“A Europa na crise das culturas” – por Joseph Ratzinger

Tradução: Wagner Marchiori
Original: ZENIT (em castelhano)
Grifos e destaques do tradutor

A EUROPA NA CRISE DAS CULTURAS

Pronunciada pelo Cardeal Ratzinger no Mosteiro de Subíaco em 01 de abril de 2005.

Vivemos em um momento de grandes perigos e de grandes oportunidades para o homem e para o mundo; um momento que é também de grande responsabilidade para todos nós. Durante o século passado as possibilidades do homem e seu domínio sobre a matéria aumentaram de forma verdadeiramente impensável. No entanto, seu poder de dispor do mundo permitiu que sua capacidade de destruição alcançasse dimensões que, às vezes, nos horrorizam. Por isso, é espontâneo pensar na ameaça do terrorismo, esta nova guerra sem confins e sem fronteiras. O temor de que o Terror possa se apoderar de armas nucleares ou biológicas não é infundado e permitiu que, dentro dos Estados de direito, se acudisse a sistemas de segurança semelhantes aos que antes existiam somente nas ditaduras; mas, de todo modo, permanece a sensação de que todas estas precauções podem ser insuficientes, pois não é possível e nem desejável um controle global. Menos visíveis, mas nem por isso menos inquietantes, são as possibilidades que o homem adquiriu de manipular a si próprio. Ele (o Homem) mediu as profundidades do ser, decifrou os componentes do ser humano e, agora, é capaz, por assim dizer, de construir por si mesmo o homem, que já não vem ao mundo como dom do Criador, mas como um produto de nosso atuar, produto que, portanto, pode inclusive ser selecionado segundo as exigências por nós mesmos definidas. Assim, já não brilha sobre o homem o esplendor de ser ‘imagem de Deus’, que é o que confere sua dignidade e inviolabilidade, mas somente o poder das capacidades humanas. Não é mais do que a ‘imagem do homem’, mas, de que homem?

A isso tudo se acrescenta os grandes problemas planetários: a desigualdade na repartição dos bens da terra; a pobreza crescente; o esgotamento da Terra e de seus recursos; a fome; as enfermidades que ameaçam o mundo todo e o choque de culturas. Tudo isso nos mostra que o aumento de nossas possibilidades não teve como correspondência um desenvolvimento equivalente de nossa energia moral. A força moral não cresceu na mesma medida que o desenvolvimento da ciência, mas antes, diminuiu, porque a mentalidade técnica encerra a moral no âmbito subjetivo e, pelo contrário, necessitamos de uma moral pública, uma moral que saiba responder às ameaças que estão sobre a existência de todos nós.

O verdadeiro e maior perigo deste momento está justamente neste desequilíbrio entre as possibilidades técnicas e a energia moral. A segurança que precisamos como pressuposto de nossa liberdade e dignidade não pode vir de sistemas técnicos de controle, mas que somente pode surgir da força moral do homem: aonde esta força faltar ou não for suficiente o poder que o homem tem se transformará cada vez mais em poder de destruição.

É certo que existe hoje um novo moralismo cujas palavras chaves são ‘justiça, paz, conservação da criação’, palavras que reclamam valores essenciais e necessários para nós. No entanto, tal moralismo resulta vago e cai, assim, quase que inevitavelmente, na esfera político-partidário. É sobretudo uma pretensão dirigida aos demais e não um dever de nossa vida cotidiana. De fato, o que significa justiça? Quem a define? O que pode produzir a paz? Vimos nas últimas décadas em nossas ruas e em nossas praças como um pacifismo pode se desviar em direção a um anarquismo destrutivo e ao terrorismo. O moralismo político dos anos 70, cujas raízes certamente não estão mortas, foi um moralismo com uma direção errada, pois estava privado de racionalidade serena e, em última instância, colocava a utopia política acima da dignidade do indivíduo, mostrando que podia chegar a desprezar o homem em nome de grandes objetivos.

O moralismo político, tal como o vivemos e ainda hoje estamos vivendo, não só não abre caminho a uma regeneração, mas que a bloqueia. E o mesmo se pode dizer de um cristianismo e de uma teologia que reduzem o cerne da mensagem de Jesus – o “Reino de Deus” – aos “valores do Reino”, identificando esses valores com as grandes palavras-chave do moralismo político, e proclamando-as, ao mesmo tempo, como síntese das religiões. Logo, esquece-se, assim, de Deus, apesar de ser Ele o sujeito e a causa do Reino de Deus. Em seu lugar ficam grandes palavras (e valores) que se prestam a qualquer tipo de abuso.

Este breve olhar sobre a situação do mundo nos leva a refletir sobre a realidade atual do cristianismo e, portanto, sobre as bases da Europa; essa Europa que antes, poderíamos dizer, foi um continente cristão, mas que foi, também, o ponto de partida dessa nova racionalidade científica que nos possibilitou grandes possibilidades e, ao mesmo tempo, grandes ameaças. Certamente o cristianismo não surgiu na Europa e, portanto, não pode ser classificado como religião européia ou a religião do âmbito cultural europeu. Mas, historicamente foi na Europa que recebeu sua ‘marca’ cultural e intelectual mais eficaz e, por isso, fica unido de maneira especial à Europa. Por outro lado, é igualmente certo que foi na Europa, desde os tempos do Renascimento e de maneira mais plena desde os tempos da ‘ilustração’ (1), que se desenvolveu essa racionalidade científica que não somente levou a uma unidade geográfica do mundo na época dos descobrimentos (ao encontro dos continentes e das culturas), mas que, agora, muito mais profundamente, graças à cultura técnica possibilitada pela ciência, imprime seu selo a todo o mundo, ou ainda, em certo sentido o uniformiza.

(1) Considera-se nessa tradução os termos Ilustração/Ilustrada e Iluminismo/Iluminista como conceitos equivalentes (Nota do Tradutor)

E atrás dessas pegadas desta forma de racionalidade, a Europa desenvolveu uma cultura que, de uma maneira desconhecida antes pela humanidade, exclui Deus da consciência pública, seja negando-O totalmente, seja julgando que Sua existência não é demonstrável (é incerta) e, portanto, pertencente ao âmbito das decisões subjetivas, algo, no mínimo, irrelevante para a vida pública. Esta racionalidade puramente funcional, por assim dizer, resultou numa desordem da consciência moral também nova para as culturas que até então existiram, pois considera que racional é só aquilo que se pode provar com experimentos. Dado que a moral pertence a uma esfera totalmente diferente desaparece como categoria e tem que ser identificada de outro modo, pois há que se admitir que a moral é necessária. Em um mundo baseado no cálculo, é o cálculo das conseqüências que determina o que se deve considerar como moral ou não moral. E assim a categoria de bem, como foi exposta claramente por Kant, desaparece. Nada em si é bom ou mal, tudo depende das conseqüências que uma ação permite prever.

Se o cristianismo, por um lado, encontrou sua forma mais eficaz na Europa, é necessário, por outro lado, dizer que também na Europa se desenvolveu uma cultura que constitui a contradição absoluta mais radical não só do cristianismo, mas, também, das tradições religiosas e morais da humanidade. Por isso, compreende-se que a Europa está experimentando uma autêntica “prova de tensão”; por isso se entende também a radicalidade das tensões que nosso continente deve enfrentar. Mas, daqui emerge ainda, e sobretudo, a responsabilidade que nós, os europeus, devemos assumir neste momento histórico: no debate sobre a definição da Europa, sobre sua forma política, não se está apenas em jogo uma batalha nostálgica de “retaguarda” da história, mas, antes, uma grande responsabilidade para a humanidade atual.

Olhemos com mais precisão esta contraposição entre duas culturas que marcaram a Europa. No debate sobre o preâmbulo da Constituição Européia tal contraposição se mostrou em dois pontos controversos: a questão da referência a Deus na Constituição e a menção das raízes cristãs da Europa. Dado que no artigo 52 das Constituição se garantiu os direitos institucionais das Igrejas, podemos, diz-se, estar tranqüilos. Mas, isto significa que as igrejas, na vida da Europa, encontram lugar no âmbito do compromisso político, enquanto que, nos fundamentos da Europa não há espaço para as pegadas de seu conteúdo.

As razões que se oferecem no debate público para esta conclusão NÃO são superficiais e é evidente que mais que esclarecer as verdadeiras motivações, as escondem. A afirmação de que a menção das raízes cristãs da Europa fere os sentimentos de muitos não cristãos que vivem nela é pouco convincente, já que se trata, além de tudo, de um fato histórico que ninguém pode seriamente negar.

