A falta de sentido como objetivo do discurso

O nosso mundo padece de uma falta crônica de rigor terminológico. O fenômeno se reproduz e manifesta nos mais variados âmbitos da vida, dos debates presidenciais à catequese dos párocos, das falas dos sedizentes formadores de opinião à informação dita imparcial da imprensa. É certo ser muito difícil negar a existência da textura aberta da linguagem; contudo, muitas vezes as pessoas agem como se se tratasse de um abismo intransponível e como se, na comunicação interpessoal, nada importasse mesmo porque qualquer coisa dita poderia, sempre e necessariamente, ser entendida de um sem-número de maneiras.

As pessoas perderam, completamente, a sua confiança na capacidade da linguagem de transmitir o pensamento: só isso explica a proliferação generalizada de discursos sem sentido que nos bombardeiam o tempo inteiro. O introito, fi-lo porque queria comentar, algo ligeiro, esta matéria sobre o padre que afirmou ter sido Jesus “revolucionário e comunista”. Há diversos absurdos aqui.

Há, antes de mais nada, o absurdo de semelhante sandice constituir manchete jornalística corriqueira. Por um lado, não provoca estupor que um sacerdote católico seja capaz de proferir tal absurdo; por outro lado, a própria notícia é escrita sem paixão, com três parágrafos mornos, como se o repórter estivesse redigindo a coisa mais desinteressante do mundo. A blasfêmia nos lábios do sacerdote – eis o que quero dizer – não provoca nem revolta e nem júbilo; nem os protestos dos bons, nem a exaltação dos maus. Permanece naqueles círculos das notícias banais, publicadas somente para “bater meta” e que, ao que parece, não interessam suficientemente a ninguém.

Há o próprio absurdo do conteúdo da declaração: Nosso Senhor Jesus Cristo, é evidente, não pode ser comunista nem propriamente e nem por analogia. Não o pode propriamente por patentes limitações de ordem historiográfica: o comunismo só surgiu muitos séculos depois de Cristo. E não o pode ser por analogia porque a doutrina cristã não é, nada, em nenhum aspecto, comparável à pregação comunista. Os princípios básicos desta são – para ficar apenas nos dois mais gritantes – a igualdade absoluta entre todos os homens (com todos eles dissolvidos na massa desindividualizada da qual é feito o Estado Onipotente) e a rejeição do direito de propriedade. E mostrar como o Cristianismo se opõe a ambas é a coisa mais fácil do mundo.

Quanto à primeira, basta lembrar a estrutura hierárquica que Jesus claramente impingiu ao grupo dos Seus seguidores: Ele ensinava às multidões, mas enviava em missão apenas a alguns que chamou discípulos («setenta e dois», segundo São Lucas) e só a Doze constituiu Apóstolos, Seus mais próximos colaboradores, como bem o sabemos. Quanto à última, seria desnecessário e até meio ridículo arrolar as passagens todas onde o próprio Cristo defende, sim, que as pessoas tenham posses; contentemo-nos, tão somente, com este breve versículo, horror dos que pugnam contra o direito de propriedade:

O Reino dos céus é também semelhante a um tesouro escondido num campo. Um homem o encontra, mas o esconde de novo. E, cheio de alegria, vai, vende tudo o que tem para comprar aquele campo. (São Mateus 13, 44)

Ousando comparar as coisas mais sublimes – o Reino dos Céus! – a um vil comércio de terras, mais lógico seria que Nosso Senhor fosse chamado de latifundiário que de «comunista». Mas a lógica, percebe-se, não é mesmo o ponto forte dos que gostam de inventar nescidades à revelia do Magistério da Igreja Católica.

Por fim, há o absurdo da fala do padre. Veja-se a confusão do discurso:

Jesus é revolucionário, é super-revolucionário, vai além dos seres humanos, é amor, a sua ação é socialista, é comunista, compartilhou com uma comunidade de seres humanos.

Por todas as revoluções, o que raios isso poderia significar?! Não satisfeito em simplesmente assertar o revolucionarismo de Cristo, o padre vai além e afixa-Lhe um superlativo. Não fica claro, de nenhuma maneira, nem em quê, exatamente, se distingue o “super-revolucionário” do reles revolucionário comum e nem por qual misteriosa razão Jesus Cristo pertenceria a uma classe ou a outra. Ao dizer que Ele “vai além dos seres humanos”, mais uma vez não se percebe onde o reverendíssimo sacerdote quer chegar: sim, Cristo, “vai além” dos homens porque é Deus, mas isso não tem nada a ver, à primeira vista, com os dois adjetivos precedentes. Segue o discurso, sem a mínima conexão das partes seguintes com as antecedentes: “é amor”, diz o padre. Deus caritas est, de fato, verdade cristã incontrastável. No entanto, o discurso decai novamente da alta teologia para a revolta materialista chinfrim e, de repente, sem ter nem pra quê, a ação de Cristo é, de novo, comunista e socialista. Mais uma vez, nem uma única explicação é dada. Por fim, como se até então não fosse suficiente, vem o grand finale: “compartilhou com uma comunidade de seres humanos”.

Quem compartilhou? Cristo? A ação? Compartilhou o quê? A ação? Cristo? O amor? Com qual comunidade? A “dos seres humanos”? E, se a comunidade não fosse “de seres humanos”, seria de quê? É inútil procurar qualquer sentido: o padre não quer dizer absolutamente nada. Trata-se de pura verborragia, de um pretenso “falar bonito” que, na verdade, de bonito não tem nada, porque amputa a linguagem exatamente daquilo que é a sua função precípua: transmitir o pensamento.

Ninguém sabe o que o pe. Molina quer dizer com a sua tagarelice, e é proposital: ele não quer, mesmo, ser entendido. Quer apenas jogar palavras soltas que evoquem sentimentos atualmente benquistos – “socialista”, “amor”, “partilha”, “comunidade”, “Jesus Cristo” – num saco de gatos onde cada parte é uma unidade semântica autônoma e não tem qualquer relação com o todo. É isso o que acontece, com assustadora freqüência, nos dias de hoje: o próprio objetivo do discurso é não ter sentido algum, é não se comprometer, é não transmitir nada e apenas evocar estados de espírito de algum modo agradáveis. Que os que assim agem não consigam ver o quanto isso degrada o ser humano é somente a conseqüência previsível de trocar o pensamento claro e rigoroso pelos arroubos emotivos provocados por palavreados vazios.

Eleições presidenciais, comunismo, excomunhões e os dias piores que hão de vir

Eu publiquei há pouco uma ligeira nota sobre o programa de governo da presidenciável Marina Silva. Disse que, posteriormente, faria algumas considerações melhor detalhadas. É chegada a hora de cumprir a promessa.

Muitas pessoas me perguntam em quem vou votar ou sondam, de alguma maneira, critérios para a escolha moralmente comprometida do próximo presidente do Brasil. Pois bem, tenho três coisas a dizer com relação a isso: primeiro, o compromisso civilizacional de todos é com o expurgo do socialismo, como é evidente. Segundo, não existe nenhuma excomunhão automática para quem vota em comunista e, nas condições atuais de temperatura e pressão, ninguém “perde a alma” por conta dos números que aperta ou deixa de apertar na urna eletrônica. Terceiro, essa discussão toda é irrelevante porque as eleições, a menos que aconteça algum fato novo da magnitude da queda de um avião, já estão decididas e nada podemos fazer para mudá-las.

Esmiucemos um pouco cada um desses pontos.

