A CNBB não irá se pronunciar sobre isso

A respeito da exposição — sedizente “cultural” e “artística” — que o Banco Santander havia patrocinado em Porto Alegre mas que, após protestos, terminou cancelada antes do tempo, há dois artigos que precisam ser lidos. Um deles mais longo, mais denso e mais teórico; o outro, curto, prático e certeiro.

Primeiro, o Carlos Ramalhete: «O que se está fazendo é um ataque sistemático às bases mesmas da sociedade e da civilização – de qualquer civilização; não estou falando simplesmente da civilização ocidental, em cujos subúrbios estamos. E quando eu digo que é às bases, não exagero: o ataque visa coisas tão básicas quanto o masculino e o feminino, necessários para a própria reprodução da espécie; a noção hierárquica de superior e inferior, necessária para qualquer reta ordenação social; a noção ético-moral de certo e errado, necessária para o juízo das ações que nós mesmos encetamos. É a destruição da possibilidade mesma de sociedade que esses processos irracionais almejam.»

Depois, o Jônatas Lima: «Este blogueiro pediu uma resposta da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) e a declaração recebida foi a de que… não. A CNBB não vai fazer nada, por que a arquidiocese de Porto Alegre já fez e “possui autonomia como Igreja local”.»

A recusa explícita da Conferência dos Bispos do Brasil de tomar uma posição institucional perante o fato local de provavelmente maior repercussão midiática nas últimas semanas é sintomática. Mais que isso até: é covarde, pusilânime, agoureira, e nos diz muito a respeito de com quem poderemos contar nestes tempos difíceis em que vivemos. A CNBB perde, mais uma vez!, a chance de se posicionar do lado correto da história e de cumprir o seu papel profético levantando a voz para protestar contra a blasfêmia e a imoralidade explícitas e deliberadas.

Penso, por um instante, que poderia ser pior, e que os senhores bispos — atenção, que isso não é inverossímil! — poderiam muito bem ter lançado uma nota em defesa da malfadada exposição. Quase ouço alguém dizer que deveríamos até dar graças a Deus pelo silêncio da Conferência — tão acostumada a falar o que não deve, a envergonhar a Igreja de Cristo e ofender Nosso Senhor. A argumentação, no entanto, não serve de consolo. Porque este silêncio — publicamente justificado! — já é indevido, vergonhoso e ofensivo. Já é um escândalo, um acinte.

Porque haveria muito o que se dizer. Seria preciso, somente à guisa de exemplificação, protestar contra a ofensa gratuita ao sentimento religioso dos brasileiros, questionar a exposição de crianças e adolescentes às mais grotescas formas de depravação sexual, defender da acusação de censura os brasileiros que, irritados, iniciaram uma exitosa campanha de boicote ao Santander que culminou com o encerramento prematuro do evento, censurar as posições contraditórias tomadas pelo banco a respeito do caso.

Todas e cada uma dessas coisas podiam e aliás precisavam ser ditas; é verdadeiramente chocante que nada disso possa ser encontrado no site da CNBB (a própria página com a notícia da nota de Arquidiocese de Porto Alegre não a reproduz nem parcialmente, simplesmente tem um link dizendo “Leia a Nota no site da arquidiocese”). Quem entra no site da Conferência pensa que nada aconteceu, que está tudo muito bem, que Cristo não foi ofendido e que os católicos não estão sendo atacados. Parece que está tudo na mais perfeita paz.

Diante da grande mídia em uníssono falando em censura e patrocinando o vilipêndio a símbolos religiosos há dias, é embaraçoso que a Conferência Episcopal não se demonstre minimamente interessada em defender a verdade, a bondade e a beleza.

Duas palavras sobre a Assunção

Houve outrora um Homem que subiu aos Céus. Mas houve também uma Mulher que sobre as nuvens foi elevada; e se a Ascensão de Cristo revela o Poder de Deus, a Assunção da Bem-Aventurada Virgem Maria escancara a Misericórdia do Onipotente. Cristo subiu aos Céus e não teria como ser de outro modo; Maria foi assunta em meio aos Anjos e teria, sim, como ser diferente, e aliás o que qualquer pessoa sensata poderia esperar era que fosse diferente. Mas, podendo ser de outro modo, foi assim. E isso é de pasmar.

