A pílula do dia seguinte: contraceptiva ou micro-abortiva?

A respeito das declarações do Card. Meisner sobre a licitude do uso da “pílula do dia seguinte” em casos de estupro (aqui o artigo original do Tornielli, aqui a tradução do Fratres in Unum) que estão provocando alvoroço nos meios católicos, é preciso dizer que o problema aqui é de ordem científica e não moral.

Embora a Doutrina Católica expressa de maneira lapidar na Humanae Vitae diga que é ilícita «toda a ação que, ou em previsão do ato conjugal, ou durante a sua realização, ou também durante o desenvolvimento das suas conseqüências naturais, se proponha, como fim ou como meio, tornar impossível a procriação» (HV 14), cabe notar que isto se refere ao ato conjugal, ou seja, à relação sexual legítima entre dois cônjuges unidos sob os laços do Sagrado Matrimônio. Obviamente não há nenhum “ato conjugal” entre um estuprador e sua vítima, e portanto evocar a HV aqui é simplesmente nonsense. É importante lembrar que, ao contrário do aborto – que é sempre moralmente condenável e um pecado de per si –, o uso de contraceptivos dentro de relações sexuais ilegítimas (como a prostituição ou o estupro) é uma non-issue. A procriação aqui é excluída não pelo uso do contraceptivo, e sim pela própria natureza do consórcio sexual gravemente desordenado.

No caso específico do estupro, há um enorme precedente para a declaração do Cardeal Meisner. Del Greco, no seu famoso “Compêndio de Moral Católica para o clero em geral e leigos”, falando justamente sobre o estupro e o risco de gravidez, diz que «em caso de uma menor estuprada (…) é lícito expelir o sêmen ou torná-lo estéril, desde que isso ocorra imediatamente depois da cópula; neste caso se verifica a defesa contra o injusto agressor» (op. cit., §200, 1.). Como o fato da vítima ser menor ou maior de idade não parece fazer diferença significativa alguma neste quesito (ou, dito de outro modo, como não se consegue imaginar por qual motivo um mesmo ato possa ser lícito ou ilícito dependendo unicamente da idade de quem o pratica), é legítimo concluir que a mulher estuprada pode licitamente fazer o que estiver a seu alcance para impedir a concepção.

O que ela não pode, claro, é atentar contra o embrião caso ele já tenha sido concebido; em uma palavra, abortar. E é aqui que as coisas começam a ficar complicadas: embora o Cardeal tenha dito com todas as letras que a chamada pílula do dia seguinte só seria legítima se fosse «utilizada com a intenção de impedir a fecundação» (traçando aqui um paralelo analógico incontestável com a doutrina de Del Greco) e tenha até mesmo rejeitado com veemência a hipótese do seu emprego enquanto micro-abortivo («seu uso “não é aceitável” quando se usa para impedir que um óvulo já fecundado se implante no útero», diz o texto traduzido pelo Fratres), o fato é que a gente não tem como garantir que exista um tal medicamento com efeitos unicamente anti-conceptivos mas não anti-implantatórios. Alguém precisa assessorar melhor o Cardeal Meisner: embora o que ele diga esteja perfeitamente correto, não se conhece um composto químico no mundo real que aja rigorosamente dessa maneira. A orientação, a rigor exata, é inexeqüível.

Especificamente sobre a pílula do dia seguinte, a Pontifícia Academia para a Vida já publicou um comunicado no ano 2000 dizendo que se trata de um medicamento anti-nidatório, que age também na parede uterina e cujo resultado (ao menos provável) é a expulsão de um embrião já fecundado. Ora, a mera possibilidade de que a droga ponha fim à vida de um ser humano em estágio embrionário já é suficiente para justificar o interdito moral ao seu emprego: se é possível que a pílula tenha efeito abortivo, então ela não pode ser utilizada. E, conforme me informou um amigo médico, a inexistência dos efeitos pré-implantatórios da pílula do dia seguinte ainda não foi demonstrada com a segurança que a gravidade da questão exige. Estão, portanto, certíssimos os hospitais católicos de Colônia ao se negarem a administrá-la. Errada é a tentativa leviana de levantar dúvidas sobre estas necessárias diretrizes práticas já corretamente seguidas pelos hospitais católicos.

A escravidão e o drama da história da humanidade

Ao contrário do que possa parecer à nossa experiência de mundo mais imediata, a escravidão não é uma questão racial. Na verdade, ela não tem nada a ver com raça, e é apenas o nosso provincialismo histórico que nos faz pensar diferente disso. Se é verdade que aqui na América os negros foram escravizados, não é menos verdade que soubemos nos utilizar, também e sem nenhum preconceito, de mão-de-obra escrava indígena. Ao mesmo tempo, os índios do Novo Mundo escravizavam outros índios e as tribos negras africanas escravizavam outros negros (e os vendiam aos brancos traficantes de escravos – isso quando não escravizavam brancos também). Antes disso, na Europa medieval, os mouros escravizavam os cristãos e, estes últimos, os mouros. Ainda antes, os judeus foram escravizados no Egito dos Faraós. E para não parecer que os caucasianos formam a única odiosa raça que neste jogo de forças sempre esteve em confortáveis posições senhoriais, lembro que nem mesmo os povos da Escandinávia, com seus cabelos loiros e belos olhos azuis, foram poupados dos trabalhos escravos que os Vikings lhes impuseram.

No meu texto de ontem eu abri um parêntese para dizer que o próprio instituto da escravidão, analisado sem anacronismos, significou um importante avanço no reconhecimento da dignidade humana. Isto porque, durante muito tempo, a (única) opção à escravidão era a morte pura e simples. Para que se entenda isso é preciso abrir mão da mentalidade escravocrata que nos foi legada pelos versos de Castro Alves; no geral, reduzia-se alguém à condição de escravo não como o caçador que vai à selva capturar um animal para, domesticando-o, colocá-lo a seu serviço, mas sim como uma punição imposta a um outro ser humano – justa ou injustamente – por conta de algo que ele havia feito.

Assim, por exemplo, na Roma Antiga havia a escravidão por dívidas: se alguém não fosse capaz de saldá-las, deveria tornar-se escravo dos seus credores como pagamento pelos débitos contraídos. No Antigo Testamento, todas as vezes em que o Senhor autoriza Israel a escravizar alguém, trata-se sempre de prisioneiros de guerra ou povos conquistados. Esta última modalidade de escravidão, aliás, foi praticamente uma constante na história da humanidade, sendo praticada pela virtual totalidade dos povos e culturas. Se hoje a prática nos parece – graças a Deus! – bárbara e incompreensível, é geralmente porque nos falta horizonte histórico para contemplá-la como se exige a quem pretenda colocar a compreensão do comportamento humano acima do julgamento sumário dele.

