A poucas horas da Sé Vacante…

Faltam poucas horas para a Sé Vacante. Acompanhemos em oração estes últimos instantes do glorioso pontificado de Sua Santidade, o Papa Bento XVI; rezemos por ele e pelo conclave que se anuncia.

Enquanto isso, se quiserem uma amostra do que é jornalismo de verdade, cliquem na imagem abaixo para lerem o especial sobre Bento XVI que a Gazeta do Povo preparou. E quem puder adquirir a versão impressa do jornal, que o faça; soube que o caderno está muito bonito, verdadeiramente uma peça de colecionador.

gazeta-bxvi

Por fim, não deixem de ler a coluna de hoje do Carlos Ramalhete no mesmo jornal, da qual extraio o seguinte trecho: «Compete ao papa confirmar que pão é pão e queijo é queijo. Que o caminho é o mesmo, ontem, hoje e sempre. Que a natureza humana não muda, mas cada um pode e deve se aperfeiçoar».

Até logo, Bento XVI. Muito obrigado!

O último ato público de Bento XVI

A Audiência começou por volta das 10h40 locais (6h40 de Brasília). Ao aparecer na praça de São Pedro no papamóvel, Bento XVI foi ovacionado por uma multidão que gritava “Viva o Papa” e “Bento! Bento!”. Claramente emocionado, passeou pela praça por quase 15 minutos, agradecendo aos fiéis que levantavam cartazes e o agradeciam. Foram distribuídos 50 mil ingressos para os peregrinos participarem da catequese, mas segundo as estimativas, o público presente era de mais de 150 mil pessoas.

Pe. Paulo Ricardo, “O Adeus de um Papa”

Hoje de manhã foi a última Audiência Geral do Papa Bento XVI. O texto encontra-se em italiano no site da Santa Sé; decepcionou-se quem esperava revelações bombásticas ou discursos apocalípticos na última aparição pública do Papa. Isso não é do feitio de Bento XVI, que parece cultivar o dom de dizer as coisas mais importantes do modo mais inesperado e discreto possível. Certamente ele não reservaria a sua última catequese para dar uma reviravolta em tudo o que aprendemos do dia de Nossa Senhora de Lourdes pra cá. Ao contrário: diante dos 150.000 fiéis que lotavam a Praça de São Pedro, o velho Pontífice impôs ao seu discurso um profundo tom de agradecimento.

Ao Todo-Poderoso, pela Sua presença constante: “hoje o meu coração está repleto de agradecimento a Deus, porque Ele não deixou nunca faltar à Igreja e também a mim a Sua consolação, a Sua luz e o Seu amor”. Pelo dom da Fé: “agradeçamos ao Senhor por isto todos os dias, com a oração e com uma vida cristã coerente”. A todos aqueles que, de todas as partes do mundo, têm nos últimos dias manifestado apoio e proximidade ao Santo Padre: “gostaria de agradecer do fundo do coração também àquelas numerosas pessoas em todo o mundo que, nas últimas semanas, enviaram-me sinais comoventes de atenção, de amizade e de oração”. E ainda: “agradeço a todos e a cada um também pelo respeito e compreensão com os quais acolheram esta decisão tão importante [da renúncia]”.

O tema da gratidão acompanhou-nos ao longo destes últimos dias, e nada foi capaz de nos apartar por completo dele: nem a surpresa, nem a incompreensão, nem o temor pelo futuro, nem nada. Era natural que ele impregnasse também os últimos discursos pontifícios, e acho importante – mais ainda, providencial – que as coisas tenham acontecido desta maneira. Nós, católicos, não estamos acostumados com este tipo de inovações; e a idéia de um papado com rígido prazo de validade era potencialmente capaz de modificar sensivelmente o ritmo do governo da Igreja de Cristo. Afinal de contas, sobre todos os Papas pesou aquela terrível incerteza que pesa sobre cada homem, aquela dúvida atroz de não saber o dia e a hora da própria morte e, portanto, de não saber até quando lhe será permitido empunhar o cetro pontifício. Bento XVI afastou de si esta angústia e assinalou ele próprio o ponto final do seu luminoso pontificado.