Naturalmente esta menção histórica contém uma referência ao presente, pois, ao mencionar as raízes, indicam-se as fontes originais de orientação moral, isto é, um fator de identidade da Europa. A quem, então, se ofenderia? A identidade de quem ficaria ameaçada? Os muçulmanos, a quem freqüentemente se alude nessa questão, não se sentem ameaçados por nossos fundamentos morais cristãos, mas, sim, pelo cinismo de uma cultura secularizada que nega seus próprios fundamentos. E tampouco se ofendem nossos concidadãos judeus pela referência às raízes cristãs da Europa já que essas raízes remontam ao monte Sinai: levam a marca da voz que se fez ouvir sobre o monte de Deus e nos unem nas grandes orientações fundamentais que o Decálogo legou à humanidade. O mesmo se pode dizer da referência a Deus: a menção a Deus não ofende os pertencentes a outras religiões. O que lhes ofende é, antes, a tentativa de construir a comunidade humana sem Deus.

As motivações dessa negativa à referência a Deus e às raízes cristãs NÃO são mais profundas do que permitem intuir os argumentos que nos oferecem. Pressupõem a idéia de que SOMENTE A CULTURA ILUSTRADA RADICAL, que alcançou seu pleno desenvolvimento em nosso tempo, poderia constituir a identidade européia. Junto a ela podem, portanto, coexistir diferentes culturas religiosas com seus respectivos direitos, DESDE QUE E NA MEDIDA EM QUE RESPEITEM OS CRITÉRIOS DA CULTURA ILUSTRADA E A ELA SE SUBORDINEM.

Esta cultura ilustrada fica substancialmente definida pelos direitos “de liberdade”. Baseia-se na liberdade como um valor fundamental que tudo mede: a liberdade de escolha religiosa, que inclui a neutralidade religiosa do Estado; a liberdade para expressar a própria opinião, com a condição de que não se coloque em dúvida este cânone; o ordenamento democrático do Estado, isto é, o controle parlamentar sobre os organismos estatais; a formação livre de partidos; a independência da Justiça; e, finalmente, a tutela dos direitos do homem e a proibição de discriminações. Neste caso, o cânone está ainda em formação, já que também há direitos humanos que são contrastantes, como, por exemplo, no caso do conflito entre o desejo de liberdade da mulher e o direito de viver do que está para nascer.

O conceito de discriminação se amplia cada vez mais e, assim, a proibição da discriminação pode se transformar progressivamente em uma limitação da liberdade de opinião e da liberdade religiosa. Logo não se poderá afirmar que a HOMOSSEXUALIDADE, como ensina a Igreja Católica, constitui uma desordem objetiva na estruturação da existência humana. E o fato de que a Igreja está convencida de que não tem o direito de conferir a ORDENAÇÃO SACERDOTAL ÀS MULHERES é considerado, por alguns, como algo inconciliável com o espírito da Constituição européia.

É evidente que este cânone da cultura ilustrada, que longe está de ser algo definitivo, contêm valores importantes dos quais, precisamente como cristãos, não queremos e nem podemos renunciar; no entanto, é evidente também que a concepção mal definida (ou não definida) de liberdade, que está na base dessa cultura, inevitavelmente implica em contradições; e é evidente que precisamente por causa de seu uso (um uso que parece radical) implica em limitações da liberdade que há apenas uma geração eram inimagináveis. Uma confusa ideologia da liberdade conduz a um dogmatismo que se está revelando cada vez mais hostil para a liberdade.

Sem dúvida, devemos voltar a falar do problema das contradições internas da forma atual da cultura ilustrada. Mas, antes, temos de terminar de descrevê-la. Pertence à sua natureza, enquanto cultura de uma razão que tem finalmente consciência completa de si mesma, o fato de assomar-se de uma ambição universal e conceber-se como completa em si mesma, sem necessidade de ser complementada por outros fatores culturais.

Vêem-se claramente ambas características quando se propõe o tema de quem pode chegar a ser membro da Comunidade européia e, sobretudo, no debate sobre o ingresso da Turquia nela. Trata-se de um Estado, ou talvez melhor, de um âmbito cultural, que não tem raízes cristãs, mas que recebeu a influência da cultura islâmica. Atartuk pretendeu transformar a Turquia em um Estado laicista, tentando implantar o laicismo – amadurecido no mundo cristão da Europa – em um terreno muçulmano.

Podemos nos perguntar se isso é possível: segundo a tese da cultura ilustrada e laicista da Europa, somente as normas e conteúdos da cultura ilustrada podem determinar a identidade da Europa e, conseqüentemente, todo Estado que faz seus esses critérios pode pertencer à Europa. Não importa, ao final, a trama de raízes no qual se implanta esta cultura da liberdade e da democracia. E precisamente por isso se afirma que as raízes não podem entrar na definição dos fundamentos da Europa, tratando-se de raízes mortas que não formam parte da identidade atual. Como conseqüência, esta nova identidade, determinada exclusivamente pela cultura ilustrada, comporta também que Deus não tem nada a ver com a vida pública e com os fundamentos do Estado.

Deste modo, em certo sentido, tudo se torna lógico e plausível. De fato, poderíamos desejar algo melhor que o respeito à democracia aos direitos humanos? Mas, de qualquer maneira, é inevitável a pergunta se esta cultura ilustrada laicista é realmente a cultura, descoberta finalmente como universal, capaz de dar uma razão comum a todos os homens; uma cultura à qual se deveria ter – qualquer um e em qualquer lugar – acesso, ainda que sobre um húmus histórica e culturalmente diferenciado. E nos perguntamos, por fim, se é verdadeiramente completa em si mesma, de modo que não tem necessidade alguma de raízes fora de si.

SIGNIFICADO E LIMITES DA CULTURAL RACIONALISTA ATUAL

Encaremos, agora, estas duas últimas perguntas. À primeira, isto é, à pergunta de se se alcançou a filosofia universalmente válida e totalmente científica na qual se expressaria a razão comum de todos os homens, é necessário responder que, indubitavelmente, alcançou-se conquistas importantes que podem pretender ter uma validade geral: a conquista de que a religião não pode ser imposta pelo Estado, mas que somente pode ser acolhida na liberdade; o respeito dos direitos fundamentais do homem e iguais para todos; a separação dos poderes e o controle do poder.

De todo modo, não se pode pensar que estes valores fundamentais, reconhecidos por nós como geralmente válidos, possam se realizar do mesmo modo em qualquer contexto histórico. Não se dão em todas as sociedades os mesmos pressupostos sociológicos para uma democracia baseada em partidos como acontece no Ocidente; de modo que a total neutralidade religiosa do Estado, na maior parte dos contextos históricos, pode se considerar como uma mera ilusão.

E assim chegamos aos problemas mencionados na segunda pergunta. Mas esclareçamos antes a questão se as filosofias modernas ilustradas, consideradas em seu conjunto, podem ser consideradas como a última palavra da razão comum de todos os homens. Estas filosofias se caracterizam pelo fato de serem positivistas e, portanto, anti-metafísicas, de maneira que, ao final, Deus não pode ter nelas nenhum lugar. Estão baseadas em uma auto-limitação da razão positiva que é adequada no âmbito técnico, mas que quando se generaliza provoca uma mutilação do homem. Como conseqüência, o homem deixa de admitir toda instância moral fora de seus cálculos e – como já vimos – o conceito de liberdade, que num primeiro olhar poderia parecer estender-se de forma ilimitada, acaba levando à auto-destruição da liberdade.

Indubitavelmente as filosofias positivistas contêm elementos importantes de verdade. Porém, esses se baseiam em uma auto-limitação da razão, típica de uma situação cultural – a do Ocidente moderno – e, por isso, não podem ser a última palavra da razão. Ainda que pareçam totalmente racionais, não são a voz da razão mesma, pois também estão vinculadas culturalmente, ou seja, estão vinculadas à situação do Ocidente atual.

Por este motivo não são, absolutamente, as filosofias que, em algum momento, serão válidas em todo o mundo. Mas, sobretudo, deve-se dizer que esta filosofia ilustrada e sua respectiva cultura são incompletas. Corta conscientemente suas próprias raízes históricas privando-se, assim, das forças regeneradoras das quais ela própria surgiu – essa memória fundamental da humanidade sem a qual a razão perde sua orientação.

