Cai o véu…

Em resumo: conseguiu-se enfim autorizar o que dez anos atrás parecia promissor, mas em raras situações, hoje, e com perspectivas cada vez mais estreitas.
– “Decisão do Supremo já chega caduca” – sobre CTEHs. 30 de maio de 2008. Após a liberação das pesquisas pelo STF.

Não há certeza ainda, porém, de que elas renderão novas terapias. “É uma aposta, mas uma aposta fundamentada. E pode ser que todo mundo dê com os burros n’água daqui a alguns anos”[.]
– “Estudos feitos com embrião são só uma ‘aposta’, diz Biólogo” – sobre CTEHs. 02 de junho de 2008. Após a liberação das pesquisas pelo STF.

O que dizer? Eu avisei!? Mas que diferença isso faz, agora, que o engodo e a fraude já se incorporaram ao ordenamento jurídico brasileiro?

Sugestão de leitura: Blefe Retórico.

Tenha Deus misericórdia.

Padre candidato a prefeito pelo PSOL

Padre Sóstenes é pré-candidato à prefeitura de Jaboatão dos Guararapes, conforme noticia o BLOG de Jamildo. A mesma notícia é dada em outro site, com um título pior. E, para completar o escândalo, o tal padre pretende concorrer ao pleito por um partido socialista – o PSOL.

[N]inguém pode ser ao mesmo tempo bom católico e verdadeiro socialista” – ensina o Magistério da Igreja. Outrossim, a CNBB lançou um documento para as eleições de 2002: o Documento 67, que não se encontra online no site da CNBB mas pode ser encontrado na internet. Este documento é taxativo ao dizer que “[o]s clérigos são proibidos de assumir cargos públicos que implicam participação no poder civil” (CNBB, Doc. 67, n. 51). E esta proibição não é “da CNBB”, e sim do Direito Canônico, que reza:

Les está prohibido a los clérigos aceptar aquellos cargos públicos, que llevan consigo una participación en el ejercicio de la potestad civil.
(CIC, Cân. 285, §3)

Como se tudo isso não fosse suficiente, o PSOL defende o feminismo, a cultura gay e o ABORTO. Coisas absolutamente incompatíveis com a Doutrina Cristã.

Data vênia, pergunta-se ao padre Sóstenes: Vossa Reverendíssima está ciente de todo o sobreexposto?

“Se você estivesse numa cadeira de rodas…”

Assisti dia desses a um filme intitulado “Instinto Secreto” (Mr. Brooks, 2007). Não é a melhor obra-prima do mundo, mas é um suspense interessante, com situações criativas e que prende bem a sua atenção. A história, contada de maneira bem superficial, é a seguinte: o sujeito, o tal Brooks, é um empresário bem sucedido, casado, pai de família… uma pessoa bem normal. O único “detalhe” – que o torna capaz de ser protagonista da trama – é o fato de ele ser um Serial Killer.

O filme é recheado de coisas interessantes, como os diálogos que o Brooks tem com o “álter-ego” assassino dele, o chantagista que tem umas fotos do último assassinato, a detetive empenhada no caso, a luta que o assassino trava para parar de matar – sim, porque ele mata por ser viciado e não conseguir parar. Mas tem uma cena que corre o risco de passar despercebida na trama, por ser secundária, e que é todavia bastante expressiva.

A filha de Brooks volta para casa, e a polícia está investigando a garota por causa de um assassinato na faculdade. O pai – não sem muitas dúvidas – decide proteger a filha. Qual o plano? Simples: ele procura detalhes do assassinato, vai até a faculdade – fica em uma outra cidade – e mata outra pessoa do mesmo jeito que (supostamente – pois o filme não deixa isso explícito) a filha matou. Dois assassinatos iguais, a polícia vê o padrão, traça o perfil de um serial killer e, como a garota estava em outra cidade na noite do segundo assassinato, a suspeita sobre ela é descartada. Voilà.

Os fins justificam os meios – disse uma vez Maquiavel. E, para justificar a máxima, os homens são capazes de recorrer às mais absurdas situações. Pra salvar a própria filha – que, afinal, pode até estar sendo injustamente acusada -, o pai não deveria fazer tudo o que está ao seu alcance – até matar? A versão atual do dilema, que escutei ad nauseam por ocasião dos infinitos debate sobre as células-tronco, era a seguinte: “se fosse o teu filho numa cadeira de rodas, tu serias a favor das pesquisas”. “Ou então” – às vezes era acrescentado – “tu não amarias o teu filho”.