Parece-me que está bem definida a escravidão se, pelo termo, entendemos a coação da liberdade de um homem ao serviço de um terceiro. Se esta coação se dá por meio de força física ou de ameaça, se ela é temporária ou permanente, se ela decorre de punição legal ou de capricho, tudo isso me parece fugir ao essencial. Grosso modo, um escravo é isto: é um ser humano que eu constranjo a meu serviço. Cabe perguntar por qual motivo alguém poderia, em consciência, impôr semelhante fardo a um seu semelhante. Ou ainda, se existe – mesmo em abstrato – uma razão que possa, ainda que remotamente, justificar tão cruel e repugnante imposição.

Resistamos à tentação de abordar o problema unicamente sob a ótica do Condoreirismo! Porque aqui, de fato, não cabe discussão alguma. Se à pergunta sobre “quem são estes desgraçados / que não encontram em vós / mais que o rir calmo da turba / que excita a fúria do algoz” a gente responde com a grandiloqüência da Musa que Castro Alves chama a depôr n’O Navio Negreiro, então realmente não há nada que se possa fazer aqui a não ser condenar, em absoluto e com a mais apaixonada veemência, este tratamento vil e desprezível ao qual foram desgraçada e incompreensivelmente constrangidas multidões de seres humanos ao longo da história humana. Se os fatos são aqueles colocados no Canto V da obra-prima do poeta, então não há desculpas possíveis. Se os escravos viviam “ontem, plena liberdade, / a vontade por poder” e “hoje, cum’lo de maldade, / nem são livres pra morrer”, então é impossível perdoar os crimes dos que escravizaram e dos que permitiram a escravidão.

Mas as coisas não eram rigorosamente assim na época do Brasil Império e nem muito menos ao longo da história da humanidade. Ir à caça de seres humanos inocentes, livres e soberanos para reduzi-los à escravidão é sem dúvidas uma coisa abominável. Acontece que quando os israelitas venciam Amalec no deserto e só o que podiam fazer era largar os derrotados ao frio, à fome e às feras, passá-los a fio de espada afigurava-se como uma obra de misericórdia. Acontece que quando os ibéricos retomavam as terras dos seus antepassados e se viam diante daqueles que por séculos os haviam saqueado, matado seus filhos e estuprado as suas mulheres, resistir à tentação de massacrá-los era magnânima benevolência e conservar-lhes a vida enquanto escravos era o supra-sumo da caridade.

Historicamente, a escravidão não se define por caçar seres humanos inocentes para transformá-los em alimária particular. No geral, como foi dito, tratava-se de uma punição de guerra ou por supostos crimes cometidos, sobre a qual devemos ser um pouco reticentes em emitir julgamentos peremptórios. É degradante? Sem dúvidas; mas não existe nenhuma pena humana que não degrade em alguma medida o ser humano. Tenho certeza de que, daqui a alguns séculos, leremos “Estação Carandiru” e nos perguntaremos como foi possível que a sociedade tivesse permanecido inerte diante da infâmia do sistema prisional brasileiro do século XX. E tomara que não sejamos então vítimas da mesma incompreensão que, hoje, temos o mau hábito de devotar aos nossos antepassados.

E quanto ao Cristianismo? Ele foi fundamental para que chegássemos ao elevado patamar moral contemporâneo de cuja altura, hoje, os anti-clericais sentem-se no direito de escarnecer da Igreja. A doutrina da igualdade essencial entre os homens – com São Paulo afirmando taxativamente que «[j]á não há judeu nem grego, nem escravo nem livre, nem homem nem mulher, pois todos vós sois um em Cristo Jesus» (Gl 3, 28) – é a verdadeira revolução na história do pensamento humano e na obrigação moral que os homens agora passam a ter para com os seus semelhantes. É somente a partir daqui que podemos falar propriamente em dignidade humana – naquela que não conhece sexo, raça ou condição social, mas que compete a todos os homens e a cada um deles em particular.

Autorizou-se ainda assim a escravidão? É porque, em si, esta punição privativa de liberdade, nos moldes em que passou a ser entendida, não é intrinsecamente má. Após o surgimento da Igreja, ela não mais significava uma diminuição ontológica do ser humano tornado escravo, uma sua coisificação; mas, ao contrário, era uma forma (ainda) socialmente aceita de fazer um indivíduo pagar pelas próprias dívidas ou pelas de outrem (v.g. dos seus pais ou do seu povo). Com o Cristianismo, mesmo os escravos são seres humanos que como tais devem ser tratados, e esta é a novidade radical do Evangelho em relação à escravidão pagã. Se o Paterfamilias romano tinha vitae necisque potestas – poder de vida e de morte – sobre seus escravos, seus filhos e até sua esposa, o mesmo não se pode jamais dizer do cristão sobre sua esposa, seus filhos ou mesmo seus escravos. Se isso nos parece pouco, tal é um tributo que pagamos ao nosso tempo – pelo qual devemos ser gratos e para cuja existência ser possível foi necessário que os influxos benéficos do Cristianismo o engendrassem (por vezes silenciosamente…) nas almas por séculos a fio.

É claro que se pode dizer que a escravidão é um castigo desproporcional, que não está em conformidade com a dignidade humana, que é indigno de povos civilizados, e eu serei o primeiro a concordar: tudo isso deve ser dito! A questão não é contudo sobre idealismos abstratos, e sim sobre o drama da história da humanidade. Transformar a ação dos cristãos ao longo dos séculos num lacônico “apoio à escravidão” é uma inverdade histórica e uma injustiça. A mensagem cristã ressignificou a forma como os homens viam seus escravos, impôs-lhes exigências até então inconcebíveis para com eles, reduziu drasticamente a abrangência da escravidão e, por fim, aboliu-a por completo! Sentar-se diante de um computador no século XXI e reclamar que isso demorou demasiado para ser feito é padecer de graves preconceitos anacrônicos, que em nada nos tornam melhores do que os que nos precederam.