O compromisso civilizacional é com a derrocada do socialismo

Dizê-lo é chover no molhado e, portanto, não vou me demorar nesta seara. Já se vão quase oitenta anos desde que o Papa vituperou o comunismo com aquele terrível e tão exato apodo de «intrinsecamente perverso» (Divinis Redemptoris, 58); de lá para cá, a história só fez mostrar que a Igreja, como de costume, estava coberta de razão. Todas as experiências socialistas falharam e falharam fragorosamente, reduzindo povos inteiros à miséria e aviltando o ser humano de maneira que nenhum outro regime opressor da história, das teocracias árabes ao absolutismo voluntarista, foi capaz de aviltar. O homem enfrentou percalços políticos ao longo dos últimos milênios, sem dúvidas; mas, perto do terror comunista dos séc. XX-XXI, todos os outros regimes poderiam passar pelo mais perfeito Paraíso Terrestre.

Mudou o comunismo? Concedo que tenha mudado. Que tenha se tornado aceitável, no entanto, nego-o, e nego com veemência. A última pérola socialista teve lugar na nossa vizinha Venezuela, cujas Forças Armadas foram recentemente encarregadas da importantíssima missão – imprescindível à Segurança Nacional! – de prender os cidadãos que fossem flagrados “contrabandeando” produtos básicos (digamos, rolos de papel higiênico), adquirindo-os acima da cota estabelecida pelo Governo. Ora, isso é simplesmente ridículo e degradante. É completamente injustificável. No entanto, é a esse abismo de miséria que o socialismo sempre e inevitavelmente conduz. Os fatos estão aí à sobeja para o demonstrar.

É portanto, dever de todo homem de bem lutar com todas as suas forças para que o Brasil não amargue um tão deprimente futuro. Isso significa mudar os rumos pelos quais a nossa Pátria Amada vem sendo conduzida. E é aqui, nas questões concretas referentes ao pleito que se avizinha, que as coisas começam a ficar mais nebulosas. Tentemos esclarecer algo delas.

Não há excomunhão automática simplesmente “para quem vota em comunista”

E nunca houve. Atenção ao que digo: não há a excomunhão, repito-me, para quem vota em comunista simpliciter. Com isso quero dizer que nenhuma, nenhuma excomunhão automática atualmente vigente (ou que tenha vigido em alguma época da história) tem como fato gerador o mero voto em partidos comunistas.

Hoje há sete excomunhões automáticas no Codex, mais uma estabelecida posteriormente. Cito-as na ordem em que lembro: 1. absolvição de cúmplice em pecado contra o Sexto mandamento; 2. quebra do sigilo de confissão; 3. profanação eucarística; 4. agressão física ao Romano Pontífice; 5. sagração episcopal sem mandato pontifício; 6. aborto provocado; 7. heresia, apostasia e cisma. A oitava, instituída em momento posterior: tentativa de ordenação feminina.

As seis primeiras (e a oitava) têm um fato gerador concreto, externo, determinado e de fácil verificação. Pela primeira, fica excomungado o sacerdote que proferir o ego te absolvo sacramental sobre um fiel com quem ele – o sacerdote – cometeu pecado contra a castidade; fica excomungado tão-logo conclua o sacramento, ipso facto – i.e., pelo mesmo fato de ministrar a absolvição. Pela segunda, fica excomungado o sacerdote que revelar o conteúdo de uma confissão sacramental que tenha ouvido, e o fica pelo fato mesmo de o ter revelado. Idem quanto às seguintes: pela terceira, a excomunhão fulmina o profanador tão-logo a Eucaristia é profanada; pela quarta, queda excomungado o agressor do Papa pelo ato mesmo da agressão física. Pela quinta, no instante mesmo em que a sagração episcopal é conferida, o bispo sagrante (e os recém-sagrados), em decorrência do sacramento ministrado ilicitamente, são excomungados; pela sexta, ao aborto provocado, seguindo-se o efeito, e em decorrência deste, excomunga-se quem o procurou. O mesmo quanto à oitava: no ato de tentar conferir invalidamente o sacramento da Ordem, «seja aquele que tenha tentado conferir a ordem sagrada a uma mulher, seja a própria mulher que tenha tentado receber a ordem sagrada, incorrem na excomunhão latae sententiae reservada à Sé Apostólica».

A sétima excomunhão, contudo é diferente. Por este cânon – o 1364 – fica excomungado o apóstata da Fé, o herege e o cismático; mas a heresia, a apostasia e o cisma, ao contrário de todas as outras excomunhões automáticas, antes de serem atos externos bem-determinados, são disposições interiores da alma. Alguém pode externar a sua heresia por meio de atos e palavras, sem dúvidas; mas esses atos e palavras não são a heresia em si. E é exatamente isso o que mais interessa para resolver a questão do apoio ao comunismo. Acompanhem-me.

O comunismo é heresia já incontáveis vezes condenada pela Igreja. Portanto, quem adere à doutrina comunista torna-se, assim, herege (ou apóstata… a distinção é pouco relevante para fins práticos, uma vez que ambos os delitos são punidos pelo mesmo cânon e com a mesma pena) e, por ser herege (ou apóstata), queda excomungado pelo Cân. 1364. Se, portanto, o comunista vota em um candidato comunista, ele fica excomungado não por conta do seu voto (como se o voto fizesse as vezes da profanação eucarística da terceira excomunhão acima mencionada), mas por ser comunista. E, uma vez que ninguém se torna comunista “de repente” quando está diante de uma urna no ato de votar, este indivíduo está excomungando, pelo Cân. 1364, antes mesmo de votar e mesmo que não vote.

Essa distinção é muitíssimo relevante porque pode existir (e aliás sempre existiu) a figura do indivíduo que vota em um candidato/partido comunista não por ser ele próprio (o indivíduo votante) comunista, mas porque não vislumbra, em consciência, outra opção melhor. E esse é exatamente o caso das atuais eleições presidenciais: entre a comunista Dilma Rousseff e a comunista Marina Silva, quem opta por uma delas não necessariamente está fazendo tal opção por ser comunista. Ao contrário até: se alguém avalia que um dos dois comunismos é, enquanto comunismo, menos eficiente do que o outro – e portanto demorará mais para implementar medidas socialistas, ou enfrentará maiores dificuldades para o fazer etc. -, pode estar lhe dando o voto não com animus de apoiador do comunismo, mas exatamente o contrário: como uma tentativa de desacelerar, um pouco que seja, o processo revolucionário em curso. Ora, se alguém vota em uma determinada comunista porque não se vê com outra opção para limitar os danos do próprio comunismo, tal pessoa evidentemente não é comunista e, não sendo comunista, não é herege (e nem apóstata) e, portanto, não cai sob o Cân. 1364 do CIC. C’est fini.

E o Decretum contra Communismum?, alguém pode perguntar. Bom, esse decreto ou estabeleceu lei penal específica ou não estabeleceu lei penal específica, et tertium non datur. Se ele estabeleceu lei penal específica, então foi ab-rogado com a entrada em vigor do novo Código de 1983, que o diz taxativamente:

Cân. 6 — § 1. Com a entrada em vigor deste Código, são ab-rogados:

(…)

3.° quaisquer leis penais, quer universais quer particulares, dimanadas da Sé Apostólica, a não ser que sejam recebidas neste Código;

Se ele não estabeleceu lei penal específica – como aliás parece ser o caso -, então se trata de uma exemplificação da excomunhão automática na qual incorriam (e ainda incorrem) «o apóstata da Fé, o herege e o cismático»; e, neste caso, valem todas as considerações que acima foram feitas.

Parece-me que há um excesso de escrúpulos dos católicos com relação ao processo de voto; e, permitam-me dizê-lo, isso só favorece os inimigos da civilização. Ninguém precisa ficar com terríveis dores de consciência, julgando-se corresponsável por tudo o que pode fazer um candidato em quem, por conjunturas adversas, acabou-se por votar. O Catolicismo é a religião do Logos, e não a do arbítrio nonsense; e não tem lógica absolutamente nenhuma a pessoa, anti-comunista a vida inteira, ser excomungada por votar (v.g.) na Marina Silva unicamente por vislumbrar nela a melhor opção para quebrar a hegemonia petista. Erros quanto a juízos de fato (por exemplo, sobre qual candidatura apresenta na verdade maior perigo à pátria), é claro que sempre pode haver; mas essa espécie de equívoco, involuntário e de boa fé, à qual todos nós, seres limitados e finitos que somos, estamos sujeitos, não tem e não pode ter jamais o condão de excomungar ninguém.