O problema com esta argumentação é que a resposta à capciosa pergunta vai estar, provavelmente, enviesada, pois a situação é de tal maneira construída que o sujeito vai julgar em favor de si mesmo, defendendo os próprios interesses! E esta “auto-defesa” – até psicologicamente justificável, mas evidentemente falha enquanto apreciação objetiva e juízo isento – é tomada como se fosse a mais nobre expressão da virtude e da solidariedade, porque estaríamos “nos colocando no lugar” das pessoas a quem realmente interessa determinada questão.

“Colocarmo-nos no lugar” de uma parte interessada num resultado específico de uma dada querela é exatamente o que não pode ser feito para quem quiser formar uma opinião justa sobre o assunto em questão, e isso é óbvio. Ninguém pode apreciar um assassinato colocando-se no lugar do assassino; já pensou o advogado dizendo ao juiz “ah, se fosse Vossa Excelência que estivesse no banco dos réus, não ia ser a favor da condenação”? Todavia, contestar esta idéia equivocada nos transforma, incontinenti, em monstros insensíveis aos sofrimentos alheios. A virtude deixa de ser a isenção, e transforma-se no interesse. A atitude correta seria tomar partido. “Se você fosse uma raposa” – é como se dissessem – “ia ser a favor dos saques ao galinheiro”. Oras, mas acontece que, absolutamente, não é isso que está em discussão! Queremos saber se é lícito que as galinhas alheias sejam surrupiadas pelas raposas, e não se as raposas têm motivos para atacar os galinheiros, porque é óbvio que elas os têm!

Em suma, ninguém precisa ter um filho com uma doença incurável para saber a importância que tem para um pai a cura do filho. E, ao mesmo tempo, ninguém pode julgar a licitude de uma questão olhando somente para o próprio filho – real ou imaginado – que esteja doente. Além dos fins, deve-se olhar para os meios; e a moralidade ou imoralidade destes vê-se com mais clareza quando não se está advogando em causa própria. Afinal, de entender os motivos do mr. Brooks a legalizar os assassinatos vai um longo passo. A mesma coisa faz com que seja justificável o desejo das pessoas de buscarem a cura para si próprias ou para as pessoas que amam; mas, mesmo assim, não se justifica a destruição de seres humanos em pesquisas científicas.

Antes de tudo, um forte.

O sertanejo é, antes de tudo, um forte.
(Euclides da Cunha, “Os Sertões“).

Um forte, antes de tudo: assim se expressou Euclides da Cunha, referindo-se ao sertanejo – ao nordestino! -, no seu clássico livro sobre a expedição de Canudos. De acordo com o jornalista, o que impressionava na figura do nordestino era o contraste entre a sua aparência e esta força que se revelava, de maneira súbita, tão logo fosse necessária.

O sertanejo em “Os Sertões” é “desgracioso, desengonçado, torto“. Tem uma “postura normalmente abatida, num manifestar de displicência que lhe dá um caráter de humildade deprimente“. É um “homem permanentemente fatigado” e “[r]eflete a preguiça invencível, a atonia muscular perene, em tudo“. Todavia, “toda esta aparência de cansaço ilude“:

Basta o aparecimento de qualquer incidente exigindo-lhe o desencadear das energias adormecidas. O homem transfigura-se. Empertiga-se, estadeando novos relevos, novas linhas na estatura e no gesto; e a cabeça firma-se-lhe, alta, sobre os ombros possantes aclarada pelo olhar desassombrado e forte; e corrigem-se-lhe, prestes, numa descarga nervosa instantânea, todos os efeitos do relaxamento habitual dos órgãos; e da figura vulgar do tabaréu canhestro reponta, inesperadamente, o aspecto dominador de um titã acobreado e potente, num desdobramento surpreendente de força e agilidade extraordinárias.
(id. ibid.)

Ao ler essas linhas e descobrir a surpresa que causa no jornalista encontrar tamanha força de vontade em uma figura de onde parecia que não poderia sair nada, não consigo deixar de imaginar que surpresa, então, não teria o ilustre escritor se se debruçasse um pouco sobre a figura mais simples, mais comum e mais corriqueira que ele poderia encontrar: o cristão. Bem que escreveria, então, e o faria com muito mais propriedade, que o cristão é que é, antes de tudo, um forte.