Medievalista responde ao deputado Jean Wyllys

Há não muito tempo, em dezembro último, o ex-BBB e deputado-sem-votos Jean Wyllys provocou polêmica com o seu piti desaforado contra o Papa Bento XVI por conta das declarações do Pontífice a respeito do “casamento” gay. Entre incontáveis outras sandices, Sua Insselença disparou a seguinte pérola:

A “ferida grave infligida à justiça e à paz”, @pontifex (Bento XVI), foi a escravidão de negros e africanos, apoiada pela Igreja Católica.

[Aliás, li outro dia um comentário sensato sobre a escravidão, não me lembro onde. O articulista lastimava a leviandade anacrônica dos que a execravam em absoluto, ignorando que o próprio instituto da escravidão foi um profundo avanço nos direitos humanos em uma época em que o comum era matar os prisioneiros de guerra. Poupá-los, dizia ele, mesmo que fosse para explorar-lhes a força de trabalho, era um inegável avanço no reconhecimento da dignidade humana, um primeiro passo evidentemente necessário para que pudéssemos um dia chegar à DUDH. Mas isso é outra questão, e exigir este grau de sutileza da truculência da militância gayzista é pedir demais. Continuemos.]

À época da polêmica, enviei emails de protesto para o Gabinete do senhor deputado e para a Ouvidoria da Câmara. Do primeiro não recebi nada, como era de se esperar. Do segundo, recebi alguns dias depois a seguinte resposta:

Sr.JORGE FERRAZ
Recebemos sua mensagem, na Ouvidoria Parlamentar da Câmara dos Deputados, manifestando seu posicionamento a respeito de pronunciamento de parlamentar em exercício nesta Casa.
Em atenção a sua mensagem, esclarecemos que os eventuais embates de ideias entre os parlamentares em exercício nesta Casa e a sociedade não são objeto de tomada de posição da Câmara dos Deputados.
Informamos que é possível entrar em contato diretamente com o parlamentar de seu interesse por intermédio do sistema Fale com o Deputado, disponível na página da Câmara na internet, no endereço www.camara.lrg.br.
Atenciosamente,

Assessoria da Ouvidoria PArlamentar
Ouvidor-Geral Deputado Miguel Corrêa

Como eu já entrara em contato – sem resposta – “diretamente com o parlamentar”, resolvi que não valia a pena insistir. Muita gente já havia se levantado contra o preconceito catolicofóbico e o discurso de ódio religioso do Paladino Rosa, e a resposta da sociedade ressoa com muito mais força do que a burocracia do Planalto. Ao menos, a minha mensagem fora lida. Já era alguma coisa.

Mas de tudo o que se seguiu à arruaça provocada pelo Jean Wyllys, acho que o mais entusiasmante foi encontrar na Gazeta do Povo este texto do prof. Ricardo da Costa, historiador e medievalista, respondendo nominalmente ao excelentíssimo deputado. Foi de lavar a alma. Leiam-no na íntegra. Apenas cito, à guisa de exemplo:

Entrementes, a Igreja Católica, reiteradamente, condenava a escravidão. Há inúmeras bulas papais a respeito: na Sicut Dudum (1435), Eugênio IV mandou libertar os escravos das Ilhas Canárias; em 1462, Pio II instruiu os bispos a pregarem contra o tratamento de escravos negros etíopes, e condenou a escravidão como um tremendo crime; Paulo III, na bula Sublimus Dei (1537), recordou aos cristãos que os índios são livres por natureza (ao contrário dos negros, que praticavam a escravidão); em 1571, o dominicano Tomás de Mercado declarou desumana e ilícita a escravidão; Gregório XIV (na Cum Sicuti, de 1591) e Urbano VIII (na Commissum nobis, de 1639) condenaram a escravidão. Devemos estudar o passado, não inventá-lo.

Diante de tudo isso, o que dizer? Cale-se o ódio raivoso do deputado diante da serenidade do professor de história! Cale-se o preconceito gay diante dos estudos rigorosos sobre o passado da Igreja! Cale-se a cultura BBB diante do reconhecimento acadêmico sério! O Jean Wyllys bem que poderia ter dormido sem essa.

E é claro que o deputado não vai se retratar. Ele não tem decência suficiente para isso. Vai preferir obstinar-se no seu obscurantismo anti-clerical raivoso e decadente. Tudo bem. No que depender de nós, não vai faltar quem venha a público desmascará-lo.

Suco de uva na Santa Missa?

Saiu na mídia secular uma notícia dizendo que o Arcebispo de Curitiba, Dom Moacyr José Vitti, autorizou os padres da Arquidiocese a, se quiserem, substituírem o vinho da Santa Missa por suco de uva (!) por conta da Lei Seca (!!). Tive acesso à nota emitida pela “Assessoria de Comunicação da Mitra da Arquidiocese de Curitiba” e, de fato, lá consta a seguinte perturbadora frase:

Os [sacerdotes] que preferirem substituir o vinho com o álcool pelo sem, ou pelo suco de uva, poderão fazê-lo, pois já estão autorizados pelo arcebispo.

Alguns esclarecimentos se fazem necessários. Antes de qualquer outra coisa, eu não acredito que o Arcebispo de Curitiba tenha autorizado a substituição do vinho da Santa Missa por suco de uva, pela simples razão de que suco de uva é matéria inválida para a celebração da Eucaristia. Suco de uva não se transubstancia no Sangue de Cristo mais do Fanta Uva ou Ki-Suco de Uva. Um padre que porventura tentasse celebrar a Santa Missa com suco de uva não conseguiria celebrá-la validamente (= o suco de uva continuaria suco de uva, e não se tornaria jamais o Sangue de Cristo), ainda sendo verdade que o Arcebispo tivesse autorizado semelhante despautério. Igualmente, um padre que trocasse o pão da Santa Hóstia por, digamos, broa de milho, poderia celebrar uma Liturgia impecável que não iria conseguir transformar a broa de milho no Santíssimo Corpo de Cristo. O mesmo vale para o suco de uva. As únicas matérias válidas para a celebração da Eucaristia são aquelas que o próprio Cristo utilizou: pão de trigo e vinho de uva.

Isto se encontra em uma miríade de documentos. P.ex., na Redemptionis Sacramentum (grifos meus):

[50.] O vinho que se utiliza na celebração do santo Sacrifício eucarístico deve ser natural, do fruto da videira, puro e dentro da validade, sem mistura de substâncias estranhas. Na mesma celebração da Missa se lhe deve misturar um pouco d’água. Tenha-se diligente cuidado de que o vinho destinado à Eucaristia se conserve em perfeito estado de validade e não se avinagre. Está totalmente proibido utilizar um vinho de quem se tem dúvida quanto ao seu caráter genuíno ou à sua procedência, pois a Igreja exige certeza sobre as condições necessárias para a validade dos sacramentos. Não se deve admitir sob nenhum pretexto outras bebidas de qualquer gênero, que não constituem uma matéria válida.

