Eu acho engraçado como ainda existem estudiosos com a audácia de prever que o ateísmo tomará o lugar das religiões. Parece que eles não aprenderam nada! Durante o Iluminismo francês, Voltaire já previra o fim da Igreja Católica para muito em breve, acusando-A de atrapalhar os avanços científicos (mesmo que grande parte dos cientistas da época fossem jesuítas) – como se vê, nada mudou. Faz quase trezentos anos! E o nosso século, que se gaba de ser progressista e avançado, ainda se mantém terrivelmente preso aos preconceitos iluministas. Enquanto o mundo gira e a Cruz permanece inabalável, enquanto os inimigos de Deus passam e a Igreja de Cristo permanece, parece não haver nada de novo sob o sol. Os modismos (inclusive os intelectuais) passam, e a palavra de Deus permanece. Os homens já deveriam ter aprendido. Mas somos uma gente de cerviz dura.
Écrasez l’Infâme! Esmagai a Infame! Embora a perseguição exista desde a época de Cristo, creio ter sido Voltaire o primeiro a formular o grito de guerra neste imperativo satânico. Contudo, o mais impressionante é que Voltaire perdeu e, mesmo assim, possui ainda hoje uma multidão de asseclas seguindo-lhe os passos que a História já mostrou não levarem a lugar algum – senão a um precipício. Por quê?
O fenômeno parece apresentar-se em todos os lugares – recentemente eu lia sobre um pastor protestante ateu… E, por mais que seja necessário relativizar os dados do estudo (pois quem se diz “sem religião” não quer, nem de longe, dizer-se “ateu”), o fato é que as coisas me parecem estar encaminhadas nesta direção sim. Afinal, o individualismo é já o primeiro passo para o ateísmo (como aliás mostra o caso do pastor ateu). Ter uma confiança absoluta em si é já ter perdido o senso das proporções, é já ter direcionado o seu ato de fé para quem dele não é digno. Daqui para o ateísmo explícito, é só dar mais alguns passos.
Trata-se, no fundo, de uma antiquíssima tentação, de um pecado provavelmente tão velho quanto o próprio mundo – quiçá ainda mais. Trata-se de uma paráfrase (apresentando-se sempre em formas novas mas, no fundo, com a mesma essência podre e carcomida pelos séculos de sempre) do Non Serviam! que Lúcifer lançou à face do Deus Onipotente. O ateísmo não é senão um orgulho doentio, uma confiança desmesurada em si próprio.
Recentemente alguém me falava de um filósofo que postulara a inexistência de Deus “argumentando” que seria inconcebível existir alguma coisa maior do que ele [= o autor do “argumento”] próprio. É bastante óbvio que isto não é um argumento, mas é uma desculpa psicológica que ao orgulhoso sem dúvidas deve parecer bastante razoável: “não, eu não acredito que exista alguém maior do que mim”. Para mim, é exatamente este o pensamento que a imensíssima maioria dos ateus faz – mesmo que seja apenas tacitamente, no fundo do coração, repetindo-o freqüentemente para amortecer a própria consciência.
Afinal, o que é a fé inabalável na Ciência senão uma confiança absoluta no poderio humano e, portanto, em si próprio – parte da espécie humana? Existe porventura alguém que exija confiança cega na inteligência humana e que não esteja, no próprio ato de proferir este dogma, pensando em sua própria inteligência? Colocar o progresso (feito por homens e direcionado a homens) como fim último da vida humana não é incluir-se entre os artífices disto que se compreende como sendo a razão da existência? Por mais voltas que demos, não dá para escapar da inevitável conclusão: “eu sou a coisa mais importante do mundo, e não pode existir no mundo nada mais importante do que eu”.
Assim, muito ao invés de ser um ato de “inteligência”, de “liberdade” ou de qualquer outro nome pomposo que lhe queiramos dar, o ateísmo é no fundo um ato de orgulho. Se o nosso mundo está ficando mais ateu, isto significa simplesmente que estamos criando gerações de orgulhosos pretensamente auto-suficientes, que julgam ter o rei na barriga e entendem que o modelo ptolomaico está errado porque o universo inteiro, afinal de contas, gravita em torno de seus próprios umbigos. Portanto, isto é antes motivo de sérias preocupações do que de júbilo. Como na esmagadora maioria das coisas que o engenho humano é capaz de produzir por si só, este “mundo ateu” é pobre, feio, mesquinho, triste, degradante.