Acusa-se muitas vezes a religião de ser uma muleta de fracos, engodo de massas, pseudo-consolo para fracas inteligências, e tantas coisas assim parecidas. De fato, o cristianismo tinha tudo para ser uma religião de derrotados. Dentre os seus preceitos, constam coisas como dar a outra face para quem lhe esbofetear e oferecer a túnica para quem lhe roubar a capa. Dentre os seus valores mais básicos, está a noção de que ganhar o mundo inteiro não tem importância nenhuma se se vier a perder a própria alma. Entre as coisas que os cristãos podem esperar, citam-se serem perseguidos e sofrerem tribulações. Até mesmo o seu Fundador – e exemplo máximo a ser seguido – é representado no ápice da derrota, morto vergonhosamente como marginal, dependurado numa Cruz.

Colocadas as coisas desta forma, poder-se-ia esperar, realmente, que o seguidor sincero dessa doutrina fosse um fracassado, um traumatizado, um masoquista, um “Zé-Ninguém”, um “mosca-morta”, um inútil. Todavia, já São Paulo nos ensinava, há dois milênios, o grande segredo que se encontra escondido nessa doutrina: “Porque, quando eu sou fraco, aí é que eu sou forte” (cf. 2Cor 12, 10).

Ao contrário do que se poderia esperar, o Cristianismo venceu o mundo. Produziu não covardes, mas mártires. Construiu não favelas, mas civilizações inteiras. Conquistou não somente os rudes e ignorantes, mas as mais finas inteligências de todos os tempos. Saindo do subterrâneo das catacumbas, elevou-se até o céu com as torres góticas das catedrais medievais. Quem poderia imaginar tudo isso, se olhasse para os Doze homens rudes da Galiléia? Esta transmutação é muito mais portentosa do que a transfiguração do sertanejo fatigado em “titã […] potente“!

O segredo desta grande força motriz do Cristianismo encontra a sua mais eloqüente expressão em dois aspectos da Doutrina Cristã, que se referem à relação do homem consigo próprio e com o seu próximo, e que, reunidos, são capazes de mudar o mundo. Refiro-me ao aperfeiçoamento pessoal e à consciência da vida em sociedade, da qual os cristãos precisam ser fermento. Se uma construção portentosa é feita com material de má qualidade, então todo o edifício irá fatalmente ruir. Se, por outro lado, os melhores materiais do mundo estão jogados no canteiro de obras, eles continuam sendo um monte de entulho sem utilidade. Somente quando os materiais são bons e estão dispostos da maneira correta é que se podem levantar as catedrais.

Para o cristão, então, não é suficiente empenhar-se para a sociedade ser perfeita: ele precisa também cuidar da própria perfeição. Ao mesmo tempo, não é suficiente acumular bens, ciência, virtude, poder: todas essas coisas precisam estar ordenadas para o bem comum. Esmagados estão, pela Doutrina da Igreja, ao mesmo tempo, quer o egoísmo do capitalismo selvagem, quer o totalitarismo do comunismo igualitário. Nem os materiais de construção têm serventia sozinhos, e nem as construções úteis e belas são feitas com um tipo só de material. O homem moderno não percebe essas coisas e, por isso, não consegue erguer catedrais.

Preocupar-se com a sociedade mesmo quando o homem poderia ter tudo, e preocupar-se com o homem mesmo quando a sociedade poderia oferecer tudo: eis a grande fraqueza do cristão e que, ao mesmo tempo, é a sua grande força. Movido por este ideal, o cristão avança ao longo da História. É perseguido, e não se desespera; vê caírem impérios, e ele não se perturba. Por importar-se tanto consigo mesmo até o ponto de desprezar as benesses estatais, e por importar-se tanto com os outros até o ponto de desprezar o sucesso próprio, alguém bem que poderia dizer: – mas, então, este sujeito não se importa com nada!