A festa de hoje, digamo-lo às claras, é a exaltação suprema da criatura humana — não a desordenada pelo pecado, mas a querida e estabelecida por Deus. Por conta dela os hereges acusam-nos de idólatras; ora, venerar a Assunção de Maria Virgem é, ao contrário, a máxima anti-idolatria. Os ídolos são obra humana; a Virgem Santíssima é obra de Deus. Os privilégios d’Ela são muito maiores do que os pagãos jamais ousaram conferir aos seus falsos deuses. São tão imensos que seriam humanamente inimagináveis; só os conhecemos porque eles aconteceram. Só os sabemos porque o próprio Deus os realizou. Ninguém mais os poderia sequer imaginar.

«No está bien eso»

papa-morales

Imagem sensacional.

O olhar de desprezo de Sua Santidade (em outro ângulo aqui) diante da paspalhice do boliviano cocaleiro é a mais eloquente declaração anticomunista que o Papa Francisco poderia dar. E, ao contrário do que acontece com entrevistas, diante de cara feia não dá pra tergiversar, pra distorcer, pra suscitar conflito interpretativo nem nada do tipo.

O semblante sisudo é inequívoco, universalmente compreensível, insofismável. O sorriso aguado posterior, protocolar, não elide a força do símbolo desta cara de desgosto. Aqui está a imagem que vale mais do que mil palavras. Aqui está o tratamento de asco e repulsa que o comunismo merece. Às claras, sem ruído, sem margem para má interpretação.

Outras duas boas razões pelas quais é importante compartilhar este acontecimento:

1. Porque, como muitos argutamente perceberam, sob uma determinada ótica a escultura é até apropriada: de fato, há mais de século a foice e o martelo vêm pregando Cristo na Cruz.

2. Porque ele permite que sejam divulgadas matérias como esta ou esta: «Al Papa no le gustó el regaló, le miró de forma severa y se dirigió a Morales diciendo: “No está bien eso”».

Sobre o “Noé” de Aronofsky que ainda não assisti

Eu não assisti ainda ao Noé de Aronofsky, mas acompanhei ultimamente muitas discussões sobre o filme entre os mais diversos círculos de amizade. De todas elas o que mais me chamou a atenção foi este texto – cuja leitura eu recomendo na íntegra. A tese do autor (Brian Mattson) é a de que o cineasta não tomou “liberdade artística” nenhuma com a história de Noé que nós conhecemos do Antigo Testamento, mas simplesmente a contou sob a ótica bem exata e bem fidedigna da Cabala. A despeito de ser um pouco longa, a originalidade da análise é cativante e perspicaz.

noah

Mesmo sem ver o filme, eu próprio já havia notado que todo mundo estava falando dele de maneira estranha: fosse pelo fato de Noé ser vegetariano, fosse por se tratar aparentemente de uma espécie de nômade que vivia longe da civilização, fosse por não agir com suficientemente docilidade à voz de Deus. Em poucas palavras: a história que me contavam do filme que eu ainda não vira não tinha nada a ver com a história de Noé cujos traços mais marcantes todo mundo guarda no subconsciente quando menos como reminiscência das aulas de Catequese – e todo mundo percebia isso. Havia algo de não muito católico na película que ainda está em nossas salas de cinema.

Diante dessa primeira universal impressão, chocou-me o fato de eu ter assistido ao trailer de “Noé” em duas ocasiões católicas. A primeira, foi na première de Blood Money aqui em Recife; a segunda, na Jornada Mundial da Juventude do Rio de Janeiro. Como era possível que depois de credenciais de tanto peso o filme me saísse como esta catequese às avessas da qual todo mundo estava falando? Infelizmente, parece que é mesmo verdade. No fim das contas, parece que o Brian Mattson estava certo quando escreveu:

Eu acho que Aronofsky se propôs a experiência de nos fazer de bobos: “Vocês são tão ignorantes que eu sou capaz de colocar Noé (Russell Crowe!) nas telas e retratá-lo literalmente como a ‘semente da serpente’ e, mesmo assim, todos vocês vão assistir e apoiar”.