Poderia ter aproveitado a situação para agir nos seus últimos dias de modo diferente; poderia ter querido coroar o final do seu pontificado com aqueles arroubos de vontade que soem aparecer somente quando, nos umbrais do Fim, um homem percebe que nada mais importa e deseja gastar as suas últimas energias para agir sem prestar contas à prudência ou ao respeito humano que antes condicionavam suas atitudes. Mas o Papa não fez nada disso. Agiu como aquela anedota sobre São Domingos Sávio que, perguntado sobre o que faria se aquele fosse o último dia da sua vida, respondeu simplesmente que continuaria jogando bola como estava fazendo.

Quantos monarcas não agiriam diferente se pudessem saber com certeza quando seria o fim dos seus reinados? Bento XVI soube e não mudou nada. Em uma conversa (acho que com o Peter Seewald) que foi tornada pública estes dias, o Papa confidenciou que, na opinião dele, bastava o que ele fizera pela Igreja até então. O que, na verdade, nos leva a uma outra constatação: para Bento XVI, o seu pontificado terminou no instante em que ele se convenceu de que Deus o chamava a renunciar. Ele não tentou barganhar com o Altíssimo e nem levar um ritmo frenético para aproveitar ao máximo os últimos instantes do seu pontificado: antes, abandonou tudo e depôs a tiara papal como se houvesse sido colhido abruptamente pela morte. Até mesmo a sua última encíclica deixou inconclusa, como se fatores adversos e inesperados o houvessem forçado a suspender a pena no meio da frase. Na forma como conduziu a própria renúncia, o Papa testemunha que não almeja ter controle sobre a própria vida mas que, ao contrário, tudo abandona nas mãos de Deus.

Amanhã começa a Sé Vacante, às 20h00 em Roma, 16h00 no Brasil. Bento XVI vai subir o monte para rezar; e junto a ele, os católicos do mundo inteiro iremos suplicar ao Senhor da Messe que nos envie um Papa santo, um General valoroso para nos conduzir, um Sucessor de Pedro para guiar a Sua Igreja. Vai em paz, Bento XVI – muito obrigado! E que o Espírito Santo Paráclito possa iluminar os corações dos cardeais que, reunidos no conclave, terão a difícil missão de apontar um sucessor para o primeiro Papa a renunciar em 600 anos.

Niterói: padre indiciado por “abusar sexualmente de criança”

Desde o início da manhã de hoje eu vinha percebendo uma insistente e anormal audiência para um post do Deus lo Vult! (de mais de quatro anos atrás) sobre a excomunhão de um sacerdote de Niterói que havia abandonado a Igreja para se juntar à ICAB. Agora, na hora do almoço, eu descobri com pesar o porquê desse súbito interesse dos internautas pelo clero da cidade à qual se chega pela Baía de Guanabara.

O Pe. Emilson Soares Corrêa, da Arquidiocese de Niterói, foi indiciado por abusar de uma criança no Rio de Janeiro. A notícia foi publicada hoje, e sua manchete se justifica basicamente por uma denúncia: a suposta vítima relatou que «o sacerdote havia tocado suas partes íntimas». Ela tinha sete anos à época.

A acusação de pedofilia é isso e mais nada. Há, no entanto, outras coisas bem tristes nessa história toda. O padre mantinha um relacionamento com a irmã dessa criança – isso é certo, o próprio sacerdote confessou. Desde quando, é impossível saber da matéria, que começa dizendo ser «desde quando ela tinha 13 anos» para, na frase seguinte, dizer que «[a] jovem» – hoje com dezenove anos – «contou à família que mantinha relações sexuais com o padre há três anos». O advogado do padre, por sua vez, diz que ele «admite ter tido um relacionamento com a jovem de 19 anos, somente em 2012, quando ela já era maior».

Se a menina tinha dezesseis ou dezoito anos é aqui totalmente irrelevante. Do ponto de vista da legislação brasileira, em qualquer um dos casos não há crime; do ponto de vista das leis da Igreja, em qualquer um dos casos é uma violação do sagrado celibato que o padre jurou guardar. E, infelizmente, o pe. Emilson está descobrindo da pior maneira possível que os pecados têm conseqüências, e algumas delas são bem incômodas já nesta vida.