Engana-se. O cristão, na verdade, importa-se com Deus; e isso é tudo o que importa. “Buscai primeiro o Reino de Deus“, diz o Evangelho, “e tudo o mais vos será acrescentado” (cf Mt VI, 33). A história da Igreja ao longo dos séculos revela o cumprimento desta promessa do Divino Salvador. Os seguidores do Crucificado não são uns derrotados, e sim os heróis da História. Escolhendo caminhar por si próprios quando outros lhes apresentam um caminho largo e fácil de ser seguido, e escolhendo caminhar junto com os outros quando poderiam ir muito mais longe por si próprios, a aparente contradição só pode ser resolvida quando se tem os olhos fitos no Alto: na verdade, nem há paraíso terrestre que os homens possam oferecer, nem há pote de ouro no fim do arco-íris para quem chegar lá primeiro. Há somente a Cruz, e Ela é a única esperança; e, carregá-la, a única alegria verdadeira. Eis a força cristã, eis a vitória por meios adversos, eis o que causa verdadeiramente estupor. Não merece tantos elogios o sertanejo: ser cristão, ah, isso sim – isso é que produz os verdadeiros fortes.

Novo Bispo de Garanhuns

Domingo último, dia primeiro de junho, foi a cerimônia de posse do novo bispo – o 10º bispo da sua história – da Diocese de Garanhuns, Sua Excelência Reverendíssima Dom Fernando Guimarães.

Lá estive. A Diocese de Garanhuns faz parte da Província Eclesiástica de Olinda e Recife, embora seja um pouco distante – quase três horas da viagem. Fui e voltei no mesmo domingo, o que foi cansativo; mas valeu a pena. Não tive a oportunidade de ter muito contato com o senhor bispo; apenas escutei as suas palavras, quer na cerimônia de posse, quer na primeira missa rezada, na praça. Mas ex ungue leonem – pela unha do leão se infere o seu tamanho – e, do que disse Sua Excelência, percebe-se que é um Sucessor dos Apóstolos que faz jus ao roxo que veste.

As coisas que ele disse em sua homilia foram fantásticas – parece-me que ainda o ouço proferi-las! Cito as suas frases de memória, não literais. Podem estar imprecisas num ou noutro ponto, mas o seu sentido é fiel, pois este ficou-me marcado na memória. Certamente, também, minha (falta de) memória trai-me e me faz esquecer algumas palavras do bispo que bem mereciam ser repetidas. Perdoem-me.

“Reafirmo a minha mais absoluta e incondicional adesão ao Santo Padre, o Papa Bento XVI”.

“O papa é Cristo na terra”.

“A vontade do Papa [citando um santo que não recordo] é a vontade de Deus”.

“Estou convencido de que, fora da comunhão com o Santo Padre, nada se constrói na Igreja”.

“Os fiéis têm o direito – repito, o direito – de verem os seus pastores se santificarem”.

“O sacerdote, em virtude do Sacramento da Ordem, identifica-se ontologicamente com Cristo”.

“Os padres não podem tomar a posição de nenhum partido político, porque eles devem ser pastores para todos”.

“Participar da política é uma função própria e específica dos cristãos leigos”.

“Rezem por mim”.

Sim, Dom Fernando, rezaremos! Em agradecimento a Deus por ter nos presenteado com um bispo de tamanha envergadura, e suplicando à Virgem Maria que possa conceder ao novo bispo de Garanhuns todas as graças necessárias para o pastoreio da grei de Deus.

Ave Maria,
gratia plena,
Dominus tecum;
benedicta tu in mulieribus,
et benedictus fructus ventris tui, Iesus.

Sancta Maria, Mater Dei,
ora pro nobis, peccatoribus,
nunc et in hora mortis nostrae.
Amen.

Nota da CNBB

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil emitiu uma nota sobre a decisão do Supremo Tribunal Federal de permitir a destruição de embriões humanos em pesquisas científicas:

Sendo uma vida humana, segundo asseguram a embriologia e a biologia, o embrião humano tem direito à proteção do Estado. A circunstância de estar in vitro ou no útero materno não diminui e nem aumenta esse direito. É lamentável que o STF não tenha confirmado esse direito cristalino, permitindo que vidas humanas em estado embrionário sejam ceifadas.

Alegramo-nos por nossos pastores, que levantam a voz de maneira clara em defesa dos mais fracos e desprotegidos.

A CNBB continuará seu trabalho em favor da vida, desde a concepção até o seu declínio natural.

Fazemos nossas as palavras da CNBB, e assumimos particularmente o mesmo compromisso. Que Nossa Senhora Aparecida Se compadeça do Brasil.

