Grito Silencioso

[youtube=http://www.youtube.com/watch?v=PXTeqJsErWo]

Esta é uma música antiga de uma banda católica daqui de Olinda. Ouvi-a por duas vezes nos últimos dias, após anos sem escutá-la: encontrei-a “perdida” no notebook enquanto viajava e soube que ela foi tocada na cerimônia de entrega do prêmio Von Galen a Dom José Cardoso Sobrinho. Grito silencioso, de órfãos inocentes. Gosto dela, é quase uma oração: Grito silencioso, que machuca o coração de Deus; Maria, Mãe da Igreja, roga pelos filhos Seus.

Eles não podem gritar. Nós podemos e, portanto, devemos. O grito de agonia deles enquanto estão sendo assassinados não pode ser ouvido; a nossa voz, sim, esta pode ser ouvida, e precisa sê-la, para que eles não precisem gritar em silêncio no ventre materno. Hoje, muitos preferem se calar, em um silêncio tão grande quanto o daqueles bebês assassinados no ventre, vítimas do Holocausto Silencioso. Ambos os silêncios machucam o coração de Deus: mas o silêncio dos já nascidos é mais grave, porque é covardia, é omissão de quem poderia fazer algo e não faz.

Os inimigos do gênero humano, promotores do aborto, no entanto, não se calam. A Fiocruz produziu um documentário sobre o aborto, que ganhou um prêmio e teve a sua produção financiada com dinheiro público; alguns trechos dele podem ser vistos aqui. “O vídeo, da documentarista Thereza Jessouron, apresenta, pela primeira vez no Brasil, depoimentos de mulheres de idades, classes sociais e estados brasileiros diversos, como Rio de Janeiro, São Paulo e Recife (sic!). Na produção, as entrevistadas falam abertamente, sem esconder o rosto nem a identidade, como e porque fizeram o aborto”. Enquanto gritam os inocentes assassinados por estas mulheres que “falam abertamente, sem esconder o rosto”, também nós precisamos gritar e protestar contra a impunidade e contra a defesa do assassinato de inocentes. O email da produtora/diretora deste curta abortista é: thereza.jessouroun@gmail.com.

Como se não bastasse a guerra incessante que nos é feita desde fora, também de dentro da Igreja nós recebemos golpes cruéis. Depois de Mons. Fisichella, foi a vez do cardeal de Montreal, Jean-Claude Turcotte, prestar um grande desserviço à Igreja dizendo que o aborto é aceitável em “certas casos”. Que “casos”, eminência? Em que “casos” uma vida inocente pode ser ceifada? Em que “casos” há exceções para a proibição de se matar diretamente um inocente? Será possível que estes senhores não temam pela salvação das próprias almas? Será que eles não sabem que o inferno também aceita púrpura?

Maria, Mãe da Igreja, roga pelos filhos Seus! Olha para a Esposa de Teu Filho, ó Mãe Santíssima; olha por aqueles que trabalham – ou deveriam trabalhar – pela glória do Teu Deus. Roga por nós ao Todo-Poderoso. Concede-nos os Teus favores, sem os quais é impossível vencer esta batalha e quebrar o silêncio que envolve o aborto. Sê em nosso favor, e livra-nos do inimigo com o Teu valor. Maria, Mãe da Igreja, roga pelos filhos Teus!

“Nascida durante aborto por envenenamento salino”

E nos meus registros médicos também diz, para qualquer cético ver: “nascida durante aborto por envenenamento salino”. Ha! Eles não venceram.
[Gianna Jessen]

Este é o testemunho, em vídeo, da garota chamada Gianna Jessen, cuja mãe – que, quando engravidou dela, tinha 17 anos – não a queria e tentou abortá-la, mas não conseguiu. O vídeo está disponível no youtube em duas partes:

Giana Jessen – Sobrevivente de um aborto – parte 1
Giana Jessen – Sobrevivente de um aborto – parte 2

A história dela é interessante. Primeiro, porque ela sobreviveu a um envenenamento salino, coisa que em si já é bastante rara, porque quando se injeta no útero da mãe uma solução salina, o bebê se queima completamente, tanto na pele [que está em contato com o sal] quanto por dentro [porque engole a solução]; segundo, porque uma enfermeira chamou uma ambulância quando ela nasceu viva, fato que é – nas palavras dela – “absolutamente miraculoso”, porque era prática comum “terminar com a vida de um sobrevivente do aborto por estrangulação, sufocamento, deixando o bebê morrer ou jogando o bebê fora”.

Uma vida que é um verdadeiro milagre, pois sobreviveu a duas tentativas de assassinato quando ainda era criança indefesa: à solução salina e à morte após nascer viva. Mas uma enfermeira chamou uma ambulância! Quem foi esse anjo bom? Uma mulher que possivelmente passou a vida dando assistência ao “médico” que matava as crianças no ventre materno; uma mulher, portanto, cúmplice de sabe-se lá quantos assassinatos. Neste dia, contudo, ela foi tocada pela graça de Deus e fez tudo diferente do que fizera até então. Salvou a vida daquela criança que, hoje, dá esse bonito testemunho. Oxalá ela o possa conhecer e, se ainda não o fez, possa arrepender-se de seus crimes passados e passar a trabalhar para salvar mais vidas – como salvou a da pequena Gianna. Que a Virgem Santíssima possa interceder por ela.