Aronofsky está dando risada. E todos os que caíram no trote deveriam se envergonhar.

Fiquei, sim, com a sensação de que fomos enganados. E isso deve nos fazer atentar doravante para alguns pequenos detalhes.

O primeiro, que Hollywood não merece carta branca e um livro não deve ser julgado pela sua capa – nem um filme pelo seu trailer. Acho que não cheguei a recomendar “Noé” aqui no Deus lo Vult! simplesmente porque não é do meu feitio resenhar filmes antes de assisti-los, mas podia perfeitamente tê-lo feito dando crédito às boas pessoas que, em situações distintas, me “venderam o peixe” fazendo publicidade da produção em eventos voltados para o público católico. E provavelmente eu falei positivamente do filme em conversas informais, com base no que ouvira sobre ele aqui em Recife e na JMJ.

O segundo, que é humano ser enganado, mas uma vez percebido é mister denunciar o engodo. Vi ultimamente muitas pessoas descascarem o o filme do Aronofsky manifestando o seu desgosto e afirmando a incompatibilidade da película com a história que nos foi legada pelas Escrituras Sagradas. Cumpro aqui um pouco esse papel, trazendo à baila – enquanto o assunto ainda está “quente” – as repercussões do blockbuster dentro do orbe católico, mesmo sem fazer muitas contribuições de minha própria lavra. Acho que o momento é propício para registrar aqui este “estado da arte”.

O terceiro, que é preciso ter profundidade na crítica que se faz, e é justamente nesse aspecto que o texto linkado no início desse post pareceu-me tão particularmente meritório. Indo além do lugar-comum “ah, não é a história que tá na Bíblia”, o autor foi procurar a tradição religiosa que dá sentido e coerência a toda a narrativa, o que é muito útil tanto para entrever as motivações por trás da produção do filme quanto para aumentar o nosso conhecimento geral a respeito dos inimigos clássicos do Cristianismo – informações essas que, nos tempos que correm, não nos é prudente dispensar.

Faço, por último, uma última colocação de caráter estritamente pessoal, não necessariamente aplicável a este “Noé” ao qual, repito, não assisti. Eu gosto de ficção e não penso que toda obra precise ser biblicamente fidedigna para que seja apreciável. Acho que há muito espaço, sim, para se produzir uma obra de arte digna sem que se precise fazer paráfrase de histórias já contadas e bem estabelecidas. Não é este o cerne da crítica ao filme de Aronofsky.

Mas quando um diretor de cinema divulga um filme com um pano de fundo premeditadamente anti-católico através de meios católicos… aí já é caso de perguntar se não houve intenção de enganar, de conseguir para a obra a boa-vontade da publicidade católica, por meio de se lhe deixar ser aplicado um rótulo – o de filme católico – que de saída o produtor já sabia não ser cabível, mas não achou relevante avisar isso aos divulgadores do filme. Aqui, sim, já se pode falar em comportamento censurável. Liberdade artística não é um problema. Induzir as pessoas ao erro é que é.

Penso que somos cegos das grandezas de São José

Guercino, Hl.Joseph - Guercino, St.Joseph - Guerchin, Giovanni Francesco Barbieri, d

Para ilustrar o “esquecimento” do Evangelho do qual padece o mundo moderno, dia desses um amigo mencionou um episódio significativo. Certo autor encontrava-se certa vez num museu de St. Petersburg, diante d’O Filho Pródigo de Rembrandt; e percebeu que pouquíssimas pessoas sabiam o que era retratado no famoso quadro. Para a maior parte dos transeuntes, era apenas “um quadro bonito” ou, no máximo, “um Rembrandt”.