Considerações sobre o STF e o julgamento das CTEHs

“Supremo libera pesquisas com células-tronco embrionárias”, diz o G1. “STF aprova pesquisas com células-tronco embrionárias”, é a manchete da Folha online. “Supremo autoriza pesquisas com células-tronco embrionárias”, noticia o Estadão. “STF autoriza pesquisas com células-tronco embrionárias”, anuncia o Jornal do Commercio daqui da terrinha. É impressionante o tom monocórdico da cantilena!

As manchetes poderiam ser diferentes. “Aberto importante precedente para a legalização do aborto”. “Embriões humanos não são sujeitos de direitos”. “Vida não merece proteção desde a concepção”. “Embrião pode morrer”. Qualquer coisa que expusesse, de maneira clara e sem floreios, a verdade nua e crua da decisão do Supremo Tribunal Federal, que deveria cobrir de vergonha toda esta nação.

Foram dois dias de votação, dois dias de orações e de esperanças, dois dias de expectativas e de angústias. Está consumado. Aquela que se intitula Suprema Justiça condenou os inocentes à morte. A votação teve o placar de 6 x 5, que é o que consta no site do Supremo Tribunal Federal.

O resultado é desastroso sob todos os aspectos. Em primeiro lugar, porque o simples fato de tal pergunta – se o Estado deve proteger os inocentes – ter sido formulada revela a mais completa confusão na qual se encontra o povo brasileiro em geral e os Ministros do Supremo em particular. É preocupantemente sintomático que as pessoas não saibam diferenciar as discussões que são válidas daquelas que são intrinsecamente nonsense. É óbvio que o Estado deve proteger os inocentes, e o óbvio não pode sequer ser discutido. Eis o primeiro passo em direção ao abismo.

Em segundo lugar: o próprio fato de tal pergunta ter sido levada a julgamento revela mais um grau da escala de sandice que acomete os brasileiros, porque, se já é preocupante a concessão de se debater a pergunta nonsense, a noção que se encontra adjacente ao julgamento é ainda mais diabólica: não só é permitido discutir o óbvio, como o Estado tem o poder de dizer e fazer o contrário do óbvio. Ora, uma coisa – que já é bastante séria – é fazer uma, digamos, discussão acadêmica sobre se é permitido ao Estado matar nordestinos; outra coisa muitíssimo mais séria é o Supremo Tribunal reunir-se para deliberar e aprovar a carnificina no Nordeste Brasileiro. Não satisfeito em conceder que a proteção à vida humana é passível de discussão, o país concedeu também que competia ao Supremo Tribunal Federal deliberar sobre a manutenção ou retirada desta proteção. O segundo passo é dado. O abismo já se abre monstruoso diante dos pés.

E, no final, a queda: o poder da deliberação absurda sobre a discussão nonsense foi concedido não a uma nobre casta de probos e ilibados baluartes das virtudes, não a uma elite intelectual e moral que fosse digna deste nome, mas a um bando de malucos, com surtos de megalomania, notoriamente preconceituosos, volúveis, irresponsáveis e levianos. É isso o que se infere dos votos dos ministros – à exceção (honrosa) dos ministros Direito e Lewandowski. Não encontrei na internet a íntegra dos discursos, mas os excertos a seguir foram tirados do “ao vivo” do G1.

“Nossa religião, aqui dentro, é o direito” – é a afirmação esdrúxula da sra. Carmen Lúcia. A “combinação do caráter laico do Estado e o princípio da liberdade individual ditam que ninguém pode interferir caso os pais desejem dar esse destino aos embriões congelados que carregam seu material genético”, é a besteira monumental defendida pelo sr. Joaquim Barbosa. O sr. Marco Mello “passou por Santo Agostinho e até pelo livro bíblico do Êxodo, no qual a morte de um feto é citada como uma ofensa menor do que um assassinato”. Já o sr. Celso de Mello “começa frisando o caráter “secular e laico” do Estado brasileiro e louvando os votos dos ministros do STF que o precederam”, e diz ainda que “a religião é uma questão de ordem estritamente privada”.