Há quatro anos, eu escrevi aqui um texto sobre uma situação idêntica que acontecera em São José dos Pinhais. Para deixar claro: o que se pode autorizar (em situações especialíssimas) é a substituição do vinho pelo mosto. Mosto não é suco de uva; mosto é vinho não-fermentado. Suco de uva não fermenta. Mosto, se você deixar fermentar, vira vinho. São duas coisas bem distintas. Não sei, p.ex., se você pode encontrar mosto no supermercado; mas sei que aqueles sucos de uva de caixinha não são mosto e, portanto, não são matéria válida para a celebração da Eucaristia. O mesmo se pode dizer do suco de polpa de uva que se pode pedir em qualquer lanchonete. Aliás, acho que mosto é uma coisa muito específica (que inclusive exige condições especiais de armazenamento e conservação, posto que senão ele fermenta e vira vinho) que não se encontra tão facilmente assim por aí – o que, por si só, provavelmente já faz com que esta idéia de deixar todo mundo celebrar com mosto esbarre em uma enorme dificuldade de ordem prática.

Mais ainda: não existe autorização da Santa Sé para uso irrestrito de mosto. Pelo contrário, as orientações são específicas em determinar que a licença só seja concedida individualmente:

1. Os Ordinários são competentes para conceder a licença de usar pão com baixo teor de glúten ou mosto como matéria da eucaristia em favor de um fiel ou de um sacerdote. A licença pode ser outorgada habitualmente, até que dure a situação que motivou a concessão. (Congregação para a Doutrina da Fé, Carta Circular aos presidentes das Conferências Episcopais sobre o uso do pão com pouca quantidade de glúten e do mosto como matéria eucarística, 23 de julho de 2003 – grifos meus).

E, por último mas não menos importante, uma lei iníqua e injusta como a Lei Seca não tem potestade de obrigar ninguém a nada. O simples cidadão tem total direito de dirigir após ingerir uma quantidade tal de álcool que não comprometa a sua habilidade de conduzir um veículo, a despeito do que berrem os burocratas. Ora, quanto mais um sacerdote no legítimo exercício de suas funções religiosas! A Lei Seca é inválida no caso geral, mas no caso específico de um padre celebrando a Missa a sua ilegitimidade fica ainda mais patente e clamorosa, porque viola diretamente o direito à liberdade de culto. Com uma tal afronta à lei de Deus não se pode condescender, muito pelo contrário: é mister lutar contra ela.

Em resumo, portanto:

  1. suco de uva é matéria inválida para a celebração do Sacramento da Eucaristia;
  2. considero altamente improvável que Dom Moacyr tenha autorizado o uso de uma matéria inválida para a celebração das Missas em sua diocese;
  3. se, por absurdo, tal autorização houvesse sido dada, ela seria completamente nula, porque ninguém na Igreja (nem mesmo o Papa) tem potestade para alterar a matéria escolhida por Cristo para a celebração dos Sacramentos que Ele instituiu;
  4. provavelmente, portanto, a Mitra quis autorizar o uso de mosto, e não de suco de uva;
  5. conquanto esta hipótese ao menos salvaguarde a validade da Eucaristia, há de se investigar a sua licitude canônica, uma vez que, como foi mostrado, o uso de mosto, segundo determinações específicas da Santa Sé, é para ser autorizado individualmente, e não de modo indistinto em todo o território de uma Diocese; e
  6. por fim, é de se lamentar que uma lei humana flagrantemente injusta tenha movido a Mitra de Curitiba a promulgar tão controversas disposições sobre a Liturgia na Arquidiocese, provocando perplexidade entre os fiéis católicos de todo o Brasil.

“Essa é a tentação de que mais padece hoje a Igreja” – pe. António Vieira

[Hoje é o Domingo da Sexagésima, e foi exatamente no dia de hoje que pe. António Vieira proferiu o seu célebre sermão. No último Domingo antes do de Carnaval. Ao reler as palavras do ilustre orador, como não reconhecer que as censuras então proferidas se aplicam com perturbadora adequação aos tempos de hoje? A Igreja de Deus colhe tormenta, e não pode ser por conta da palavra de Deus – muito pelo contrário até. Falta palavra de Deus nas nossas igrejas, infelizmente com bastante freqüência. É urgente rezar pelos nossos pregadores, a fim de que a palavra divina possa dar o fruto que está destinada a dar.]

Sabeis, Cristãos, a causa por que se faz hoje tão pouco fruto com tantas pregações? É porque as palavras dos pregadores são palavras, mas não são palavras de Deus. Falo do que ordinariamente se ouve. A palavra de Deus (como diria) é tão poderosa e tão eficaz, que não só na boa terra faz fruto, mas até nas pedras e nos espinhos nasce. Mas se as palavras dos pregadores não são palavras de Deus, que muito que não tenham a eficácia e os efeitos da palavra de Deus? Ventum seminabunt, et turbinem colligent, diz o Espírito Santo: «Quem semeia ventos, colhe tempestades». Se os pregadores semeiam vento, se o que se prega é vaidade, se não se prega a palavra de Deus, como não há a Igreja de Deus de correr tormenta, em vez de colher fruto?

Mas dir-me-eis: Padre, os pregadores de hoje não pregam do Evangelho, não pregam das Sagradas Escrituras? Pois como não pregam a palavra de Deus? Esse é o mal. Pregam palavras de Deus, mas não pregam a palavra de Deus: Qui habet sermonem meum, loquatur sermonem meum vere, disse Deus por Jeremias. As palavras de Deus, pregadas no sentido em que Deus as disse, são palavras de Deus; mas pregadas no sentido que nós queremos, não são palavras de Deus, antes podem ser palavras do Demónio. (…) O Diabo tentou a Cristo no deserto, tentou-o no monte, tentou-o no templo: no deserto, tentou-o com a gula; no monte, tentou-o com a ambição; no templo, tentou-o com as Escrituras mal interpretadas, e essa é a tentação de que mais padece hoje a Igreja, e que em muitas partes tem derrubado dela, senão a Cristo, a sua fé.

