Cristo, «o Salvador de todos, sobretudo dos fiéis»

Com relação à polêmica – no meu entender desnecessária, como expliquei – envolvendo a recente declaração do Papa Francisco de que Cristo morreu na Cruz do Calvário por todas as pessoas, incluindo os ateus, gostaria de indicar dois textos que o prof. Angueth colocou em seu blog desde a última vez que o mencionei aqui.

O primeiro é uma resposta ao meu texto anterior. Aqui há pouco a se discordar. Vale uma leitura, quando menos pela formulação elegante que o professor fez da tensão entre vontade salvífica de Deus e capacidade humana de rejeitá-Lo, que diz tudo o que eu gostaria de ter dito de um modo muito mais claro e conciso: «Evangelizar é acreditar no “pro omnibus”, mas apenas no sentido de aumentar o número dos “pro multis”». Lapidar.

Sobre o modo como o professor interpreta a referida homilia papal, alegando que ela causa confusão, sou partidário da idéia de que esta confusão é toda ou quase toda causada não pela homilia em si, mas pela repercussão que se faz dela e (principalmente) pela forma como se lhe repercute. Penso que é injusto exigir do Papa (ou mesmo de qualquer pessoa na face da terra!) que se expresse sempre de modo a não permitir aos seus inimigos a manipulação ideológica de suas palavras. E, portanto, penso que a causa católica mais precisa de quem desfaça as confusões do que de quem lhes engrosse o coro dos alardeadores.

O segundo texto é da autoria do pe. Anderson Alves, que os leitores do Deus lo Vult! certamente já conhecem. Traz excertos interessantes do Denzinger sobre o assunto que merecem ser conhecidos, dos quais traduzo só o primeiro:

(Concílio de Arles, 475. Denzinger 160b): «Confieso también que Cristo Dios y Salvador, por lo que toca a las riquezas de su bondad, ofreció por todos el precio de su muerte y no quiere que nadie se pierda, El, que es salvador de todos, sobre todo de los fieles, rico para con todos los que le invocan [Rom. 10, 12]…»

[(Concílio de Arles, 475. Denzinger 160b): «E confesso também que Cristo, Deus e Salvador, em razão das riquezas de Sua bondade, ofereceu por todos o preço de Sua morte e não quer que ninguém se perca. Ele, que é o Salvador de todos, sobretudo dos fiéis, rico para com todos os que O invocam [Rm 10, 12]…»]

Ora, então Cristo é Salvador «sobretudo dos fiéis»? Por que o «sobretudo»? Então é Ele também o Salvador dos infiéis?

Sim e não. Sim, se com isso entendemos que Ele padeceu e morreu também pelos que se perdem; e não, se interpretarmos que mesmo os infiéis se salvam pelo fato de terem um Salvador. A primeira interpretação é o ensino de sempre da Igreja; a segunda, uma heresia tresloucada. Eis aí um excelente exemplo de como é necessário que a Doutrina Católica seja interpretada organicamente. E isto, note-se, num Concílio Local, não numa homilia de cinco minutos improvisada.

Em resumo, não há elementos para sustentar que o Papa Francisco tenha uma visão heterodoxa da Doutrina Católica. Mesmo as acusações de imprudência e de propiciar a confusão por conta de imprecisões terminológicas carecem de razoabilidade. O mundo está contra o Papa, e isso se manifesta inclusive quando o louva e bajula por conta de coisas que ele não disse, não fez e não é. Coloquemo-nos ao lado dele. Rezemos por ele. Estejamos unidos a ele, para que estejamos unidos a Cristo.

Pecado e «opção fundamental» por Deus

Manhã de domingo. E lá estava eu, assistindo a uma determinada aula de Crisma. O tema era “pecado”. Até então, a palestra estava demasiadamente fluida, desencarnada, com um monte de abstrações acadêmicas pairando muito acima do mundo dos fatos onde se desenrola o drama da vida humana, totalmente anódina para qualquer pessoa que a pretendesse empregar com o objetivo concreto de, fugindo do pecado, levar uma vida mais santa. Do que era mesmo que precisávamos fugir? No meio daqueles circunlóquios, era muito difícil de saber.

Lá pelas tantas, o palestrante fala sobre o Juízo Final. Sentencia: no dia do Juízo, diz, Deus não nos vai julgar fazendo uma conta de mercearia, colocando os atos bons de um lado da balança e os maus do outro, para ver qual o que pesa mais. O que vai determinar a nossa sorte eterna vai ser a «opção fundamental» que tenhamos feito em nossa vida. Lá no fundo da mente, acende-se-me uma luzinha vermelha: eu já ouvira isso antes. Acompanho o raciocínio do professor com atenção. Ele fala, fala, fala: ao fim, pode-se interpretar qualquer coisa. Não fico satisfeito. Levanto a mão:

– Professor, então resumindo: existe o estado de Graça, a Graça Santificante, que é a vida de Deus em nós, que obtemos por meio do Batismo, perdemos com o pecado mortal e recuperamos em seguida por meio do Sacramento da Confissão. Se morremos em estado de Graça vamos para o Céu e, se não, vamos para o Inferno. Não é isso?