É preciso ser cego para não ver o preconceito contra a Igreja Católica, o ranço anti-clerical dessa gente; principalmente pelo fato de que não há argumentos religiosos no discurso pró-vida! Os votos dos ministros estão, portanto, enviesados por puro preconceito: já que a Igreja Católica tem uma determinada posição, eles simplesmente votam na posição contrária. E, talvez por ato falho, revelam-no claramente, quando destilam o seu ranço contra a Igreja em situações onde Ela não está presente. A obsessão pelo “Estado Laico” está de tal maneira arraigada nas cabeças dos senhores ministros que a preocupação principal é não seguir a opinião da Igreja – opinião não-religiosa, é sempre bom frisar – porque, caso ela seja seguida, será uma ingerência religiosa obscurantista nos assuntos que competem ao Estado e um retorno à Idade das Trevas medieval! Isso não está dito de modo explícito, mas está tão claramente expresso nas entrelinhas do discurso ofensivo à Igreja que é impossível passar despercebido. Não haveria necessidade de se ser anti-clerical e nem mesmo de se afirmar com tanta ênfase a “iurelatria” e a proscrição de Deus das salas do STJ, se não estivessem os votos já enviesados pelo preconceito prévio contra a Igreja e as cartas já marcadas de antemão. Nenhum ministro quer a “pecha” de ser “ligado à Igreja”, de ser “conservador”, “obscurantista”, de pertencer a esta “Instituição Retrógrada”. É vergonhoso, é ridículo, mas é verdade, infelizmente.

Esta é a primeira farsa da vitória de Satanás. Mas tem uma outra trapaça que, de tão gritante, merece ser citada: todo o arrazoado dos senhores ministros foi baseado sobre uma versão falseada do problema, segundo a qual os embriões, se não fossem utilizados em pesquisas científicas, seriam “jogados no lixo”. Como, “jogados no lixo”? E a possibilidade dos genitores os procurarem? E a possibilidade de adoção? E a possibilidade de se manterem os embriões congelados, simplesmente, enquanto não se lhes arranja um útero onde eles possam se desenvolver? É uma grosseira mentira que a única alternativa possível à experimentação científica seja o descarte. E, num ambiente de indiscutível alta erudição como o é o Supremo, como se justifica que uma burla grosseira dessas possa ter passado incólume? Quanta leviandade! O Supremo Tribunal Federal parece ser a Casa da Mãe Joana, onde cada um faz o que quer, e onde nenhuma seriedade é exigida.

E os deuses da Suprema Justiça – a brasileira, que não faz jus ao nome que leva -, onipotentes do alto do seu poder de voto, viraram as costas a Cristo e prostraram-se diante de Satanás em adoração. O sangue dos inocentes irá manchar a terra desta Terra de Santa Cruz. A maior nação católica acaba de cerrar fileiras com os inimigos da Igreja. Tenha Deus misericóridia de nós todos.

E existe, por fim, mais um aspecto diabólico, malignamente perverso, desta palhaçada toda, que precisa ser exposto, ao menos, para se tentar fazer um desagravo. Noticiou o G1:

O aposentado Pedro Freire, de 60 anos, assistiu ao julgamento ao lado do neto, João Victor Freire Xavier, de 9 anos, que tem distrofia muscular. Segundo ele, o menino sempre acompanhou pela TV os debates sobre o tema. “Ele nos cobra muito, pergunta quando o remédio vai sair”, comentou.

Nós estamos falando de uma criança doente, que está sendo covardemente usada, alimentada com falsas expectativas e vãs esperanças, manipulada pelo lobby dos que querem movimentar a opinião pública por vias sentimentalistas para a aprovação da destruição de embriões humanos. Ele tem nove anos, e já pergunta quando vão sair os remédios. Quem é que vai se preocupar em dizer ao menino, dia após dia, mês após mês, ano após ano, que ele espere a panacéia universal que vai ser descoberta “logo amanhã”?

Que a Virgem Maria, Refúgio dos Pecadores e Espelho da Justiça, possa olhar com misericórdia para este menino e para todo o povo brasileiro. E que Ela possa, com toda a corte celeste, ser em favor dos mais novos excluídos e desprotegidos do beneplácito da Nação Brasileira, aqueles que são tão pobres que têm bem menos do que a roupa do corpo, pois nem mesmo têm o corpo já formado; aqueles que nem ainda nasceram, e já são órfãos; aqueles a quem não foi dado um lar, num útero materno, onde eles pudessem crescer; aqueles que não podem alimentar-se sozinhos e que não são alimentados, e que passam fome e frio, muito frio, na solidão das câmaras criogênicas.