“O quanto vocês estão dispostos a lutar e o quanto estão dispostos a arriscar para falar a verdade no amor, e cordialmente, e ficarem de pé e ao menos estarem dispostos a serem odiados”? É o que pergunta a Gianna. E a provocação dela me é reconfortante, porque peço sempre a Deus a graça de ficar sempre de pé, não importando os ataques, proclamando bem alto a Sua verdade e defendendo os Seus direitos! Alegra-me saber que existem outras pessoas com os mesmos desejos meus; reconforta-me saber que outros fazem, muito melhor do que eu, o bem que eu desejo e não consigo fazer.

“Se o aborto diz respeito – pergunta ainda a Gianna – somente aos direitos da mulher, senhoras e senhores, então quais são os meus direitos?” A pergunta é muito oportuna. Quais são os direitos dos bebês abortados, das crianças assassinadas, dos filhos imolados pelas próprias mães no altar do Deus-Hedonismo? Louvado seja Deus, porque existe uma Gianna, que pode falar com propriedade em nome dos bebês abortados, já que ela mesma sobreviveu a um aborto. Ela fala em nome daqueles que não têm voz. Ouçamo-la. Que a outra Gianna, do Céu – Santa Gianna Beretta Molla – possa ser em favor desta Gianna da terra. Que as duas juntas possam oferecer terrível resistência ao Holocausto Silencioso. Que os abortistas sejam derrotados o quanto antes. E Deus tenha misericórdia de nós todos.

A lenda do “Corpus Christi”

Recebi nos últimos dias [de novo…] uns emails sobre um filme chamado “Corpus Christi”, cuja estréia estaria marcada para os próximos meses. Tratar-se-ia de um filme onde Nosso Senhor e os discípulos seriam retratados como homossexuais, e o email enviado propunha que se fizesse um abaixo-assinado para tentar impedir o seu lançamento. Eu já sabia que era um hoax [e, aliás, um hoax antigo], mas parece que o negócio tem enganado muita gente de boa fé. A Catholic League enviou um email contendo o seguinte teor:

Hoax “Corpus Christi”

Muitas pessoas contactaram a Liga [perguntando] sobre os rumores de que a peça [de teatro] anti-católica “Corpus Christi” está sendo transformada em um filme a ser lançado neste verão. Por favor, esteja avisado de que isto é um hoax.

Já faz bastante tempo que está na rede a denúncia de que se trata de HOAX. Aliás, vale uma leitura completa deste dossiê, do qual eu destaco duas coisas:

Pois bem, o filme não existe. Pelo menos até este momento (outubro de 2008) não há sequer notícia da intenção de fazê-lo. No entanto, uma peça intitulada Corpus Christi foi encenada na Broadway (Nova Iorque) em 1998. Nela, o autor Terrence McNally apresenta Cristo e seus apóstolos como homossexuais. (Veja Terrence McNally’s Corpus Christi Under Attack in Indiana [o link do Quatro Cantos está errado. Este aqui está correto]).

e

Essa lenda circula pela Europa desde os anos 80 antes mesmo de a Internet tornar-se o meio ideal para tal tipo de divulgação. Na década de 80 e princípio da de 90, essa história se propagava via fax e correio. Naquele tempo, como hoje, não existia nenhum filme sobre esse tema.

Prestemos atenção: a lenda circula desde os anos 80 e só em 1998 – i.e., no final dos anos 90 – a peça foi representada. Ou seja, é bem possível que a repercussão que a lenda teve tenha motivado a sua realização. Portanto, precisamos enterrar de vez este assunto, por dois motivos: o primeiro porque ele é falso, e nós temos muito mais coisas – verdadeiras – com as quais nos preocuparmos; e, o segundo, para que alguém não tenha a infeliz idéia de produzir realmente este filme, depois de toda a propaganda feita pelo hoax. Já basta a peça blasfema e todas as outras blasfêmias que acontecem quotidianamente e com as quais temos que nos preocupar – não precisamos de outras.

Matrimônio & Filhos

Não é de agora, mas ainda não comentei esta notícia que saiu n’O GLOBO, segundo a qual os filhos podem reduzir a satisfação no casamento. Não sei se o mais triste é que um estudo dessa natureza tenha sido feito, que ele tenha sido divulgado, ou que os leitores tenham feito os comentários que fizeram sobre o assunto; no entanto, o problema fundamental está na concepção doentia que as pessoas têm de “casamento”.

Casamento não é para “satisfazer” ninguém! Se as pessoas soubessem disso, ninguém ia gastar tempo e dinheiro fazendo um estudo que não tem a ver diretamente com o Matrimônio, ninguém ia divulgá-lo e ninguém ia comentá-lo. No entanto, a sociedade pagã na qual nós vivemos parece ter como um dogma que a “satisfação” conjugal é o valor máximo a ser buscado dentro do casamento, o que justificaria tudo, da contracepção ao divórcio, do aborto à amásia. Claro; afinal, se eu não estiver “satisfeito”, por qual motivo eu deveria ter filhos? Por qual motivo eu deveria ficar junto de uma pessoa que não me “satisfaz”? Por que motivo eu não poderia ficar com alguém que me dá “satisfação”?

E, com isso, são solapadas as bases do ordenamento social. As famílias são formadas em primeiríssimo lugar para que sejam gerados e educados cidadãos para o Estado e filhos de Deus para a Igreja. A dimensão procriativa é inerente à sociedade familiar e dela não pode ser separada artificialmente, sob pena de que a própria idéia de “Família” enfraqueça-se. E favor não confundir isso que estou dizendo com “sexo é só para reprodução”, “o amor entre os cônjuges não importa”, “casais estéreis não são casais de verdade”. Não tem nada a ver.