O quadro acima é de um pintor barroco italiano, Guercino. Ao vê-lo hoje de manhã, lembrei-me imediatamente da conversa sobre a ignorância evangélica do século XXI à qual fiz referência acima; e pensei, com os meus botões, quantas pessoas seriam capazes de identificar o esposo da Virgem Maria nos traços de Giovanni Barbieri.

Hoje é dia 19 de março, e a data pode parecer corriqueira para muitas pessoas. No entanto, trata-se do dia do Glorioso São José, um santo que se destaca em envergadura acima dos outros santos e santas do Altíssimo como a Sagrada Família da Qual ele é chefe se eleva acima das outras famílias santas que a Igreja já produziu neste mundo. Trata-se de um homem tão santo que sob o seu patrocínio está não um único povo ou uma determinada classe de homens, mas a totalidade da Igreja de Deus.

Infelizmente, penso que estamos muitas vezes como os turistas que não reconhecem a Parábola do Filho Pródigo numa pinacoteca ou os internautas que não distinguem o rosto de São José numa Timeline de Facebook. Penso que somos cegos das grandezas de São José, ignorantes de suas glórias; o poder do Patrono da Igreja Universal é-nos estranho e desconhecido. Se o soubéssemos, provavelmente recorreríamos com mais freqüência à sua valorosa intercessão; e, se o fizéssemos, é certo que seríamos cristãos melhores.

Em uma meditação sobre o dia de hoje, alguém me lembrava que Deus confiou à guarda de São José os Seus dois maiores tesouros na terra: a Imaculada Virgem Maria e o Menino Jesus. Como não tremer de admiração diante da grandeza desse Paterfamilias? Como não se encomendar à proteção do Chefe da Sagrada Família de Nazaré?

Há farto material sobre o santo da lavra dos Papas dos últimos séculos, da Quamquam Pluries de Leão XIII ao Bonum Sane de Bento XV (em português aqui), chegando à Redemptoris Custos de João Paulo II. Outro não foi o tema da catequese de hoje do Papa Francisco. Para qualquer lado que olhemos, os Romanos Pontífices nos acenam com a importância do Protetor da Santa Igreja. Coloquemo-nos confiantemente sob sua providência. E rezemos, especialmente no dia de hoje, para «que mereçamos ter por intercessor no céu o que veneramos na terra como protetor». Que o ilustre filho de Davi nos proteja. Que São José interceda por todos nós.

“Meu pudor está acima do dinheiro e do meu sonho”

Bastante educativa esta história de uma jovem cantora italiana! Ela tem dezoito anos e fora escalada para o papel principal em um musical de David Zard, «tal vez el mayor productor musical italiano». María Luce Gamboni seria a disputadíssima Julieta no spettacolo  «Romeo & Giulietta – Ama e cambia il mondo». Seria. Porque declinou o convite.

O motivo? Havia no espetáculo uma cena de semi-nudez. Em um dado momento, Julieta teria que se apresentar usando uma roupa transparente. Rapidamente a jovem María Luce chamou o produtor e lhe disse para procurar outra protagonista. Não quis sequer negociar, como se estivesse profundamente ofendida com a proposta indecorosa que lhe fora feita.

[P.S.: na verdade, ao que parece ela tentou negociar sim. O original em italiano diz que [l]a protagonista mancata ha chiesto alla regia di potere almeno mettersi le mutande e il reggiseno. Ma la risposta è stata perentoria: o nuda o chiamiamo qualcun altro. E lei ha detto: chiamate qualcun altro, «perché al denaro e al mio sogno ho preferito il mio pudore». Embora «mancata ha chiesto» possa realmente significar “não pediu” (e esta seja a primeira tradução do Google Translate), o verbo mancare significa também “não conseguir”, “não obter êxito” – e este sentido traduz melhor o período, que ficaria assim: a protagonista não obteve êxito em pedir ao diretor que a deixasse ao menos colocar [por baixo] a calcinha e o sutiã. A resposta [do diretor] foi peremptória: ou nua, ou chamamos outra. E ela [então] disse: [pois] chame outra, «porque ao dinheiro e ao meu sonho eu prefiro o meu pudor». O pessoal da Infovaticana melou a tradução e inverteu o sentido da frase ao meter um «[l]a protagonista principal no pidió al director poder usar por lo menos alguna ropa interior» na matéria. Traduttore, traditore: mais uma vez o adágio popular mostra por que existe. Em todo caso, é verdade que María Luce, diante da intransigência do diretor, abriu mão do papel e o mandou procurar outra cantora.]