De fato, considera-se agora válido o princípio segundo o qual a capacidade do homem consiste em sua capacidade de ação. AQUILO QUE SE SABE FAZER, PODE-SE FAZER. Já não existe um “saber fazer” separado do “poder fazer”, porque atentaria contra a liberdade, que é o valor supremo. Mas, o homem sabe fazer muitas coisas e sabe fazer cada vez mais coisas; e se este “saber fazer” não encontra sua medida em uma norma moral, converte-se, como já podemos observar, em poder de destruição.

O homem sabe clonar homens e, por isso, o faz. O homem sabe usar homens como “armazém” de órgãos para outros homens e, por isso, o faz. E o faz porque parece ser exigência de sua liberdade. O homem sabe construir bombas atômicas e, por isso, as faz, estando pela mesma linha de princípios, também disposto a usá-las. No final, até o terrorismo se baseia nessa modalidade de “auto-autorização” do homem e não nos ensinamentos do Corão.

A radical separação da filosofia ilustrada de suas raízes acaba desprezando o próprio homem. O homem, no fundo, não tem nenhuma liberdade – dizem-nos os porta-vozes das ciências naturais – em total contradição com o ponto de partida de toda essa questão. Não se deve acreditar que é (o homem) algo diferente de todos os demais seres vivente e, portanto, também deveria ser tratado como eles – dizem-nos os porta-vozes mais avançados de uma filosofia definitivamente separada das raízes da memória histórica da humanidade.

Havíamos proposto duas perguntas: se a filosofia racionalista (positivista) é estritamente racional e, por conseguinte, universalmente válida, e se é completa. É auto-suficiente? Pode – ou inclusive deve – relegar suas raízes históricas no âmbito do passado e, portanto, no âmbito do que só pode ser válido subjetivamente? Devemos responde a ambas perguntas com um claro NÃO. Esta filosofia não expressa a razão completa do homem, mas, somente uma parte dela e, por causa desta mutilação da razão, não pode ser considerada racional. Logo, é também incompleta e somente pode “se curar” se restabelecer de novo o contato com suas raízes. Uma árvore sem raízes simplesmente seca…

Ao se afirmar isto não se nega tudo que há de positivo e importante nesta filosofia, mas que se afirma, sim, a sua necessidade de ser completada e sua profunda deficiência. E, deste, modo, voltamos a falar dos dois pontos controvertidos do preâmbulo da Constituição européia. O confinamento das raízes cristãs não se revela como a expressão de uma tolerância ‘superior’ que respeita por igual todas as culturas ao não privilegiar nenhuma, mas, antes, como a absolutização de um pensamento e de um estilo de vida que se contrapõe radicalmente às demais culturas históricas da humanidade.

A AUTÊNTICA CONTRAPOSIÇÃO QUE CARACTERIZA O MUNDO DE HOJE NÃO É A QUE SE PRODUZ ENTRE AS DIFERENTES CULTURAS RELIGIOSAS, MAS ENTRE A RADICAL EMANCIPAÇÃO DO HOMEM DE DEUS, DAS RAÍZES DA VIDA, DE UM LADO; E, DE OUTRO LADO, AS GRANDES CULTURAS RELIGIOSAS. SE CHEGARMOS A UM CHOQUE DE CULTURAS, NÃO SERÁ PELO CHOQUE ENTRE AS GRANDES RELIGIÕES – que sempre lutaram uma contra a outra, mas que também sempre souberam conviver juntas – MAS, SIM, POR CAUSA DO CHOQUE ENTRE ESTA RADICAL EMANCIPAÇÃO DO HOMEM E AS GRANDES CULTURAS HISTÓRICAS.

Deste modo, o rechaço à referência a Deus não é expressão de uma tolerância que quer proteger as religiões que não são teístas e a dignidade dos ateus e agnósticos, mas, antes, a expressão de uma consciência que quer ver Deus definitivamente cancelado da vida pública da humanidade, encerrado no âmbito subjetivo de culturas residuais do passado. O RELATIVISMO, que constitui o ponto de partida de tudo isto, converte-se em um dogmatismo que se crê na posse do conhecimento definitivo da razão e com o direito a considerar todo o resto unicamente como uma etapa da humanidade, no fundo já superada, e que pode ser relativizada adequadamente. Na realidade, tudo isso significa que necessitamos raízes para sobreviver e que não devemos perder a Deus de vista se queremos que a dignidade humana não desapareça.

O SIGNIFICADO PERMANENTE DA FÉ CRISTÃ

Estou propondo um rechaço do Iluminismo e da Modernidade? Absolutamente não. O cristianismo, desde o princípio, compreendeu a si próprio como a religião do “logos”, como a religião segundo a razão. Não encontrou seus percussores entre as outras religiões, mas nessa ilustração filosófica que ‘limpou’ o caminho das tradições para sair em busca da verdade e do bem, do único Deus que está além de todos os deuses.

Enquanto religião dos perseguidos, enquanto religião universal, além dos diversos Estados e povos, negou ao Estado o direito de considerar a religião como parte do ordenamento estatal, postulando, assim, a liberdade da fé. Sempre definiu os homens – todos os homens sem distinção – como criaturas de Deus e imagem de Deus, proclamando como princípio, ainda que nos limites imprescindíveis dos ordenamentos sociais, a mesma dignidade a todos.

Neste sentido a Ilustração é de origem cristã e não é por acaso que tenha nascido única e exclusivamente no âmbito da fé cristã, ali onde o cristianismo – por desgraça – converteu-se tradição e religião do Estado. Ainda que a filosofia, enquanto busca de racionalidade – também de nossa fé – tenha sido sempre uma prerrogativa do cristianismo, havia-se domesticado em demasia a voz da razão.

Foi e é mérito da Ilustração haver recolocado em questão estes valores originais do cristianismo e o haver devolvido à razão sua própria voz. O Concílio Vaticano II, na constituição sobre a Igreja no mundo contemporâneo, sublinhou novamente esta profunda correspondência entre cristianismo e Ilustração, buscando chegar a uma verdadeira conciliação entre a Igreja e a modernidade, que é o grande patrimônio que ambas as partes devem tutelar.

Ora bem, faz-se necessário que ambas partes reflitam sobre si mesmas e estejam dispostas a se corrigirem. O cristianismo deve se lembrar sempre de é a religião do “logos”. É fé no “Creatur Spiritus”, no Espírito criador, do Qual procede tudo o que existe. Esta deveria ser precisamente hoje sua força filosófica, pois o problema se funda SE O MUNDO VEM DO IRRACIONAL – e sua razão não é senão um subproduto, talvez até prejudicial, de seu desenvolvimento – OU SE O MUNDO PROVEM DA RAZÃO – e é, conseqüentemente, seu critério e sua meta.

A fé cristã se inclina por essa segunda tese, tendo, assim, desde o ponto de vista puramente filosófico, realmente ‘boas cartas para jogar’, apesar de que muitos hoje consideram somente a primeira tese como moderna e racional por antonomásia. No entanto, uma razão surgida do irracional – e que é, em última instância, ela própria irracional – não constitui uma solução para nossos problemas. Somente a razão criadora, e que se manifestou no Deus crucificado como Amor, pode verdadeiramente nos mostrar o caminho.

No diálogo tão necessário entre laicistas e católicos, os cristãos devem estar muito atentos para se manterem fiéis a esta linha de fundo: viver uma fé que provem do “logos”, da razão criadora, e que, portanto, está também aberta a tudo o que é verdadeiramente racional.

Ao chegar a esse momento queria, em minha qualidade de crente, fazer uma proposta aos laicistas. Na época da Ilustração se tentou entender e definir as normas morais essenciais dizendo-se que seriam válidas ‘ etsi Deus non daretur’, mesmo no caso de Deus não existir. Na contraposição das confissões religiosas e na crise da imagem de Deus, tentaram-se manter os valores essenciais da moral por cima das contradições e buscar uma evidência que os fizessem independentes das múltiplas divisões e incertezas das diferentes filosofias e confissões. Deste modo, quiseram assegurar os fundamentos da convivência e, em geral, os fundamentos da humanidade. Naquele momento da história, pareceu que era possível, pois as grandes convicções de fundo surgidas no cristianismo em grande parte resistiam e pareciam inegáveis. Mas agora já não é assim.

A busca de uma certeza tranqüilizadora, que ninguém pudesse contestar independentemente de todas as diferenças, falhou. Nem sequer o esforço, realmente grandioso, de Kant foi capaz de criar a necessária certeza compartilhada por todos. Kant negou que se pudesse conhecer a Deus no âmbito da razão pura, mas, ao mesmo tempo, colocou Deus, a liberdade e a imortalidade como postulados da razão prática, sem a qual, coerentemente, não era possível, para ele, a ação moral.