Há muitos pecados pelos quais se pode perder a própria alma. Na esmagadora maioria dos casos, no entanto, as eleições brasileiras – mormente as presidenciais – não constituem matéria para eles.

As eleições já estão decididas

Exagero. Talvez eu deva dizer “90% decididas”. É Tolstoi, se bem me recordo, no final do seu “Guerra e Paz”, que lança uma teoria dessas: de que os homens são meros coadjuvantes que obedecem a necessidades históricas imperiosas e tal. Obviamente não a abraço sem reservas. No que concerne a eleições presidenciais, contudo, os brasileiros obedecem, sim, e com bastante regularidade, ao império das pesquisas de intenção de voto.

Isso por uma dupla razão. A primeira é óbvia: a pesquisa, quando bem feita, é representativa do universo total. A segunda é mais esdrúxula, mas não menos verdadeira: o brasileiro vota em manada. A mentalidade do eleitor brasileiro médio é a de que o voto é uma espécie de jogo de azar cujo objetivo é “acertar” o candidato (que há-de ser) vencedor: a turma vota, sério, como se estivesse apostando no jogo do bicho. E isso não pode ser mudado à força dos nossos esforços simplesmente porque o contingente dos que votam assim é gigantescamente enorme. É necessária uma conscientização em massa que eu não sei nem se é possível mas que, em sendo, é um processo de gerações que não vai se realizar daqui para outubro. Maktub.

Estas eleições foram definidas em junho do ano passado, e o PT perdeu. Há, desde então, um sentimento generalizado entre os brasileiros: a de que o PT não é mais suportável. Pelas razões o mais díspares possível, ninguém está satisfeito com o governo da companheira Dilma. Em um embate direto, virtualmente qualquer pessoa seria capaz de derrotar a sra. Rousseff, à única exceção do sr. Aécio Neves porque, por razões que a própria Razão desconhece, o PSDB é, entre os patrícios, o único partido mais odiado do que o PT. (O negócio anda tão escancarado que eu não duvidaria de que, num segundo turno entre o Fidelix e a Dilma, o PRTB ganhasse um mandato presidencial pela primeira vez em terrae brasilis.) Aqui a vitória eleitoral não é alcançada pela visão positiva que os brasileiros têm de um candidato, mas pela negativa que têm do seu adversário. E ninguém, ninguém é atualmente mais odiado do que o PT (à exceção, talvez, do PSDB – por isso um segundo turno entre a Dilma e o Aécio é o único cenário em que há alguma margem para incertezas).

Considerando, portanto, que o segundo turno será decidido entre a Marina e a Dilma (isso se a recém-PSBista não levar o caneco no primeiro turno…) e considerando que os brasileiros desgostam da sra. Rousseff muitas ordens de grandeza mais do que temem a dona Silva, é mister se render aos fatos: 2015 vai nascer sob a égide da segunda mulher presidente da história do Brasil. As pesquisas mostram uma diferença de 9-10 pontos percentuais (v.g. aqui e aqui); isso é entre 12 e 14 milhões de eleitores. Nenhum grupo social brasileiro possui semelhante contingente capaz de mobilizar. Essa diferença, simplesmente, não pode ser tirada.

A menos, é claro, que aconteça alguma reviravolta análoga à queda do avião que vitimou o Eduardo Campos; mas mesmo isso está além do nosso controle. Relaxemos, portanto, o nosso coração. Não podemos, por nosso próprio esforço, impedir a Marina Silva de ser a próxima presidente. Não adianta gastar energia e noites de sono com isso. Não tem lógica martirizarmo-nos por essas eleições: nenhum homem pode ser responsável por aquilo que está muito além do seu alcance fazer.

À guisa de arremate

Enfim, após a longa exposição, sistematizemos algumas coisas.

– Este blogueiro não se sente capacitado para indicar qualquer estratégia de voto aos seus leitores.

– Sobre ações políticas em geral, o que posso dizer é o que diz a Igreja: o socialismo é perverso e deve ser combatido. Isso, obviamente, tem um alcance que ultrapassa a mera atividade eleitoreira. A guerra contra o socialismo é uma guerra cultural que deve ser travada ininterruptamente, todos os dias e em todas as esferas da vida.

– Sobre ações políticas em específico, no que concerne às eleições presidenciais, não me parece que seja possível o juízo definitivo a respeito de ser o PSB ou o PT pior para o Brasil. No que concerne à licitude moral de fazer uma ou outra opção, são as disposições interiores de apoio ou rechaço ao socialismo revolucionário que determinarão a moralidade do voto. No quadro atual – e friso o no quadro atual -, não existe nexo causal necessário entre “votar em partido de esquerda” e “sofrer excomunhão automática”.

– Não nos matemos, portanto. Ninguém está obrigado a votar na Dilma. Ninguém está obrigado a votar no Aécio. Ninguém está obrigado a votar na Marina. Ninguém está obrigado a votar no Pastor Everaldo. Ninguém está obrigado a votar nulo. Ninguém está obrigado a rigorosamente nada. A situação em que vivemos é kafkiana, absurda. Não desperdicemos importantes energias com guerras fratricidas sem sentido.

– Sobre as análises políticas, conquanto elas não tenham, a esta altura do campeonato, o menor poder de mudar o resultado das eleições, elas devem ainda assim ser feitas com o propósito de melhor nos prepararmos para o que virá. O nosso problema não termina em outubro. O trabalho se propaga para além e com os resultados do pleito. Teremos muito a fazer no ano que vem, como vimos tendo. Paciência, persistência e coragem. Dias piores virão.

A Ave-Maria da minha infância

Domingo, na Missa, por ocasião da festividade de um grupo mariano da paróquia, ao final da celebração foi cantada a Ave Maria de Schubert. A música evoca-me a minha infância! Domingo, na Missa, eu me lembrava de que esta Ave-Maria foi a primeira oração em latim que eu aprendi. Quando nem sabia direito o que era latim. Quando não tinha nenhuma noção de liturgia, de língua sagrada, dessas coisas.

Foi na escola, no Nossa Senhora do Carmo, colégio religioso onde me alfabetizei e fiquei até terminar o primeiro grau. O ano? Acho que era 1996. Por incrível que pareça, não foi na aula de religião; tínhamos aulas de religião, sim, mas não tenho quase lembrança nenhuma delas. Acho que líamos passagens do Evangelho e dávamos a nossa interpretação – de crianças – do que elas significavam, ou coisa assim. Não se me imprimiram à memória; não devo ter achado que valia a pena guardá-las. No entanto, lembro-me, perfeitamente, da aula de Artes onde a professora – acho que se chamava Suely – ensinou-nos a Ave-Maria.

Ela começou quase se desculpando. Disse que se tratava de uma peça de música clássica, que não estava doutrinando ninguém e respeitava a opção religiosa de cada um. Que estava ensinando arte e história, não catequizando nem impondo religião alguma. As palavras, claro, não sei se foram exatamente essas; mas o sentido que guardei, transmito-o com fidelidade. Hoje, olhando em perspectiva, acho que não se tratou de indiferença religiosa. Acho que já havia então alguma pressão, institucional ou social, tácita talvez, para que as diferentes visões religiosas fossem “respeitadas”. Mas isso não impediu a nossa querida professora de anunciar o Evangelho da Alegria da maneira que estava ao seu alcance fazer: ela soube se aproveitar do invólucro artístico para nos transmitir aqueles versos imortais, que tantos lábios piedosos já pronunciaram ao longo dos séculos.