«Por encima del dinero y de mi sueño yo prefiero mi pudor», disse a jovem. E disse ainda uma outra verdade bastante esquecida nestes tempos em que a imodéstia dos espetáculos já se transformou em coisa tão banal e corriqueira que ninguém se preocupa em questionar mais: «el canto es una cosa, despojarse de la ropa, es otra».

A história me lembrou um outro desabafo que eu publiquei certa feita aqui no Deus lo Vult!, há mais de cinco anos já. Foi quando o brasileiro Pedro Cardoso disse que os atores eram obrigados a fazer pornografia. As palavras – atualíssimas – dele foram as seguintes:

O personagem é justamente algo que o ator veste. Ao despir-se do figurino, o ator despe-se também do personagem, e resta ele mesmo, apenas ele e sua nudez pessoal e intransferível.

E isto não é exatamente o ponto fulcral da queixa de María Luce? Ora, cantar é uma coisa, e ficar nua é outra coisa completamente diferente! A voz de uma jovem cantora não é melhor apreciada quando ela tira a roupa, muito pelo contrário. O mais provável é que a atenção seja atraída para o corpo desnudo e, diante dele, a beleza do canto passe despercebida. E a jovem italiana quer ser apreciada pelo talento que tem, e não pelos dotes físicos com os quais a natureza a agraciou.

Porque isto não deixa de ser uma forma de apelação desnecessária, de coisificação da mulher – vista como um objeto sexual -, de sacrifício da arte nos altares da pornografia “soft”, de erotismo descabido, de vulgaridade dispensável. Ora, o que importa o corpo da jovem Giulietta – ou, melhor dizendo, o corpo da jovem cantora que a está representando, uma vez que despir-se do figurino é despir-se também do personagem – para a peça? Trata-se de um musical, e não de um ensaio fotográfico erótico!

É triste se deparar com um meio artístico tão erotizado assim. Mas é ao mesmo tempo reconfortante ver que uma jovem ainda é capaz de perceber o descabimento de certas exigências artísticas. E ainda é capaz de dizer “não”. E de nos ensinar que há coisas mais importantes do que o sucesso. De nos ensinar que a realização pessoal não passa necessariamente pela fama, mas sim pela coerência com os próprios valores. Que o «pudor» – esta palavra que está tão fora de moda… – ainda é mais valioso do que o dinheiro.

Os homens conseguem reconhecer – e valorizar – a beleza artística sim!

Todos devem ter visto aquela senhora que destruiu uma pintura do século XIX na sua tentativa de restaurá-la. Como eu comentei com uns amigos então, era evidente que a idosa não queria escarnecer de Nosso Senhor nem nada do tipo: claro estava que ela agiu com a melhor das intenções, cheia de boa-vontade. O que faltou foi, precisamente, alguém que lhe chamasse à realidade e lhe dissesse, caridosamente, que ela estava fazendo uma grande besteira. O que faltou foi alguém que afastasse o “yes, you can!” moderno que certamente ressoava em seus ouvidos para lhe dizer “não, querida, tu não podes”.

A história me fez lembrar imediatamente do início do “Ortodoxia” de Chesterton, onde ele critica o chavão vigente de que as pessoas que acreditavam em si mesmas estavam fadadas ao sucesso. O inglês diz (com uma clarividência impressionante) precisamente o oposto: as pessoas que acreditam em si mesmas estão é no hospício. De novo: não tenho dúvidas de que Cecilia Giménez acreditava na sua capacidade de restaurar a pintura espanhola… e aí deu no que deu. Faltou alguém que a fizesse duvidar um pouco de si. Faltou alguém que, com um pouco menos de respeito humano, recusasse a ajuda – evidentemente inadequada – da boa idosa.