Pe. António Vieira
Sermão da Sexagésima

Belos exemplos contra o aborto e contra a eutanásia

A vida é o bem mais precioso que possuímos, o mais importante, o mais fundamental e o que mais merece a nossa defesa intransigente; e, justamente por conta disso, as políticas que o ameaçam são as mais vis e covardes, as mais perniciosas, as mais desumanas e as que mais merecem o nosso mais veemente repúdio. A profusão de advérbios de intensidade aqui, mesmo em sacrifício do estilo, é proposital para enfatizar esta idéia: a vida não é apenas um bem. É o maior bem natural do qual dispomos, o bem do qual dependem todos os outros e o único bem cuja perda não podemos fazer nada para reverter. A vida é o bem que está no ápice da hierarquia de valores humanos.

Esta verdade é tão óbvia que uma miríade de atitudes humanas a testemunha a cada instante. Ninguém quer ser morto, e toda a odisséia humana nesta terra pode ser vista como uma desesperada tentativa de continuar existindo a despeito de um mundo hostil; toda vida humana pode ser narrada aos moldes do sobrevivente que se debate para fugir às garras da fome, da sede, da doença, da velhice, do tempo, da guerra; da morte, em suma. Podem dizer que este quadro é simplista, uma vez que existem incontáveis outro valores – como a Fé, a honra, o amor, etc. – que soem ser defendidos até às custas da própria vida; e eu serei o primeiro a concordar com esta acusação. Mas nem por isso o que digo se torna menos verdadeiro: afinal, o sacrifício da própria vida só se transforma em uma coisa louvável em altíssimo grau justamente porque a própria vida é em si um bem em grau altíssimo. Os próprios contra-exemplos aqui aduzidos atestam a luminosa validade da regra. Sim, um soldado que morre tentando salvar outras pessoas é um herói, mas ele o é justamente porque a sua vida tem um valor inestimável e, por isso, é heróico entregá-la por outrem. Fosse uma coisa de somenos importância – digamos, como uma trufa de chocolate -, não haveria heroísmo algum em abrir mão dela em benefício de outras pessoas. Exigir-se-lhe-ia, até.

A vida é um bem tão precioso que, como se dizia acima, não é exagerado dizer que as pessoas dedicam a sua vida a preservá-la. E, como é comum nos seres humanos, este instinto protetor dirige-se não somente a eles próprios, mas também às pessoas que lhes são caras. Duas notícias que vi hoje confirmam esta verdade. Duas belas notícias.

A primeira, sobre um bebê que nasceu com o coração para fora do peito (há um vídeo aqui). Tão logo a anomalia foi descoberta, ainda durante a gravidez, como infelizmente é comum acontecer, sugeriu-se à mãe que abortasse a sua filha; como jubilosamente é também comum acontecer, a mãe disse que isso estava fora de cogitação. A menina nasceu sob os cuidados de cirurgiões obstetras, cardiotorácicos e plásticos; sobreviveu, e passa bem; teve alta, e já está em casa com a mãe.

A segunda, sobre dois pais que mantiveram o seu filho vivo por anos revezando-se diuturnamente no bombeio de um saco ressuscitador. O rapaz sofreu um acidente, e a família não tinha condições de arcar com os custos do tratamento em um hospital. Tratou-o em casa, do jeito que podia, mesmo isso significando dedicar a vida a bombear manualmente ar para os pulmões do filho que não conseguia respirar sozinho. Depois que a história foi divulgada num jornal local, um médico ofereceu-lhe tratamento hospitalar. O rapaz segue vivo, e diz não saber se será capaz de agradecer aos seus pais um dia.

Histórias assim revigoram a nossa esperança na humanidade; através delas, nós podemos ver que os homens continuam a reconhecer a importância capital da vida humana a despeito do desolador avanço da cultura da morte nos meios ditos “intelectuais”. Ainda há esperança! Contra a glorificação do aborto, há uma mãe que mobiliza multidões de médicos para recolocar o coração de seu bebê dentro do peito; contra a exaltação da eutanásia, há um casal de chineses respirando por seu filho vinte e quatro horas por dia. Que sejam pessoas assim a povoar o nosso futuro! É reconfortante descobrir que, em nosso mundo, apesar de tudo, ainda há pessoas dispostas a consumir a própria vida para testemunhar – com atos! – que é preciso defender a vida humana desde a concepção até a morte natural.

Decreto – Indulgência Plenária por ocasião do Ano da Fé

Fonte: Arquidiocese de Olinda e Recife

Arquidiocese de Olinda e Recife
Cúria Metropolitana

DOM ANTÔNIO FERNANDO SABURIDO
Por mercê de Deus e da Santa Sé Apostólica
Arcebispo de Olinda e Recife

Tendo o Santo Padre, o Papa Bento XVI, proclamado, com a Carta Apostólica Porta Fidei – o ANO DA FÉ, para ser vivenciado entre 11 de outubro de 2012 ao fim do dia 24 de novembro de 2013, Solenidade de Cristo Rei, e tendo a Penitenciaria Apostólica concedido a possibilidade de lucrar indulgência plenária por ocasião da celebração desse ANO DA FÉ; pelo presente ato, o Arcebispo de Olinda e Recife revoga o decreto de 11 de outubro de 2012 e

DECRETA

que os fiéis poderão lucrar a indulgência plenária observadas as condições prepostas no Decreto do dia 14 de setembro de 2012 da referida Penitenciaria Apostólica:

1. Cada vez que participarem em pelo menos três palestras e/ou conferências sobre os Documentos do Concílio Vaticano II e sobre os Artigos do Catecismo da Igreja Católica, em qualquer igreja ou lugar idôneo;

2. Cada vez que participarem do Sacrifício Eucarístico na Igreja Catedral, Sé de Olinda, ou, como peregrinos, visitarem a referida Igreja participando de alguma função sagrada, ou pelo menos passando um bom tempo de recolhimento com meditações piedosas ou a recitação da liturgia das horas, concluindo com a recitação do Pai-Nosso, a Profissão de Fé de qualquer forma legítima, e invocações à Bem-Aventurada Virgem Maria. Os fiéis que, por motivos graves, não participam diretamente da Santa Missa, mas acompanham “ao vivo” a transmissão da mesma, seja de modo televisivo seja radiofônico, poderão alcançar a referida Indulgência;