A situação atual do mundo não nos leva a pensar que talvez tivessem razão de novo? Digo-o com outras palavras: a tentativa, levada ao extremo, de considerar as coisas humanas menosprezando completamente Deus nos leva cada vez mais ao abismo, ao encerramento total do homem. Deveríamos, então, voltar ao axioma dos Ilustrados e dizer: mesmo quem não consiga encontrar o caminho da aceitação de Deus deveria buscar viver e dirigir sua vida “veluti si Deus daretur”, como se Deus existisse. Este é o conselho que dava Pascal a seus amigos não crentes; é o conselho que queríamos também dar a nossos amigos que não crêem. Deste modo, ninguém fica limitado em sua liberdade e nossa vida encontra um novo sustentáculo e um critério cuja necessidade é urgente.

O que mais necessitamos nesse momento da história são homens que, através de uma fé iluminada e vivida, façam que Deus seja crível nesse mundo. O testemunho negativo de cristãos que falavam de Deus e viviam de costas a Ele, obscureceu a imagem de Deus e abriu a porta à incredulidade. Necessitamos de homens que tenham o olhar fixo em Deus, aprendendo n’Ele a verdadeira humanidade.

Necessitamos de homens cujo intelecto seja iluminado pela luz de Deus e a quem Deus abra o coração, de maneira que seu intelecto possa falar ao intelecto dos demais e seu coração possa abrir o coração dos demais.

Somente através de homens que tenham sido tocados por Deus é que Deus voltará entre os homens. Necessitamos de homens como Bento de Nursia, que em um tempo de dissipação e decadência, penetrou na solidão mais profunda conseguindo, depois de todas as purificações que sofreu, levantar-se até a Luz, regressar e fundar Montecasino, a cidade sobre o monte que, com tantas ruínas, reuniu as forças das quais se formou um mundo novo.

Deste modo, Bento, como Abraão, chegou a ser pai de muitos povos. As recomendações a seus monges apresentadas no final de sua “Regra” são indicações que nos mostram o caminho que conduz para o alto, a sair da crise e dos escombros. “Assim como há um mau zelo de amargura que separa de Deus e leva ao inferno, há, também, um zelo bom que separa dos vícios e conduz a Deus e à vida eterna. Pratiquem, pois, os monges este zelo com a mais ardente caridade, isto é, ‘adiantando-se para honrar uns aos outros’; tolerem com suma paciência suas debilidades, tanto corporais como morais […] pratiquem a caridade fraterna castamente; temam a Deus com amor; […] e absolutamente nada anteponham a Cristo, que nos leve a todos à vida eterna” (capítulo 72).

União Européia nega patente para pesquisa com CTEHs

[Tradução bem livre]

União Européia rejeita patente que “envolve necessariamente a utilização e destruição de embriões humanos”

1º de Dezembro de 2008 (LifeSiteNews.com) – O Escritório de patentes da União Européia decidiu que, nos termos da Convenção Européia de Patentes (European Patente Convention – EPC), ele não pode oferecer uma patente para o então chamado “Projeto de Células-Tronco de WARF/Thomson”, argumentando que ele envolve a destruição de embriões humanos. O projeto é sobre um método para a obtenção de culturas de células-tronco embrionárias de primatas, incluindo humanos, e foi apresentado pela “Wisconsin Alumni Research Foundation” (WARF) em 1995.

O comitê de financiamentos do Escritório de Patentes decidiu que não é possível conceder uma patente para uma invenção que envolve necessariamente a utilização e destruição de embriões humanos. O EPC não permite que sejam patenteadas invenções cuja exploração comercial seja contrária à ordem ou à moralidade públicas.

Wesley Smith, um advogado americano e escritor [especializado] em questões bioéticas, disse que a decisão é extraordinária pois é a primeira vez em que há uma indicação da União Européia de que o estatuto moral do embrião humano está em causa.

Embora uma decisão do Departamento de Patentes não proíba o uso de embriões em pesquisas, Smith escreve que isto vai “desencorajar os que poderiam usar embriões comercialmente”.

“Em todo caso”, Smith escreveu, “não vamos mais ouvir sobre zelotas religiosos impondo suas vontades aos racionais modernos. A Europa possui uma cultura tão secular quanto se pode encontrar no mundo”.

Eu vim trazer a Espada

Estou a ler (é uma edição portuguesa) o testemunho da conversão do Scott Hahn e de sua esposa do protestantismo ao catolicismo; o título em português (de Portugal) é “Todos os caminhos vão dar a Roma”, uma tradução sem dúvidas genial do genial título original do livro, que é “Rome, sweet home”. Já tive a oportunidade de dizer aqui recentemente que toda história de conversão é espetacular (aliás, o muçulmano que se converteu ao catolicismo e foi batizado na Vigília Pascal por SS Bento XVI está narrando a sua conversão em ZENIT, e vale a pena a leitura), mas existe um aspecto particularmente doloroso na conversão do Scott Hahn que eu gostaria de mencionar aqui. Trata-se da divisão.

Protestante anti-católico “de carteirinha”, casado com uma protestante, o Scott foi, pouco a pouco, ao ler as Escrituras Sagradas, descobrindo como a Bíblia era, na verdade… católica. E ao ver como a Fé Católica era a única que fazia sentido, e como era deficiente a doutrina protestante, ele não teve outra opção – não sem profundos dramas de consciência, que a narrativa autobiográfica deixa transparecer muito bem – a não ser tornar-se católico. Ao fazê-lo, o seu mundo desabou. Transcrevo duas passagens significativas sobre o tema, uma de sua lavra, outra da de sua esposa (está no Capítulo 6):

Scott: A Vigília Pascal de 1986 foi um momento de verdadeira alegria sobrenatural, unido a uma grande tristeza natural. Recebi o grande slam sacramental: o Baptismo condicional, a Penitência, a Confirmação e a Primeira Comunhão. Regressei ao banco e sentei-me ao lado da minha amargurada esposa [então protestante], que amava com todo o coração. Pus-lhe o braço à volta, e começámos a rezar.

[…]

Kimberly: Diante dos meus próprios olhos, o Scott estava a comprometer-se com uma Igreja que nos separaria de momento, e talvez para sempre. Nunca mais poderíamos receber a comunhão lado a lado, a não ser que um dos dois mudasse de maneira de pensar (e não era difícil imaginar quem teria de ser!). Este grande signo de unidade cristã transformou-se no nosso símbolo de desunião. E a alegria das pessoas era como um punhal no meu coração, porque o que os alegrava era para mim causa de uma dor indescritível.

Ao ler essas emocionantes páginas, não pude deixar de lembrar-me daquela passagem das Escrituras Sagradas: Não julgueis que vim trazer a paz à terra. Vim trazer não a paz, mas a espada. Eu vim trazer a divisão entre o filho e o pai, entre a filha e a mãe, entre a nora e a sogra, e os inimigos do homem serão as pessoas de sua própria casa. (Mt 10, 34-36). Particularmente eloqüente é a narrativa da Kimberly, quase uma paráfrase – quiçá involuntária – do texto bíblico: “[e]ste grande signo de unidade cristã transformou-se no nosso símbolo de desunião”.

A verdade dura e crua, incontestável, é que não há comunhão possível entre luz e trevas (cf. 2Cor 6, 14), e não poderão caminhar juntos dois homens se não tiverem chegado previamente a um acordo (cf. Am 3, 3). A verdade é que Cristo veio à terra – palavras d’Ele! – para trazer também a divisão. A união, entre os que crêem, e a irreconciliável separação entre os que crêem e os que não crêem. Isto significa que, se nós quisermos levar a sério a Fé que temos – como, graças a Deus, a família Hahn levava -, não poderemos fazer acordos promíscuos nem fingir que estamos vivendo na mais plena comunhão quando há a radical separação da Fé. Quando ergue-Se, intransponível, a Cruz de Cristo.