O problema maior aqui é a “hierarquização invertida” de valores. Uma subjetiva “satisfação” dos cônjuges – diga-se de passagem, na sociedade paganizada na qual vivemos, cada vez mais intrinsecamente desordenada e dificilmente alcançada… – é insinuada como se fosse mais importante do que o bem objetivo da prole! É verdade que o próprio corpo do texto – aliás, expediente que está se tornando cada vez mais comum… – não diz a mesma coisa que o título; no entanto, a impressão passada pela matéria, ao leitor desatento, é realmente negativa para a paternidade e a maternidade. É preciso resgatar o sentido de “Família”. Reportagens irresponsáveis como essa tornam cada vez mais difícil encontrar o verdadeiro sentido de “felicidade familiar”, escondido sob o “senso comum” paganizado… que a Virgem Santíssima, Regina Familiae, rogue por nós.

Aviso

Estou chegando em Recife agora; desde a última quarta-feira que estive na estrada, fazendo a viagem que relatei rapidamente aqui. Tive escassíssimas oportunidades de acessar a internet nos últimos dias [os textos sobre o ateísmo foram todos agendados na quarta-feira], e só aos poucos vou estar me familiarizando com os acontecidos. Estou com um monte de comentários para aprovar e de emails para ler, de modo que peço a paciência de todos. Até amanhã, as coisas devem estar normalizadas. Obrigado.

Diário de Viagem

[Em viagem pelo Nordeste, junto com mais dois amigos, desde a última quarta-feira; estamos já de volta para Recife – que a Virgem Santíssima nos guarde na viagem de volta -, de modo que aproveito para deixar aqui as minhas impressões, escritas às pressas, entre uma saída e outra. Amanhã, se o Bom Deus assim o permitir, chegaremos à terrinha natal.]

Maceió

Viajar de carro. Ir pelo litoral, ao invés de pela BR; a viagem torna-se um pouco mais longa, mas bem mais agradável. Não temos pressa; é só no dia seguinte, à noite, que temos uma Ordenação Presbiteral a assistir. Aproveitar a viagem para jogar conversa fora, parar nos postos de beira de estrada para tomar café ou fumar um cigarro, rezar o terço, ouvir música ou CDs de meditações. A viagem não é tão longa assim; passa depressa. Tempus volat

Em Maceió ficamos hospedados no Seminário: Nossa Senhora da Assunção. Chegamos já à noite; no dia seguinte pela manhã, já temos que pegar a estrada para Aracaju. Mas houve tempo para conhecermos o reitor e jantarmos à sua companhia agradável: os cabelos brancos encerram um jeito cativante de contar histórias, e os vastos conhecimentos acumulados ao longo dos anos fazem com que seja agradável ouvi-lo. Padres e bispos são ordenados, dioceses são transferidas e restauradas, Arquidioceses são criadas – tudo isso desfila diante de nós, nas palavras do velho cônego. Pouco tempo, mas muito agradável.

Ir à orla, à noite, para conhecer – ainda que rapidamente – a cidade. Vê-la rapidamente, de carro; não dá para fazer lá muita coisa, é fato, mas dá para ter uma pequena noção da cidade. Tapioca na beira da praia; maior do que o nosso estômago recém-forrado pelo jantar. Mas conversamos um pouco, para depois voltarmos aos nossos aposentos.

No dia seguinte, missa privada – na forma extraordinária do Rito Romano, logo ao acordar. Café, depois estrada. Próxima parada, Aracaju.

* * *

Aracaju

Chegamos à tarde; fomos à Catedral para nos encontrarmos com o [então] diácono Rubens, o ordenando da noite. Disse-nos ele que nos esperavam no seminário, para o qual nos dirigimos. Nossa Senhora da Conceição; fomos bem recebidos, comemos algo, e um seminarista – Flávio – ciceroneou-nos à tarde.

Igreja de Santo Antônio, onde começou Aracaju; a orla “mais bonita do nordeste”, ampla, onde havia fontes e lagoas, pistas de cooper e [mais] barraquinhas de tapioca (lá, beiju); a zona sul da cidade, e a cidade vizinha (do outro lado do Rio Sergipe) de Barra dos Coqueiros, e a parte “feia” da cidade, no norte, onde havia pobreza e miséria em quantidade que contrastava fortemente com a zona sul: dado o pouco tempo que tínhamos, Flávio fez milagres e nos mostrou muitas coisas. Voltamos ao seminário para nos prepararmos para a ordenação.

Um único diácono a ser ordenado padre. A Catedral não estava cheia, mas a celebração foi bonita. Igreja Santa na entrada, num belo coral de vozes; Dom Lessa e um grande número de padres e acólitos, seminaristas e diáconos. A primeira vez que via uma ordenação presbiteral: apresentação do candidato, canto da Ladainha de todos os santos, imposição de mãos e oração consecratória: mais um sacerdote do Deus Altíssimo – que Ele o proteja e guarde sempre! Tu es sacerdos in aeternum: verdade reconfortante e motivo de júbilo para toda a igreja. Beijar-lhe as mãos e pedir-lhe a bênção ao fim da cerimônia: que a Virgem Santa possa velar com particular cuidado pelo neo-sacerdote.

À noite ainda fomos à orla, comer alguma coisa, conversar um outro tanto, mas não nos demoramos. No dia seguinte, Salvador: São Salvador da Bahia de Todos os Santos. Missa de manhã, fazer as malas, pegar a estrada.