(E que coisa maravilhosa é fazer crianças recitarem a Ave-Maria, mesmo que elas não saibam exatamente o que estão fazendo…! Aquele “deixai vir a mim as criancinhas” do Evangelho não significa tornar os pequeninos teólogos experientes desde a mais tenra infância. Os impactos de uma educação religiosa nos primeiros anos reverberam ao longo de toda a vida; além do quê, Deus é louvado nos lábios dos infantes, mesmo que estes não sejam capazes de contemplar o significado de seus atos em toda a sua dimensão.)

No quadro, antigo, verde-escuro – dito “quadro negro” -, os versos que nos eram conhecidos. Ave Maria, gratia plena. Eram-nos conhecidos, a todos, eu dizia, porque – e aí vai outra lembrança agradável da aurora da minha vida -, naquela época, praticamente só se ouvia música pelo rádio. E, todos os dias, na Rádio Recife – “ZYB-244 Recife FM, 97,5 MHz” como cantava a vinheta -, ouvíamos, todos, onde quer que estivéssemos, a voz grave do locutor anunciar solene: “em Recife, seis horas da noite” – e logo após as conhecidíssimas notas da peça que musicava a saudação angélica. Não faço idéia de como eram as coisas em outros lugares do Brasil, pelos idos de 90. Em Recife, repito, todos, todos conhecíamos a Ave-Maria de Schubert.

E, naquela manhã, naquela sala de aula, a professora nos decifrou a letra daquela canção. Maria, gratia plena; Maria, gratia plena. Eu não fazia idéia do que era o latim; mas comecei a gostar da música ouvindo-a no carro, na rua, no ônibus, em casa, e a aprendi definitivamente no quadro-negro de uma aula de artes. Não me lembro agora se a professora tocou-a, lá, com algum instrumento, ou levou um “Micro System” para a reproduzir n’alguma gravação K7: sei, contudo, que foi ali que travei contato – pela primeira e definitiva vez – com aqueles versos multicentenários. Eu devia ter uns doze anos, e é curioso: não consigo agora me lembrar de nenhum dia específico daquela fase da vida, mas da Ave-Maria naquele quadro-negro eu nunca me esqueci.

E, domingo, quando ela ressoou na igreja, no final da Missa, eu me lembrei de tudo isso. Aquele Ave, Ave, Dominus preencheu o templo sagrado: Dominus tecum, e eu rezava pela professora que, há uns dezoito anos, teve a caridade de me ensinar um pouco de música sacra. Uma única aula na vida, provavelmente uma hora e meia ou duas horas: muitas vezes não somos capazes de dimensionar o alcance de nossas atitudes. Por isso é tão importante fazer tudo com perfeição. Por isso é importante se dedicar a cada pequena tarefa: nunca sabemos quais delas, no futuro, serão realmente importantes.

Benedicta Tu in mulieribus. Et benedictus, et benedictus fructus ventris: ventris Tui, Iesus!

Ave, Maria!, saúdam-Vos os Vossos filhos. Obrigado, professora, onde quer que tu estejas. Que a Santíssima Virgem, cujo louvor tu colocaste nos meus lábios e apresentaste ao meu coração infantil, possa olhar com particular benevolência para ti, e recompensar-te com munificência pelo serviço a Ela prestado.

Programa de governo imoral da Marina Silva

[Um pouco de política, especificamente sob a ótica que mais interessa aos católicos que parecemos ter deixado para trás o Vale de Lágrimas e, agora, somos forçados a caminhar é pelo Abismo do Pranto Desesperado mesmo. Este post é meramente informativo; comento sobre o assunto, de maneira mais ampla, já já. Reproduzo aqui, na íntegra, uma pesquisa que um leitor do blog teve a gentileza de fazer e me enviar por email; é a respeito do programa de governo do PSB, da candidata Marina Silva.

São informações que… a rigor, não são novas. Mas convém não serem esquecidas. Porque, quando a sra. Rousseff for gloriosamente defenestrada do Palácio do Planalto, não podemos cometer a ingenuidade de acharmos que o seu lugar foi ocupado pela mais impoluta guardiã da moral e dos bons costumes. Os inimigos dos nossos inimigos não necessariamente são os nossos amigos. A vida é um pouco mais complicada do que isso, infelizmente.

Senhoras e senhores, apresento-vos a nossa próxima presidenta. Saudades dos tempos fáceis do desterro no Lacrimarum Valle….]

Programa de governo imoral da Marina Silva

Link para o programa:
http://marinasilva.org.br/programa/#

Vejam na página 216:

“Normatizar e especificar o conceito de homofobia no âmbito da administração pública e criar mecanismos para aferir os crimes de natureza homofóbica.”

Basicamente é a volta do PLC 122.

“Como nos processos de adoção interessa o bem-estar da criança que será adotada, dar tratamento igual aos casais adotantes, com todas as exigências e cuidados iguais para ambas as modalidades de união, homo ou heterossexual.”

“Incluir o combate ao bullying, à homofobia e ao preconceito no Plano Nacional de Educação.”

Mais material que incita a iniciação sexual de crianças nas escolas.

“Aprovado no Congresso Nacional o Projeto de Lei da Identidade de Gênero Brasileira – conhecida como a Lei João W. Nery – que regulamenta o direito ao reconhecimento da identidade de gênero das “pessoas trans”, com base no modo como se sentem e veem, dispensar a morosa autorização judicial, os laudos médicos e psicológicos, as cirurgias e as hormonioterapias.”

Esta lei trata de:
http://www.revoltabrasil.com.br/politica/4869-projeto-de-lei-de-jean-wyllys-e-erika-kokay-autoriza-cirurgia-de-mudanca-de-sexo-ate-para-criancas-e-pelo-sus.html

O projeto define identidade de gênero como:

Artigo 2º – Entende-se por identidade de gênero a vivência interna e individual do gênero tal como cada pessoa o sente, a qual pode corresponder ou não com o sexo atribuído após o nascimento, incluindo a vivência pessoal do corpo.

Facilidades para fazer a alteração de identificação civil

Artigo 3º – Toda pessoa poderá solicitar a retificação registral de sexo e a mudança do prenome e da imagem registradas na documentação pessoal, sempre que não coincidam com a sua identidade de gênero auto-percebida.

Artigo 4º – Toda pessoa que solicitar a retificação registral de sexo e a mudança do prenome e da imagem, em virtude da presente lei, deverá observar os seguintes requisitos:

I – ser maior de dezoito (18) anos;
II – apresentar ao cartório que corresponda uma solicitação escrita, na qual deverá manifestar que, de acordo com a presente lei, requer a retificação registral da certidão de nascimento e a emissão de uma nova carteira de identidade, conservando o número original;
III – expressar o/s novo/s prenome/s escolhido/s para que sejam inscritos.

Mesmo uma criança que não tenha consentimento dos pais poderá recorrer à defensoria pública para que sua vontade de mudança de nome seja atendida (Lembra do João que quer virar Maria do exemplo?)

Artigo 5º – Com relação às pessoas que ainda não tenham dezoito (18) anos de idade, a solicitação do trâmite a que se refere o artigo 4º deverá ser efetuada através de seus representantes legais e com a expressa conformidade de vontade da criança ou adolescente, levando em consideração os princípios de capacidade progressiva e interesse superior dacriança, de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente.

§1° Quando, por qualquer razão, seja negado ou não seja possível obter o consentimento de algum/a dos/as representante/s do Adolescente, ele poderá recorrer ele poderá recorrer a assistência da Defensoria Pública para autorização judicial, mediante procedimento sumaríssimo que deve levar em consideração os princípios de capacidade progressiva e interesse superior da criança.