Um detalhe, contudo, merece um pouco mais de ênfase: a história virou piada mundial e a pobre senhora se transformou rapidamente em motivo de chacota. Ora, isto tudo serve para demonstrar que as pessoas conseguem sim distinguir entre uma obra de arte bonita e uma ridícula. O pecado desta “restauração” não foi simplesmente ter imposto à obra anterior um outro estilo artístico diferente, mas o de fazer um desenho grosseiro, tosco e disforme, cuja feiúra a comparação com o Ecce Homo original só fazia acentuar.

Lembrei-me do assunto quando vi, hoje, esta imagem comparativa e provocativa no Facebook: a “restauração” que ganhou notoriedade recentemente e uma capa de um livro de um conhecido artista católico, o Cláudio Pastro. A semelhança é inegável; mas da sra. Giménez a gente pode ao menos dizer que ela fez o melhor que pôde.

Que o lamentável episódio espanhol possa servir para lançar um pouco de luz sobre este vergonhoso “relativismo estético” dos nossos dias que não poupa nem mesmo as nossas igrejas. Foi perdida a pintura de Elías García Martínez, mas não necessariamente o nosso bom gosto. Aliás, esta é uma excelente oportunidade para que o possamos afirmar em público e defender com coragem.

A primeira Missa do Brasil

E faz hoje 512 anos que foi celebrada a primeira missa no Brasil recém-descoberto. O primeiro ato público realizado nesta Terra de Santa Cruz; a esquadra de Cabral aqui aportou no dia 22 de abril e, no dia 26, o frei Henrique de Coimbra subia ao altar do Deus que é a alegria da sua juventude para oferecer à Trindade Santa o sacrifício do Corpo e do Sangue de Cristo.

A conhecida pintura – como nos diz o Salvem a Liturgia! – retrata a missa do dia primeiro de Maio, sexta-feira, a primeira em terras continentais. A missa do dia 26 – então Domingo in Albis, da Oitava de Páscoa – foi celebrada em uma pequena ilhota hoje inexistente. Feito o pequeno reparo histórico, o fato é que hoje nós celebramos as primícias da vocação do Brasil, o desabrochar da história desta terra chamada a glorificar a Nosso Senhor Jesus Cristo.

Na efeméride talvez valha a pena a leitura de dois textos sobre o assunto. Um do Orlando Fedeli e, outro, do Plínio Corrêa de Oliveira. Deste último, destaco esta exortação aos poderes públicos:

“Na harmonia desta mesma obra está a predestinação de uma íntima cooperação entre dois poderes.

“Deus jamais é tão bem servido como quando César se porta como seu filho.

“Senhores, em nome dos católicos do Brasil, eu vo-lo afianço: César jamais é tão grande como quando é filho de Deus.

“Nessa colaboração está o segredo de nosso progresso, e nela vossa parte é verdadeiramente magnífica.

“Trabalhai, senhores, trabalhai neste sentido.

“Tereis a cooperação entusiástica de todos os nossos recursos, de todos os nossos corações, de todo o nosso fervor.

“E quando algum dia Deus vos chamar à vida eterna, tereis a suprema ventura de contemplar um Brasil imensamente grande e profundamente cristão, sobre o qual o Cristo do Corcovado, com seus braços abertos, poderá dizer aquilo que é o supremo título de glória de um povo cristão.

Que distância vai entre estes arroubos de entusiasmo patriótico e a triste situação do Brasil atual, que jaz sob o peso dos adversários da civilização e agoniza subjugado pelos inimigos da Cruz de Cristo – Cruz que primeiro deu nome a esta Terra! Mas há ainda esperança, se levantarmos os olhos para o Céu e, de lá, esperarmos o nosso socorro. Se nos esforçarmos por fazer valer a lembrança do dia de hoje: da primeira vez em que Cristo foi exaltado no Brasil. Se correspondermos às graças que o Todo-Poderoso tem reservadas para a nossa Pátria Amada.