Ele parece se ofender com a pergunta; diz que não vai responder, porque na faculdade onde ensina é necessário um semestre inteiro para chegar a uma resposta satisfatória sobre isso. Diz que não vai cair nessa pergunta “casca-de-banana” (!) para que depois precise se contradizer. Dou de ombros. Até o final da aula, não pergunto mais nada. Não tenho sequer fôlego para pontuar que “pecado mortal” é aquele que se comete consciente e deliberadamente em matéria grave, e que esta é grosso modo aquilo que está consignado nos Dez Mandamentos. Depois faço a minha parte e explico isso para os meninos. Por enquanto, o palestrante não parece muito aberto ao diálogo.

Mais tarde, em casa, vou procurar onde foi que eu já ouvira essa história de «opção fundamental». Encontro: foi na Veritatis Splendor do Beato João Paulo II. Números 65 e seguintes. Remeto os meus leitores à leitura da íntegra, mas cito aqui somente a seguinte importante síntese:

«[H]á-de evitar-se reduzir o pecado mortal a um acto de “opção fundamental” — como hoje em dia se costuma dizer — contra Deus», entendendo com isso quer um desprezo explícito e formal de Deus e do próximo, quer uma recusa implícita e não reflexa do amor. «Dá-se, efectivamente, o pecado mortal também quando o homem, sabendo e querendo, por qualquer motivo escolhe alguma coisa gravemente desordenada. Com efeito, numa escolha assim já está incluído um desprezo do preceito divino, uma rejeição do amor de Deus para com a humanidade e para com toda a criação: o homem afasta-se de Deus e perde a caridade. A orientação fundamental pode, pois, ser radicalmente modificada por actos particulares. (…)»

Em resumo, se por “opção fundamental” nós entendemos uma certa disposição interior do indivíduo humano que precede aos atos concretos e não necessariamente se modifica à força deles (p.ex., se dizemos que fulano fundamentalmente “ama a Deus” ainda que eventualmente traia a sua esposa, desde que com estes seus adultérios não queira rejeitar explicitamente a Deus), então isso não se pode conciliar com a moral católica. Para esta, o pecado mortal pode ser obtido até por um único ato consciente e deliberado cometido contra a lei de Deus em matéria grave, e este único ato é suficiente para arrastar à danação eterna quem dele não se arrependa.

E vice-versa. Ilustremos quanto foi dito com um casuísmo, tão repulsivo ao nosso palestrante matutino mas ao mesmo tempo tão útil para sedimentar conceitos importantes. Pensemos em São Dimas, o Bom Ladrão. Levou uma vida inteira de crimes e injustiças. No último instante, dependurado na cruz, olha para Nosso Senhor e Lhe pede misericórdia. Ganha o Céu.

Ora, qual fora a sua “opção fundamental” até ser levantado no patíbulo da Cruz? O pecado e a iniqüidade. No instante em que se volta para o Filho de Deus, qual a “opção fundamental” dele? Cristo Jesus. De onde se vê como um único ato é capaz de mudar radicalmente o destino humano. Um homem que optara por ser um criminoso a vida inteira, no instante derradeiro se arrepende e ganha o Paraíso.

E se o homem tem a capacidade de alterar assim tão formidavelmente a sua «opção fundamental» através de um único ato para o bem, também pode fazê-lo para o mal. Assim como há um Bom Ladrão que, sendo ladrão a vida inteira, no instante derradeiro amou a Deus e se salvou, também pode haver um “Mau Cristão” que, sendo verdadeiramente homem justo a vida inteira, ao último suspiro rejeite a Deus e seja condenado. Que ninguém, portanto, se fie presunçosamente na sua opção por Deus do passado e nem se desespere da vida de crimes que porventura tenha levado até então: a cada instante o homem pode decidir-se pelo Céu ou pelo Inferno. Eis os assombrosos prodígios de que é capaz a liberdade humana!

A única «opção fundamental» que nos conta é aquela que fazemos neste exato instante. É aquela que se confunde com a decisão por amar a Deus ou por desprezá-Lo que tomamos em cada ato concreto de nossas vidas. É, em suma, exatamente o que diz a Igreja quando nos exorta a permanecermos na Graça de Deus, evitando o pecado mortal (porque com um único pecado mortal nós perdemos o estado de Graça e nos tornamos merecedores do Inferno) e recorrendo aos Sacramentos (mormente o da Confissão) para que a Morte nos encontre na amizade com Deus. É isso o que se precisa ensinar nas nossas catequeses. Elucubrações teológicas refinadas podem até ser úteis em certas circunstâncias, mas somente se forem feitas sobre uma base catequética extremamente sólida. Sem esta, elas se tornam daninhas e perniciosas. Sem o bê-a-bá do Catecismo, podem acabar fazendo um terrível mal às almas.

Aquela entrega foi a nossa salvação

Ela está sempre conosco. Por mais que às vezes não consigamos perceber a Sua solicitude maternal; por mais que, no meio das atribulações do quotidiano, não tenhamos tempo para lançar-Lhe um olhar de agradecimento e de ternura; por mais que nos seja tão difícil vislumbrá-La por detrás das ave-marias que repetimos mecânica e apressadamente; ainda assim, Ela está sempre conosco. Ela nunca nos abandona.