Ao mesmo tempo, que belíssimo testemunho de amor a Deus sobre todas as coisas que nos deu o casal Hahn! O marido, em consciência, preferiu separar-se espiritualmente de sua esposa para abraçar a Esposa de Cristo; a esposa preferiu permanecer ao lado do marido, mesmo sentindo-se atraiçoada. Ambos suportando a mais amarga solidão que poderiam sonhar experimentar. Ambos rezando um pelo outro, encontrando em Deus as forças necessárias para atravessar o momento de extrema provação. Eles não fizeram “acordos práticos”; nem o Scott achou que não valia a pena sacrificar tudo o que tinha – e ele sacrificou muito! – para se tornar católico, nem a esposa dele achou que valia a pena “tornar-se católica” só para acompanhar o marido. Deram ambos, com suas vidas, um testemunho vivo da Divisão que Cristo afirmou ter vindo trazer à terra; deram ambos testemunho forte da importância de se amar a Deus sobre todas as coisas.

Abraçar a Fé é sacrificar inúmeras outras coisas, não há dúvidas disso; mas a Divisão que a palavra de Cristo traz é superabundantemente sobrepujada pela União na Grande Família de Deus, na Igreja Católica e Apostólica, à qual todos são chamados. Vale a pena tornar-se católico, mesmo que custe caro; vale a pena sacrificar tudo o que se tem por amor a Deus. Também são palavras de Nosso Senhor no Evangelho: Em verdade vos digo: ninguém há que tenha deixado casa ou irmãos, ou irmãs, ou pai, ou mãe, ou filhos, ou terras por causa de mim e por causa do Evangelho que não receba, já neste século, cem vezes mais casas, irmãos, irmãs, mães, filhos e terras, com perseguições e no século vindouro a vida eterna (Mc 10, 29-30). É, portanto, necessário às vezes deixar algumas coisas (e até mesmo algumas pessoas); é necessário que Cristo traga a espada, a divisão. Mas no final vale a pena. Scott e Kimberly Hahn conseguiram, no final, a grande graça de se tornarem uma família verdadeiramente católica; com a graça de Deus, conseguirão “no século vindouro a Vida Eterna”, pois este é o prêmio reservado por Deus àqueles que sabem amá-Lo apesar de todas as coisas, a despeito dos sacrifícios que sejam necessários. Sigamos pois sempre a Cristo, apesar dos sacrifícios, ainda que seja doloroso; pois é promessa d’Aquele que sempre cumpre as Suas promessas termos – já nesta vida! – “cem vezes mais” do que abandonamos e, um dia, a Glória de estarmos com Ele nos Céus.

UNE expulsa da UFSC

Ih, fora! Ih, fora! Ih, fora!

Às vezes a gente vê certas coisas que nos fazem manter a esperança na juventude. Fiquei sabendo graças a um comentário feito aqui no Deus lo Vult! que a caravana abortista da UNE – patrocinada pelo Ministério da Saúde – foi expulsa da Universidade Federal de Santa Catarina. A íntegra do episódio (em qualidade de celular) está disponível no youtube.

Não tinha ouvido falar nada sobre o assunto, que ocorreu no dia quatro de setembro deste ano. Encontrei a informação num BLOG, no qual está transcrita uma nota do sr. Sérgio Colle, professor da UFSC:

Uma caravana de estudantes da União Nacional dos Estudantes (UNE) adentrou o campus da UFSC, embarcada num novíssimo ônibus do Ministério da Saúde (do ministro Temporão, aquele do plebiscito do aborto). Invadiram o prédio do Centro Tecnológico para interromper as aulas e fazer baderna. Foram expulsos pelos estudantes e professores, não sem violência física. Travestidos de palhaços e outras fantasias alegóricas estranhas à universidade e portando a bandeira nacional, migraram para outras dependências do campus, continuando a baderna. O absurdo é que enquanto o Ministério da Saúde provê um luxuoso meio de transporte a esses estudantes profissionais, subsidiados com verbas públicas de R$ 700 mil por ano, não há transporte para os segurados do SUS, não apenas para transportá-los aos hospitais, mas até para dar assistência aos familiares, na amarga situação de resgatar os cadáveres dos que morrem às portas dos hospitais.

Aparentemente, o episódio não encontrou nenhuma repercussão na mídia oficial, limitando-se a ser divulgado por blogs na grande rede de computadores. Mas aconteceu; e fica o exemplo. Os baderneiros foram expulsos pelos estudantes, que não aceitaram ter o Centro Tecnológico transformado em picadeiro. Vergonhoso o Governo Federal disponibilizar gordas verbas para que os militantes comunistas transvestidos de estudantes atrapalhem as aulas, fazendo apologia ao crime do aborto e pregando futilidades estranhas ao ambiente universitário. No entanto, houve um dia em que estudantes e professores se levantaram contra esta degeneração do papel estudantil. Nem tudo está perdido.

O Natal e a Paixão

Iniciamos o advento, preparando-nos para comemorar o Natal de Nosso Senhor. A cor litúrgica desta época do ano – o roxo – lembra-nos um outro tempo litúrgico que iremos vivenciar mais à frente: a Quaresma. À primeira vista, contudo, parece não haver similaridade entre o Advento e a Quaresma: no primeiro, estamos à espera do Nascimento do Salvador e, no segundo, da Sua Paixão, Morte e Ressurreição. O que o Nascimento de Cristo tem a ver com a Sua Morte e Ressurreição?

A mim, afigura-se como se a Igreja quisesse envolver-nos todos no Mistério da Encarnação em Sua totalidade, remetendo, no Natal do Salvador, à Sua Dolorosa Paixão; a penitência que fazemos ao longo destas quatro semanas incompletas deixa entrever isso, unindo os dois tempos litúrgicos que estão logicamente unidos (afinal, Jesus não morreria na Cruz se não tivesse um dia nascido, e Ele nasceu para nos resgatar com o Seu preciosíssimo Sangue – o que só se consumou no alto do Calvário). Ademais – não nos esqueçamos -, foi diante de Jesus Menino que Simeão disse à Virgem Santíssima que uma espada iria transpassar-Lhe a alma (cf. Lc 2, 35), de novo aludindo, no meio dos festejos natalinos, às dores da Semana Santa.

É-nos bastante comum pensarmos na Cruz como a consumação do Sacrifício de Cristo, que perdoou os nossos pecados – e é correto pensarmos assim. No entanto, muitas vezes nos esquecemos que este Sacrifício começou trinta e três anos atrás: começou com um recém-nascido envolto em faixas e colocado em uma manjedoura. Quando o Verbo Se fez carne. Quando a Divindade assumiu a nossa humanidade. É sem dúvidas humilhante e indigno da Majestade Divina que um Deus Eterno assuma um corpo material; mas, ao contrário, que grande honra é para a Humanidade poder contar, entre os seus membros, com um Deus! Sim, é já no Nascimento do Salvador que a Humanidade começa a ser elevada; se ela ainda não se poderia considerar redimida, estava já sem dúvidas muitíssimo bem representada.

O Divino Sangue que pagou pelos nossos pecados foi aquele vertido na Cruz do Calvário; mas o Salvador por outras vezes verteu o Seu Sangue Precioso, o que já seria suficiente para satisfazer a Justiça Divina ofendida pelo pecado. Em particular, no Horto das Oliveiras, quando Jesus suou sangue; comentando sobre esta passagem, diz-nos São Padre Pio:

É o sangue do seu Filho Bem-Amado que caiu sobre a Terra para a purificar. É o Sangue do seu Filho que ascende ao Seu trono para reconciliar a Justiça ultrajada. A alegria é na verdade muito mais veemente do que a dor.

Jesus chegou então ao fim do caminho doloroso?

Não. Ele não quer limitar a torrente do seu amor! É preciso que o homem saiba quanto ama o Homem-Deus. É preciso que o homem saiba até que abismos de abjeção pode levar amor tão completo. Embora a Justiça do Pai esteja satisfeita com o suor do Sangue preciosíssimo, o homem carece de provas palpáveis deste amor.

O homem precisa de provas do Amor de Deus! Mil e uma maneiras poderia encontrar Nosso Senhor para reconciliar o homem com Deus; não só o sangue do Getsêmani, como também, muitos anos antes, o sangue que o Menino Jesus derramou na Sua circuncisão. Mas Ele quis amar até o fim, até a Cruz.

Olhemos para o Nascimento do Deus Menino, com os olhos fitos na Cruz do Calvário: olhemos para o Sacrifício em favor de nós, iniciado quando o Verbo resolveu fazer-Se carne. Olhemos para a Paixão iniciada três décadas antes de se consumar no alto do Gólgota. Olhemos para o amor deste Deus que é capaz de fazer tantas coisas por amor a nós. E, verdadeiramente contritos, esperemos com alegria o nascimento do Deus Menino, vivendo bem este tempo de preparação, a fim de que possamos um dia encontrar Aquele que nasceu, viveu e morreu por amor de nós. Que a Virgem Maria, Mãe do Verbo Encarnado, conceda-nos a graça de um santo advento.