* * *

Salvador

Chegar no início da tarde, com fome: mas a viagem pela Linha Verde é agradável. Pouco trânsito, a gente consegue correr “até quando o motor agüenta”… Aracaju – Salvador acaba não sendo uma viagem longa. Logo à chegada [hospedados nas Irmãs Mercedárias, em Rio Vermelho], após o almoço, ir à Barra; o Farol da Barra lembrou-me Lisboa – mais especificamente, a Torre de Belém. Não que as construções sejam muito parecidas – a Torre é muito mais portentosa -, mas a herança portuguesa, a arquitetura similar (quiçá arquitetura comum a todos os fortes, mas enfim…), recordou-me a capital lusitana onde estive há pouco mais de um ano. O Forte é de Santo Antônio; uma ligeira prece, no museu mesmo, a fim de que o santo português interceda por nós e pelo Brasil.

Uma rápida passagem pelo centro da cidade, à noite: praça Castro Alves [quase dava para ver a estátua imponente do jovem poeta declamando do alto, para a noite baiana, seus versos dos quais gosto tanto], praça da Sé. Na volta, como bons turistas, fomos ao Acarajé da Dinha – ficava ao lado de onde estávamos hospedados! – para ver o que é que a baiana tem. O que ela não tem, é simpatia; de resto, não entendo muito de acarajé, mas me pareceu saboroso. Uma boa noite de sono me aguardava.

No dia seguinte, missa às 07:00, desta vez na paróquia do pe. Ângelo. Depois, centro histórico. Debaixo de chuva: entre uma igreja e outra, um banho de chuva e outro, passamos a nossa manhã. Munificentíssimas igrejas, em quantidade e em qualidade; belíssimas, belíssimas. Imponentes, ricas, esplendorosas, dignas do Deus Altíssimo em cuja honra foram erigidas. Impressionaram-me os altares antigos – o da Catedral, de modo particular -, não utilizados… é triste. O Sacrifício oferecido à Trindade Santa nos altares modernos, de costas para aquelas obras magníficas que foram construídas precisamente para oferecer o Santo Sacrifício da Missa…! Não há explicação. Mysterium Iniquitatis, sem dúvidas. Que Deus tenha misericórdia da Bahia.

“Tem missa afro aqui?”, perguntamos a um (pareceu-me) sacristão de uma das igrejas nas quais entramos. “Amanhã tem mais ou menos; tem uns tambores, mas a cerimônia completa só na próxima terça-feira”. “Tem missa com pipoca?”, tive ainda a ousadia de perguntar; “Vá amanhã em São Lázaro”. Estes sacrilégios, acaso irão durar para sempre…? Domine, miserere.

Saímos à tarde, de carro; mais útil teria sido um barco, porque Salvador parecia que ia afundar. Fomos à Basílica de Bonfim; mais um altar estupendo, mais uma tristeza por não vê-lo utilizado para louvar ao Altíssimo. Há, na entrada da Basílica, dois quadros em paredes opostas muito interessantes: a morte do justo de um lado e, do outro, a morte do pecador. No primeiro, o demônio impotente enquanto o fiel é consolado por uma corte de anjos; no segundo, o anjo assiste com fisionomia triste uma horda de demônios arrastar o condenado que se recusa a beijar a cruz que lhe é oferecida. Se a Graça de Deus é até o último instante favorecida, por outro lado Satanás também está à espreita até o fim. Vigiemos, pois, e oremos, para que não caiamos em tentação.

Também ao lugar onde está sepultada Irmã Dulce. Serva de Deus; não conhecia a história dela e não saberia até então o que falar a seu respeito. O processo de canonização está num ponto em que falta apenas um milagre para a beatificação. Pareceu-me que ela é um excelente exemplo de como é possível servir aos pobres sem deixar de servir a Deus, e de lutar pelos desvalidos sem se deixar contaminar pela Teologia da Libertação. R.I.P.

À noite, chovia a cântaros; fomos ao Shopping, perdemos a hora do cinema, aproveitamos para conversar mais um pouco e voltar cedo para casa. No domingo, missa às 07:30, na paróquia de Sant’ana [“igreja do pescador”], de pe. Ângelo; Oitava de Páscoa, domingo de São Tomé, Festa da Divina Misericórdia, aniversário de eleição do Santo Padre o Papa Bento XVI ao Trono de Pedro: Dominus conservet eum, et vivificet eum, et beatum faciat eum in terra, et non tradat eum in animam inimicorum eius. Após o almoço, vamos nos despedir da Sede Cardinalícia e pegar a estrada de volta para Recife, pernoitando, no entanto, ainda em Aracaju. Que Deus nos conceda uma boa viagem de volta.

Ateísmo Irracional

[Texto anterior: O agnóstico ateu]

Ateísmo irracional

Chegamos portanto àquele que é, a meu ver, o principal motivo pelo qual o ateísmo não se difunde tão facilmente nos nossos dias quanto o Cristianismo se difundiu na Idade Média: não é de modo algum evidente que Deus com certeza não exista, e esta idéia só a muito custo penetra na mente das pessoas. É necessário um verdadeiro bombardeio de falsos argumentos, unido ao desejo interior e a priori de que Deus não exista, para que alguém “se convença” de tão anti-natural tese.

Façamos desde já uma ressalva muito importante. Não estou chamando de “irracional” o ateísmo porque ele seja oriundo de uma loucura qualquer, sem contar com nenhum elemento racional. Não é isso. É claro que os argumentos ateus fazem um certo sentido – caso contrário, o número dos seus adeptos seria consideravelmente menor do que é hoje. O problema é que eles – ao contrário do que muitas vezes pretendem – simplesmente não esgotam a questão.

