Têm recebido uma significativa repercussão as notícias a respeito da descoberta de um papiro que sugere que Nosso Senhor tenha sido casado. Vi a matéria hoje na INFO e ouvi, pela manhã, o assunto na CBN; ontem eu já vira a mesma notícia no site da Terra.
O que dizer sobre o assunto? É de se espantar o sensacionalismo com o qual a mídia costuma tratar qualquer velharia como se fosse a última descoberta científica de uma novidade revolucionária sobre a qual nunca se ouviu falar antes! É verdadeiramente impressionante: como é possível tratarem com tanto frisson um fragmento de texto antigo que alude a uma genérica “mulher de Jesus”, quando já se conhecem (e há muito tempo) textos que dão nome e sobrenome a esta alegada “esposa”?
O Apócrifo de Filipe fala de Maria Madalena como “companheira” de Jesus e afirma que Ele a beijava com freqüência – “na boca”, alguns gostam de completar em um impressionante exercício de leitura adivinhatória de lacunas. E, na Idade Média, nós sabemos que os cátaros foram acusados, justamente, de afirmarem que Cristo tinha um relacionamento com Maria Madalena (ora como esposa, ora como concubina). Se estas referências são eruditas demais para a nossa classe jornalística, temos aquele mega-best-seller, “O Código Da Vinci”, contando exatamente a mesma história caquética. Por qual motivo ela só agora seria digna de crédito?
[E antes que me venham com chorumelas dizendo que as comparações são injustas, respondo logo que, muito pelo contrário, são a mesmíssima coisa: historietas de comadres em tempo algum levadas a sério pelos cristãos. Continuemos.]
Com relação a este novo papiro antigo, uma reportagem de G1 diz que ele é questionado por especialistas. E estes questionamentos, parece, já produziram resultados: ontem o documento era do século II (Terra) e, hoje, já é do século IV (EFE, via INFO)! A continuar com este prodigioso processo de envelhecimento datacional, na próxima semana descobrem que o papiro se trata, na verdade, dos primeiros rascunhos do Dan Brown lançados fora pelo escritor em um surto de bom senso infelizmente passageiro. Mas, da matéria de G1, interessa-me particularmente a declaração do porta-voz da Santa Sé:
“Não muda em nada a visão sobre Cristo e os Evangelhos. Este acontecimento não tem influência alguma sobre a doutrina católica”, enfatizou.
Se ele fala do papiro, é verdade: não muda nada porque uma fábula espúria antiga não se torna verdadeira só pelo fato de estar escrita num fragmento de texto velho. Mas, se ele fala do alegado relacionamento de Cristo com Maria Madalena ou com qualquer outra, aí é preciso dizer que muda, sim, muita coisa.
Afinal de contas, durante séculos – melhor, milênios! – os cristãos professaram unanimemente que Nosso Senhor veio ao mundo para redimir a humanidade, e esta Sua missão redentora passou pelo sacrifício de Si na Cruz do Calvário. Jamais se afirmou que a missão do Redentor houvesse passado pela constituição de uma família, e isto importa sim. Tomar uma esposa não é um acidente de percurso na existência humana, como o seria por exemplo um jantar em Betânia ou um passeio de barco pelo Mar da Galiléia. Aqui sim, se Nosso Senhor certa feita jantou na casa de um coxo em Jericó ou se ele retirou-Se alguma vez para rezar sozinho no meio do Mar Morto, não faz de fato diferença alguma.
Mas um casamento não é um aspecto acidental da vida humana: é uma vocação positiva, um elemento constituinte do papel assinalado por Deus para cada um nesta terra. A plena realização do ser humano, a sua santificação, o tornar-se aquilo que Deus quer que ele se torne, passa estruturalmente pelas núpcias que ele contrai ou deixa de contrair. Se Cristo houvesse sido casado e a Igreja tivesse ignorado ou escondido este fato, isto representaria uma lacuna incompreensível na missão do Salvador, uma negligência injustificável sobre o papel do Sagrado Matrimônio: coisas que simplesmente não podem existir na indefectível Igreja de Cristo. Portanto, este assunto não é “indiferente”, porque um Matrimônio nunca é “indiferente”. Cristo não Se casou, porque assim sempre o afirmou a Igreja de Deus.
Quanto às estórias espúrias – por antigas que sejam – que digam diferente, elas por certo não conseguirão jamais abalar a solidez das referências documentais que temos a respeito da história de Cristo. Mas é preciso cuidar também para que elas não lancem dúvidas sobre o papel que o seu estado de vida exerce na salvação de cada ser humano concreto, sobre o lugar privilegiado que ocupa o Sagrado Matrimônio na economia da Salvação. Dizer que “tanto faz” é aviltar a concepção cristã de casamento e de família. Dos inimigos da Igreja (que tampouco têm consideração alguma pela Família) é esperado que pensem assim. Mas os cristãos não têm o direito de professar semelhante acinte à ordem que o Onipotente estabeleceu para a Sua criação.