Ainda o PT e os pró-vida

Ainda sobre os deputados petistas pró-vida: recebemos recentemente um comunicado da “Situação da Defesa da Vida” (que pode ser encontrado na íntegra aqui) afirmando que o “Partido dos Trabalhadores expulsará deputados contrários ao aborto”. De minha parte, não é segredo para ninguém que eu estou torcendo há muito tempo para que o Bassuma e os demais pró-vida sejam expulsos do PT o quanto antes. O motivo é óbvio: não me parece nada interessante que o movimento pró-vida fique “atrelado” ao monstro vermelho pró-morte. Sempre me pareceu uma tremenda incoerência que os deputados imbuídos de valores éticos fossem filiados ao partido que é virtualmente o Anti-Ético por antonomásia; tremenda ingenuidade achar que alguns poucos deputados de valor pudessem lutar contra o Monstro Petista sem serem devorados por ele.

Não acredito, contudo, que o PT expulse os deputados pró-vida. Deveria expulsá-los, para ser coerente; no entanto, o PT não precisa ser coerente, podendo se dar ao luxo de ser hipócrita. Não é do interesse do monstro vermelho se indispôr com o movimento pró-vida, ao qual é simpática a esmagadora maioria da população brasileira. Não é estrategicamente inteligente botar as garras de fora e se assumir como abortista à luz do dia. Prefere o Partido “comer pelas beiradas”, militando com empenho para a legalização do aborto, mas o fazendo sem alarde (como no caso recém-noticiado do desvio de verbas públicas do Ministério da Saúde para que a UNE faça virulenta campanha pró-aborto) e atraindo os incautos para as suas garras de maneira a impossibilitar-lhes a ação frutuosa.

Veja-se, por exemplo, este panfleto que recebi pela internet. Com um cinismo monumental, afirmam os petistas:

As cidades de Sodoma e Gomorra seriam poupadas caso os anjos do Senhor encontrassem ali ao menos alguns poucos justos em meio a milhares de infiéis injustos. Atitude inversa a este ensinamento bíblico foi feito para com o PT. Setores da Igreja Católica estão pedindo para negar o voto ao candidato que for cristão e petista, generalizando: “O PT é Abortista” ou “Quem é do PT é a favor do Aborto”. Na contramão dos ensinamentos cristãos, queimam a todos: os que são a favor da vida junto com e os que defendem o aborto. Agora, não importa a pessoa do candidato – suas atitudes e práticas éticas e moral cristãs – o que importa é queimar o PT, sem perdão e excluindo a todos!

Ora, já foi explicado e mais do que explicado diversas vezes que o problema não é que “todos os petistas são a favor do aborto” – isto é uma óbvia inverdade e uma generalização bastante improvável. O problema é que o PT é a favor do aborto, e isto é um fato expressamente reconhecido pelos dirigentes do Partido, que consta em documentos oficiais do PT. Portanto, não está em questão o caráter moral de fulano ou sicrano que seja pró-vida apesar de petista; a questão é que, institucionalmente, o PT é abortista (fato inconteste) e, dado que o mandato pertence ao partido e não ao candidato, o partido (que é maior e mais forte) vai fazer de tudo para que o mandato reflita as suas posições, e não as do candidato (não excluindo nem mesmo a sua expulsão com possível perda de mandato). Isso, além de ser óbvio na teoria, é amplamente observável na prática (remeto, mais uma vez, à leitura do perspicaz artigo do pe. Lodi sobre o tema).

E ainda termina o citado panfleto com a seguinte “pérola”:

Na religião que escolhemos também é assim: mesmo quando ocorrem problemas sérios na nossa igreja, devemos perdoar e tentar ao máximo corrigir os erros, não é isso? Somos cristãos, petistas e defensores da vida, isso é possível. O PT só não é melhor porque falta você.

Não, não é isso. A comparação é blasfema e cínica à exaustão, porque a Igreja (ou, no tocante à defesa da vida, qualquer religião minimamente séria) é o extremo oposto do PT: enquanto n’Ela nós temos a instituição defendendo o que é correto e alguns membros desobedientes, no PT nós temos o assassinato defendido institucionalmente, e alguns membros descontentes tentando mudá-lo. Não há comparação possível. Inverto a última frase do panfleto: você, pró-vida, só não é melhor porque está no PT. Bom seria que o partido expulsasse logo o Bassuma e companhia; assim, as energias daqueles que não concordam com o assassinato de inocentes poderia ser melhor aproveitada, e talvez pudéssemos organizar uma verdadeira oposição ao processo de implantação do aborto – já em curso avançado – vigente no Brasil.

Ministério da Saúde financia ABORTO na UNE!

Incrível: o Ministério da Saúde está promovendo o aborto com recursos públicos por meio da União Nacional dos Estudantes! Segundo notícia da Folha de São Paulo, o “Ministério da Saúde deslocou R$ 2,8 milhões, previstos no Orçamento deste ano para apoio à educação permanente de trabalhadores do SUS (Sistema Único da Saúde), para financiar a “Caravana Estudantil da Saúde”, organizada pela UNE (União Nacional dos Estudantes)”.

Quase três milhões de reais! Cabe perguntar – o que a UNE tem a ver com o Ministério da Saúde? Infelizmente, a única resposta que se apresenta é: a tal “Caravana Estudantil da Saúde” é um veículo de apologia descarada ao aborto. Está no site da UNE que esta Caravana é “uma iniciativa que pretende levar para as universidades debates sobre o aborto e demais temas relacionados à formação da juventude como drogas e alcoolismo”. E, para que não fiquem mais dúvidas sobre em quê está sendo aplicado o dinheiro público, o roteiro da Caravana do Ataúde é o seguinte (destaques meus):

RIO DE JANEIRO
14 – Quinta-feira – Estácio de Sá
Manhã – Drogas – Legalizar ou não?
Noite – Saúde, educação e cultura.

ESPÍRITO SANTO
18 – Segunda-feira – UFES
Manhã – Legalização do aborto: aspectos legais, morais, políticos sob a ótica da saúde pública.
Noite – Saúde, educação e cultura.

MINAS GERAIS

20 – Quarta-feira – UFMG
Manhã – Drogas – Legalizar ou não?
Noite – Saúde, educação e cultura.

22 – Sexta-feira – PUC
Manhã – Lei seca, avanço ou retrocesso?
Noite – Saúde, educação e cultura.

SÃO PAULO
26 – Terça-feira – USP
Manhã – Saúde e tolerância: homofobia, lesbofobia, sexismo, racismo.
Noite – Saúde, educação e cultura.

28 – Quinta-feira – UNINOVE
Manhã – UNINOVE – Lei seca, avanço ou retrocesso?
Noite – UNIP – Saúde, educação e cultura.

SETEMBRO

PARANÁ
01 – Segunda-feira – PUC
Manhã – Drogas – Legalizar ou não?
Noite – Saúde, educação e cultura

SANTA CATARINA
03 – Quarta-feira – UFSC
Manhã – Direitos sexuais e reprodutivos e a violência de gênero
Noite – Saúde, educação e cultura.

RIO GRANDE DO SUL
05 – Sexta-feira – UNISINOS
Manhã – Lei seca, avanço ou retrocesso?
Noite – Saúde, educação e cultura.

MATO GROSSO DO SUL
09 – Terça-feira – UFMS
Manhã – Saúde e sexualidade
Noite – Saúde, educação e cultura.

MATO GROSSO
11 – Quinta-feira – UFMT
Manhã – Legalização do aborto: aspectos legais, morais, políticos sob a ótica da saúde pública.
Noite – Saúde, educação e cultura.

RONDÔNIA
16 – Terça-feira – UNIR
Manhã – Saúde e sexualidade
Noite – Saúde, educação e cultura.

ACRE
19 – Sexta-feira – UFAC
Manhã – Legalização do aborto: aspectos legais, morais, políticos sob a ótica da saúde pública.
Noite – Saúde, educação e cultura.

AMAZONAS

23 – Terça-feira – UEA
Manhã – Saúde e tolerância: homofobia, lesbofobia, sexismo, racismo.
Noite – Saúde, educação e cultura.

RORAIMA

26 – Sexta-feira -UFRR
Manhã – Drogas – Legalizar ou não?
Noite – Saúde, educação e cultura.