Igreja e Magistério

O Magistério da Igreja foi instituído por Nosso Senhor Jesus Cristo, a fim de defender e propagar a Sua Doutrina até que Ele venha: em uma palavra, a fim de que todos os homens possam chegar ao conhecimento da Verdade, de uma maneira segura e certa.

Por Sua própria natureza, a Igreja pressupõe e exige um Magistério; sem o qual, tornar-Se-ia Ela incapaz de cumprir a missão que Lhe foi confiada pelo Seu Divino Fundador e, assim sendo, perderia a Sua razão de ser. As razões que demonstram essa verdade são as mais variadas possíveis. Poderíamos citar, entre outras, a experiência histórica [o esfacelamento das seitas protestantes que, sem um princípio visível de unidade, dividem-se a cada dia e o número de “denominações” já está na casa das dezenas de milhares], a razão natural [havendo a possibilidade de dúvidas, é necessário que haja uma instância máxima capaz de dar a palavra final nas controvérsias que surgirem] e as expressas palavras de Cristo [que enviou os Apóstolos para ensinar e disse que as portas do Inferno não prevaleceriam sobre a Sua Igreja].

Em termos aristotélico-tomistas, o Magistério é essencial para a Igreja, e não acidental. Sem Magistério, a Igreja simplesmente deixaria de anunciar o Evangelho e de preservar a Sã Doutrina, deixaria de ser o farol a guiar os homens no caminho estreito que leva à Salvação, deixaria de cumprir a ordenança de Cristo de fazer discípulos d’Ele todos os povos. A Igreja pode subsistir sem os Seus templos, sem os Estados Pontifícios, sem as Suas ordens religiosas, sem os novos movimentos seculares: mas não pode existir sem o Seu Magistério. E, como Cristo prometeu explicitamente que a Igreja iria perdurar até a consumação dos séculos, segue-se disso, como decorrência lógica inescusável, que o Magistério também perdurará para sempre, sem nunca cessar de existir.

Já ouvi protestantes dizendo que, de “as portas do Inferno não prevalecerão”, deve-se entender que não prevalecerão no final. Ou seja, tudo bem a Igreja inteira ter caído em apostasia durante quase mil e quinhentos anos entre Cristo e Lutero porque, com a Reforma, Ela foi resgatada e, assim, as portas do inferno não prevaleceram em absoluto, e sim somente “por um tempo”. A tese é esdrúxula e a Igreja sempre a rechaçou. Os católicos sempre entenderam que as portas do Inferno não prevaleceriam sobre a Igreja nem mesmo “por um tempinho”. A Igreja é por demais importante para que o mundo fique privado de Sua influência salutar, ainda que seja só por um instante enquanto Deus “vai ali e já volta”.

Se a Igreja não pode deixar de existir nem mesmo durante um intervalo de tempo (por mais breve que seja), e se a existência do Magistério é essencial para que a Igreja continue existindo, segue-se que o Magistério da Igreja não pode deixar de existir jamais. É a conclusão que se impera, sem a qual retorna-se ao pecado de Adão e chama-se Cristo de mentiroso porque, não havendo Magistério, Igreja não há. “Oh, não morrereis”, disse um dia a Serpente; “oh, permanecereis católicos”, repete ela hoje, “mesmo que não haja pastores”.

A comunhão com a Igreja, que se dá pela tríplice comunhão entre o Seus filhos – de Fé, de Sacramentos e de Governo – rompe-se quando qualquer uma dessas colunas é derrubada. “Ora”, poderia argumentar um defensor da extinção dos Sagrados Pastores, “em situações de extrema necessidade, pode-se manter a comunhão com a Igreja mesmo sem observar algumas coisas que seriam de preceito em situações normais. Por exemplo, em um território de missão onde só apareça um padre a cada vinte anos, as pessoas continuam católicas mesmo que estejam impossibilitadas de freqüentarem os Sacramentos. Ou, outro exemplo, na época em que os decretos conciliares tardavam a chegar em lugares longínquos, não estavam excomungados os católicos que não os observassem enquanto deles não tomassem ciência”.