3. Cada vez que, como peregrinos, visitarem as Basílicas: Nossa Senhora Auxiliadora, na Colônia dos Padres Salesianos, Jaboatão dos Guararapes; Nossa Senhora do Carmo, no centro do Recife; Nossa Senhora da Penha, no bairro de São José, Recife; Sagrado Coração de Jesus, Boa Vista, Recife; São Bento, Olinda; os Santuários: Mãe, Rainha e Vencedora três vezes admirável, em Ouro Preto, Olinda; Nossa Senhora dos Prazeres, Montes Guararapes, Jaboatão dos Guararapes; Nossa Senhora de Fátima, na Soledade, Recife; Santíssimo Sacramento, na Matriz da Boa Vista, Recife; as Igrejas mais antigas de cada vicariato: Convento São Miguel, em Ipojuca; Igreja Matriz dos santos Cosme e Damião, em Igarassu; Igreja Madre de Deus, Recife Antigo; Matriz Nossa Senhora da Luz, em São Lourenço da Mata; Matriz Nossa Senhora da Paz, em Afogados; Matriz Nossa Senhora do Rosário, em Muribeca; Igreja Matriz de Santo Amaro, em Jaboatão dos Guararapes, e nesses lugares participarem de alguma função sagrada, ou pelo menos passarem um bom tempo de recolhimento com meditações piedosas ou a recitação da liturgia das horas, concluindo com a recitação do Pai-Nosso, a Profissão de Fé de qualquer forma legítima, e invocações à Bem-Aventurada Virgem Maria;

4. Cada vez que participarem de uma solene celebração eucarística ou na liturgia das horas, acrescentando a Profissão de Fé de qualquer forma legítima nos seguintes dias: Festa do Batismo do Senhor: 13/01/2013; Solenidade de São José: 19/03/2013; Solenidade de Pentecostes: 19/05/2013; Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo: 30/05/2013; Solenidade de São Pedro e São Paulo: 30/06/2013; Festa da Transfiguração do Senhor: 06/08/2013; Solenidade da Assunção de Nossa Senhora: 18/08/2013; Festa da Exaltação da Santa Cruz: 14/09/2013; Solenidade de Nossa Senhora Aparecida: 12/10/2013; Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo Rei do Universo: 24/11/2013;

5. Um dia livremente escolhido, durante o Ano da Fé, para a visita piedosa do batistério ou outro lugar, onde receberam o sacramento do Batismo, se renovarem as promessas batismais com qualquer forma legítima;

6. Por ocasião da celebração ad Solenidade de Jesus Cristo Rei do Universo, no dia 24 de novembro de 2013, no encerramento do Ano da Fé, quando será dada a Bênção Papal com indulgência plenária.

Dado e passado na Cúria Metropolitana de Olinda e Recife, aos 09 dias do mês de janeiro de 2013.

Dom Antônio Fernando Saburido
Arcebispo Metropolitano

Pe. Cícero Ferreira de Paula
Chanceler da Cúria

Gays, católicos, e praticantes

A matéria d’O Estado de São Paulo sobre os «[g]ays católicos praticantes [que] buscam seu espaço na igreja» está repleta de baboseiras do início ao fim.

Antes de qualquer coisa e ao contrário do que o artigo insinua de uma ponta a outra, é preciso deixar claro que não existem gays católicos praticantes. Ou o gay é um sujeito sério, católico praticante e, por isso, luta contra as suas tendências sexuais desordenadas sabendo que «[p]elas virtudes de autodomínio, educadoras da liberdade interior, às vezes pelo apoio de uma amizade desinteressada, pela oração e pela graça sacramental» ele pode e deve «se aproximar, gradual e resolutamente, da perfeição cristã», como apregoa o Catecismo (§2359); ou então o sujeito é um gay praticante que vive imundamente chafurdando na lama do pecado contra a natureza e, ao mesmo tempo, quer tumultuar a Igreja incoerentemente alardeando-se “católico” ao mesmo tempo em que defende e vive o contrário do que prega a Doutrina Moral Católica. Et tertium non datur.

Infelizmente, a matéria do jornal só fala sobre esses últimos. Ao invés de citar (p.ex.) os homossexuais sérios que fazem parte do Apostolado Courage (que inclusive já existe no Brasil) e lutam, estes sim, para ajudar de verdade os católicos que são homossexuais a continuarem verdadeiramente vivendo como católicos, citam lixos como o “Diversidade Católica” que apenas servem para ensinar os gays a serem hipócritas e afastá-los do Catolicismo. Só por isso a reportagem já merecia ser tratada com suspeição. Contudo, não satisfeita em fazer esta apresentação seletivamente criminosa das relações entre os gays e a Igreja, a sra. Luciana Leal (que assina a matéria) ainda nos brinda com uma série de informações disparatadas. Veja-se:

Nos últimos anos, eles têm se reunido em espaços como o Diversidade Católica, no Rio, e a Pastoral da Diversidade, em São Paulo.

Como é evidente, não existe nenhuma “Pastoral da Diversidade” na Arquidiocese de São Paulo (a matéria só fala isso no final). Na verdade, o grupo que atende por este nome é formado por leigos que afirmam textualmente não estarem «buscando aprovação ou apoio de nossas autoridades eclesiásticas para nossa pastoral» e, portanto, usam este nome apenas para enganar os incautos. Trata-se, à semelhança do “Diversidade Católica” et caterva, de outro exemplar dos grupos acéfalos que advogam a revogação do princípio da não-contradição como fundamento ontológico da dignidade gay: em suma, é só mais uma fábrica de incoerências grosseiras.

Os grupos têm o apoio de alguns padres, como d. Anuar Battisti (…), que atuam com discrição para evitar sanções da hierarquia da Igreja

… ou seja, que não têm cojones para sustentar as suas posições em público e, aí, fazem-no às escondidas. Em outras palavras: os sacerdotes sabem tão bem que é contraditório defender simultaneamente o Evangelho de Cristo e a permanência na vida de pecado, a santificação por meio da Igreja e a exaltação das práticas homossexuais, que simplesmente não têm coragem de defender esta incoerência diante da Igreja. Fazem-no às escuras, desobedecendo frontalmente tanto à Igreja quanto ao próprio Cristo que mandou os Apóstolos anunciarem as coisas “por cima dos telhados” (cf. Mt 10, 27). Em que mundo esta pusilanimidade pode ser uma coisa louvável?

Para mostrar o outro lado da Igreja, os integrantes do Diversidade Católica recorrem a palavras do próprio Bento XVI: “A Igreja não é apenas os outros, não é apenas a hierarquia, o papa e os bispos; a Igreja somos nós todos, os batizados”.