Imagine um Deus Onipotente – pode dizer um ateu. Este Deus pode criar uma pedra tão pesada que nem Ele mesmo consiga carregar? A resposta a esta questão pueril é muito simples: não, não pode, porque tal pergunta (e qualquer variante dela: o machado que tudo destrói contra a porta indestrutível, a meia-calça indesfiável contra as Facas Ginsu, etc) pode ser resumida em sua formulação mais genérica que é “Deus pode não poder”? E é claro que Deus não pode não poder, e isto, ao invés de provar a inexistência da onipotência divina, está na própria definição de “Todo-Poderoso”. Lembro-me de um catecismo antigo que trazia uma pergunta parecida com “Deus pode pecar ou morrer?” – cito de memória e não ipsis litteris. E a resposta dada era: não, Deus não pode pecar e nem morrer, porque tais coisas são frutos de fraqueza e não de potência. A plenitude da potência – a Onipotência – exclui a fraqueza. Pretender “provar” a impossibilidade da Onipotência desrespeitando a sua própria definição não é honesto e não prova nada.

Tome então o paradoxo de Epicuro, pode acrescentar o nosso ateu. Em linhas gerais: se Deus conhece o mal e pode acabar com ele e não o faz, então não é bondoso; se é bondoso e pode acabar com o mal e não o faz, então é porque não o conhece [não é onisciente]; se sabe que o mal existe, é bondoso e não acaba com ele, então é porque não pode [não é onipotente]. Faltou a Epicuro, no entanto [provavelmente por ter vivido antes do Cristianismo], uma quarta possibilidade para o seu Deus: e se Ele é bondoso, conhece o mal, pode acabar com ele e não o faz de imediato porque tem planos melhores?

A resposta ao problema do mal, reconheçamos, não é fácil. Mas a Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo erguida diante de nós ensaia-nos uma resposta: o sofrimento tem sentido. Ele não é um mal absoluto, porque pode produzir [e amiúde produz] o bem. É análogo a, suponhamos, um pai que castiga o seu filho para ensiná-lo: a criança pode não entender, ou entender mal, o castigo que sofre, mas o pai sabe o que está fazendo. Também nós podemos não entender, ou entender mal, o porquê de existir mal no mundo: mas Deus o sabe. Deus permite o mal no mundo, pois, para respeitar a liberdade humana e porque pode tirar deste mal um bem ainda maior: eis as linhas gerais da resposta cristã. Que – vale salientar, antes que comecem os protestos dos ateus que não a aceitem – não é de modo algum uma demonstração da existência de Deus, mas sim uma alternativa a Epicuro que se propõe a eliminar o paradoxo por ele introduzido na definição de Deus.

E se o mundo “sempre existiu” – pode perguntar, por último, o nosso ateu – e não precisar, portanto, de ter sido criado em um dado momento? E se a ciência demonstrar que a matéria, ao menos em suas partículas elementares, não pode ser destruída e, portanto, tudo indica que ela “sempre existiu” mesmo? Para a teologia, isso à primeira vista não apresenta nenhum problema, porque [p.ex.] o inferno “sempre existiu” e vai existir para sempre e, nem por isso, a gente prescinde de Deus para criá-lo. Portanto, em uma resposta sucinta: se as coisas criadas “sempre existiram” – coisa que julgo muitíssimo pouco provável e que nem sei se é ortodoxa, admitindo aqui apenas para argumentar com o nosso ateu imaginário -, mesmo assim, pelo simples fato de serem criadas, elas precisam de um Criador.

A menos que elas fossem “incriadas”, mas a falsidade disso é empiricamente constatável. As coisas visíveis estão em constante movimento, degeneram-se, mudam, transformam-se: percebe-se que falta algo a elas, algo de onde elas possam tirar o próprio ser, que nelas sempre se apresenta… mutável. Os teístas, ao contrário do que devem pensar os ateus, não multiplicam os elos da corrente sem necessidade: se, ao investigar a Causa das causas, nós não paramos no Universo e damos um passo além para chegarmos a Deus, é porque o Universo não atende aos requisitos necessários para ser Causa Não-Causada, e não porque queiramos “multiplicar os entes” sem motivos.

A Fé, portanto, pode trazer argumentos em sua própria defesa e, se não os consegue erigir em demonstração matemática, é porque a natureza do objeto estudado é diferente e não o permite. A descrença, via de regra, resume-se a caluniar a Igreja Católica, “refutar” inadequadamente os argumentos em favor da existência de Deus, e apresentar considerações que tampouco se apresentam com a clareza de uma demonstração matemática. Os ateus, portanto, não provam as suas próprias teses da maneira que exigem que os teístas provem as suas. Podem optar por elas? Poder, podem (embora seja imprudente: lembrem-se de Pascal…), mas precisam entender que não são o baluarte do racionalismo contra as trevas religiosas, dado que a sua descrença é também culturalmente influenciada e não existe demonstração definitiva alguma da veracidade de suas teses.

O agnóstico ateu

[Texto anterior: A cultura atéia]

O agnóstico ateu

Como já foi colocado, uma coisa é não saber que Deus existe; outra, bem diferente, é saber que Deus não existe. O agnóstico pode afirmar a primeira; a segunda, no entanto, afirma-a o ateu. Se o agnóstico pode alegar em sua defesa a ausência de provas da existência de Deus, o ateu, no entanto, para embasar a sua afirmação peremptória, precisaria prová-la. A questão que se coloca, por conseguinte, é: como provar que Deus não existe?