Isso é verdade. Mas o problema com os defensores da teoria da apostasia não é análogo aos exemplos citados. Ainda que não haja sacramentos num território de missão, há-os em outros lugares do mundo. Ainda que um certo grupo desconheça, p.ex., que um papa morreu e um seu sucessor foi eleito [e, portanto, p.ex., não nomeie expressamente o novo Papa na oração eucarística, como deve fazer], há um Papa. Se, todavia, o Magistério “deixou de ensinar”, ou – pior ainda – passou a ensinar heresias, ou ainda está de tal maneira restrito a meia dúzia de gatos pingados [que, para acabar de piorar tudo, apenas o deteriam de facto embora não de iure – devido à “traição” daqueles que deveriam exercer o Magistério por Direito] que só os iniciados podem ter a ele acesso, então não há Magistério. O problema com as teorias do “Estado de Necessidade” [prolongado], da Roma Modernista, da Igreja Católica e a Outra e tutti quanti é que todas elas professam [velada ou explicitamente] não uma “situação de exceção” na qual o Magistério da Igreja estivesse temporariamente inacessível aos fiéis católicos, mas sim a própria inexistência deste Magistério.

Sem Magistério não há Igreja. Ora, se a Igreja pode deixar de existir por (digamos) 40 anos, a diferença entre essa posição e a protestante é meramente quantitativa; algo, digamos, como “por quanto tempo” Deus pode abandonar a Igreja sem que se possa dizer que as portas do Inferno prevaleceram sobre Ela. Por quanto tempo a luz pode ser colocada sob o alqueire, por quanto tempo o sal pode deixar de salgar. Os que querem a “conversão” da “Roma Modernista” querem, em essência, o mesmo que queria Lutero: o ressurgimento de uma Igreja que deixou de existir e não existe mais então. Só diferem entre si nas discussões sobre o tempo do óbito.

Nós, católicos, precisamos ser radicais. Precisamos saber que a promessa de Cristo de “estar conosco todos os dias até a consumação dos Séculos” significa que Ele nunca vai abandonar a Sua Igreja, nem por um milênio, nem por alguns séculos, e nem mesmo por umas poucas décadas. Precisamos saber que a Barca de Pedro, à semelhança da Arca de Noé, é um refúgio seguro para que os homens não pereçam no dilúvio – e não uma barcaça escondida onde só uma dezena de privilegiados sabe chegar. Confiemos na promessa de Cristo que, sendo Deus, não pode enganar-Se e nem nos enganar. Portae inferi non praevalebunt. Esta é a nossa Fé, que da Igreja recebemos, e sinceramente professamos; e, nesta Fé, queremos viver e morrer.

Fé que vence a Caridade

A Esperança é uma das Virtudes Teologais, junto à Fé e à Caridade, mas parece que [entre os católicos] a Fé venceu a Caridade.

(Alexandre Garcia, no “Jornal da Manhã” da Globo de ontem, quarta-feira 28 de maio. O assunto, claro, é a utilização de embriões humanos para buscar a cura de doenças)

Todavia, para a Igreja, a caridade é a virtude teologal pela qual amamos a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a nós mesmos por amor de Deus, como reza o Compêndio do Catecismo da Igreja Católica.

Da primeira parte da definição, vemos que o primeiro aspecto da caridade é vertical, i.e., refere-se a Deus. Portanto, não tem caridade quem não ama a Deus. E Deus é a Verdade, em Quem radica-se a Ética e, por conseguinte, não ama a Deus quem desrespeita a Ética, como os que desejam sacrificar embriões humanos indefesos em pesquisas de laboratório, por melhores que sejam as suas intenções.

E, da segunda parte da definição, vemos que a caridade verdadeira, quando se dirige ao próximo, fá-lo por amor de Deus, i.e., está assentada sobre e orientada para o amor a Deus. “Amor ao próximo” que não esteja alicerçado no amor de Deus não é caridade verdadeira; no máximo, filantropia, que, ainda que possa ter o seu valor no plano natural, todavia não raro degenera em erros gravíssimos, como no caso em que se deseja sacrificar embriões humanos indefesos para [e somente talvez] ajudar pessoas doentes.

Em termos teológicos, a Fé, obviamente, não “vence” a Caridade, mas a Caridade pressupõe a Fé, não existindo aquela sem esta. A “frase de efeito” que o jornalista procurou elaborar simplesmente não faz sentido.

Donde se vê que Alexandre Teles não entende nada de Catecismo. E, se é tão grande a ignorância do jornalista em um assunto tão “bê-a-bá” quanto os rudimentos da Doutrina Católica, por que mereceriam adesão incontestável as suas opiniões sobre assuntos tão complexos quanto a utilização de embriões humanos em pesquisas científicas?