Ora, usar as palavras de um autor para fazê-las contradizer o que este mesmo autor diz com insofismável clareza em outros lugares é o mais límpido e cristalino exercício de patifaria intelectual. Se o Papa diz com todas as letras que a Doutrina Católica «condena a prática da homossexualidade» e os sujeitos desses grupos sabem disso, como é possível que, em consciência, eles venham se escorar em outras declarações pontifícias genéricas para, contra todo e qualquer respeito que se deve ter às idéias de outrem, insinuar que está “tudo bem” em ser católico e continuar praticando o pecado do homossexualismo? Como esperam ser levados a sério, se visivelmente não levam a sério as declarações do Papa a quem não obstante juram seguir?

Na Jornada Mundial da Juventude (JMJ) em Madri, em 2011, ele encaminhou por escrito, sem esperança de ser atendido, uma pergunta ao arcebispo do Rio, d. Orani Tempesta, sobre como a Igreja lida com a presença dos gays católicos. O rapaz se surpreendeu ao ver que sua pergunta foi respondida por d. Orani, que, segundo ele, pregou a existência de uma Igreja para todos.

É mesmo? Dom Orani chancelou esta hipocrisia gay? Cadê o comunicado assinado pela Mitra? Cadê a gravação desta alegada resposta? Tudo o que a gente tem sobre isso é a narrativa de um gay? Sinto muito, mas não é crível. Afinal de contas, dom Orani foi a público protestar contra o reconhecimento da “união homoafetiva” pelo STF em 2011. E, ao contrário da alegação gay, disso há registros.

Enfim, é este tipo de desinformação que alguns veículos de mídia acham importante divulgar. É profundamente lamentável que o Estado de São Paulo se preste desta maneira grosseira a semear a confusão entre os brasileiros. Quanto às pessoas que possuam tendências homossexuais e estejam sinceramente dispostas a colocar o amor a Cristo acima do amor ao baixo ventre, não se deixem seduzir por este caminho fácil que os jornais divulgam. Ouçam Cristo que fala através da Igreja. Fujam de todos aqueles que desejam ensinar elevados caminhos espirituais enquanto descuidam gravemente de importantes virtudes humanas! E a coerência é uma virtude muito importante. Não dá pra confiar em quem diz que é possível ser, simultaneamente, católico fiel e violador consciente e constante do Sexto Mandamento.

A bebida, o cigarro, as guloseimas infantis

Gostei às avessas da coluna do Gilberto Dimenstein de hoje. Não que eu a tenha detestado; apenas senti um alívio reconfortante ao ver o colunista esbravejar contra o “Lei Seca” que dá nome à nossa legislação que proíbe o álcool no volante. Praticamente todas as sandices que ele diz podem facilmente se transformar em verdades até bem óbvias, bastando que a gente retire algumas negativas. Veja-se: é verdade que a Lei Seca brasileira é «moralista, repressora e ineficiente», que com ela «o poder público está reprimindo um direito individual» e que, portanto, é um dever cívico dizermos em alto e bom som «que [est]a lei é repressora e cretina como a Lei Seca [americana]». Por mais que protestem os colunistas da Folha, parece-me que (graças a Deus) não conseguirão silenciar estes juízos de valor que brotam do bom senso da população brasileira.

Podem usar o apelo emocional que quiserem para justificar o absurdo: nada vai convencer uma pessoa mentalmente sã de que é razoável aplicar uma multa de 2000 reais, prender por (no mínimo) seis meses e proibir de dirigir por um ano um fulano que esteja tranqüilamente voltando pra casa após tomar uma cerveja no almoço. Reduzamos a pó os sofismas midiáticos: não é verdade que “a lei está salvando vidas”, pois as pessoas que põem a vida de terceiros em risco não são as que tomaram um copo de cerveja, e sim as que não têm condições de voltar pra casa sozinhas nem a pé – e para retirar estas da rua não era necessário impedir aquelas de dirigirem. Tampouco é relevante o fato de que “não é a mesma coisa” dirigir mesmo após um gole de bebida que seja, porque existem inumeráveis e inevitáveis outros fatores que afetam o abstrato “pleno gozo das capacidades mentais e físicas” dos quais, idealmente, o motorista deveria dispôr ao sentar-se ao volante: coisas como sono, anti-alérgicos ou preocupações com o trabalho ou a família potencialmente afetam-no muito mais do que uma taça de vinho no jantar, donde se vê que a discussão não deve ser sobre se algo influencia ou deixa de influenciar a capacidade de fulano dirigir e sim a partir de quando esta capacidade está comprometida a ponto de colocar em risco a vida de outros.

Mesmo os que concordam com a lei são praticamente unânimes em dizer que as pessoas normais estão pagando pelas que exageram, o pai de família responsável que tomou uma taça de vinho com a esposa no jantar pelo bêbado que passou a noite enchendo a cara na balada e agora mal consegue ficar em pé. Há, portanto, inocentes pagando por culpados. Isto significa (por mais que o Dimenstein não goste de dizer as coisas às claras) que o Poder Público está sim reprimindo – injustamente! – direitos individuais, está dizendo como as pessoas devem agir ou evitar agir em assuntos que não dizem respeito ao bem público. Algumas pessoas não se importam com isso; eu acho que deveríamos nos importar.

A Lei Seca aqui citada é somente um exemplo de algo muito mais genérico: a noção de que o Estado possa (ou até deva) regular as minúcias da vida individual, dizendo o que as pessoas podem ou não podem fazer em assuntos totalmente alheios (por vezes, até contrários!) à ordem da vida em sociedade que o Estado deveria tutelar. Em uma coisa o Dimenstein está completamente certo: a Lei Seca é «algo do tipo como não fumar em locais fechados». Sim, verdade: é pelo menos tão absurdo quanto, provavelmente até mais grave, mas da mesma espécie depravada de idéia que só pode sair da cabeça de mini-ditadores ávidos por controlar a vida alheia em aspectos que cada vez menos lhes dizem respeito.