A história escabrosa é a seguinte: a jovem (quando já tinha 19 anos, pelo que entendi) contou à família que tinha (ou teve) relações sexuais com o padre. O pai da jovem, ao invés de dizer-lhe que se afastasse, mandou que ela gravasse um vídeo dessas relações (!). Aí a jovem, para armar contra o padre, chamou outra menina de quinze anos (!!), que eu não consegui entender se filmou uma relação sexual do padre com a primeira ou se ela própria teve relações sexuais com o padre, deixando-se filmar: só sei que existe um vídeo, bastante comprometedor, do padre tendo relações sexuais na casa paroquial. O padre afirma que, de posse desse vídeo, o pai da menina tentou chantageá-lo. O padre não cedeu à chantagem, a história foi à mídia, a acusação de pedofilia (que não tem nada a ver com o vídeo ou com as meninas que o fizeram, diga-se de passagem) veio à tona. O vídeo não foi entregue à polícia. A delegacia está investigando tudo: o estupro de vulnerável, a exploração sexual, a extorsão.

Só faço dois ligeiros comentários. Primeiro: independente do resultado do inquérito, é de se lamentar que o sacerdote tenha violado os seus votos. Isso é motivo de vergonha para os católicos, é injustificável e exige reparação. Foi este o estopim do tudo: se o padre não tivesse se deixado seduzir por um rabo-de-saia, não haveria desonra para o pai da menina, não haveria vídeo registrando o sacrilégio, não haveria tentativa de chantagem, não haveria nada. Sabemos que chantagear é bastante errado, sem dúvidas, mas também é vergonhoso possuir motivos para ser chantageado. Conforme Nota oficial da Mitra de Niterói, o padre já foi afastado de suas funções.

Segundo: como apontou um amigo por email, o problema com esse tipo imoral de jornalismo é que qualquer acusação de abuso sexual contra crianças ganha as primeiras páginas dos jornais e o horário nobre da televisão; mas, se o sacerdote é inocentado, isso não sai sequer no jornal da Arquidiocese. Ainda que a acusação de pedofilia se revele falsa (como, convenhamos, parece ser), a imagem do pe. Emilson provavelmente nunca mais será recuperada. Como este assunto historicamente já provocou injustiças, seria de se esperar que a imprensa tivesse se tornado mais responsável com os erros cometidos; mas não, infelizmente, parece que, para bater na Igreja, qualquer pau sempre serve.

Legalizando a mentira

Em meados do ano passado, uma coluna do Carlos Ramalhete contra a adoção de crianças por duplas de homossexuais provocou a ira da militância gayzista da internet. Não foi a primeira vez que o professor abordou o assunto na Gazeta do Povo; dois anos antes, em situação idêntica, foi publicado um texto (ainda hoje atual) onde o articulista fustigava impiedosamente o que chamou de um problema de definição. Hoje, o desenrolar dos fatos mostrou o quanto aquelas prospectivas estavam corretas: desde então o problema continua degenerando em monstruosidades cada vez maiores.

Há alguns dias, recebemos a notícia pouco animadora de que a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) concedeu, a uma dupla lésbica, «a adoção da filha de uma delas pela outra». O assunto é propositalmente confuso, mas em resumo o que o STJ fez foi mandar lavrar, para uma pobre criança, uma Certidão de Nascimento deliberadamente falsificada, onde – ao arrepio do bom senso e da natureza – consta, com chancela legal, a escandalosa mentira de que a menor nasceu de duas senhoras lésbicas. Igualmente, há menos de uma semana, chegou-nos ao conhecimento que uma criança de Recife terá, por ordem judicial, uma Certidão de Nascimento com três nomes: o do pai, o da mãe e o da madrasta. Mais uma vez, em atenção a uma agenda ideológica anti-natural, outra criança será privada do direito a um registro veraz sobre as suas origens.

Estamos contemplando, atônitos, uma despudorada política judiciária de ressignificação da realidade. Até então, ensinaram-nos o dicionário e a experiência de mundo que uma “certidão” era um documento que atestava algum fato realmente acontecido: Joãozinho casou-se com Mariazinha, seu Epaminondes faleceu no dia tal, Ritinha nasceu de seu Roberto e de dona Marieta. Subordinava-se, como é razoável, o pedaço de papel ao mundo real: o oficial de cartório tinha o dever de se ater à realidade no exercício do seu trabalho. Ele não podia inventar nada.