Que a Virgem Santíssima, Rainha e Padroeira do Brasil, possa conduzir a nossa Pátria às grandezas às quais ela está destinada. Que Ela nos possa valer e o Brasil, liberto do lamaçal pútrido onde hoje se encontra, possa erguer-se ao sol do Deus da Justiça qual impávido e imponente colosso. Que a Virgem Aparecida salve o Brasil.

A Beleza verdadeira exige a Verdade e a Ela conduz

Eu gostei deste texto do Marcelo Coelho, ateu confesso, a respeito de uma missa à qual ele foi a pedido de um amigo católico. E que nos valeu – a nós, católicos todos – a indulgência do embevecido ateu: «Depois de uma missa tão bonita e inteligente, vocês estão desculpados».

Eu já repeti aqui outras vezes que salvar a Liturgia é salvar o mundo, e creio que remete a Dostoievski a formulação clássica: «a Beleza salvará o mundo». Porque o Belo, como eu já disse algures, é um transcendental que tem uma impressionante capacidade de “tocar” as almas que se permitem contemplá-Lo. O Belo atrai; e, algumas vezes, atrai até mesmo de uma maneira mais eficaz do que a Verdade e o Bem.

Algum amigo questionava, diante deste artigo do Marcelo Coelho, qual culto protestante seria capaz de provocar uma impressão assim em homens incrédulos. Isto é uma verdade facilmente perceptível: ao se afastarem do Verum, os protestantes acabaram por afastar-se também do Pulchrum. Porque a Beleza verdadeira exige a Verdade. Os erros são feios em si, e facilmente degeneram em manifestações externas também feias, privadas da Beleza capaz de encantar as almas: daquele tipo particularmente Belo de beleza, capaz de tocar até mesmo as almas incrédulas.

Não é outro o motivo, afinal, pelo qual é feia a arte moderna. Minando a sensibilidade estética dos homens, a Revolução consegue mais facilmente minar-lhe o intelecto e o senso moral. Porque, afinal de contas, chamar o feio de belo é uma outra modalidade de pecado que certamente também recai sob aquela condenação vetero-testamentária: «Ai daqueles que ao mal chamam bem, e ao bem, mal, que mudam as trevas em luz e a luz em trevas, que tornam doce o que é amargo, e amargo o que é doce!» (Is 5, 20). Também é pecado conceder às coisas feias a consideração devida somente às belas. Negar-se a entregar a Deus o que existe de belo no mundo é também uma outra forma de se repetir o diabólico brado de non serviam! de Satanás.

E um pecado particularmente malicioso é buscar corromper o senso estético dos homens, para assim mais facilmente levá-los ao erro e ao mal. Contra este, porém, resta a esperança de que existe algo no interior do homem que resiste à enxurrada de feiúra que se lança sobre ele. Existe algo que sobrevive à doutrinação moderna, e que é capaz de reconhecer a Beleza onde ela se encontra. Existe um ateu capaz de vislumbrar o Pulchrum em uma Santa Missa bem celebrada! Só isto deveria ser o suficiente para redobrarmos – aliás, para centuplicarmos – o cuidado com as nossas celebrações. Porque, por vezes, nós não conseguimos conceber a dimensão da importância da beleza da Liturgia. Mas, ainda que nós não percebamos, por vezes o Belo é justamente a porta de entrada para a Religião Verdadeira.

Las meninas de Pablo Picasso

Nas minhas recentes andanças espanholas, encontrei-me em Barcelona – bela cidade que eu não conhecia. No meio do meu roteiro turístico, visitei entre outras coisas o recomendado Museu Picasso de Barcelona – “centro de referência para o conhecimento dos anos de formação de Pablo Ruiz Picasso”.