Nunca nos abandona; pois se não abandonou o Seu Filho Unigênito na Cruz, por qual motivo haveria de abandonar a nós, que padecemos tribulações tão amenas perto d’Aquela terrível que Ela viu Seu Divino Filho sofrer? No Gólgota todos fugiram; e, se lá Ela não fugiu, então não haverá de fugir jamais. Não haverá de nos abandonar, a nós que d’Ela somos tão necessitados. A nós, que Lhe fomos entregues por filhos pelo Seu Filho!

E aquela entrega foi a nossa salvação. Se nós às vezes nos esquecemos de que Cristo no-La deu por Mãe, Ela de Sua parte jamais Se esquece de que Ele Lhe nos deu por filhos. Podemos por vezes esquecer que temos uma Mãe; de que nos tem por filhos, ao contrário, Ela jamais Se esquece. Jamais nos abandona e jamais cessa de velar por nós com zelo maternal; jamais nos deixa de agraciar com mimos e cuidados, a cada dia, a cada instante.

A cada instante, sim, porque a cada instante recebemos incontáveis graças de Deus, ainda que nossa natural ingratidão nos impeça de o perceber. E todas as graças que recebemos d’Ele, vêm-nos através das mãos d’Ela; vêm-nos porque Ela nos ama e nos quer levar para junto do Seu Filho, a fim de reunir na Eternidade toda a Sua família – a enorme Família dos Filhos de Deus que nasceu da Cruz do Calvário. Quando fomos entregues a Ela; quando Lhe fomos consagrados pelo próprio Cristo. E, daquele dia em diante, Ela tem Se preocupado em nos levar a Deus. Em nos conduzir aos Céus. Ela jamais desiste de nós.

Ainda quando não o queremos! De todos os títulos com os quais Ela é ornada, um dos mais comoventes é o de Refugium Peccatorum, o  Refúgio dos Pecadores. Porque o pecado, bem o sabemos, nos afasta de Deus; mas é como se, de certo modo, não nos afastasse d’Ela, é como se não fosse capaz de fazê-La desistir de nós. Quando nós voltamos as costas para Deus, ainda assim A encontramos à nossa frente: como se Ela Se colocasse de modo a não nos deixar afastarmo-nos o bastante. E olhando para o rosto d’Ela nós encontramos a paz. Mesmo pecadores, não temos mais vontade de fugir.

Ela não nos deixa fugir; quando estamos longe de Deus, Ela vem nos visitar. E Ela, mais uma vez, à semelhança do que fez em Judá, traz-nos a Salvação. E não podemos senão repetir maravilhados: «donde me vem a dita de vir a mim a Mãe do meu Senhor?». E podemos sempre repeti-lo, porque Ela sempre nos vem. Porque somos filhos d’Ela, a Ela entregues pelo próprio Senhor: eis a nossa salvação! Somos filhos d’Ela e, embora nem sempre nos portemos como Seus filhos, Ela não deixa jamais de agir para nós como Mãe.

O show da JMJ!

Eu não nego a boa vontade dos garotos que fizeram o “Show da JMJ”. Não obstante, é preciso negar – e com veemência – que se possa fazer uma desgraça dessas sob a justificativa de “evangelizar”. Evangelizar a quem, cara-pálida? Isso não é a JMJ. Isso é um desserviço que alguns jovens do Rio de Janeiro – repito, certamente com a melhor das boas intenções – estão prestando à Jornada e à Igreja.

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Eu nunca tinha ouvido falar em “Anitta” (sim, com dois ‘t’s mesmo) e não conhecia o clipe oficial do “Show das Poderosas” – aliás, nem mesmo a música eu conhecia. Infelizmente, agora eu conheço as duas coisas: o funk original e a sua versão “católica” feita pelos meninos do Rio de Janeiro.

É claro que sou a favor de músicas, mesmo profanas, em eventos para a juventude. No entanto, é preciso ter critérios. Não nego o valor das paródias. O que afirmo é a importância de ser seletivo na escolha daquilo que vamos parodiar. Afinal de contas, deve-se imitar aquilo que é bom, e não qualquer porcaria. Por qual razão deveríamos pegar o esgoto da música contemporânea e fazer-lhe uma versão piorada para supostamente servir à causa católica? Sim, porque é exatamente disso que se trata.

O tal “Show das Poderosas” é um lixo de música chiclete que exige doses cavalares de «Desescute» para desintoxicar o pobre incauto em cujos ouvidos ela consiga penetrar. O “Show da JMJ” é a mesma coisa, só que com menos métrica e rimas piores. A música remete o tempo inteiro ao funk original, do qual ela é somente uma cópia mal feita. Fica a pergunta: qual o propósito disso?

“[A]trair o público”? Mas não está óbvio que os não-católicos «que descem e rebolam» no funk original vão simplesmente torcer o nariz para esta paródia patética, e que os católicos que porventura embarquem na onda não deveriam ser incentivados – nem por similaridade! – a gostar da depravação que vemos no clip da Anitta? Se a música não atrai os de fora e ainda corrompe os de dentro, por que raios há católicos gastando tempo e dinheiro para produzi-la e divulgá-la?

Papa Francisco e os ateus, filhos de Deus

A motivação deste post me vem de duas fontes distintas. Uma diz que o Papa “confundiu” pro multis e pro omnibus; a outra, que o Papa afirmou a heresia da salvação universal. Aos que tenham se sentido confusos com estes artigos (ou outros análogos), oferecemos este contraponto, esperando que possa ser útil.