Se uma pessoa for mãe ou pai e quiser mudar o sua qualidade paternal ou maternal no registro de nascimento do filho pode fazer (Por exemplo o pai que quer ser qualificado como mãe no registro do filho, fazendo assim o documento ficar registrado não mais com um pai e uma mãe, mas com duas mães, mesmo que a outra parte não concorde). O documento de casamento também pode seguir essa linha:

Artigo 7º
§2º Preservará a maternidade ou paternidade da pessoa trans no registro civil de seus/suas filhos/as, retificando automaticamente também tais registros civis, se assim solicitado, independente da vontade da outra maternidade ou paternidade;

§3º Preservará o matrimônio da pessoa trans, retificando automaticamente também, se assim solicitado, a certidão de casamento independente de configurar uma união homoafetiva ou heteroafetiva.

Mudança de Sexo e outros procedimentos a fim de adequar o corpo à identidade de gênero (Tudo pago pelo SUS)

O projeto garante também o direito à cirurgia de mudança de sexo, e não só isso, garante todos os procedimentos como ‘tratamentos hormonais integrais, a fim de adequar seu corpo à sua identidade de gênero auto-percebida’, TUDO ISSO BANCADO PELO SUS.

Artigo 8º – Toda pessoa maior de dezoito (18) anos poderá realizar intervenções cirúrgicas totais ou parciais de transexualização, inclusive as de modificação genital, e/ou tratamentos hormonais integrais, a fim de adequar seu corpo à sua identidade de gênero auto-percebida.

§1º Em todos os casos, será requerido apenas o consentimento informado da pessoa adulta e capaz. Não será necessário, em nenhum caso, qualquer tipo de diagnóstico ou tratamento psicológico ou psiquiátrico, ou autorização judicial ou administrativa.

Menores de 18 anos poderão fazer cirurgia de mudança de sexo, mesmo sem a autorização dos pais, seguindo os mesmos critérios da alteração do registo civil.

§2º No caso das pessoas que ainda não tenham de dezoito (18) anos de idade, vigorarão os mesmos requisitos estabelecidos no artigo 5º para a obtenção do consentimento informado.

Artigo 5, §1º in fine
poderá recorrer a assistência da Defensoria Pública para autorização judicial, mediante procedimento sumaríssimo que deve levar em consideração os princípios de capacidade progressiva e interesse superior da criança.

Artigo 9º – Os tratamentos referidos no artigo 11º serão gratuitos e deverão ser oferecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e pelas operadoras definidas nos incisos I e II do § 1º do art. 1º da Lei 9.656/98, por meio de sua rede de unidades conveniadas.

O projeto está em tramitação e aguarda análise da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara.

Dom Fabien Raharilamboniaina, OCD, fala-nos do Papa e de Teresinha

[FonteThérèse de Lisieux
Tradução: Pedro Ravazzano]

Quando de nossa visita “ad limina”, dos bispos de Madagascar, no momento em que me apresentei como bispo carmelita, diante de todos os meus confrades, o Santo Padre tomou a palavra para partilhar conosco da sua experiência com Santa Teresa do Menino Jesus.

Ele nos disse que descobriu a espiritualidade de Santa Teresinha em 1991 e que depois desta data Teresa não deixou de realizar surpresas em sua vida, inclusive nos tempos atuais. A santa sempre envia um sinal quando intercede por ele. Teresa está além das nossas expectativas e nos dá o que sequer imaginamos.

O Papa nos convidou a celebrar a Missa no outro dia pela manhã na Casa Santa Marta. Ele celebrou em ação de graças pela intercessão de Santa Teresinha. Depois da Eucaristia, perguntou o meu nome sem eu saber o porquê.

Alguns minutos depois, surpreendi-me quando o próprio Papa me buscava pelo telefone, em meu quarto em Santa Marta. Infelizmente ou providencialmente, eu estava ausente. Contudo, ele enviou uma pessoa em minha procura quando já estava a ponto de partir. Este funcionário me guiou até os seus aposentos.

O Papa estava orgulhoso de me mostrar as relíquias de Santa Teresinha e dos seus pais que se encontravam ao lado do seu escritório. Eu estava maravilhado. O Papa Francisco confirmou a sua proximidade com a espiritualidade de Teresa, tão simples e essencial, mas de modo eficaz. Ele me convidou à oração, pedindo a Teresinha pela minha missão. Nós dois rogamos a Teresa a fim de que seus pais realizassem um milagre para a canonização e sobretudo neste momento do sínodo sobre a família.

Eu estava maravilhado pela simplicidade e pela confiança do Papa, pelo seu amor à Teresinha. Ele novamente me convidou à Casa Santa Marta: “Venite a dialogare”, conforme a sua expressão.

Durante a nossa estadia em Santa Marta, nós tomamos café-da-manhã, almoçamos e jantamos junto ao Santo Padre no mesmo refeitório. Alegrava-me ao vê-lo falando diretamente com os cozinheiros, entrando na cozinha para perguntá-los da comida, de prepara-nos e servir-nos um arroz que é próprio nosso, refeição principal malgaxe.

De volta ao meu país, Madagascar, estamos agora nos preparando ativamente para a visita das relíquias da família Martin, de Santa Teresinha e dos Beatos Luís e Zélia, que virão em nossa casa em 2015, durante o período da JMJ local que reunirá cerca de 40.000 jovens.

Retirado e traduzido de “Thérèse de Lisieux – La revue du Sanctuaire, Juin 2014”

É por isso que o Papa pode dizer que ninguém faz mais que a Igreja contra a pedofilia

Por ocasião da recente Visitação Apostólica à Diocese paraguaia de Ciudad del Este, a questão do pe. Carlos Urrutigoity veio à tona. A sua nomeação como Vigário-Geral (ocorrida em fevereiro último) provocou a fúria da opinião pública: como é possível que a um sacerdote acusado de abuso de menores (independente de ser culpado ou inocente dessas acusações – todos sabemos que essa é a caça às bruxas moderna), que pingou de diocese em diocese até se encastelar nas fronteiras do Paraguai, seja concedida a honra de exercer as funções do Bispo Diocesano? Que ele seja nomeado seu representante direto?

A cronologia dessa história precisa ficar bem clara. Primeiro, veio a nomeação do pe. Urrutigoity como Vigário-Geral de Ciudad del Este. A este fato reagiu a SNAP, uma ONG de vítimas de abuso sexual por membros do clero e devotada a expôr publicamente aqueles que ela considera “predadores”. SNAP conseguiu que um bispo americano (Mons. Joseph Bambera, de Scranton) enviasse uma carta à Santa Sé onde expunha as suas “preocupações” com a nomeação. A mídia, naturalmente, fez o maior escarcéu com a notícia. Depois, só depois, veio a Visitação Apostólica.

Disso decorrem duas coisas:

1. Com os holofotes todos voltados para o Sucessor de Pedro, é evidente que o Papa Francisco não poderia tomar outra atitude. Há um sem-número de coisas que podem ser censuradas aqui: primeiro, a imprudência de nomear Vigário-Geral um sacerdote manchado pela sombra de uma acusação de pedofilia. Segundo, a ingerência de um bispo de outro continente em uma diocese com a qual ele pouco ou nada tem a ver, tornada pública através do site de uma ONG abertamente hostil à Igreja. Terceiro, o histriônico e espalhafatoso rasgar de vestes de certa mídia, muito mais compromissada com a difamação de uma instituição séria do que com a justiça do caso concreto. Contra isso, sim, é justíssimo protestar; não contra a intervenção pontifícia.

2. A situação anterior era objetivamente daninha à imagem da Igreja Católica, única instituição do mundo da qual é lícito sempre pensar o pior possível, única ré que é sempre culpada até prova em contrário. Pouco importa que a culpa do escândalo de pedofilia não seja da Igreja e sim do degenerado mundo moderno, é como se diz no chiste: “a culpa é minha e eu ponho em quem quiser”. A atitude do Santo Padre, portanto, era não só legítima como uma verdadeira exigência de justiça. Julgar diferente disso é não dar a devida importância ao ethos anti-clerical em meio ao qual se vive nos dias de hoje.

