Virtude x Vício, texto muito bom publicado hoje no Estadão. Já falei aqui por outras vezes que existe um processo – no meu entender, deliberado – de substituição da Moral Católica, no inconsciente popular, por uma “moral” arbitrária e estranha ao catolicismo; felizmente, parece que não estou sozinho, porque o professor de Filosofia que assina o texto do Estado de São Paulo diz que “[o] politicamente correto apresenta-se, então, como se fosse, moralmente falando, uma forma do bem que estaria enfrentando o mal, no caso, o mau comportamento”.
O professor Denis Lerrer Rosenfield não fala especificamente sobre o cigarro, embora o inclua expressamente; fala também sobre o álcool e alguns alimentos “considerados daninhos ao organismo”. O problema de fundo é o mesmo – a demonização de uma coisa que, em si, é neutra, por causa dos efeitos maus indesejados advindos do seu uso – e tem tudo a ver com a “síndrome de Paulo Cintura” sobre a qual julgo já ter falado algures: a máxima “saúde é o que interessa, o resto não tem pressa” parece ter se transformado em um axioma incontestável dos tempos modernos. Todo católico sabe que saúde interessa, sem dúvidas, mas não é o que mais interessa; a salvação da própria alma é muitíssimo mais importante, por exemplo. Fazem-se, no entanto, de surdos e mudos diante da imposição do culto ao corpo hodierno.
A análise do texto não é do ponto de vista meramente moral, mas principalmente histórico e político. Fala que esta ingerência estatal nos hábitos dos cidadãos remonta à Alemanha Nazista. “A propaganda nazista não cessava de apregoar a virtude de seus dirigentes, ressaltando que Hitler era antitabagista, enquanto seus inimigos, como Churchill, Roosevelt e Stalin, eram adeptos do fumo, o primeiro, de charutos e os outros dois, de cigarros. […] Na perspectiva nazista, assinalada em sua propaganda, Hitler era um homem virtuoso, que se dedicava a combater o vício, enquanto os seus adversários eram capitalistas ou comunistas degenerados, frutos de uma civilização decadente. Tratava-se, portanto, para ele, de fazer um resgate da virtude, em contraposição aos que se dedicavam ao vício”.
Aqui, falo eu: se Estado arvora-se em guardião da moralidade dos atos – papel que, absolutamente, não compete a ele -, é realmente espantoso que tal Estado torne-se, mais cedo ou mais tarde, totalitário? Não é óbvio? Quem pode o mais, pode o menos: se até mesmo nas consciências e liberdades individuais o Estado pode imiscuir-se, e tal atitude é referendada pelo silêncio ou até mesmo apoio entusiasta dos cidadãos, como será possível impedi-lo de se meter em demasia nas relações sociais, na produção intelectual, nas atividades econômicas, na liberdade religiosa? Se o Estado é guardião do vício e da virtude, e a tal ponto que é capaz não apenas de combater o primeiro e favorecer o segundo, mas de definir mesmo o que é vicioso e o que é virtuoso… como escapar do monstro?
Caiu a Alemanha Nazista com o seu Führer vegetariano e anti-tabagista; no entanto, o saldo foi bastante negativo. Ao fim da Guerra, entre outras coisas, os alemães que se libertaram do jugo de Hitler adquiriram novamente o direito de comer gordura, beber e fumar. Não pensemos que é pouca coisa; foi com a supressão destes simples direitos – que, aliás, pressupõe poderes estatais nada simples e nada pequenos – que começou a ascenção do III Reich. Defendamos o que precisa ser defendido, por pequeno que pareça; a história é testemunha de que grandes erros iniciam-se sempre com [aparentemente] pequenos desvios.