a doutrina de nossa Fé.

Vendo isto e envejando o comum inimigo da ger[a]ção humana, que sempre se opõe às boas obras, para que pereçam, inventou um modo nunca dantes ouvido, para estorvar que a Palavra de Deus não se pregasse às gentes, nem elas se salvassem. Para isto, moveu alguns ministros seus, que desejosos de satisfazer as suas cobiças, presumem afirmar a cada passo, que os índios das partes ocidentais, e os do meio-dia, e as demais gentes, que nestes nossos tempos tem chegado à nossa noticia, hão de ser tratados e reduzidos a nosso serviço, como animais brutos, a título de que são inábeis para a Fé Católica: e considerando que são incapazes de recebê-la, os põem sob dura servidão, e os afligem e opprimem tanto, que ainda a servidão em que tem suas bestas, apenas é tão grande como aquela com que afligem a esta gente.

Nós outros, pois, ainda que indignos, temos as vezes de Deus na terra e procuramos com todas as forças achar suas ovelhas, que andam perdidas fora de seu rebanho, para reduzi-las a Ele, pois este é o nosso ofício.

Conhecendo que aqueles mesmos índios, como verdadeiros homens, não somente são capazes da Fé de Cristo, mas que acodem a ela, correndo com grandíssima prontidão segundo nos consta, e querendo prover nestas cousas de remédio conveniente, com autoridade apostólica, pelo teor das presentes, determinamos e declaramos que os ditos índios e todas as demais gentes que daqui em diante vierem à noticia dos cristãos, ainda que estejam fora da Fé de Cristo, não estão privados, nem devem sê-lo, de sua liberdade, nem do dominio de seus bens, e não devem ser reduzidos à servidão; declarando que os ditos índios e as demais gentes hão de ser atraídas e convidadas à dita Fé de Cristo, com a pregação da Palavra divina e com o exemplo de boa vida.

E tudo o que em contrário a esta determinação se fizer, seja em si de nenhum valor, nem firmeza; não obstantes quaisquer coisas em contrário, nem as sobreditas, nem outras, de qualquer maneira.

Dada em Roma, ano de 1537, aos nove de junho, no ano terceiro de nosso Pontificado.

Paulo III, pp.

Hereges, Cismáticos e Concílios Ecumênicos

Motivado por alguns comentários surgidos em outro post no qual eu falava sobre um convite feito a uma cantora protestante, por um grupo carismático [que, repito, não tenho certeza se se trata de um grupo da Renovação Carismática Católica],  para que participasse de um “culto de louvor e adoração” , trago aqui algumas considerações sobre a presença de não-católicos nos Concílios Ecumênicos ao longo da história da Igreja. Vou fazer algumas citações do livro do pe. Ralph Wiltgen, “O Reno se lança no Tibre”, disponível em língua portuguesa pela Permanência.

Os Concílios Ecumênicos sempre foram vistos como oportunidades de fazer com que os cristãos que se houvessem desviado da Fé retornassem ao seio da Igreja. Por isso, a presença de não-católicos às sessões conciliares sempre foi (ao menos) desejada por todos os Papas e Padres Conciliares, inclusive com o envio de convites expressos às igrejas separadas para que mandassem delegações aos Concílios. No Concílio de Trento, por exemplo, a Enciclopédia Católica nos diz que foram emitidos até mesmo salvo-condutos para garantir a segurança dos protestantes que desejassem participar do Concílio. Uma tradução de um decreto neste sentido está disponível no Veritatis (não vou citar na íntegra, mas recomendo vivamente a leitura):

O Sacrossanto, Ecumênico e Geral Concílio de Trento, reunido legitimamente no Espírito Santo, e presidido pelos mesmos Legados e Núncios da Santa Sé Apostólica, insistindo no salvo-conduto concedido na penúltima Sessão, amplia suas prerrogativas nos termos que se seguem:

A todos em geral faz fé que pelo teor das presentes cláusulas, dá e concede plenamente a todos e a cada um dos Sacerdotes, Eleitores, Príncipes, Duques, Marqueses, Condes, Barões, Nobres, Militares, Cidadãos e a quaisquer outras pessoas de qualquer estado, condição ou qualidade, que sejam da Nação e Província da Alemanha e das cidades e outros lugares da mesma, assim como a todas as demais pessoas eclesiásticas e seculares em especial da revelação de augusta, os que, ou as que viriam com eles a este Concílio Geral de Trento, ou serão enviados ou se colocarão a caminho, ou que até o presente tenham vindo sob qualquer nome que lhes sejam dados, ou lhes sejam especificados, fé pública e plena e verdadeira segurança que chamam salvo-conduto, para vir livremente a esta cidade de Trento e permanecer nela, ficar, habitar, propor e falar de comum acordo com o mesmo Concílio, tratar de quaisquer negócios, examinar, discutir e representar sem nenhuma punição tudo o que quiserem e quaisquer dos artigos, tanto por escrito como por palavra, divulgá-los, e em caso necessário, declará-los, confirmá-los e compará-los com a Sagrada Escritura, com as palavras dos santos Padres e com sentenças e razões, e de responder também, se for necessário, as objeções do Concílio Geral e disputar cristãmente com as pessoas que o concílio indique ou conferenciar caritativamente sem nenhum obstáculo (…).