Eu não sou crítico de arte (aliás, sequer entendo de arte) e, portanto, não é nesta condição que escrevo estas linhas. Quero apenas registrar as impressões que os quadros do conhecido pintor espanhol provocaram em mim, um simples observador leigo e ignorante. Mais especificamente, alguns quadros da série Las Meninas que ocupavam a última sala do museu. Para fins desta análise, trago dois aqui.

O primeiro, de outubro de 1957, retrata Isabel de Velasco, María Bárbola i Nicolasito Pertusato. O segundo, de novembro do mesmo ano, traz Isabel de Velasco i María Bárbola. Ambos encontrados neste catálogo virtual do Museu. Seguem abaixo, nesta ordem:

O meu primeiro impulso diante dos quadros foi o de tentar associar as meninas representadas nos dois quadros aos nomes que constavam no título da obra. Faltava uma garota; o segundo quadro, portanto, representava duas das três garotas do primeiro quadro, e uma delas ficara de fora. Quem estava faltando?

Tal processo aparentemente banal se mostrou bastante demorado, para minha grande frustração. As duas meninas do segundo quadro pareciam-me completamente diferentes das três meninas do primeiro. A do segundo quadro que tinha um sinal no queixo (a da direita) não me parecia estar no primeiro; a que tinha “uma lua em cima do nariz” no primeiro quadro (a da direita) não me parecia estar no segundo. Para mim, a que tinha cabelos cacheados no segundo quadro (a da esquerda) não estava no primeiro, e a que tinha “cara de coruja” no primeiro (a do meio) não estava no segundo. Desconcertado, quase julguei ter matado a charada ao notar que “a de rosto quadrado” (a da esquerda) do primeiro quadro não estava no segundo; mas a resposta me pareceu insuficiente.

Foi quando li de novo os títulos dos quadros e percebi que a ordem em que os nomes apareciam provavelmente indicava a ordem em que apareciam as meninas, da esquerda para a direita. Portanto, nos dois quadros, a da esquerda era Isabel de Velasco. María Bárbola era a do meio no primeiro quadro e a da direita no segundo. A que faltava, ergo, era Nicolasito Pertusato. Faltava a garota da direita.

Olhei e olhei novamente para os dois quadros, tentanto encontrar algum indício de que a garota faltante era mesmo a de vermelho. E foi quando eu, embaraçado, percebi: a de vermelho. No primeiro quadro havia verde, azul e vermelho. No segundo, só verde e azul. A garota que estava no primeiro quadro e não estava no segundo era portanto a de vermelho.

A de vermelho! Pensei depois na possibilidade caridosa de que Picasso fosse sinesteta e enxergasse coloridos os nomes das meninas. Mas, naquele momento, o que pensei foi no grande absurdo que é as pessoas serem identificadas pela cor da roupa que utilizam. Na hora eu pensei que os quadros diziam que as meninas não tinham individualidade, distinguindo-se umas das outras tão-somente por coisas exteriores (no caso, as roupas) – talvez uma farda, um número ou um crachá. Eu procurara em vão traços fisionômicos similares (como formato do rosto, olhos, cabelo) para distinguir as meninas, e devia ter desde o início procurado pelas cores dos vestidos.

Na verdade, o que eu vi nestes quadros foi justamente uma arte de vanguarda no pior sentido possível: uma preconização (e em tom laudatório) da supremacia do exterior sobre o interior, das personalidades diluídas e escondidas sob as vestes, as fardas. Vi o nonsense de um mundo onde não era possível identificar os indivíduos senão pelos adereços que eles ostentam, como se Isabel de Velasco pudesse passar a ser María Bárbola bastando que, para isso, trocasse o seu vestido verde por um azul.

E percebi também, temeroso, que o mundo moderno caminha exatamente nesta direção. Assustei-me com a possibilidade de que talvez nós cheguemos um dia a este extremo de impessoalidade retratado nos quadros de Picasso! E este mundo preconizado naquelas telas parecia-me terrivelmente feio, ainda mais feio do que a “arte” disforme e mal-feita nelas contida.