Quanto ao primeiro texto, a resposta é imediata: uma coisa é a redenção objetiva e, outra, a redenção subjetiva. Aquela diz que o Santíssimo Sangue de Nosso Senhor derramado na Cruz do Calvário é suficiente para a salvação de todos os homens; esta, que – não obstante – os méritos de Cristo são eficazes apenas para os que aceitam voluntariamente o Sacrifício Vicário de Cristo, por meio da Fé e dos Sacramentos. A primeira é o pro omnibus e, a segunda, o pro multis. Afirmar a precisão histórica desta no contexto das palavras da Consagração que Cristo ensinou aos Seus apóstolos na Última Ceia não é (nem de longe!) a mesma coisa que sustentar ser aquela herética em qualquer contexto em que seja empregada. Aliás, é o próprio Bento XVI quem o afirma, em carta enviada há pouco mais de um ano à Conferência Episcopal Alemã (grifos meus):

Isto põe em evidência um elemento muito importante: a tradução «por todos» de «pro multis» não era, de facto, simples tradução, mas uma interpretação. Esta tinha seguramente fundamento, e continua a tê-lo; contudo é mais do que uma tradução, é já interpretação.

[…]

Porventura o Senhor não morreu por todos? O facto de Jesus Cristo, enquanto Filho de Deus feito homem, ser o homem para todos os homens, ser o novo Adão faz parte das certezas fundamentais da nossa fé. Sobre este ponto, queria apenas recordar três textos da Escritura. Deus entregou seu Filho «por todos»: afirma Paulo na Carta aos Romanos (Rm 8, 32). «Um só morreu por todos»: diz-se na Segunda Carta aos Coríntios, ao falar da morte de Jesus (2 Cor 5, 14). Jesus «entregou-Se a Si mesmo como resgate por todos»: está escrito na Primeira Carta a Timóteo (1 Tm 2, 6). Mas então devemos, ainda com maior razão, pôr-nos a questão: Se isto é assim claro, porque é que na Anáfora Eucarística está escrito «por muitos»? O motivo é que a Igreja tomou esta formulação das narrações da Instituição no Novo Testamento. Ela diz assim por respeito à palavra de Jesus, para se Lhe manter fiel até mesmo nas palavras. O respeito reverencial pela própria palavra de Jesus é a razão de ser da formulação da Anáfora Eucarística.

Portanto, não há absolutamente nenhum problema em afirmar que Cristo morreu «por todos» nós. Aliás, o próprio texto da Montfort indicado no Blog do Angueth explica a diferença entre redenção objetiva e redenção subjetiva, donde se vê que a estranheza do professor manifestada em seu artigo, data venia, é incompreensível.

Quanto ao segundo texto, digo o seguinte:

Primeiro, que não há problema algum em afirmar que Nosso Senhor “ampliou os horizontes” dos discípulos. É aliás óbvio que Ele fez isso, posto que a alternativa é pretender que os Apóstolos sempre souberam tudo e Nosso Senhor nada teve a lhes ensinar! Claro que Cristo corrigiu muitas das idéias erradas dos discípulos e mesmo dos Apóstolos, os Evangelhos estão cheios de exemplos disso. Absurdo (e aliás herético) seria afirmar que Nosso Senhor incutiu idéias erradas nos Apóstolos, e não que Ele corrigiu os pensamentos errados que os Apóstolos tinham.

Segundo, que os católicos jamais mataram em nome de Deus, pelo menos não nos eventos históricos que costumam ser evocados como exemplo disso (v.g. Inquisição e Cruzadas). Aliás, parece-me claro que o Papa não está pensando na história da Igreja ao fazer esta crítica, porque ele vai mais fundo e diz que isso «é simplesmente uma blasfêmia». Ora, como o Antigo Testamento está repleto das guerras de Israel e das prescrições divinas para a morte dos corruptores da religião judaica, é claro que o Papa Francisco não pode estar chamando de «matar em nome de Deus» coisas como a Guerra Justa ou a pena de morte legitimamente aplicada aos falsificadores da Religião Verdadeira. A alternativa – outra vez absurda – é sustentar que o Papa estaria dizendo que o Antigo Testamento é «simplesmente uma blasfêmia», e a hipótese de que o líder máximo da Igreja Católica possa ter em tão repugnante conta [mais da] metade do livro sagrado da sua religião simplesmente não faz sentido para ninguém que pretenda manter intacto seu senso de realidade.

Ao invés, existe uma certa religião que – aí sim – é conhecida por “matar em nome de Deus”: trata-se do Islã, cuja Jihad faz até hoje tantas vítimas entre aqueles que não aceitam prostrar-se diante de Allah e seu profeta, e portanto é muito mais razoável supôr que foi a esta que o Papa Francisco dirigiu as suas imprecações. Considerando isso, e dado que hoje em dia não existe nenhum indivíduo ou grupo católico que pretenda (mesmo em teoria!) matar não-católicos em nome de Deus (*), a hipótese de que o Papa esteja se referindo a um comportamento inexistente nos dias de hoje unicamente para desmoralizar a Igreja Católica (!) carece de verossimilhança.