[…]

E este mesmo salvo-conduto e seguros devem durar e subsistir desde o início e por todo o tempo que o Concílio e seus componentes os recebam sob seu amparo e defesa, e até que sejam conduzidos a Trento e por todo o tempo que se mantenham nesta cidade, e também, depois de ter passado vinte dias desde que tenham suficiente audiência, quando eles pretendam retirar-se, ou o Concílio, depois de os ter escutado, os intime para que se retirem, os fará conduzir com o favor de Deus, longe de toda a fraude e dolo, até que o lugar que cada um escolha e tenha por seguro.

Aliás, é bom frisar que a publicação de alguns decretos que estava marcada para esta sessão foi adiada em atenção ao pedido dos protestantes que ainda não haviam chegado:

[T]endo além disso acreditado que viriam a este Sacrossanto Concílio os que se chamam Protestantes, (…) e como no entanto, não chegaram até o presente momento, e como tenham suplicado em seu nome, a este Santo Concílio que se espere até a próxima Sessão a publicação que deveria ser feita hoje, confirmando que certamente viriam sem falta, (…) transferiu à Sessão seguinte, para trazer à luz e publicar os pontos acima mencionados, no dia da festa de São José, que será em 19 de março, com aqueles que não somente tenham tempo e lugar bastante para vir, mas também para trazer propostas antes do dia marcado.

Pois bem. O pe. Ralph, no livro citado acima, diz o seguinte no capítulo sobre os observadores-delegados e convidados ao Concílio Vaticano II:

Em 8 de setembro de 1868, quinze meses antes da abertura do primeiro Concílio do Vaticano, Pio IX dirigiu a todos os patriarcas e bispos da Igreja Ortodoxa uma Carta Apostólica convidando-os a pôr fim ao estado de separação. Se o aceitassem, teriam no Concílio os mesmos direitos de todos os outros bispos, uma vez que a Igreja Católica considera válida sua sagração. Se não, eles teriam, como no Concílio de Florença em 1439, a possibilidade de tomar parte nas Comissões conciliares compostas de bispos e teólogos católicos, para discutir os assuntos do Concílio. Mas o texto da carta foi considerado ofensivo pelos patriarcas e bispos.

[Wiltgen, Ralph M., “O Reno se lança no Tibre: o Concílio Desconhecido”, p. 124. Ed. Permanência, Niterói, RJ, 2007]

Recapitulando: o Concílio de Trento convidou protestantes, e ainda lhes concedeu um salvo-conduto para que transitassem com segurança por terras católicas. O Papa Pio IX convidou ortodoxos para o Concílio Vaticano I, garantindo-lhes a possibilidade de tomar parte nas Comissões conciliares e discutir os assuntos do Concílio. O mesmo aconteceu no Concílio de Florença. Portanto, a presença de hereges e cismáticos nos Concílios Ecumênicos – ou, ao menos, o convite feito por Roma, dado que eles nem sempre aceitaram – sempre existiu na história da Igreja.

Com qual objetivo? O de convertê-los a Fé Verdadeira, é óbvio. O de discutir francamente com eles, mostrando-lhes a Verdade Católica e o erro no qual eles incorrem ao se separarem da Igreja de Jesus Cristo. O de permiti-los acompanhar de perto os trabalhos conciliares, a fim de que se impregnem da Doutrina Católica e possam, quiçá, ser tocados pela graça de Deus e abjurarem os seus erros. A presença de hereges e cismáticos, portanto, em Concílios Ecumênicos, não deveria escandalizar ninguém.

No Concílio Vaticano II foi feito o mesmo convite. Hereges e cismáticos participaram das sessões conciliares. Participaram, no entanto, como hereges e cismáticos – ou como “irmãos separados”, na linguagem conciliar -, podendo assistir às sessões, podendo (talvez) discutir nas comissões (como no Vaticano I e no Concílio de Florença), mas sem direito a voto, óbvio, porque não fazem parte da Igreja. Aliás, não sei nem mesmo se eles tinham direito a fazer intervenções nas Aulas Conciliares.

Ao Vaticano II fizeram-se presente diversas delegações de não-católicos. Para que isso fosse possível, ajudou o clima mundial à época da convocação do Concílio Ecumênico; permito-me citar de novo o pe. Ralph, porque ele traz uma informação muito interessante sobre este assunto (grifos meus):

O clima religioso do mundo na época de João XXIII era bem diferente do clima dos tempos de Pio IX. Desde então, o movimento ecumênico em favor da unidade dos cristãos tinha se implantado solidamente em todas as comunidades cristãs.