Hoje, o Estado se acha no direito de obrigar um pobre escrivão a fazer aquilo que ele, em consciência, não poderia fazer jamais: escrever uma mentira num documento de fé pública. Os documentos oficiais, assim, deixam de ser um registro fidedigno da realidade para se transformarem em uma folha em branco onde o Estado registra não aquilo que aconteceu, mas o que os envolvidos gostariam que tivesse acontecido. Dobra-se a realidade diante da ideologia, escamoteia-se a objetividade dos fatos em atenção ao subjetivismo dos indivíduos. Se reescrever o passado é uma prática indigna de homens intelectualmente honestos, que censura não merece esta tentativa criminosa de adulterar o presente?

Como que escarnecendo da credibilidade dos nossos já tão desgastados poderes públicos, o velho ditado de que “papel aceita qualquer coisa” vem reivindicar cidadania também em nossos registros civis. Desfilam em nossos cartórios os maiores despautérios: fulana tem duas mães e nenhum pai, sicrano tem dois pais e nenhuma mãe, beltrano tem um pai e duas mães. Em tempos menos estúpidos, se fosse o notário a redigir por conta própria semelhantes disparates, decerto ele seria rapidamente demitido por atentar contra a credibilidade dos documentos públicos. Hoje, para nosso desespero, magistrados ordenam que se registrem oficialmente as maiores falsidades, e todos aplaudem essa ignomínia como se fosse possível à mentira ser alguma espécie de avanço social.

Cartoon: a imprensa e os conclaves

Genial! Cliquem para ampliar. Encontrei no Facebook.

conclave-rdzd

Traduzindo: trata-se de um jornalista (do New York Times, mas poderia ser qualquer um) escrevendo sobre os conclaves de 1958, 1963, 1978, 2005 e 2013. Uma única frase perpassa as décadas (tradução livre):

1958: “A Igreja está morrendo rapidamente…
1963: e apenas um papa moderno, de mente aberta…
1978: capaz de libertar os ensinamentos da Igreja das profundezas da Idade Média…
2005: e torná-los relevantes para o mundo moderno…
2013: pode esperar salvá-la”.

E, no último quadrinho, o jornalista que escreveu isso ainda pensa: “pobres ignorantes… sempre presos ao passado”!

Pe. Anderson Alves sobre Bento XVI

Nestes últimos dias do pontificado de Bento XVI, o pe. Anderson Alves tem nos brindado com alguns belos textos sobre o Santo Padre.

– O último encontro com um sábio humilde, em Zenit. «Eram impressionantes as palavras de fé do Papa que dizia que devemos evitar tanto o falso pessimismo, o pensar que tudo vai mal e que a Igreja é uma árvore que está morrendo; quanto o falso otimismo, daqueles que vêm os Seminários, conventos e igrejas fechando e dizem que tudo vai bem. Em vez disso, os cristãos devem ser realistas e estar certos de que o futuro é nosso, é de Deus, e que a árvore da Igreja cresce sempre de novo, pois ela sempre se renova; por isso devemos servi-la com a consciência de que ela é de Deus, que a mantém e governa; os sacerdotes devem dizer simplesmente: “somos servos inúteis; fizemos o devíamos fazer” (Lc. 17, 10)».

– João Paulo II e Bento XVI: a via da expiação e da oração, no Presbíteros. «E não devemos ser enganados por falsos profetas do mundo atual. Aqueles que agora criticam o Papa Bento XVI, por ser ancião e ter renunciado são os mesmos que criticaram João Paulo II por ser ancião e não ter renunciado. Os que se esquecem de Deus, estão sempre preparados para apedrejar ao seu próximo, mesmo com acusações contraditórias contra quem não cometeu nenhum pecado. Na história da Igreja há Papas santos que não renunciaram ao seu ministério e também um Papa santo (Celestino V) que renunciou ao mesmo».

Esclarecimentos: Conferência Episcopal Alemã e “pílula do dia seguinte”

Ganhou repercussão recente (parece-me que saiu até no Jornal Nacional) uma notícia sobre a Conferência Episcopal Alemã ter autorizado o uso da chamada “pílula do dia seguinte” em casos de estupro. No início deste mês, eu escrevera aqui algumas coisas sobre uma declaração do Card. Meisner neste sentido, cuja leitura é importante para se entender o que está acontecendo. Aproveito que o assunto voltou à tona para insistir n’alguns pontos.