[(*) O IRA, que é o exemplo que poderia ser citado para negar a minha afirmação, não se encaixa aqui pois i) não conta com o apoio da Igreja; ii) usa o elemento religioso – isso quando o usa… – unicamente como pretexto para disfarçar conflitos políticos; e iii) não faz parte do contexto próximo ou remoto da homilia pontifícia. No entanto, mesmo admitindo que o Papa pudesse estar pensando no Exército Republicano Irlandês quando condenou o «matar em nome de Deus», ainda assim as suas colocações seriam legítimas e pertinentes e a) nem autorizariam “retroagir” sua condenação para abarcar também eventos católicos do passado e b) nem deixariam de valer como crítica às outras religiões que ainda hoje fazem guerra «em nome de Deus».]

Terceiro, que Deus morreu por todos os homens sim, como foi explicado acima, e que o Sangue d’Ele é suficiente para redimir o mundo inteiro sim, embora isso naturalmente não signifique que todas as pessoas vão inexoravelmente se salvar sem fazer nada para isso.

Quarto, que a filiação de Deus é dupla: por um lado recebemos a filiação divina pelo Batismo sim e não sem ele, mas por outro todos os seres humanos – mesmo os ateus – somos filhos de Deus por conta da nossa inteligência e nossa vontade, que são a imagem de Deus em nós. Assim nos ensina São Pio X no Terceiro Catecismo da Doutrina Cristã (negritos meus):

285) Por que podemos nós dizer que somos filhos de Deus?

Somos filhos de Deus:

1º porque Ele nos criou à sua imagem e nos conserva e governa com a sua providência;
2º porque, por especial benevolência, Ele nos adotou no Batismo como irmãos de Jesus Cristo e co-herdeiros, juntamente com Ele, da eterna glória.

Portanto, mesmo os ateus são filhos de Deus, porque Ele os criou à Sua imagem e os conserva e governa com Sua providência. Destarte, o Papa não disse nenhuma novidade – apenas repetiu um ensinamento tradicional da Igreja – quando lembrou que, em certo sentido, mesmo os que não crêem são filhos de Deus.

Por fim, quinto, que é verdadeiramente espantoso não se ter percebido o mais importante desta homilia, que é o seguinte: quando o Papa diz que «todos nós temos o dever de fazer o bem» e que isso «não é uma questão de fé, mas um dever», ele está lançando um duro ataque contra a ditadura do relativismo e explicando que não é porque fulano ou sicrano crê ou deixa de acreditar que ele pode se considerar eximido de seguir os ditames morais que valem para todos! Ora, num mundo em que os hipócritas clamam o direito de casar homem com homem porque não são católicos e em que dizem à Igreja para que Ela não imponha a Sua proibição ao aborto àqueles que não comungam da Fé Católica, afirmar que até os ateus têm o dever moral de fazer o bem é um duro golpe no ateísmo mesmo e o sepultamento definitivo do relativismo moral que grassa nos dias de hoje.

Este ensinamento não é só verdadeiro: é tremendamente oportuno. Se não percebem isso aqueles que por um lado louvam o Papa por ter alegadamente aberto o Céu aos ateus e por outro aqueles que o criticam por supostamente ter negado a Igreja fundada por Cristo, é porque estão mais preocupados com os seus pré-julgamentos do que com a compreensão serena e desapaixonada daquilo que o Vigário de Cristo tem para nos dizer.

Uma reação é esboçada

No último dia 22 de maio, o Instituto Plinio Corrêa de Oliveira protocolou, junto à Presidência do Senado, dois blocos de assinaturas contra o PLC 122/2006 e contra o projeto de Reforma do Código Penal. O primeiro deles continha mais de três milhões de assinaturas.

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No último domingo, 26 de maio, multidões de franceses foram mais uma vez às ruas de Paris para protestar contra o casamento gay que a França aprovou no último abril. Eram mais de um milhão.

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No Jus Navigandi, conhecido portal brasileiro de Direito, o texto de um procurador do Banco Central em Minas Gerais conclama os cartórios a não obedecerem à recente decisão do CNJ que os pretende obrigar a registrarem “casamentos gays”: «A norma emanada da Resolução n.º 175 do CNJ é ato inexistente. Tanto quanto a união civil e o casamento entre pessoas do mesmo sexo, não encontra suporte no ordenamento jurídico brasileiro, no estado de direito, na soberania popular, na separação de poderes, na laicidade do Estado e no art. 226, § 3.º, da Constituição. Não vale a tinta com que foi escrita. É uma ficção e não merece cumprimento».

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A iniqüidade avançou demais e se tornou insuportável: uma reação é esboçada! Que ela cresça e se torne verdadeira oposição à barbárie que nos ameaça. Que estimule os bons a romperem a cortina de silêncio em que viviam. Que se levante em defesa da moral, dos bons costumes, da justiça, da civilização enfimQue ela possa contagiar os que julgavam estar sozinhos.

Nec rubricat, nec cantat

A frase acima é um antigo adágio latino aplicado aos jesuítas: diz-se que eles nem se preocupam com as rubricas litúrgicas [nec rubricant] e nem cantam [nec cantant]. Não sei qual a origem do ditado, mas ele parece se aplicar muito bem ao Papa Francisco.