AMAPÁ
30 – Terça-feira – UNIFAP
Manhã – Saúde e Sexualidade.
Noite – Saúde, educação e cultura.

OUTUBRO

PARÁ
03- Sexta-feira – UNAMA
Manhã – Legalização do aborto: aspectos legais, morais, políticos sob a ótica da saúde pública.
Noite – Saúde, educação e cultura.

MARANHÃO
08 – Terça-feira – UFMA
Manhã – Drogas – Legalizar ou não?
Noite – Saúde, educação e cultura

PIAUÍ
10 – Sexta-feira – UFPI
Manhã – Legalização do aborto: aspectos legais, morais, políticos sob a ótica da saúde pública
Noite – Saúde, educação e cultura.

CEARÁ
14 – Terça-feira – UFC
Manhã – Violência de gênero e exploração sexual.
Noite – Saúde, educação e cultura.

RIO GRANDE DO NORTE
17/10 – Sexta-feira – UFRN
Manhã – Saúde e sexualidade.
Noite – Saúde, educação e cultura.

PARAÍBA
21 – Terça-feira – UFPB – João Pessoa
Manhã – Lei seca, avanço ou retrocesso?
Noite – Saúde, educação e cultura.

24 – Sexta-feira – UEPB – Campina Grande
Manhã – Drogas – Legalizar ou não?
Noite – Saúde, educação e cultura

PERNAMBUCO
28 – Terça-feira – UNICAP
Manhã – Legalização do aborto: aspectos legais, morais, políticos sob a ótica da saúde pública.
Noite – Saúde, educação e cultura.

30- Quinta-feira – UFPE
Manhã – Saúde e tolerância: homofobia, lesbofobia, sexismo, racismo.
Noite – Saúde, educação e cultura.

NOVEMBRO

ALAGOAS
03 – Segunda-feira – UFAL
Manhã – Drogas – Legalizar ou não?
Noite – Saúde, educação e cultura.

SERGIPE

05 – Quarta-feira – UFS
Manhã – Legalização do aborto: aspectos legais, morais, políticos sob a ótica da saúde pública.
Noite – Saúde, educação e cultura.

BAHIA
07 – Sexta-feira – UFBA
Manhã – Saúde e tolerância: homofobia, lesbofobia, sexismo, racismo.
Noite – Saúde, educação e cultura.

11 – Terça-feira – UCSAL
Manhã – Drogas – Legalizar ou não?
Noite – Saúde, educação e cultura.

TOCANTINS
14 – Sexta-feira – UFT
Manhã – Lei seca, avanço ou retrocesso?
Noite – Saúde, educação e cultura.

GOIÁS
18 – Terça-feira – Católica de Goiás
Manhã – Saúde e Sexualidade.
Noite – Saúde, educação e cultura.

20/11 – Terça-feira – UFG
Manhã – Legalização do aborto: aspectos legais, morais, políticos sob a ótica da saúde pública.
Noite – Saúde, educação e cultura.

DISTRITO FEDERAL

27/11 – Quinta-feira – UnB – Encerramento
Saúde, educação e cultura

Ver o Ministério da Saúde financiando uma programação escandalosa dessas (e olhe que eu não destaquei as questões sobre a legalização das drogas e sobre a saúde e sexualidade, porque senão o cronograma ia ficar todo vermelho) é deprimente. Quem vê tem a impressão de que o SUS está esbanjando dinheiro, uma vez que pode direcionar parte do seu orçamento para fazer cirurgias de mutilação, parte para financiar um “passeio” Brasil afora de uma caravana com o objetivo de defender o aborto nas universidades.

Às armas, soldados de Cristo!

crisma-01-01Já há alguns anos – desde que eu me crismei, em 2002, e tomei consciência da importância capital de servir a Cristo com tudo o que eu tinha e tudo o que eu era – eu trabalho, lá na paróquia, na Pastoral da Crisma, esforçando-me para trazer mais e mais jovens para junto do Crucificado. Temos uma crisma por ano, e uma preparação que dura quase o ano inteiro.crisma-01-02

crisma-03Dos jovens que se inscrevem no início do ano, grande parte deles “fica pelo caminho”. Dos que chegam ao final do ano, uma outra parte é convidada a refazer a preparação no ano seguinte, por não estarem ainda – no nosso entender – preparados para assumir o compromisso da maturidade na Fé. No entanto, dos que efetivamente se crismam – ontem foi a celebração do Sacramento, cujas fotos estão aí -, são tantos os que desaparecem e nós não vemos nunca mais! O que falta aos jovens para que se apaixonem por Cristo Jesus? O que falta a nós, míseros catequistas, para que ajudemos a despertar nos corações dos crismandos sentimentos de verdadeira caridade?

crisma-04crisma-05Sempre que penso nisso, lembro-me do Sermão da Sexagésima que, mutatis mutandis, aplica-se bem à tarefa do catequista. “Sabeis, cristãos, porque não faz fruto a palavra de Deus? Por culpa dos pregadores. Sabeis, pregadores, porque não faz fruto a palavra de Deus? — Por culpa nossa”. E, depois de percorrer todas as circunstâncias que identifica no pregador – “a pessoa que é, a ciência que tem, a matéria que trata, o estilo que segue, a voz com que fala” -, chega o pe. Vieira à conclusão de que nenhuma destas razões, nem todas elas juntas, podem ser a causa principal do pouco fruto que faz a palavra de Deus. Para o ilustre sacerdote, o principal problema é que não se prega[va], então, a palavra de Deus. É um pouco longo, mas merece transcrição:

O selo na fronte - difundi no mundo o bom odor de Cristo!
O selo na fronte - difundi no mundo o bom odor de Cristo!

Mas dir-me-eis: Padre, os pregadores de hoje não pregam do Evangelho, não pregam das Sagradas Escrituras? Pois como não pregam a palavra de Deus? Esse é o mal. Pregam palavras de Deus, mas não pregam a palavra de Deus: Qui habet sermonem meum, loquatur sermonem meum vere, disse Deus por Jeremias. As palavras de Deus, pregadas no sentido em que Deus as disse, são palavras de Deus; mas pregadas no sentido que nós queremos, não são palavras de Deus, antes podem ser palavras do Demónio. Tentou o Demónio a Cristo a que fizesse das pedras pão. Respondeu-lhe o Senhor: Non in solo pane vivit homo, sed in omni verbo, quod procedit de ore dei. Esta sentença era tirada do capítulo VIII do Deuteronómio. Vendo o Demónio que o Senhor se defendia da tentação com a Escritura, leva-o ao Templo, e alegando o lugar do salmo XC, diz-lhe desta maneira: Mille te deorsum; scriptum est enim, quia Angelis suis Deus mandavit de te, ut custodiant te in omnibus viis tuis: «Deita-te daí abaixo, porque prometido está nas Sagradas Escrituras que os anjos te tomarão nos braços, para que te não faças mal.» De sorte que Cristo defendeu-se do Diabo com a Escritura, e o Diabo tentou a Cristo com a Escritura. Todas as Escrituras são palavra de Deus: pois se Cristo toma a Escritura para se defender do Diabo, como toma o Diabo a Escritura para tentar a Cristo? A razão é porque Cristo tomava as palavras da Escritura em seu verdadeiro sentido, e o Diabo tomava as palavras da Escritura em sentido alheio e torcido; e as mesmas palavras, que tomadas em verdadeiro sentido são palavras de Deus, tomadas em sentido alheio, são armas do Diabo. As mesmas palavras que, tomadas no sentido em que Deus as disse, são defesa, tomadas no sentido em que Deus as não disse, são tentação. Eis aqui a tentação com que então quis o Diabo derrubar a Cristo, e com que hoje lhe faz a mesma guerra do pináculo do templo. O pináculo do templo é o púlpito, porque é o lugar mais alto dele. O Diabo tentou a Cristo no deserto, tentou-o no monte, tentou-o no templo: no deserto, tentou-o com a gula; no monte, tentou-o com a ambição; no templo, tentou-o com as Escrituras mal interpretadas, e essa é a tentação de que mais padece hoje a Igreja, e que em muitas partes tem derrubado dela, senão a Cristo, a sua fé.

A tapa na face - maturidade cristã!
A tapa na face - maturidade cristã!