– A vida começa no momento da concepção, i.e., quando o espermatozóide do homem fecunda o óvulo da mulher. A partir deste instante, qualquer tentativa de impedir o desenvolvimento deste indivíduo humano recém-fecundado é um atentado à vida de um ser humano inocente, e não pode ser aceita sob nenhuma justificativa. O Vaticano sabe disso, nós sabemos disso e os bispos alemães sabem disso.

– Há três maneiras de uma relação sexual consumada não resultar em um bebê alguns meses depois: se a mulher não tiver ovulado (1), se os espermatozóides do homem não conseguirem fecundar o óvulo (2) ou se o óvulo fecundado não conseguir se desenvolver (3).

– Do exposto, segue-se que não há aborto nos casos (1) e (2) acima. Provocando-se o caso (3), ao contrário, há a destruição de um ser humano e, portanto, há um atentado direto contra uma vida já existente, há um aborto. Para a moralidade do ato não faz diferença se esta ação é feita diretamente (com pinças de aborto, p.ex.) ou indiretamente (p.ex., danificando o ambiente onde o embrião humano haveria de se desenvolver): em qualquer um dos casos há um aborto. Em particular, impedir a nidação (= a fixação do embrião já fecundado na parede uterina) equivale a abortar.

– “Pílula do dia seguinte” é um nome genérico dado a uma gama de medicamentos, cujos efeitos não são necessariamente idênticos no modo como operam. Há os que agem dos modos (1), (2) e (3) acima e – atenção! – há os que alegadamente não têm efeitos pré-implantatórios no embrião já fecundado (ou seja, que não são capazes de impedir a nidação). O mecanismo de ação desses últimos, supostamente, englobaria apenas os modos (1) e (2) acima.

– A Teologia Moral Católica diz ser lícito à mulher estuprada procurar impedir a concepção (veja-se o meu texto anterior). Assim, a mulher violentada pode (p.ex.) fazer uma lavagem interna para tentar se livrar do sêmen do estuprador e, deste modo, impedir uma gravidez. Não há pecado algum aqui.

– Uma droga que impedisse apenas a ovulação ou a concepção seria um equivalente químico da lavagem íntima pós-estupro. Assim, hipoteticamente, se existisse um composto químico que pudesse impedir a fecundação mas não fosse capaz de causar nenhum tipo de dano a um eventual embrião já fecundado, este composto poderia ser utilizado em casos de violência sexual como legítima defesa da vítima contra o sêmen do estuprador.

– Foi exatamente a utilização desta hipotética droga que a Conferência Episcopal Alemã autorizou, e não a de todos os compostos que atendem pelo nome de “pílula do dia seguinte” independente do seu mecanismo de ação. As declarações são claras, mesmo na mídia secular: «Métodos médicos e farmacêuticos que induzem à morte de um embrião [p.ex. – acrescento eu – impedindo a nidação] continuam sem poder ser usados» (Terra).

– Se só existem drogas que impedem a nidação do óvulo fecundado no útero da mulher, então nenhuma dessas drogas pode ser usada nem mesmo em casos de estupro, e é exatamente isso o que os bispos da Alemanha estão dizendo com todas as letras: métodos «que induzem à morte de um embrião continuam sem poder ser usados».

– Os documentos da plenária da Conferência Episcopal da Alemanha que decidiu esta questão estão disponíveis aqui. A declaração (em inglês) sobre o uso da pílula do dia seguinte em casos de estupro está aqui.

 – O que se autorizou foi o emprego de um composto que possa impedir a fecundação mas não a nidação; em suma, de uma droga que aja dos modos (1) e (2) acima enumerados, mas não do (3). Foi isso e somente isso o que a Conferência Alemã autorizou. Em nenhum momento os bispos da Alemanha autorizaram o uso de micro-abortivos, muito pelo contrário até: eles reforçaram a sua proibição. A Pontifícia Academia para a Vida, a propósito, também declarou que jamais deu aprovação ao uso da pílula do dia seguinte. Não há espaço para dizer o contrário disso.

– O que resta aqui é uma questão de fato, um problema de ordem prática, a saber: se existe uma droga capaz de impedir a ovulação (1) ou a fecundação do óvulo (2), mas que seja totalmente inofensiva para um eventual embrião já fecundado (3).