Que ele não era um grande liturgista foi uma das primeiras coisas que eu falei aqui no blog, logo após a sua eleição: «Acho pouco provável que voltemos aos piores pesadelos litúrgicos da época de João Paulo II, mas infelizmente penso que tampouco iremos nos embevecer com a sacralidade do ethos de Bento XVI». Hoje o Rorate Caeli pôs uma pequena nota sobre a Missa Pontifícia do último domingo: pela primeira vez, o Papa Francisco distribuiu a Comunhão sem o genuflexório que Bento XVI introduzira nas liturgias papais. No último domingo, portanto, as pessoas que receberam a Eucaristia das mãos do Romano Pontífice, fizeram-no de pé e não de joelhos. E sem a patena, o blog faz questão de frisar.

É certo que se trata de uma notícia profundamente triste, uma vez que a nossa opinião particular é a de que existe uma estreita correlação entre sacralidade litúrgica e ortodoxia; e isso de tal modo que, no meio da terrível crise de Fé que a Igreja atravessa nos dias de hoje, o exemplo é uma das formas mais eficazes e seguras de transmitir os conteúdos da Fé da Igreja. Mas não nos esqueçamos de que o Papa Francisco não está fazendo nada de inesperado ou revolucionário. Não é inesperado, porque – como dissemos antes – os detalhes litúrgicos não nos parecem fazer parte das preocupações mais próximas do Sumo Pontífice. E não é revolucionário porque a rigor é lícito receber a comunhão de joelhos ou de pé, como dizem os documentos vigentes sobre o assunto.

Do fato da comunhão de joelhos expressar mais perfeitamente a Fé Católica na Eucaristia, não segue que recebê-La de pé equivalha a cair em heresia: mesmo quando as regras para a distribuição da comunhão eram mais rígidas, sempre se permitiu que comungassem de pé as pessoas que, por questões de saúde, não podiam se ajoelhar. Ainda, do fato da comunhão de joelhos ser o modo mais perfeito de receber a Nosso Senhor Sacramentado, não segue que um sacerdote não possa distribuir a Eucaristia para comungantes de pé, se julgar prudente em determinadas circunstâncias concretas (*). Por fim, do fato do Papa Francisco ter distribuído a comunhão para comungantes de pé na missa que celebrou na paróquia de Santi Elisabetta e Zaccaria, não segue que este deva ser doravante o modo ordinário de distribuição da Eucaristia. Nem nas liturgias papais, e nem muito menos nas missas celebradas mundo afora.

[(*) É fato que a Primeira Comunhão trata-se exatamente de uma ocasião que, por sua própria natureza, justificaria – quase exigiria até – uma maior solenidade na administração do Santíssimo Sacramento, sendo portanto o mais natural distribuí-Lo com o genuflexório… mas é dever de caridade pensar que o Santo Padre não fez considerações de caráter ideológico quando distribuiu a Eucaristia para crianças de pé no último Domingo. Nada nos autoriza a julgar mal as intenções do Romano Pontífice.]

Enfim… Nec rubricat. Já o sabíamos. Até o próprio pe. Lombardi já havia aludido ao adágio. Mas e quanto ao “nec cantat”? O significado mais literal nos diz que ele simplesmente não canta, o que em linhas gerais é verdade. Mas gosto de pensar em um sentido mais metafórico para a expressão: o Papa Francisco não canta, quer dizer, ele não [se preocupa em] agrada[r]. Ele não busca aplausos, não está em Roma para fazer espetáculos recreativos, e sim para anunciar a Religião do Crucificado com todas as exigências que ela acarreta. Não faz concessões, por mínimas que seja. Não tem palavras bonitinhas para o mundo moderno, mas somente duras admoestações. Já citamos aqui alguns exemplos disso, mas eles se multiplicam a cada dia. Trago mais dois.

Na semana passada, falando sobre o dia de oração pelos católicos chineses, o Papa não fez lamentações genéricas sobre as perseguições sofridas pela Igreja na China e nem se limitou a admoestar os poderes públicos para que respeitassem os direitos humanos, a liberdade religiosa e coisas do tipo. Muito pelo contrário, pediu que os católicos do mundo inteiro rezassem por estas intenções para a China: «para implorar de Deus a graça de anunciar com humildade e com alegria Cristo morto e ressuscitado, de ser fiel à sua Igreja e ao Sucessor de Pedro, e de viver a cotidianidade no serviço a seu país e aos seus compatriotas de modo coerente com a fé que professam». Fidelidade à Igreja de Roma e testemunho público da Fé Católica a despeito do ateísmo estatal: eis o que o Vigário de Cristo acha importante pedir para a China!

Já ontem, fustigando impiedosamente a mentalidade moderna – presente e atuante mesmo entre muitos ditos católicos! – a respeito do casamento, o Papa Francisco afirmou: «Quantos casais se casam e pensam em seu coração, sem ousar dizer: ‘enquanto houver amor e, então, veremos depois'[?]»; e ainda, colocando-se ironicamente “no lugar de um pai católico de hoje”: «Não, eu não quero mais um filho [p.s.: a melhor tradução é “não, não, mais de um filho não!”, como se depreende do original italiano «No, no, più di un figlio, no!» disponível no site do Vaticano], porque não poderemos viajar de férias, não poderemos ir a tal lugar, não poderemos comprar uma casa! (…) Nós queremos seguir o Senhor, mas até certo ponto». A contundência da mensagem foi tamanha que mesmo a mídia secular (pela primeira vez de que eu me recorde) se viu obrigada a compará-lo com Bento XVI não para antagonizá-los, mas para demonstrar a harmônica continuidade entre o Papa reinante e seu predecessor: «[o Papa] Francisco retomou fielmente, mas em termos concretos que podem estar na mente das pessoas, temas que seu antecessor Bento XVI expunha em termos abstratos: casamento concebido como temporário, medo de compromisso, preguiça e recusa de abandonar seu conforto pessoal».