Não dá para provar que Deus não existe. Desconheço até mesmo qualquer tentativa atéia de fazê-lo: todas as justificativas dos ateus para mostrar como é “racional” a sua posição resumem-se a [tentar] refutar os argumentos em favor da existência de Deus. Ora, em boa lógica, todo mundo sabe que a refutação de um argumento é somente a refutação do argumento, e não da tese; Schopenhauer até elenca entre os estratagemas da sua dialética erística [cf. “Como vencer um debate sem precisar ter razão”] um que consiste em tomar a prova de uma certa coisa por esta coisa em si. Em poucas palavras: “refutar” um argumento que se proponha a demonstrar a existência de Deus não é a mesma coisa de refutar a existência de Deus. Isso é claro. Mas muitos ateus não o percebem ou, se o percebem, agem como se não houvesse uma grande diferença entre uma coisa e outra.

Tomemos um agnóstico: um sujeito que se abstém de decidir pela existência ou inexistência de Deus, por considerar que não é possível saber se é verdade uma coisa ou a outra. Aceitemos – vá lá! – que uma mente aleijada graças ao envenenamento pela cultura descristianizada da qual falávamos anteriormente seja, de fato, incapaz de saber que Deus existe. O que ele deve fazer? A resposta correta para este dilema foi enunciada de maneira lapidar pela famosa “aposta de Pascal”: se não dá para saber se Deus existe e se, entre as duas posições a serem tomadas, uma delas fica entre ganhar tudo (caso esteja certa) e não perder nada (caso esteja errada) e, a outra, entre não perder nada (caso esteja certa) e perder tudo (caso esteja errada), é muito mais razoável “apostar” pela primeira, isso é, que Deus existe. Nós fazemos isso o tempo todo nas nossas vidas: ninguém tira órgãos para transplante de alguém que não se sabe se está morto, ninguém contrata um engenheiro que não se sabe se é formado em engenharia, ninguém liga um aparelho eletrônico de 110v em uma tomada que não se sabe se é 110v ou 220v, etc. É também famoso o princípio do Direito que diz que, na dúvida, deve-se decidir a favor do réu: in dubio pro reo. Ora, se nessas coisas mais simples a prudência manda optar por aquilo que vai causar o maior bem e/ou evitar o maior mal, mesmo que não se tenha certeza, por que motivo haveríamos de agir diferente quando a nossa incerteza é sobre uma coisa tão crucial quanto a existência de Deus?

Um agnóstico razoável, portanto, deveria acreditar que Deus existe, mesmo que estivesse convencido da impossibilidade de demonstrá-lo. Só que eu nunca vi um agnóstico agir dessa maneira: todos eles agem como se Deus não existisse, comportando-se na prática como se fossem realmente ateus. O ateísmo é uma escolha muito séria, que não pode deixar margem para dúvidas – lembremo-nos de Pascal. Portanto, um ateu que tenha consciência do que está fazendo precisa estar certo de que Deus não existe, sob pena de estar correndo um risco que ninguém em sã consciência ousaria correr. Dado, contudo, que não dá para demonstrar a inexistência de Deus, existe uma pergunta que não quer calar: de onde vem a certeza dos ateus?

Espantar-nos-ia constatar que ela não vem de lugar nenhum? É mera crença, que se impõe ao intelecto sem necessidade de demonstrações. Mera crença, que pode ter diversas explicações – desde a confusão acima mencionada entre a refutação da demonstração e a da tese, passando por problemas morais à aceitação da idéia de que existe um Deus, até puro preconceito, incompreensão do problema da existência do mal ou outros obstáculos intelectuais, etc. -, mas nunca razões verdadeiras. Aliás, diga-se de passagem, ao contrário da Fé, que sempre pode aduzir razões em seu favor…

Temos, portanto, que os “argumentos” em desfavor da existência de Deus poderiam conduzir no máximo ao agnosticismo, mas nunca ao ateísmo. Não obstante, vemos o tempo inteiro ateus encherem o peito para explicarem a sua opção por caminhos que a ela não conduzem de nenhuma maneira! Não se passa do agnosticismo ao ateísmo sem ser por meio de uma crença gratuita e irracional. Não deixa de ser irônico que todo o edifício construído pelos paladinos das luzes contra o obscurantismo medieval esteja assentado sobre bases tão frágeis como estas.

“Lisboa amanhece”

[Publico um texto do João Pereira Coutinho, que um amigo fez a gentileza de me enviar por email – acredito que só esteja disponível na internet para assinantes – e que é muito valioso. A despeito do tom debochado do articulista em alguns trechos, ele evoca um misto de nostalgia e de tristeza, de admiração e de frustração: salta aos olhos na leitura do texto a enorme quantidade de coisas que foram perdidas no intervalo de uma geração, a ponto do Coutinho precisar dizer que a sua infância – o tempo onde a Semana Santa era vivida realmente em Portugal – é um “território distante”.

O quanto distante? Quinze anos, vinte, trinta anos? Como o meu amigo que enviou-me o texto, não sei a idade do Coutinho. Mas não pode ser muito mais do que isso, e é de se espantar que, em tão pouco tempo, tanto de costumes e de tradições tenha sido perdido! A narrativa que faz o autor da Semana Santa da sua infância contrasta fortemente com a última frase do artigo: “uma cadência de festa que anuncia a ressurreição de Cristo a homens que dormem”. Cristo ressuscita, e ninguém parece se importar: os homens dormem. É triste, muito triste. Que Nossa Senhora de Fátima Se compadeça de Portugal, e que Deus tenha misericórdia de nós todos.]

