Albert Camus afirmou uma vez: “Há um só problema verdadeiramente sério e é … estabelecer se vale ou não a pena viver…”. O grande problema, o grande causador das neuroses e depressões, é o vazio existencial.
Dom Fernando Rifan, “O sentido da vida”.
Eu já cansei de citar Santo Agostinho com o seu “Criastes-nos para Vós, Senhor, e o nosso coração vive inquieto enquanto não repousa em Vós”. Feciste nos ad Te, Domine, et inquietum est cor nostrum donec requiescat in Te. A sentença é d’As Confissões, obra que li há uns dez anos. Sempre conservei na memória, contudo, algumas passagens para mim assustadoramente marcantes dessa grande obra do Santo de Hipona.
Uma delas é essa frase a respeito do “vazio existencial” que existe no homem. Santo Agostinho escreveu-a em sua forma lapidar: Deus nos criou para Ele e, portanto, a nossa existência não está ainda tranqüila enquanto não Lhe estamos devotados integralmente. Falta-nos algo; ou melhor dizendo, falta-nos Alguém. Nos círculos da Renovação Carismática falava-se exatamente a mesma coisa, só que com outras palavras: no nosso coração existe um buraco infinito que só Deus, Infinito, é capaz de preencher. Enquanto Ele não o faz – ou, melhor dizendo, enquanto nós não O deixamos fazer -, a sensação de vazio interior é inevitável.
A menos, claro, que alguém tente enganar-se a si mesmo; esta, no meu entender, é a principal razão do crescimento do proselitismo ateu nos dias de hoje. A fanática sanha “apologética” dos Arautos da Irreligião sempre se me afigurou como uma tentativa desesperada de auto-negação, um mecanismo psicológico que leva os descrentes a tentarem sufocar a voz da própria consciência por meio da repetição frenética e desesperada, quase que em caricata oração, de um único versículo bíblico com a exclusão de todos os outros: non est Deus.
E volto às Confissões, com uma segunda passagem que eu nunca esqueci mesmo após todos esses anos: “Senti e experimentei não ser para saber que o pão, amável ao paladar sadio, é repugnante ao doente, e a luz, adorável aos olhos sãos, é odiosa aos [olhos] enfermos”. Perdoem-me qualquer imprecisão, pois cito tudo de memória. Mas se aplica perfeitamente: os que não querem que Deus exista (não lembro agora quem foi que disse que ninguém jamais falou “Deus não existe” sem ter antes desejado secretamente que Ele não existisse…) assustam-se com a mera possibilidade de dúvida acerca da Sua existência, fogem das evidências que apontam para Ele com a mesma devotada repugnância com que um estômago doente põe para fora o alimento que lhe seria salutar.
Há pecados que não têm perdão, os famosos “pecados contra o Espírito Santo” que a tradição católica enumerou e explicitou. Explica a Igreja que eles não são propriamente pecados imperdoáveis, mas sim aqueles pecados que, por sua própria natureza, repelem o perdão divino. Um deles é exatamente a negação da Verdade conhecida como tal: trata-se, p.ex., exatamente do orgulho de recusar-se a enxergar que Deus existe ou a achegar-se-Lhe suplicando a misericórdia da qual o homem tem a mais absoluta necessidade. O perdão de Deus é graça gratuita, claro está, mas não é exatamente um dom “incondicional”. Como tudo que está sob o império da economia da salvação, o perdão divino está condicionado ao livre-arbítrio humano, que precisa desejá-lo como conditio sine qua non para o receber.
Mas o orgulho é próprio da natureza humana decaída, e este vício – mormente o intelectual – é difícil de ser arrancado uma vez que finca as suas raízes no coração. Se o paladar enfermo rejeita o remédio, o que se pode fazer? Se a Anti-Fé atéia postula como o mais inquestionável dos dogmas que não há Deus, como aqueles que tiveram a infelicidade de abraçá-la um dia poderão se libertar de suas garras se não podem sequer suplicar ao Deus no Qual não crêem que Se digne conceder-lhes o dom da Fé?
A situação é sem dúvidas terrível, e é justamente por isso que ela mereceu ser chamada de “Pecado contra o Espírito Santo”, aquele que não será perdoado nem neste século e nem no vindouro: não, repitamos, porque não possa absolutamente ser perdoado, mas porque – na expressão do Catecismo Romano que cito também de memória – “só a muito custo se lhe obtém o perdão”, uma vez que este pecado específico (ao contrário de outros) fecha deliberadamente as portas do coração humano à ação santificante de Deus.
Convém, contudo, que não nos desesperemos. Na nossa recitação diária do Santo Rosário, nós acrescentamos a jaculatória de Fátima e pedimos que o bom Jesus possa socorrer “principalmente aqueles que mais precisarem”. “Da Vossa misericórdia”, em alguns lugares se costuma acrescentar. E a força de tantas orações pode aproveitar aos nossos queridos irmãos que não têm Fé; não nos esqueçamos de que Deus concede a todos os homens graças suficientes para que se salvem, e os misteriosos caminhos da liberdade humana são tais que, em princípio, até o último suspiro um homem pode decidir voltar-se para Deus. Rezemos, portanto, por aqueles que não querem ou não podem rezar por si próprios! Ó Deus, pedimo-Vos “por aqueles que não crêem, não adoram, não esperam e não Vos amam”. Orações são umas das pouquíssimas coisas (senão as únicas) das quais se pode com a mais absoluta certeza dizer que não são em vão.
Porque a apologética é sem dúvidas necessária, mas muito mais necessária é a oração, esta que é a alma de todo apostolado. A decisão de crer é uma decisão pessoal e interior, que pode perfeitamente (permita-o Deus!) ser ensejada à força de nossos arrazoados, mas que ninguém é capaz de produzir em si ou em outrem por virtude própria. São importantíssimas as discussões sobre Deus, sem dúvidas, mas o acumulado de todas elas levadas a cabo ao longo dos séculos pelas mais brilhantes mentes que já passaram pela Terra não é capaz, por si mesmo, de produzir a virtude da Fé em uma única alma. Mais do que ser convencido acerca de Deus, o homem precisa crer. E termino com uma terceira lembrança d’As Confissões que sempre me acompanhou ao longo dos anos, e que resume perfeitamente isto que estou querendo dizer, de um modo até muito melhor do que eu próprio consigo: “prefira [o homem] encontrar a Deus sem O conhecer a, conhecendo-O, não O encontrar”. Que Santo Agostinho possa rogar por todos nós.