Nec cantat! O Papa não busca a aprovação do mundo moderno, graças a Deus. Não mede esforços por fazer a mensagem cristã conhecida, ainda que isso vá ferir susceptibilidades contemporâneas. A sua pregação não é melosa ou condescendente, muito pelo contrário: as suas palavras são duras! Como as do Cristo de quem ele é vigário [cf. Jo VI, 60]. Mas, para os que somos católicos, elas são uma doce e agradável melodia. O Papa não canta, mas as suas homilias soem ser como música para os nossos ouvidos.

Sobre projetos pró-vida no Congresso Nacional

Projeto que inclui “desde a concepção” na Constituição Federal ganha relator, no Blog da Vida. «No dia 14 desse mês o deputado Alberto Filho (PMDB-MA) foi indicado pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara dos Deputados como relator da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 164/2012, projeto que pretende incluir na Constituição Federal as palavras “desde a concepção” no artigo 5º, quando há menção à inviolabilidade da vida humana».

A notícia é muito boa, pois se trata de um dos mais simples e incontroversos projetos pró-vida atualmente em trâmite no Congresso. Importa trabalhar por sua aprovação, que será muito positiva para a causa em defesa da vida no Brasil.

Já o Estatuto do Nascituro, como sabemos, não é tão incontroverso assim. Exatamente por isso é importante pontuar com bastante cuidado o quê ele significa e a quê exatamente ele se propõe, para que não fiquemos paralisados no meio do fogo cruzado. Neste sentido, é oportuna a leitura deste texto do Dr. Leonardo Lima Nunes, Procurador Federal. Destaco:

Os defensores do aborto contam justamente com a sua desinformação e comodismo. Vendem-lhe uma realidade distorcida para que, com medo, você apoie a barbárie. Informe-se e verá que defender a dignidade humana e o direito das crianças nascerem (já previsto no art. 7° do ECA), ampliando as políticas públicas de apoio à gestação, nunca irá torna-la menos livre ou ameaçar a sua vida ou dignidade.

Propositalmente, o texto incorre naquilo que o pe. Lodi está chamando de «propaganda do gol contra». Eu entendo as ressalvas do sacerdote, mas imagino que o Dr. Leonardo esteja encarando os fatos de um ângulo diferente: importa desmentir a boataria de internet que diz que o Estatuto do Nascituro vai modificar o Código Penal. Não vai, e talvez a melhor forma de deixar isso claro seja mesmo enfiar um «ressalvados (sic) o disposto no Art. 128 do Código Penal Brasileiro» no meio do projeto. A esta altura do campeonato, quem poderá demonstrar o contrário?

Todos sabemos que não existe aborto legal no Brasil, e todos também sabemos que, não obstante, há um morticínio generalizado de crianças – inclusive com recursos públicos! – sob o manto hipócrita de uma “legalidade” que não se sustenta juridicamente. É uma lástima, mas esta é a situação na qual nós já nos encontramos. Não é praticável fazer guerra contra isso o tempo todo, e nem muito menos condicionar a legitimidade moral de um projeto de lei à clareza com a qual ele expresse a justa interpretação do Art. 128 do CP.

Sobre o novo ministro do STF: o fundo do poço

A presidente Dilma indicou para o Supremo Tribunal Federal (na vaga de Ayres Britto) o Dr. Luís Roberto Barroso, 55 anos, famoso advogado constitucionalista. Com esta nomeação, o aparelhamento ideológico da Suprema Corte chega ao seu ápice ou, melhor dizendo, ao mais abjeto fundo do poço. A biografia de Barreto inclui feitos notáveis como «[ser] responsável pela defesa, no Supremo Tribunal Federal, de causas como a legitimidade das pesquisas com células-tronco embrionárias, equiparação das uniões homoafetivas às uniões estáveis convencionais, legitimidade da proibição do nepotismo, legitimidade da interrupção da gestação de fetos anencéfalos» (Folha). Atente-se para o nível dos militantes que estão sendo descaradamente colocados nos mais altos postos do governo do Brasil para lá ficarem a vida inteira, sem prestar satisfações a ninguém, e imagine-se o que nos espera daqui em diante.

Sobre este curriculum, a propósito, é oportuno lembrar este texto do prof. Felipe Hermes Nery, que faz «parte do relatório apresentado ao então Ministro do Supremo Tribunal Federal, Carlos Ayres Brito, antes da votação da ADIn 3510 [cuja rejeição pelo STF autorizou, há cinco anos, a destruição de embriões humanos em pesquisas científicas]», para entender o processo revolucionário que vem sendo aplicado no Brasil há anos e que, agora, com o mais novo integrante do STF, ganha um poderoso reforço.