É dever do Estado punir os crimes, mas não a mera possibilidade de cometê-los, senão caímos em Minority Report. É justo e razoável que o Estado puna quem cometeu um acidente de trânsito, mas é absurdo autorizá-Lo a punir o (alegado e questionável) risco de provocar um acidente. Nem Deus pune os homens desse jeito! E os burocratas que se deixam inebriar por essa onipotência legislativa não conhecem limites. As ordens tendem a ficar cada vez mais estapafúrdias. Já existe um projeto de lei – aprovado pela Câmara dos Deputados! – que proíbe o motorista de andar com bebidas alcóolicas em qualquer outro lugar do carro que não o porta-malas, ainda que ele próprio não esteja bebendo. O carona tampouco pode beber. O que é isso agora? Certamente o projeto deve estar recheado de floreios retóricos provando por “a + b” a má influência que a cerveja nas mãos do passageiro pode exercer sobre o motorista forçosamente abstêmio; mas punir esta caricatura de ocasiões de pecado evidentemente não é papel dos Poderes Públicos. Como foi possível que nós tenhamos chegado aqui?

Este texto sobre um outro aspecto da mesmíssima doença – agora voltada para a propaganda infantil – dá-nos uma preciosa dica. Vale a leitura na íntegra, mas destaco estes dois parágrafos que são bem representativos do que estamos querendo dizer:

Lembrar aos pais que a responsabilidade sobre a obesidade de seu filho pertence a eles mesmos, que aos pais cabe a decisão de ter ou não ter uma TV em casa, de que o controle do dinheiro da família não é da criança, e que, portanto, não há possibilidade de um filho se encher de gordura sem que o pai não tenha de alguma forma permitido tal lambança, pelo fornecimento de capital e pela falta de autoridade, seria inconveniente e impopular. Seria sincero demais.

[…]

Não, não se trata da defesa dos direitos da criança. Trata-se, mais uma vez, da diminuição da liberdade do cidadão, do enfraquecimento da autoridade dos pais, da ingerência estatal no livre mercado e na mídia, da pulverização das responsabilidades individuais, do fortalecimento e da expansão do aparato estatal sobre as consciências e sobre toda a sociedade.

Trata-se, em suma, da dissolução das responsabilidades individuais por meio da transferência de tudo para o coletivismo – para o Estado. E um povo sem responsabilidades individuais é um povo fraco e medíocre, presa fácil para toda sorte de tiranias que soem medrar em ambientes assim. O cigarro, a bebida, as guloseimas infantis! Para fins de compreendermos a seriedade destas questões, talvez fosse importante perguntarmos onde eles irão parar. Mas, para que saiamos da letargia que retroalimenta esse ridículo “pode-não-pode” estatal, talvez a pergunta mais adequada a se fazer aqui seja até onde nós os deixaremos ir.

“O comportamento de alguns líderes da nossa amada Igreja” – por Lívia Melo

Em todo esse tempo de caminhada dentro da Igreja Católica, nunca antes precisei enfrentar tantos embates tão sérios quanto os de agora. Considero os de agora mais sérios porque antes as divergências com outras pessoas eram até normais, pois não eram da mesma fé que eu; mas, agora, os embates são mais desgastantes, pois são com irmãos de fé, são pessoas católicas que criticam, “alfinetam” e vêem com maus olhos as práticas pelas quais tenho simpatia. Práticas que aprendi com meu bisavô materno, com minha avó, com amigos fiéis à Igreja…

Para ilustrar bem, vou relatar o que houve no último domingo, 27 de janeiro, quando fui à missa na minha cidade natal, Campina Grande, onde vim passar as férias.

Como de costume, levei à missa meu Tratado da Verdadeira Devoção à Ssma. Virgem, o terço e minha mantilha. A missa não era tridentina, mas ainda assim usei a mantilha. Ao meu lado estava uma tia freira e a minha avó.

A celebração não era assim de uma liturgia perfeita, mas ainda assim permaneci serena, pois aprendi a suportar os abusos litúrgicos com o mesmo silêncio de Maria, ao ver Cristo ser abusado na Sua Paixão. Foquei no principal e suportei os erros.

Pois bem… eis que chega a hora da homilia. Foi quando comecei a ouvir comentários do tipo:

“Querem que às missas voltem a ser em latim, com aqueles incensos!”
“Querem que a mulher vá à missa ‘cheia de pano’!”
“Querem que os padres usem batinas, aquelas batinas pretas… essas pessoas não sabem o que é usar isso aqui no nordeste”

Na mesma hora olhei bem para o padre, e ele me olhou. Pode até ser que esses comentários não tenham sido alfinetadas; mas, com toda sinceridade, entendi como indiretas a mim, pois eu era a única que estava de véu, o que remete ao passado, às missas em latim, às comunhões na boca, etc. De qualquer modo, ainda que não tenham sido comentários direcionados a mim, os mesmos estão equivocados da mesma forma. Como pode uma assembléia ser educada desta maneira? Como pode um padre “demonizar” o rito tridentino e as práticas piedosas de tantas pessoas? É realmente muito difícil de compreender.

Minhas observações:

Com relação à crítica nº1: Qual é o problema em ter fiéis querendo que tenham missas tridentinas? Acaso ele está desconsiderando o Motu Proprio Summorum Pontificum? Desde que não se condene o rito novo como inválido, que mal faz querer uma missa bem celebrada na forma extraordinária?

Com relação à crítica nº2: “Cheia de Pano”? Existe pecado em usar um véu na missa? Por que ele não se volta contra as mulheres que vão semi-nuas às celebrações?

Com relação à crítica nº3: Queremos que os padres usem batinas, sim! Se querem andar igual a boyzinhos, por que decidiram seguir a Cristo na Ordem? Cristo nos pede tudo e não metade, portanto, um consagrado deve andar como um consagrado. E, com relação ao calor do nordeste, tinha uma freira ao meu lado, de hábito, NO NORDESTE! E eu nem vou levar em consideração o fato de que, no interior, o calor é muito mais ameno que nas capitais.

Não tive raiva deste padre, ao contrário, tive piedade, mas fico muito triste ao perceber o comportamento de alguns líderes da nossa amada Igreja. Líderes que se comportam mais como leigos ou políticos engajados em uma luta terrena.

Por fim, quero deixar claro que este depoimento não tem intenção alguma de escandalizar este padre cujo nome não foi e não será citado, tampouco a paróquia em que isso ocorreu. Também não tem a intenção de desmerecer qualquer trabalho de boa fé que o mesmo faz. É apenas um desabafo de uma senhorita que busca ser cada vez mais fiel aos olhos do Senhor e que tem encontrado obstáculos diversos dentro da igreja local, onde deveria ser o refúgio dos cristãos.

Nossa Senhora, Auxílio dos Cristãos, rogai por nós!

Lívia Melo é paraibana,
Gestora Financeira e aderida ao Movimento Regnum Christi