Há poucos meses, em uma de suas entrevistas – cujas partes dignas de lembrança parecem ser unicamente as passíveis de serem instrumentalizadas em desfavor da Igreja Católica… -, o Papa Francisco se permitiu soltar esta profunda e tonitruante verdade (original aqui):

As estatísticas sobre o fenômeno da violência contra as crianças são impressionantes, mas também mostram com clareza que a grande maioria dos abusos ocorre no ambiente familiar e na vizinhança. A Igreja Católica talvez seja a única instituição pública que se moveu com transparência e responsabilidade. Ninguém mais fez mais. No entanto, a Igreja é a única a ser atacada.

Ganhou também manchete nacional: «Papa afirma que ninguém faz mais que a Igreja contra a pedofilia». E se trata de verdade evidente, tão incontestável que ninguém ousou então contradizer o Soberano Pontífice. Ora, não foi o Papa Francisco quem estabeleceu tal estado de coisas: a página sobre a resposta da Igreja ao abuso de menores está há anos no site da Santa Sé, por exemplo. No entanto, a nenhum outro Romano Pontífice foi jamais permitido anunciá-lo pelos meios de comunicação de massa seculares. Nenhuma análise do modus agendi do Papa que se pretenda séria pode olvidar fatos como esse.

Para preservar essa conquista pode ser necessário desagradar alguns; não se pode nem mesmo negar a priori a possibilidade de que terminem por ocorrer algumas injustiças de fato. Penso, por exemplo, na hipótese do pe. Urrutigoity ser inocente como sempre se declarou… O sofrimento dos justos, contudo, sempre redunda no bem da Igreja: eis um fato que católico algum pode ignorar. Vivemos num mundo que está longe de ser perfeito e, nele, a imagem tem um preço: muito desgaste teria sido evitado se a Mitra de Ciudad del Este tivesse levado isso a sério em primeiro lugar. Para além de quaisquer percalços ocorridos nos campos de batalha pela glória da Igreja, contudo, paira reconfortante uma sentença contra a qual nada podem as hostes de Satanás: diligentibus Deum omnia cooperantur in bonum (Rm VIII, 28). Amar verdadeiramente a Deus, portanto, deve ter a primazia entre as nossas preocupações. Uma vez que o consigamos, o resto não nos deve perturbar.

Solicitada abertura de inquérito por ultraje a culto na Catedral da Sé

Já não deve ser novidade para ninguém o recente vandalismo perpetrado por um indivíduo na Catedral da Sé de São Paulo, desfilando pelo interior da igreja com vestes dignas de uma Parada Gay. Muito satisfeito e muito orgulhoso do seu gesto libertador e revolucionário, o celerado em questão – que atende pelo nome de Yuri Tripodi – vinha se vangloriando em seu Facebook da “performance”. A depender dos desdobramentos que o caso tomou, é de se esperar que ele em breve ponha de lado o sorriso zombeteiro ora estampado no rosto.

Na última segunda-feira (28/07), foi protocolado junto ao 1º Distrito Policial da Capital (SP) um pedido de abertura de inquérito policial para a averiguação dos possíveis crimes de ultraje a culto e ato obsceno praticados pelo sr. Tripodi (cf. aqui). A notícia alvissareira me foi enviada pelo caríssimo Rodrigo Pedroso, um dos requerentes, a quem duplamente agradeço: em primeiríssimo lugar pela própria atitude tomada junto aos órgãos competentes de polícia e, em seguida, pela sua divulgação.

Não é de hoje que acontecem esses gestos covardes contra a Igreja, motivados por uma falta de respeito ao próximo que transcende qualquer credo religioso ou mesmo ausência de credo: esse tipo de agressão gratuita, tenho certeza, é percebido não apenas pelos que têm Fé, mas por qualquer pessoa capaz de um mínimo de empatia, tanto como ofensivo aos católicos quanto como de mau gosto e desnecessário. Ninguém precisa ser religioso para entender que expôr as partes íntimas dentro de um templo católico é profundamente agressivo: aliás, o próprio fato do “artista” tomar isso como um libelo contra a opressão religiosa ou o que seja já demonstra, por si só, que ele tem completa consciência do significado do seu gesto. Não se trata, portanto, de nenhum pobre-coitado sobre cujo “jeito de ser” a Igreja está lançando censuras descabidas e injustos vitupérios: trata-se, isso sim, de alguém que deliberadamente se comporta de modo a ofender e escandalizar católicos que estavam pacificamente reunidos no seu lugar próprio de culto. Não é questão de melindre religioso, e sim de civilidade pura e simples.

Não é de hoje, eu dizia, que gestos covardes assim encontram quem os realize alegremente; mas o número desses “corajosos”, estou certo, seria bastante diminuído se eles sofressem na pele alguma mínima conseqüência pelas suas ações. Se ao lado dos tapinhas amigáveis nas costas e das manifestações rasgadas de admiração despejadas nas redes sociais caíssem-lhes alguns pedidos de esclarecimentos por parte das autoridades públicas, estou certo de que os desocupados arranjariam rapidamente outras coisas para fazer: quando menos para não ter que perder tempo às voltas com delegacias e fóruns de justiça. Porque atitudes assim têm o espírito de corpo de um punhado de baratas: basta acertar uma delas para as demais fugirem, desorientadas e perdidas, para todas as direções.

Se por um lado é de se lamentar profundamente a leniência das autoridades religiosas no tocante a estas questões, que nelas parecem não ver nenhum problema de suficiente monta, por outro merecem louvores as atitudes dos fiéis particulares que, em seu próprio nome, gastam um pouco de tempo e de energia para tornar um pouco mais difícil a zombaria das coisas sagradas. Oxalá o exemplo do sr. Rodrigo Pedroso e colegas possa levar outras pessoas a tomarem a mesma iniciativa. Não somos em menor número do que os vândalos e baderneiros. Não é justo que assistamos, inertes, a esses ataques ao sentimento religioso, que escarnecem da própria civilização.

Sobre forma e conteúdo: maus comentários e o caso Ciudad del Este

A respeito do último texto do Blogonicvs, que comenta um post daqui do blog, eu gostaria de esclarecer quanto segue:

1. Não foi o Danilo quem comentou aqui no Deus lo Vult! (e nem eu disse que tinha sido), e sim o Renato, um sedevacantista que já é figurinha conhecida e carimbada entre os leitores do blog, conhecido por simplesmente cuspir links aleatórios com frases do tipo “veja isso, Jorge!”, “abra os olhos enquanto é tempo, Jorge!” e congêneres, quase sempre sem nenhuma propensão ao debate ou à crítica construtiva, quase sempre com mero animus de semeador do caos e arauto sorridente de más notícias, pouca diferença fazendo se supostas ou verdadeiras.

2. Por conseguinte, também não foi o texto do Blogonicvs (nem na íntegra e nem no excerto aqui citado) que apodei de “exemplo de mau comentário”, e sim o referido comentário do Renato, que consistia simplesmente em copiar-e-colar um link de pertinência (no mínimo) controversa. Eu o disse no próprio texto, ao esclarecer (logo no início) que recebera comentários (cito-me recursivamente, pedindo perdão pelo excesso de aspas) «exatamente naquele estilo que eu deplorei aqui de «mera reprodução de conteúdo»». E o que tem neste link, a que me referia, é o seguinte:

Contudo, procurarei ser também mais criterioso: se o texto principal não é espaço para mera reprodução de conteúdo, tampouco a área de comentários deve ser usada para simples divulgação do que quer que seja.

O “exemplo de mau comentário”, portanto, não era o texto do Blogonicvs (nem nenhum dos outros textos citados no post). Os maus comentários eram os do Renato, copiando e colando links aleatórios, sem nenhum comentário, sem nada, e despejando-os em posts daqui do Deus lo Vult! com os quais aqueles pouco tinham a ver. A questão, destarte, é e sempre foi precipuamente de mera forma, sem entrar no mérito do conteúdo divulgado.