Barroso é muito bem conhecido no meio acadêmico: é provável que seja o maior expoente brasileiro do neoconstitucionalismo, o arcabouço teórico por trás de todas as bizarrices jurídicas que foram feitas no Brasil nos últimos anos. Trata-se de revolucionário, sem dúvidas, mas revolucionário inteligentíssimo e com prestígio: é desolador apenas imaginar o estrago que um sujeito desses pode fazer no STF. A plantação do joio foi muito bem feita: mesmo na hipótese do Partido deixar hoje a presidência do país, bastar-lhe-ia sentar e esperar a colheita maldita que inexoravelmente viria. E quanto tempo levará para que depois as coisas sejam colocadas em ordem novamente? É impossível dizer.

Na verdade, esta indicação só diminui ainda mais o prestígio de uma instituição prostituída que, de Guardiã da Lei, passou a ser ponta de lança da Revolução. Eis, sem muitas firulas, a situação diante da qual nos encontramos.

O que acontece agora? Teoricamente, o Senado pode rejeitar a indicação, mas não é nada provável que isso aconteça (aliás, eu nem saberia dizer se isso já aconteceu alguma vez na vida). Na impossibilidade prática de vetar os desmandos da presidente, que indica ministros ao Supremo como se estivesse formando seu próprio exército de delinqüentes para perpetuar no mundo as suas idéias de jerico, seria desejável que ao menos a tradicional sabatina contivesse perguntas relevantes, capazes de mostrar ao Brasil quem é Luís Roberto Barroso. Coisas como as suas posições sobre ativismo judicial, separação entre os Poderes, releituras da Constituição, por exemplo, não deveriam ficar de fora. Ao menos para constar. Ao menos para que não se diga, depois, que fomos pegos de surpresa.

Guerra ideológica e grupos de risco

Na esteira da recente decisão do Conselho Nacional de Justiça de obrigar os cartórios de todo o Brasil a realizarem casamentos gays, há duas notícias que merecem ser melhor divulgadas.

A primeira delas é esta do IPCO, que faz uma sóbria leitura do que está acontecendo no país a respeito desta onda de concessão de falsos direitos (cada vez mais exagerados) ao vício contra a natureza. Ainda, apresenta uma iniciativa (foi a primeira vez que eu a vi) que tem potencial para se tornar interessantíssima: uma página para “contato com a imprensa”, contendo os endereços de email de diversos veículos de comunicação a nível nacional e estadual, bem como um breve texto sobre «Como aumentar o efeito de sua carta à imprensa» que merece uma leitura.

O grande problema do Brasil contemporâneo é a enorme discrepância que existe entre as posições ideológicas dos Quatro Poderes e as dos demais cidadãos, meros mortais. Quanto mais estes puderem se fazer ouvir, melhor, e neste sentido é muitíssimo bem-vinda qualquer iniciativa que se proponha a tirar o tal “povo brasileiro” dos discursos demagógicos e trazê-lo para o protagonismo da vida social verdadeira. Há uma guerra ideológica em curso, e simplesmente não faz sentido nos omitirmos de lutá-la.

A segunda notícia é esta d’O Estado de São Paulo, replicada por Zero Hora: HIV ainda desafia saúde pública. Vem da imprensa laica, portanto. Os dados apresentados nela são os seguintes:

Nos dados mais recentes do Ministério da Saúde, de 2012, homens que fazem sexo com homens aparecem como de maior vulnerabilidade: 10,5% estão infectados [com o vírus da AIDS]. Na população em geral, a incidência é de menos de 0,5%.

A desproporção salta aos olhos: na população em geral, nós só encontramos um soropositivo a cada 200 pessoas. Entre os tais «homens que fazem sexo com homens»gays, portanto, por mais que os homossexuais “puros” aparentemente não queiram ser contados entre eles e vice-versa -, é um a cada dez! Por mais que o tempo passe, os grupos de risco continuam existindo, e mudar a forma como se lhes denomina («Não é mais uma questão de se falar em grupo de risco — como ocorreu no começo da epidemia e criou estigmas até hoje dolorosos —, mas entender quem está mais vulnerável», fala Alexandre Naime Barbosa, infectologista entrevistado na matéria) é somente uma tentativa cômoda de mascarar o problema. É óbvio que não o resolve, e nem muda o fato de que há proporcionalmente muito mais soropositivos entre os que vivem como em Sodoma do que entre os que vivem como a Igreja prega! Que aos olhos de muitos Ela seja culpada pela epidemia da AIDS no mundo ao mesmo tempo em que se exalta nas alturas o homossexualismo é somente outro sintoma das loucuras e contradições do mundo moderno.

Tem mais um detalhe. Essa notícia não é muito diferente de outra que eu comentei há quase cinco anos aqui no Deus lo Vult!; na verdade é praticamente igual. Em meados de 2008 eu disse aqui: «Os “[h]omens que fazem sexo com homens são 19 vezes mais propensos a contraírem o vírus HIV do que a população em geral”, como diz o GLOBO» – os dados eram a nível mundial. A matéria de então d’O GLOBO ainda está lá.

Cinco anos, toneladas de camisinhas e milhões gastos com campanhas anti-homofobia depois, os gays em questão ainda são 20 vezes mais propensos a contraírem o HIV do que a população em geral! A realidade não tem compromissos ideológicos. E, depois de fracassos acumulados sobre fracassos, é espantoso que aparentemente ninguém nunca se pergunte se estão de fato fazendo a coisa correta para combater a AIDS. Mas a ideologia fala sempre mais alto: questionar o establishment é pecado mortal, e é incompreensível que os nossos dados epidemiológicos ainda insistam em ser tão obscurantistas.