Lisboa amanhece

A minha infância é um território distante. E os rostos desse passado são apenas memórias

ESCREVO NO domingo de Páscoa, minutos depois de perder o compasso. Adormeci. Quando acordei, o compasso já tinha passado.

Não sei se os brasileiros conhecem o termo. “Compasso”. A simples palavra evoca uma infância inteira sob educação católica no Portugal do pós-25 de Abril. O compasso era o momento em que um padre e quatro ou cinco ajudantes entravam nas casas da cidade, anunciando que Jesus ressuscitara.

Lembro-me: acordava cedo, vestia-me, esperava. E quando se ouvia um sino nas proximidades, a casa vestia-se com flores à porta. O compasso chegava. A família, então alargada a primos, avós e tios, recebia o grupo e beijava o corpo de Cristo na cruz. Eu, hipocondríaco desde tenra idade, sempre alimentei reservas sanitárias sobre o ato. E se aquilo transmitisse doenças? E quantas bocas já tinham beijado Jesus? E se a nossa vizinha, uma repugnante dona Mafalda (com bigode), beijara o crucifixo antes de mim?

Cheguei a partilhar estas inquietações heréticas com o meu avô, e ele, um liberal com humor intocável, dizia que a ideia era inconcebível porque o corpo de Cristo fazia milagres e exterminava qualquer doença.

A tese nunca me convenceu. Procurei, como sempre procuro, uma segunda opinião. Falei com a minha tia Estefânia, mulher devota, e disse que só beijaria Jesus se o padre usasse crucifixos descartáveis e rigorosamente esterilizados. Pobre tia. Foi a primeira vez que vi alguém desmaiar à minha frente.

Mas a Páscoa não era apenas o compasso. A Páscoa começava na Quarta-Feira de Cinzas, depois do Carnaval. Todas as sextas eram dias de jejum. Não de jejum em sentido rigoroso. Apenas em sentido lato: nenhuma carne. Só peixe. E ovos?

Iniciava-se novo debate teológico na família. A tia Estefânia dizia que os ovos estavam rigorosamente excluídos. “A galinha nasce do ovo”, dizia ela, benzendo-se. “Galinha é carne, menino.” O meu avô, sempre ele, entrava em cena e disc ordava. “É precisamente o contrário: o ovo é que nasce da galinha”. O concílio durava algumas horas: quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha? Chegava-se a um consenso: eu poderia comer a clara, mas não a gema. Ou vice-versa, não sei bem.

E eu comia. Clara, gema. E, às vezes, por esquecimento, uma fatia de presunto ao lanche. Mastigava tudo. E quando me lembrava da transgressão, fazia-se um nó no estômago e eu corria em busca de absolvição. Na pessoa do meu avô, claro. Ele ouvia tudo e, quase sem disfarçar o riso, perguntava: “Mas esse presunto tinha sabor a peixe, certo?” Eu, de tão confuso, dizia que sim. Ele declarava-me absolvido e eu regressava, de cabeça limpa, às brincadeiras do pátio.

Que terminavam na Sexta-Feira Santa. Dia sério. Na rádio, música fúnebre de manhã à noite: a marcha de Chopin, o “Réquiem” de Mozart, as sete últimas palavras de Cristo, por Haydn. A televisão acompanhava o espírito e aparecia inundada com filmes bíblicos que eu via e revia com reverência cinéfila. Um “biopic” de Franco Zefirelli, “Jesus de Nazaré”, iniciava as hostilidades todos os anos. Seguiam-se “Os Dez Mandamentos” e o monumental “Ben-Hur”, com sua corrida de bigas. Charlton Heston, para mim, não era ator. Era santo.

E, às três da tarde, um minuto de silêncio. Na rádio. Na televisão. Em casa. No mundo. Tudo parava. Jesus morria na Cruz, dizia-se. O tempo do verbo era tudo: “morria”, não “morreu”. Era presente, não passado. Era notícia, não história. Naquele momento, no Gólgota revisitado, Jesus entregava-se, uma vez mais, nas mãos do Pai para remissão de todos os pecados. E quando eu levantava nova questão teológica (“Mas Jesus está sempre a morrer e a viver como os vampiros?”), nem o meu avô me salvava de um tapa.

A minha infância é um território distante. E os rostos desse passado são apenas memórias felizes. Memórias que serão rapidamente esquecidas na sucessão dos meus dias. Mas não já, não agora. Agora, domingo de Páscoa, há apenas saudade, essa palavra sem tradução exata que os portugueses inventaram para dar nome a uma tristeza sem nome.

Levanto-me da cama, abro a janela e saio para o balcão. Lisboa amanhece. Um dia cinzento e frio, com chuva pequena, quase de choro. Ao fundo da rua, vislumbro o compasso: quatro figuras indiferentemente vestidas, que passam por portas indiferentemente fechadas. Não há crentes no bairro. Só o sino é o mesmo: uma cadência de festa que anuncia a ressurreição de Cristo a homens que dormem.

A cultura atéia

[Texto anterior: O nascimento de um ateu]

A cultura atéia

Sem pretensão de oferecer uma análise exaustiva da descristianização da nossa cultura, aponto três aspectos dela em particular que, no meu entender, muito colaboram para a proliferação dos ateus no mundo contemporâneo: os ataques à Igreja Católica, o desprezo da boa filosofia e o crescente progresso científico dos últimos séculos.