3. Eu não comento em quase nenhum outro blog fora este aqui, mas os leio. Não com a maior fidelidade do mundo, mas leio. O Danilo, aliás, desde os tempos do Igreja Una. Inclusive aqui, no rodapé do Deus lo Vult!, entre outros blogs, estão o próprio Blogonicvs e o Fratres in Unum, de onde saíram dois dos três textos criticados naquele post que ensejou esta celeuma. Não subscrevo tudo o que eles escrevem (na verdade, as únicas coisas que eu subscrevo sem reservas são as que eu escrevo de próprio punho ou as que digo explicitamente subscrever); do Fratres, a propósito, eu discordo muito mais do que com ele concordo. Não obstante, no contexto da internet católica contemporânea têm inegável relevância. Por mais que se possa (e em alguns casos até se deva) discordar deles, é importante conhecê-los. Penso que somos todos crescidos o suficiente para conviver em relativa harmonia. Oremus pro invicem.

4. Entrando por fim no mérito dos textos, com a devida vênia, extrapolar de um anúncio de uma visitação apostólica a uma Diocese que abriga um sacerdote acusado de abuso sexual de menores (tema particularmente candente nas últimas décadas cujo combate mereceu atenção, digamos, “midiática” (no sentido de que se percebeu a importância, mais do que simplesmente fazer, de também dizer ao mundo que se estava fazendo) nos dois últimos pontificados) um suposto revanchismo do Papa Francisco e (outro) exemplo de seu combate acirrado contra tudo o que é tradicional é, convenhamos, um pouco paranóico sim. Os motivos da visitação até onde eu saiba não foram anunciados, os seus resultados não podem ser conhecidos antes de decorrerem do fato que ainda não se deu e, portanto, todo o texto que pinta o Papa Francisco – Sumo Pontífice gloriosamente reinante – com as cores de um Bicho-Papão devorador de tradicionalistas é especulativo e infundado. Enseja uma atitude de desconfiança do fiel católico simples para com o Vigário de Cristo, estado de espírito absolutamente inconveniente para o católico e que não deve, portanto, ser incentivado. Merece esta crítica, sim, que fiz en passant no outro texto (uma vez que o foco lá era desencorajar a prática de copiar-e-colar links na caixa de comentários do Deus lo Vult!), mas que detalho um pouco mais agora.

5. Por fim, ainda sobre Ciudad del Este, pouco ou nada sei sobre a exuberante vida tradicional abrigada na Diocese, mas sei de uma coisa: é óbvio que existe hoje em dia um enorme preconceito (inclusive e infelizmente eclesial) contra o catolicismo sério. Quem portanto toma sobre os ombros o fardo de ser um facho bruxuleante de luz que seja em meio ao caos generalizado em que nos encontramos não pode, de nenhuma maneira, abrir flanco a ataques dos inimigos de Cristo. À mulher de César não basta ser mulher de César, sabe-se muito bem, e ao católico que quer ser exemplo no meio da crise (ou mesmo que não queira – quem se encontre de repente como exemplo, ainda que por conta da generalizada aridez ao redor!) não basta ser católico exemplar, tem que o parecer também. Assim, é de uma imprudência sem tamanhos acolher um sacerdote acusado de pedofilia e – pior ainda! – conferir-lhe cargos de importância. Não importa se o acusado é inocente, não importa se a Diocese não tem nada a ver com as coisas das quais ele é acusado: importam as cores tétricas com as quais esta Diocese torna-se passível de ser pintada diante da opinião pública e, junto com ela, todo o catolicismo tradicional que ela encarna, que é difícil de distinguir dela própria e, por isso mesmo, que sai injustamente enlameado dessa história. As filhas do Pe. Maciel são muito mais daninhas ao catolicismo do que os de Fernando Lugo, exatamente por causa da imagem de católico que o primeiro detinha e com a qual o último nunca se preocupou. Exposto isso, é de dar graças a Deus que seja um Visitador Apostólico a chegar em Ciudad del Este. Muito pior seria se fosse um Roberto Cabrini.

A Igreja não pode ser pautada pelos que a Ela se opõem

Pediram-me um comentário a respeito da notícia de que o Papa Francisco estaria “sinalizando” a nomeação de mulheres para cargos importantes na cúria. Vejam, o que realmente importa nesta pergunta – assim interpreto eu os sentimentos dos que se sentem angustiados com este tipo de notícias – não é o que ela denota objetivamente. A rigor e analisada em si mesma, essa notícia (1) não possui substância alguma e, (2) ainda que possuísse, seria algo de extremamente banal e corriqueiro.

Por que digo que a notícia não possui substância? Porque ela faz todo um escarcéu em cima de uma frase solta numa entrevista à qual provavelmente nem o próprio Papa Francisco deu a importância que os microscópios da mídia artificialmente lhe conferem. Existe uma mulher concreta cujo nome está sendo cogitado pelo Papa? Não. Existe um cargo concreto que o Papa pretende conceder a uma mulher? Não. Existe um prazo definido dentro do qual passará a haver mulheres – ou pelo menos uma mulher – nomeadas para os dicastérios romanos? Não. Existe ao menos a certeza de que o Papa vai realmente fazer isso? Também não. Não há absolutamente nada, portanto, exceto o Papa dizendo em uma conversa privada com outro padre que “deve” nomear uma mulher «porque [elas] são mais inteligentes que os homens». Isso, sim, é literal: por que não apareceu ninguém, então, para criticar a novidade doutrinária de que as mulheres possuem uma inteligência metafisicamente superior à dos homens?

“Porque isso é besteira”, alguém haverá de dizer, “mas o empoderamento das mulheres em uma instituição tradicionalmente conduzida por homens tem um importante valor simbólico para a luta dos movimentos feministas”. E este é o ponto relevante aqui.

Os que se preocupam com essa notícia (e outras análogas) estão, na verdade, preocupados não com ela, mas sim com o “valor simbólico” do (possível) gesto noticiado. Mais ainda: estão, na verdade, preocupados com a instrumentalização, por parte de grupos revolucionários tradicionalmente avessos à Igreja, do (possível) gesto, conferindo-lhe um valor simbólico que ele absolutamente não possui e utilizando-o para justificar um sem-número de barbaridades (no caso em pauta, ordenação feminina e abolição das diferenças entre os sexos, p.ex.) que ele absolutamente não justifica. O problema, portanto, não está com o Papa, o problema não está nas mulheres trabalhando ou deixando de trabalhar nos órgãos da Santa Sé: o problema está naquelas pessoas que não estão nem um pouco preocupadas com a Doutrina Católica, mas são ávidas em pinçar palavras, atitudes e gestos do Romano Pontífice para dar (aparência de) força à sua concepção de mundo particular. O problema, em suma, não é o Papa nomear mulheres para cargos importantes na cúria. O problema é as pessoas usarem indevidamente uma coisa banal e corriqueira dessas em benefício de sua própria agenda ideológica.

E por que digo que é uma coisa banal e corriqueira? Por diversas razões. Primeiro, porque o trabalho administrativo nos órgãos da cúria não tem nada a ver, nem remotamente, com nada da doutrina (ou mesmo da disciplina) da Igreja Católica. Segundo, porque as mulheres ocupam desde sempre um lugar de especialíssima proeminência dentro do universo doutrinário católico – basta pensar na Santíssima Virgem Maria, referência de todo fiel, do menor dos leigos aos Papas. Terceiro, porque historicamente já foram concedidas a mulheres posições de poder totalmente inimagináveis mesmo pelo mundo laico contemporâneo. Quarto, porque já existem mulheres trabalhando nos dicastérios romanos, é óbvio, sempre devem ter existido: se elas não ocupam os cargos mais altos – de prefeitos, secretários etc. – é por razões de ordem sacramental e não sexista: a reserva é aos sacerdotes em preferência aos leigos, e não aos homens em preferência às mulheres. Quinto, porque isso é uma mera convenção em si indiferente que poderia ser de um sem-número de outras maneiras.