– Infelizmente, nenhuma das pessoas (entre médicos e biólogos) com as quais falei parece acreditar na existência de tal composto químico: a afirmação mais generosa que obtive foi a de que pílulas a base apenas de progestágeno teoricamente não teriam como impedir o embrião fecundado de nidar, mas que isso – embora seja aparentemente consenso entre médicos – é uma coisa que não foi ainda demonstrada na prática com o rigor científico que a seriedade do assunto exige. Ou seja: a dúvida fundada sobre se o composto é ou não capaz de impedir a nidação é o bastante para justificar o óbice moral ao seu uso mesmo em casos de estupro, e esta dúvida de fato existe.

– Em suma, a autorização dos bispos da Alemanha é exclusivamente para uma droga que possa simultaneamente impedir a concepção e deixar ileso um eventual embrião já fecundado. Esta autorização para casos de estupro, como vimos, está perfeitamente correta dentro da Moral Católica. O que se pode objetar contra os bispos é que eles, por falta de assessoria científica adequada, talvez tenham autorizado o uso de um composto que não existe no mundo real. O que revela um problema de ordem prática e científica, mas não de ordem moral. Assim, pode-se no máximo acusar a Conferência Episcopal Alemã de mal-informada; mas não de tentar deturpar a Doutrina Moral da Igreja Católica.

Para onde conduz a ideologia gay?

Há aquela frase de efeito que diz que a inteligência humana tem limites, mas a estupidez não. Hoje eu pensei nela – obviamente mais como recurso retórico do que como proposição teológica – aplicada ao binômio santidade x pecado. Parece que há um limite para até onde o homem é capaz de subir; mas, para descer, ele desgraçadamente sempre encontra um buraco mais fundo onde se enfurnar. Isso porque, diferentemente do pecado, Deus não violenta a vontade humana: se ao homem que se esforça por se tornar melhor há sempre a concupiscência puxando-o para baixo, para aquele que dá as costas ao Altíssimo e afunda cada vez mais na podridão do pecado não existe nenhuma mão divina puxando-o para fora do pântano. Estendida em direção a ele, sim, sempre; arrastando-o contra a sua vontade, jamais.

Sempre me pareceu bastante óbvio que estimular e incentivar o homossexualismo fatalmente o levaria a se manifestar socialmente sob formas cada vez mais degeneradas. Porque, como se diz em boa teologia moral católica, abismo atrai abismo: o pecado clama por outro pecado ainda maior, e este por outro, e mais outro ainda, e esta cadeia só é encerrada quando o pecador, por misericórdia divina, cai em si e, com a graça de Deus, empreende um esforço lancinante para pôr fim ao redemoinho vicioso em cujo vórtice se encontra cativo. Como é bastante óbvio, uma pessoa que se encontra nessa situação lastimável merece toda a nossa solidariedade e todo o nosso auxílio para dar um basta ao drama que está desempenhando; quando, ao contrário, nós fingimos que isso é muito bonito e aplaudimos entusiasmados uma alma angustiada que sofre violentando diuturnamente a sua natureza, tornamo-nos réus da sua tragédia.

Não nos enganemos: seremos cobrados pelo triste fim de tantas pessoas que nós incentivamos a embarcar nesta canoa furada da violência contra a própria natureza à qual os homens dos dias de hoje gostam de tecer tantos elogios. Como se um barco furado fosse uma coisa positiva por quebrar os paradigmas anacrônicos da integridade dos cascos náuticos e por se constituir num grito de liberdade contra o imperialismo dos grandes transatlânticos e o eurocentrismo das caravelas que macularam a pureza das Américas transportando homens brancos para cá: chavões à parte, somos pessoalmente responsáveis por cada pessoa que, com nossa ação ou omissão, induzirmos a navegar neste esquife macabro.

Há uma forma bastante fácil de se comprovar empiricamente o quanto o homossexualismo é desordenado: basta dar-lhe livre curso social e observar se ele vai tender a algum equilíbrio ou se, ao contrário, vai polarizar-se em extremos cada vez mais ridículos. Infelizmente, nós já estamos em condições de conhecer os resultados desta experiência: este artigo do New York Times (traduzido na Folha) nos dá o triste e desolador retrato do nonsense ao qual conduz a exaltação da cultura gay. Espalhadas ao longo de um confuso e angustiante texto (onde ao leitor é propositalmente nebuloso saber, por exemplo, se as pessoas citadas são homens ou mulheres) estão inúmeras pérolas da intelectualidade e dos bons costumes contemporâneos.