A Igreja Católica é a Igreja fundada por Nosso Senhor Jesus Cristo, é – fora de quaisquer dúvidas – a maior e mais eloqüente testemunha de que existe, indubitavelmente, um Deus que Se deixa alcançar pelos seres humanos por Ele criados. Lembro-me de que, há alguns anos, um amigo meu – católico convicto, convertido do protestantismo – disse que, caso a Igreja Católica não fosse verdadeira, ele seria ateu, porque então nada existiria. Há muito de verdade nesta frase, porque a Igreja reúne em Si a totalidade de tudo aquilo que é verdadeiramente espiritual; ora, se até mesmo a Igreja Católica for falsa, então todo o resto é também falso. A Igreja é o verdadeiro alvo das campanhas que tentam banir Deus da nossa cultura, exatamente porque os que fazem isso sabem perfeitamente que, caindo a Igreja, cai toda a religião – dado que em todas as demais religiões nada existe de verdadeiro que não pertença, por direito, à Igreja Católica e Apostólica.

A mais eficaz maneira de conduzir as pessoas ao ateísmo é, portanto, desacreditar a Igreja Católica, maior prova da existência de Deus que pode ser encontrada no mundo visível, dado que é obra fundada pelo próprio Deus. É por isso que, num mundo onde o catolicismo é menosprezado, onde os mais variados rótulos odiosos são aplicados à Igreja, onde Ela é alvo constante de um tão grande número de ataques que se torna tremendamente difícil encontrá-La por debaixo da poeira levantada pelos projéteis contra Ela atirados, o ateísmo pode crescer. Se a Igreja é falsa, tudo o mais é falso: os ataques à Igreja fornecem, portanto, excelente matéria-prima para o nascimento dos ateus.

O desprezo à boa filosofia vem engrossar as fileiras dos que militam pela descristianização da cultura ocidental. Também aqui não tenho tempo e nem tampouco competência para uma análise profunda, mas desejo apenas dar uma pincelada sobre o assunto: é francamente de se espantar o desdém que a nossa cultura nutre pela metafísica, como se fosse coisa de pouca monta, ou como se se resumisse a devaneios de desocupados, ou como se estivesse no campo das meras opiniões particulares! Como se as grandes mentes da humanidade que ao longo dos séculos se tivessem debruçado sobre estes problemas tivessem apenas desperdiçado tempo e energia.

Quando acontece de alguém ler, p.ex., as Cinco Vias de Santo Tomás de Aquino e pretender ser capaz de “refutá-las” com meia dúzia de argumentos simplórios (como se ninguém tivesse sido capaz de pensá-los até o século XX!), uma pessoa dessas certamente não entende o que está em discussão. Ou ela não sabe a quê se propõe a metafísica – que não é a mesma coisa de um experimento de laboratório, vale salientar – ou não lhe concede valor. Tomemos um exemplo da primeira opção: demonstra-se a existência de um Criador a partir das coisas criadas. Quando se percorre a seqüência até o fim e se chega ao Não-Criado, e um dos “refutadores” de Santo Tomás aplica a Navalha de Ockham (!) para “eliminar um passo” e dizer que o próprio Universo [p.ex.] pode ser incriado… o que dizer? É óbvio que o Universo não pode ser “incriado”, não pode ser o Primeiro Motor Imóvel simplesmente porque… ele (é empiricamente constatável) se move, se transforma, é contingente! Se uma pessoa não percebe isso, então ela não entende o que está discutindo. Aristóteles e Santo Tomás revirar-se-iam no túmulo caso vissem a qualidade dos “filósofos” que os desafiam!

Pode-se também não conceder valor à metafísica por achar que todo conhecimento digno deste nome é o dito “científico”. A única realidade existente – ou pelo menos a única digna de atenção – seria aquela mensurável em laboratório e reprodutível in vitro. Tal ilusão é fruto do deslumbramento provocado pelo progresso da ciência e pelos benefícios dele advindos. Não que o progresso em si seja uma coisa ruim – de modo algum, é excelente. Mas a má-formação filosófica das pessoas, como foi dito acima, faz com que elas passem a idolatrá-lo! E isso, sim, é inaceitável. É como se elas ouvissem: “ouve, ó século XX! A Ciência é o único conhecimento, e fora d’Ela não há nenhum outro”. Comportam-se, então, como sacerdotes de um novo culto intolerante, e não aceitam que haja mais nada para além dos limites da Deusa-Ciência. A caricatura não é exagerada, pois muitos comportam-se [à parte a terminologia] exatamente assim.

Eis, pois, em linhas gerais (mais não exaustivas), a cultura que propicia e enseja o surgimento de ateus: privados da Igreja Católica, amputados da sã filosofia e deslumbrados com os avanços da ciência, os homens findam por cair na descrença. O progresso científico provocou um terrível fascínio nas almas daqueles que não conseguiam mais enxergar a Verdadeira Igreja nem sabiam mais a arte do bom pensar, fascínio semelhante àquele que os fenômenos naturais provocavam nos povos primitivos: um e outro degenerou em uma crença irracional.

Ao me referir ao ateísmo falo em “crença”, sim, porque existe uma passagem nada sutil entre o agnosticismo e o ateísmo, mas que no entanto quase todo mundo realiza sem lhe dar a menor importância. É sobre ela que pretendo falar um pouco agora.