O problema, em suma, é a tentativa de enquadrar a Igreja – ou, melhor dizendo, aspectos desconexos da Igreja – em uma clave que A deforma e termina por A retratar de uma maneira totalmente infiel à realidade. Há uma quantidade potencialmente infinita desse expediente pouco criterioso: se um Papa não permite a ordenação de mulheres então é um misógino, se cogita dar algumas responsabilidades a uma mulher então é porque é um feminista revolucionário, se é contra a camisinha favorece a AIDS, se diz que o uso de preservativos por parte de um prostituto é o menor dos problemas morais nesta situação envolvidos então é um libertino querendo entronizar a revolução sexual na Igreja, se celebra versus populum é um modernista, se celebra versus Deum é um tridentino retrógrado, se condena o comunismo é um porco capitalista, se protesta contra as injustiças sociais é porque é um agente da KGB infiltrado.

Isso acontece, isso é feito o tempo inteiro pelos inimigos da Igreja e pior: isso tem dado certo. Há hoje muitas e muitas pessoas que odeiam a Igreja por Ela ser misógina, por ser esquerdista, por ser antiquada em excesso, por ser modernosa demais, por ser muito rígida, por ser muito lassa, por oprimir os ricos, por desprezar os pobres, por tudo: e só uma minoria ínfima odeia a Igreja por Ela ser o que Ela de fato é. Fulton Sheen dixit. E ele estava certíssimo. As pessoas via de regra não são contra a Igreja Católica. São contra a imagem desfigurada que elas têm da Igreja Católica.

O texto já vai longo, e arremato: a solução desse problema não passa por se abster de fazer as coisas em atenção às leituras distorcidas que pessoas ignorantes ou mal-intencionadas farão dessas coisas feitas. Isso é um erro monumental e absolutamente injustificável. Ninguém pode deixar de venerar a Santíssima Virgem para não ser acusado de idolatria, ninguém pode deixar de celebrar a Santa Missa com decoro e diligência para evitar ser olhado como a um fariseu. E, pela mesmíssima razão, para não ser confundido com um TL não é legítimo a ninguém esquecer que negar ao trabalhador o salário justo é um pecado que clama aos Céus vingança. Pela mesmíssima razão, ninguém pode determinar o que vai fazer ou deixar de fazer em função das reações do movimento feminista a esta ação ou omissão.

Se a Igreja tem que preservar a Sua independência, Ela a precisa preservar também (e talvez até principalmente) contra esses reducionismos maniqueístas tão em moda hoje em dia. A Igreja não pode ser pautada pelos que a Ela se opõem, isso é bastante evidente. Mas não é tão evidente assim que há formas mais sutis de pautar o comportamento de outrem, e também contra estas é preciso se precaver. A Igreja não pode ser coagida pelos “católicos” de esquerda a sancionar as teses já condenadas da teologia da libertação, é óbvio. Mas Ela também não pode negar que a pobreza evangélica seja um valor – ou que existam deveres de caridade para com os pobres que são mandatórios para todo cristão, por exemplo. É preciso combater o lobby modernista que é feito diuturnamente contra Igreja. Mas é igualmente preciso perceber que evitar fazer coisas em si legítimas para não ser visto como modernista é também uma forma de se ser influenciado. E a liberdade de anunciar o Evangelho não pode conhecer esses limites. Os inimigos da Igreja não podem ditar o que Ela pode fazer, é claro. Mas também não podem determinar – nem mesmo indiretamente – o que Ela não deve fazer.

Exemplos de maus comentários

Três comentários maçantes – exatamente naquele estilo que eu deplorei aqui de «mera reprodução de conteúdo», e neste caso com o agravante de serem mau conteúdo – foram postados (e não aprovados) nos últimos dias. À guisa de resposta, somente algumas linhas.

O primeiro deles, São Pio X “descanonizado” pelo Vaticano, parece acreditar (i) que o site da Santa Sé é o rol oficial dos santos canonizados da Igreja, (ii) que, nele, a ausência de um título é igual à negação do status de bem-aventurança daquele a quem o título falta e (iii) que alterações no conteúdo do site têm o condão de mudar a Fé e o Culto oficiais da Igreja de Cristo. Em suma, delírio puro e simples. Pra responder à besteira, basta remeter à página de S. Pio X como ela se encontra atualmente: lá, é possível ler, com todas as letras, «S. Pius PP. X», e este “S.” no início outra coisa não significa que São (Santo). Causa finita.

O segundo, Vaticano promoverá “pastoral de misericórdia” para os divorciados e casais do mesmo sexo, é outro delírio, dessa vez decorrente de péssimo jornalismo. A notícia fala da apresentação do Instrumentum Laboris para o próximo sínodo sobre a família; acontece que (i) no texto não existe o termo “pastoral de misericórdia”, (ii) a parte que nele fala «sobre as uniões entre pessoas do mesmo sexo» (nn. 110-120) na verdade se opõe à união civil homossexual («Todas as Conferências Episcopais se expressaram contra uma “redefinição” do matrimónio entre homem e mulher, através da introdução de uma legislação que permita a união entre duas pessoas do mesmo sexo», IL 113), (iii) ela merece uma consideração à parte daquela reservada às outras “situações pastorais difíceis” (como uniões de fato, mães solteiras e divorciados recasados), o que torna portanto (no mínimo!) impreciso falar numa suposta “pastoral” que englobe ao mesmo tempo as uniões homoafetivas e os casamentos adulterinos, como consta na manchete; e (iv) a única coisa que se pode minimamente afirmar como “favorável” a estas uniões é a idéia de que «caso as pessoas que vivem nestas uniões peçam o baptismo para o filho, (…) o filho deve ser acolhido com as mesmas atenção, ternura e solicitude que recebem os outros filhos» (IL 120) – uma posição, convenhamos, bastante defensável. Ainda uma coisa: já existe atendimento pastoral para divorciados recasados, e isso nunca teve nada a ver com uma condescendência institucional para com os que não honraram os votos do Sagrado Matrimônio: a Igreja ainda é contra o divórcio. E mais: este documento não é prescritivo, não se trata de “diretrizes” para nada, mas tão-somente da consolidação das posições dos diversos bispos e Conferências a respeito de um assunto que há-de ser debatido no sínodo vindouro. Por fim: “casais do mesmo sexo” é uma contradição em termos.

O terceiro, por fim, Visitação Apostólica à diocese de Ciudad del Este, traz até uma informação relevante – o fato de que haverá uma Visitação Apostólica a Ciudad del Este; mas se perde em elucubrações e devaneios que raiam às teorias da conspiração. O único dado concreto e objetivo do qual dispomos é o de que, no final deste mês, haverá um Visitador Apostólico no Paraguai. Ponto. Daí a afirmar que isso seja porque, no atual pontificado, «[t]udo o que é tradicional deve ser neutralizado» é no mínimo paranóico.

Uma das principais razões para as quais eu pretendo cobrar maior qualidade nos comentários aqui postados é exatamente esta: acusações disparatadas são muito fáceis de serem cuspidas, mas demandam um razoável esforço para serem respondidas a contento. A verdade sempre teve esta espécie de desvantagem diante da mera “opinião”: por conta de sua solidez precisa mover-se mais lentamente, e para ser ela mesma precisa honrar certos compromissos que os achismos de todos os naipes se sentem no direito de desrespeitar. Faz parte da natureza das coisas. Não pensem, assim, que certo eventual silêncio por parte do autor dessas linhas implique necessariamente em concordância tácita com o que é dito: às vezes pode significar simplesmente que a resposta, escalonada junto com um sem-número de outras atividades concorrentes e analisada em termos de custo-benefício, simplesmente não possui prioridade alta o bastante para ser executada. É uma pena, eu realmente gostaria de responder sempre tudo. Mas às vezes é humanamente impossível. Peço desde já perdão por essas minhas limitações. Espero melhorar.