Conforme o texto, há uma nova geração para a qual o simples direito de relacionar-se sexualmente com pessoas do mesmo sexo já não é mais o bastante. Reclamam a multiplicação das definições sexuais (ou “comportamentais”, “existenciais” ou seja lá como chamem isso), até o ponto de transformar a simples auto-definição das pessoas em uma atividade excruciante e enlouquecedora:

  • Se o movimento gay hoje parece ter como foco o casamento gay, a geração de Stephen busca algo mais radical: virar de ponta-cabeça os papéis e superar o binômio macho/fêmea.
  • Com a profusão de novas categorias, como “genderqueer” [“gênero bicha”] ou “andrógino”, cada uma dotada de uma subcultura on-line, montar uma identidade de gênero pode ser um verdadeiro trabalho do tipo “faça você mesmo”.

Trata-se de uma geração que tem profundos e nobres anseios, entre os quais se destaca a fixação fetichista em modernos utensílios descartáveis voltados à obtenção de prazer interpessoal igualmente descartável:

  • Em novembro, cerca de 40 alunos lotaram o Centro LGBT para o evento inaugural do grupo. O microfone estava aberto a todos. Os organizadores panfletaram convites oferecendo “camisinha de graça! Protetor labial de graça!”.

O profundo equilíbrio desses jovens encontra sua máxima representação num rapaz (?) que é incapaz de diferenciar um órgão sexual de um cinto de penetração e numa garota (?) que acha reconfortantemente normal enxergar a própria sexualidade como uma mancha amorfa:

  • Britt explicou que ser bigênero é manifestar tanto a persona masculina quanto a feminina, quase como ter um “pênis que possa ser colocado e tirado”.
  • No colégio, Kate se identificava como “agênero” (sem gênero) e usava o pronome “eles” (“they”, que é neutro em inglês); agora ela vê seu gênero como “uma mancha amorfa”.

As Universidades americanas, isentas de todo interesse pecuniário demagógico e motivadas somente por um profundo e angélico desejo de atender aos anseios legítimos desta comunidade, competem entre si para mostrar quem é a mais moderna e receptiva:

  • A Universidade do Missouri, em Kansas City, tem seu Centro de Recursos LGBTQIA que, entre outras coisas, ajuda os alunos a localizar banheiros “de gênero neutro” no campus.
  • O plano de saúde da faculdade [Universidade da Pensilvânia] inclui cirurgia de mudança de sexo.
  • A universidade [da Pensilvânia] já tinha duas dúzias de grupos de gays, incluindo o Negros Gays, a Aliança Lambda e o J-Bagel, a “comunidade judaica LGBTQIA”.
  • Segundo pesquisa do grupo Campus Pride, ao menos 203 campi permitem que alunos transgêneros dividam o quarto com colegas do gênero de sua preferência; 49 têm um processo de mudança de nome e gênero nos registros da universidade, e 57 cobrem terapia hormonal.

E, por fim, estas pessoas estão valentemente em luta contra a derradeira exclusão: a da sigla que as define, ainda insuficientemente vasta para abarcar toda a diversidade do alfabeto:

  • Parte da solução é acrescentar letras à sigla, e a bandeira dos direitos pós-pós-pós-gays tem ficado mais longa -ou frouxa, para alguns.
  • O Amherst College tem um Centro LGBTQQIAA, no qual cada grupo ganha sua própria letra.
  • “Por que só determinadas letras entram na sigla?” indagou Santiago.

Fazia tempo que eu não via um texto tão ridículo, e acho que nem nos meus mais pessimistas devaneios eu poderia imaginar uma tão grande futilidade erigida em bandeira de luta da juventude. As bobagens acima seriam certamente consideradas pelos militantes gays como caricaturas desonestas de conservadores homofóbicos, se não fossem a mais cândida e sincera auto-expressão das novas gerações de eufóricos continuadores do combate contra a natureza apregoado pelo movimento gay.