Numerosos fatores haviam contribuído para a expansão deste movimento verdadeiramente providencial. O primeiro era a investigação bíblica que tinha aproximado eruditos católicos, protestantes, anglicanos e ortodoxos. O segundo era a existência do Conselho Ecumênico das Igrejas, fundado precisamente para promover a união dos cristãos em todos os domínios possíveis, e que em menos de trinta anos tinha visto sua composição ultrapassar 214 igrejas-membros de pleno direito e 8 membros associados – igrejas protestantes, anglicanas, ortodoxas e velho-católicas. Enfim, a ameaça neo-pagã do nazismo na Europa durante a II Guerra Mundial tinha unido, na defesa da religião, católicos e cristãos de todas as denominações, o que explica que o movimento ecumênico tenha primeiro se manifestado na Alemanha, na França e nos Países Baixos. Entre os chefes mais ativos do ecumenismo católico figuravam jesuítas e dominicanos.

Os primeiros sucessos alcançados nesses três países receberam novo alento quando o Santo Ofício publicou, em 20 de dezembro de 1949, sua longa “Instrução sobre o movimento ecumênico”. Esta “instrução” convidava insistentemente os bispos do mundo inteiro “não somente a vigiar com cuidado e diligência todas as atividades deste movimento, mas também promovê-las e dirigi-las prudentemente, para que aqueles que estão em busca da verdade e da verdadeira Igreja possam ser ajudados, e para que os fiéis fossem prevenidos contra os perigos que corriam tão facilmente ao promoverem tais atividades”.

[op. cit., pp 124-125]

Havia, portanto, uma instrução do Santo Ofício, pré-conciliar (de 1949, 13 anos antes de se iniciar o Vaticano II), convidando os bispos a promover e dirigir as atividades ecumênicas. Com qual objetivo? Obviamente, com o objetivo de fazer com que o movimento desse frutos verdadeiros e, ao invés de proporcionar um falso irenismo, fosse um instrumento eficaz para ajudar os hereges e cismáticos a encontrarem na única Igreja de Nosso Senhor a unidade que eles estavam buscando. Não vejo, portanto, justificativas para que o Vaticano II seja condenado por coisas que, antes dele, já faziam parte da Igreja, como o convite a hereges e cismáticos para que aprendam a Doutrina Católica nos Concílios Ecumênicos ou a promoção do ecumenismo para que ele sirva como meio de regresso dos sarmentos secos à Igreja de Nosso Senhor. Aos que diferenciam o “ecumenismo conciliar” do ecumenismo do Santo Ofício em 1949, precisariam provar as suas acusações de modo inequívoco. O mesmo vale aos que diferenciam a participação de protestantes e ortodoxos no Vaticano II daquela à qual hereges e cismáticos sempre foram convidados ao longo da história da Igreja.

Concluamos: os membros de outras religiões não estiveram no Concílio Vaticano II como “palpiteiros” para dizer como “deveria” ser a Doutrina Católica, pois esta é imutável e a Igreja o sabe muito bem. Foram, repito, os prelados católicos que votaram os documentos, não os observadores ortodoxos e protestantes. Estes, aliás, se é que chegaram a discutir nas comissões os assuntos do Concílio – coisa que eu não sei se aconteceu -, não fizeram nada diferente daquilo que Pio IX já havia proposto e, antes dele, o Concílio de Florença. Não existe nenhum motivo para se rasgar as vestes quanto a isso.

Não estou dizendo com isso que tudo está muito lindo e perfeito, e que os católicos hoje em dia vivem, via de regra, a mais pura expressão da Doutrina Católica, porque é claro que não vivem. É preciso fazer muita coisa, tanto para tentar descobrir o porquê do Concílio ter sido tão tremendamente distorcido, quanto para tentar propôr caminhos a serem seguidos pelos católicos; mas esse artigo já vai muito longo e eu vou deixar isso para uma outra oportunidade. Acredito que valha a pena, para finalizar, citar a intervenção feita às vésperas do fechamento do Concílio pelo chefe da delegação anglicana numa cerimônia realizada na Basílica de São Paulo Fora dos Muros para promover a unidade dos cristãos:

O Rev. Moorman, chefe da delegação anglicana, dirigiu-se ao Papa em nome dos observadores-delegados e dos convidados, cujo número atingira 103 componentes durante a quarta sessão. “Nenhuma vez sequer durante estes quatro anos”, disse, “sentimos que nossa presença incomodasse fosse a quem fosse. Ao contrário, sempre nos pareceu que ela havia contribuído, em vários aspectos, para o êxito do Concílio e da grande tarefa de reforma que ele empreendeu”. E acrescentou: “Nós acreditamos que passou o tempo do medo recíproco, do exclusivismo rígido, da suficiência arrogante. A estrada da unidade por certo será longa e difícil, mas Vossa Santidade sentirá talvez o conforto de saber que, pelo fato de nossa presença aqui na qualidade de observadores, terá a companhia de uma centena de homens (…) [reticências no original], que pelo mundo afora se esforçarão por levar às Igrejas alguma coisa do espírito de amizade e tolerância de que foram testemunhas em São Pedro. Nossa missão de observadores não terminou. Eu me refiro, caríssimo e santíssimo Padre, ao que vós pensais de nós, como amigos – como mensageiros – agora que cada um de nós retoma a própria estrada.

[op. cit., p. 285]

As besteiras teológicas proferidas pelo reverendo Moorman diante do Papa são da lavra dele, e não do Concílio. As mesmíssimas bobagens irenistas, aliás, multiplicam-se amiúde nos nossos dias, e é importante que elas sejam corrigidas. Seria ingenuidade – o próprio anglicano reconhece – achar que a unidade dos cristãos seria alcançada de outra maneira que não por uma estrada “longa e difícil”. O Vaticano II não se propôs a isso, e é aquele que falou ao Papa em nome dos observadores-delegados ao fim do Concílio que o atesta. Vale ainda destacar que o herege tem consciência de que o seu papel no Concílio é o de observador. E eu, particularmente, fico feliz em ver um herege anglicano chamando o Papa de “Vossa Santidade” e de “Santíssimo Padre”…

Padre Fernando Cardoso sobre a fidelidade à Doutrina

[Publico transcrição do pe. Fernando Cardoso, de São Paulo, em programa que foi ao ar pela Rede Vida, onde Sua Reverendíssima fala sobre a missão do sacerdote católico.

O programa original está aqui; os créditos pela transcrição são do Francisco Dockhorn, a quem agradeço.]

TRANSCRIÇÃO DO PROGRAMA O PÃO NOSSO DE CADA DIA, EXIBIDO PELA REDE VIDA DE TELEVISÃO DIA 27/05/09.

Padre Fernando J. C. Cardoso
Arquidiocese de São Paulo

Ontem eu iniciei uma meditação sobre o perfil do verdadeiro Pastor de almas, aproveitando-me do testamento espiritual de Paulo.

Hoje gostaria de aprofundar ainda mais no tema e encerrá-lo; dois são os traços característicos do Apóstolo que nos são legados por Lucas no texto que se lê como primeira leitura.

Em primeiro lugar, o pastor de almas deve ser capaz e estar pronto, para ensinar a verdadeira doutrina. Hoje, como nos tempos de Paulo, a Igreja possui um único Evangelho, e ela não tem o direito de adulterá-lo, de aguá-lo, de diminuir as suas exigências para torná-lo mais atraente ao mundo moderno.

Atenção: o Evangelho não está em liquidação, e a Igreja de Cristo tem a promessa de seu fundador de estar presente na humanidade até o final dos tempos. Ela também não está em estado de término, liquidando o pouco que tem.

Nós possuímos um corpo de doutrinas que deve ser solidamente conhecido por um Sacerdote, e não é à toa que ele estuda filosofia e teologia durante cinco, seis ou sete anos, e deve ser esta doutrina transmitida na sua inteireza e na sua clareza a todos os fiéis que lhe são confiados.

Um bom Sacerdote faz isto na catequese, nos círculos bíblicos, na pregação, no aconselhamento espiritual e até mesmo dentro de um confessionário.

Ai do pastor de almas que não pregar Jesus Cristo, ou não pregar Cristo, como quer a Igreja católica que Ele seja apresentado, porque nenhum de vocês nos buscam por aquilo que nós somos pessoalmente. Quando nos procuram, buscam em nós um ministro da Igreja católica e deseja dele receber uma palavra autorizada e clara da Igreja católica.

Se nós nos desvinculássemos da Igreja católica, ninguém nos procuraria por aquilo simplesmente que somos.

Paulo nos deixa um último exemplo antes de se despedir dos cristãos e dos presbíteros de Éfeso, ele não foi um dinheirista, ele não foi uma pessoa ávida de bens materiais; “Estas mãos – diz ele no texto – proveram o meu sustento e o sustento daqueles que estavam comigo e em tudo vos demos o exemplo de como deveis proceder”.

Uma vez mais o óbolo, a esmola, o pedido que faço: uma oração profunda sentida, que parta do intimo do coração para que o povo católico desta nação tenha a presença de sacerdotes à sua altura, tenha a presença de Santos Sacerdotes, que não meçam esforços para apresentar na inteireza, Jesus Cristo à sua comunidade.