Dizei-me, pregadores (aqueles com quem eu falo indignos verdadeiramente de tão sagrado nome), dizei-me: esses assuntos inúteis que tantas vezes levantais, essas empresas ao vosso parecer agudas que prosseguis, achaste-las alguma vez nos Profetas do Testamento Velho, ou nos Apóstolos e Evangelistas do Testamento Novo, ou no autor de ambos os Testamentos, Cristo? É certo que não, porque desde a primeira palavra do Génesis até à última do Apocalipse, não há tal coisa em todas as Escrituras. Pois se nas Escrituras não há o que dizeis e o que pregais, como cuidais que pregais a palavra de Deus? Mais: nesses lugares, nesses textos que alegais para prova do que dizeis, é esse o sentido em que Deus os disse? É esse o sentido em que os entendem os padres da Igreja? É esse o sentido da mesma gramática das palavras? Não, por certo; porque muitas vezes as tomais pelo que toam e não pelo que significam, e talvez nem pelo que toam. Pois se não é esse o sentido das palavras de Deus, segue-se que não são palavras de Deus. E se não são palavras de Deus, que nos queixamos que não façam fruto as pregações? Basta que havemos de trazer as palavras de Deus a que digam o que nós queremos, e não havemos de querer dizer o que elas dizem?! E então ver cabecear o auditório a estas coisas, quando devíamos de dar com a cabeça pelas paredes de as ouvir! Verdadeiramente não sei de que mais me espante, se dos nossos conceitos, se dos vossos aplausos? Oh, que bem levantou o pregador! Assim é; mas que levantou? Um falso testemunho ao texto, outro falso testemunho ao santo, outro ao entendimento e ao sentido de ambos. Então que se converta o mundo com falsos testemunhos da palavra de Deus? Se a alguém parecer demasiada a censura, ouça-me.

O Santissimo Sacrificio da Missa - para que os recém-crismados possam perseverar no caminho estreito que conduz ao Céu.
O Santíssimo Sacrifício da Missa - para que os recém-crismados possam perseverar no caminho estreito que conduz ao Céu.

Estava Cristo acusado diante de Caifás, e diz o Evangelista S. Mateus que por fim vieram duas testemunhas falsas: Novissime venerunt duo falsi testes. Estas testemunhas referiram que ouviram dizer a Cristo que, se os Judeus destruíssem o templo, ele o tornaria a reedificar em três dias. Se lermos o Evangelista S. João, acharemos que Cristo verdadeiramente tinha dito as palavras referidas. Pois se Cristo tinha dito que havia de reedificar o templo dentro em três dias, e isto mesmo é o que referiram as testemunhas, como lhes chama o Evangelista testemunhas falsas: Duo falsi testes? O mesmo S. João deu a razão: Loquebatur de templo corporis sui. Quando Cristo disse que em três dias reedificaria o templo, falava o Senhor do templo místico de seu corpo, o qual os Judeus destruíram pela morte e o Senhor o reedificou pela ressurreição; e como Cristo falava do templo místico e as testemunhas o referiram ao templo material de Jerusalém, ainda que as palavras eram verdadeiras, as testemunhas eram falsas. Eram falsas, porque Cristo as dissera em um sentido, e eles as referiram em outro; e referir as palavras de Deus em diferente sentido do que foram ditas, é levantar falso testemunho a Deus, é levantar falso testemunho às Escrituras. Ah, Senhor, quantos falsos testemunhos vos levantam! Quantas vezes ouço dizer que dizeis o que nunca dissestes! Quantas vezes ouço dizer que são palavras vossas, o que são imaginações minhas, que me não quero excluir deste número! Que muito logo que as nossas imaginações, e as nossas vaidades, e as nossas fábulas não tenham a eficácia de palavra de Deus!

crisma-02-01crisma-02-02Sim, hoje – como à época do pe. Vieira – faltam pregadores que preguem realmente a palavra de Deus, e faltam também catequistas fiéis à missão que têm de ensinar a Doutrina da Igreja – é por isso que nós não sabemos onde vai parar a multidão de católicos que saem dos batizados, da Primeira Eucaristia e da Crisma. Sejamos fiéis. Não engrossemos as estatísticas dos que levantam falso testemunho a Deus. E que os recém-crismados possam ser verdadeiros soldados de Cristo, dispostos a consumirem as suas vidas no serviço à Igreja de Deus; é o mais sincero desejo que nós, catequistas, nutrimos, e é o melhor pagamento pelo trabalho realizado que nós poderíamos receber.

São Pio X – Como amar o Papa

[Fonte: Administração Apostólica São João Maria Vianney]

Como amar o Papa?

“Parece inacreditável, e é contudo doloroso, que haja padres aos quais se deve fazer esta recomendação, mas nos nossos dias nós estamos infelizmente nesta dura e triste condição de dever dizer a padres: Amai o Papa!

E como se deve amar o Papa? Não por palavras somente, mas por atos e com sinceridade. “Non verbo neque lingua, sed opere et veritate” (1 Jn 3,18) Quando amamos a alguém, procuramos nos conformar em tudo a seus pensamentos, a executar suas vontades e a interpretar seus desejos. E se Nosso Senhor Jesus Cristo dizia de si mesmo:” Si quis diligit me, sermonem meum servabit ” (” se alguém me ama, guardará minha palavra ” Jn 14, 23), assim para mostrar nosso amor ao Papa, é necessário obedecer.

É por isso que, quando se ama ao Papa, não se fica a discutir sobre o que ele manda ou exige, a procurar até onde vai o dever rigoroso da obediência, e a marcar o limite desta obrigação.Quando se ama o Papa, não se objeta que ele não falou muito claramente, como se ele estivesse obrigado a repetir diretamente no ouvido de cada um sua vontade e de exprimi-la não somente de viva voz, mas cada vez por cartas e outros documentos públicos.

Não se põem em dúvida suas ordens, sob fácil pretexto, para quem não quer obedecer, de que elas não dimanam diretamente dele, mas dos que o rodeiam! Não se limita o campo onde ele pode e deve exercer sua autoridade; não se opõe à autoridade do Papa a de outras pessoas, por muito doutas que elas sejam, que diferem da opinião com o Papa. Por outro parte, seja qual for sua ciência, falta-lhes santidade, pois não poderia haver santidade onde há dissentimento com o Papa”.

É o desabafo de um coração dolorido… para deplorar a conduta de tantos padres que, não somente se permitem discutir e criticar as vontades do Papa, mas que não têm a receio de chegar a atos de desobediência imprudente e atrevida, ao grande escândalo dos bons e para a ruína das almas.

(Alocução aos Padres da Confraria “A União Apostólica” 18 novembro 1912)

História de Conversão

Toda história de conversão é dramática; somente Deus conhece apropriadamente o que se passa no íntimo de uma alma que, em um dado momento de sua vida, resolve colocar-se de joelhos diante da Cruz de Nosso Senhor. Para a alma que se converte, é a sua própria história de conversão que importa; como cada alma é única, cada história de conversão é também única e, como cada alma é valiosa para Deus, cada conversão é infinitamente valiosa, quer seja de Santo Agostinho, de São Francisco de Assis, do Cardeal Newman, de Chesterton, de Scott Hahn, ou de qualquer pessoa que um dia encontrou a Jesus Cristo sem que nós o saibamos. Deve ser uma coisa maravilhosa, no Céu, conhecer histórias de conversão – dramáticas e emocionantes como todas elas são – de pessoas desconhecidas, que nós nunca saberíamos de outra maneira. Toda conversão é bela – é uma festa no Céu -, porque é o retorno de uma alma Àquele para Quem ela foi criada.

Saiu uma notícia ontem em ZENIT sobre algo que eu não sabia: a conversão de Vittorio Messori. Fiquei com vontade de ler o livro original; tem pessoas que a gente imagina – para mim, o Messori era uma delas – como se tivessem sido “sempre católicos”. Mas, salvo santas exceções, todo mundo (até quem “sempre foi católico”) precisa em algum momento de conversão; como li certa vez n’algum lugar, a conversão do filho pródigo é maravilhosa, mas o relato bíblico nos mostra claramente que o filho que ficou em casa também precisava de conversão…

E, contudo, até os 23 anos Messori não era nada católico. A família era agnóstica, e mais, anti-clerical. Foi criado e educado em uma cultura racionalista, indiferente ao mistério religioso e hostil à idéia de que Deus pudesse existir. Como estudante universitário, foi discípulo de professores do laicismo, como Norberto Bobbio e Galante Garrone.

E, no entanto, hoje é reconhecido defensor da Igreja! Deus é misericordioso. Cada história de conversão é importante, porque é uma alma que se volta para Deus; no entanto, a Providência Divina não raro reserva grandes planos para aqueles a quem Ela concede a graça de uma grande conversão.