O meu temor é haver quem não perceba o quanto tudo isso é humanamente degradante; quem defenda ser saudável esta radical negação da natureza humana; quem acredite que o sexo é uma coisa tão exógena ao ser humano que é possível simplesmente optar por ambos ou por nenhum; quem ache que goza da mais perfeita sanidade mental um indivíduo cujo sonho é um pênis que pudesse colocar e retirar. Contra estes eu talvez nem saiba o que é possível dizer. Provavelmente só me levariam a abanar a cabeça, desesperançado.

Apenas um último detalhe. Os militantes gays gostam de bradar que o homossexualismo não é (mais) doença segundo a Organização Mundial da Saúde. Aqui, resta-lhes a constrangedora incumbência de explicar como é possível, então, que ele naturalmente degenere nesta caterva de patologias sexuais e comportamentais, devidamente catalogadas como distúrbios pela mesmíssima OMS que gostam de evocar em seu favor. Será que vão dizer que nisso a OMS está errada – e irão conviver com esta embaraçosa concessão seletiva de autoridade a este órgão? Ou negarão sua afinidade com estes novos revolucionários sexuais – dando assim as mãos aos “homofóbicos” para condenar esta militância dos que pretendem «superar o binômio macho/fêmea»?

Curtas: Tragédia em Santa Maria e Renúncia do Papa

Dois pra lá e dois pra cá.

Tragédia em Santa Maria I, D. Fernando Rifan: «Comovidos e chocados, choramos os jovens da boate de Santa Maria, rezamos por eles e lamentamos as graves negligências que causaram o desastre. Mas cabe uma reflexão de caráter geral: nos noticiários após a tragédia, pôde-se conhecer a imensa quantidade de boates ou casas noturnas que pululam nas cidades e como milhares de jovens as frequentam. E, segundo o testemunho deles, tomam bebidas alcoólicas antes, durante e depois das baladas, sem falar em outras drogas que aparecem nesses ambientes. Assim fica muito difícil ter bons reflexos em situações de perigo. Sexo, bebidas, drogas etc.: é só assim que se divertem nossos jovens? É dessa maneira que teremos uma juventude responsável, sadia, honesta e feliz, da qual virá o futuro? É só no pecado que conseguem se alegrar?»

Tragédia em Santa Maria II, pe. Anderson Alves: «Mais esse tipo de perguntas mostra algo mais sério: uma espécie de ateísmo prático que toma conta do modo de pensar e de agir de uma parte da nossa população. Esse tipo de ateísmo superficial e emotivo consiste em viver como se Deus não existisse e, quando ocorre alguma tragédia, joga-se a culpa toda em Deus, para assim minimizar as responsabilidades dos verdadeiros culpados. E quem o faz, nem se dá ao trabalho de se perguntar como é possível que um Deus que não existe, seja o responsável por todas as tragédias humanas. Prefere-se crer num ateísmo prático e aparentemente cômodo no qual se procura viver em total autonomia de Deus, da verdade e da moralidade e se espera que, nas situações de risco, Deus abra milagrosamente uma “saída de emergência” para livrar ao homem de qualquer perigo.»

Renúncia do Papa IProf. Hermes Rodrigues Nery: «E a Igreja tornou-se “perita em humanidade” justamente porque tem paciência. Afinal, já são vinte séculos de percurso. E toda vez que ela foi fiel à Tradição (aos preceitos da Sagrada Aliança), a sua história foi exuberante. (…) Assim como Jesus deu o exemplo, a Igreja ergueu a humanidade a níveis elevados de civilização quando soube ser força de resistência e levantar o olhar para a destinação última do homem: estar ou não com Deus.»

Renúncia do Papa II, D. Fernando Rifan: «Ao lado do heroísmo do Beato João Paulo II de levar o sofrimento pessoal até o fim, temos o grande heroísmo de Bento XVI de renunciar por amor à Igreja, para evitar qualquer sofrimento para ela. No começo da Igreja, no tempo das perseguições, houve cristãos que resolveram ficar onde estavam e enfrentar o martírio. Exemplo de fortaleza. Houve outros cristãos, que temendo a perseguição e a própria perseverança, acharam melhor fugir da perseguição e se refugiar no deserto, para rezar e fazer penitência, longe do mundo. Exemplo de humildade. Houve santos de ambas as posturas, os que enfrentaram e os que se retiraram. Heroísmo de fortaleza e heroísmo de humildade, frutos da Fé. A Igreja é feita de heróis da Fé!»