Lei Natural, natureza humana e Graça – Bento XVI

Uma importante aplicação desta relação entre natureza e Graça encontra-se na teologia moral de São Tomás de Aquino, que mostra-se de grande atualidade. No centro de seu ensinamento neste campo, ele coloca a nova lei, que é a lei do Espírito Santo. Com um olhar profundamente evangélico, insiste no fato de que esta lei é a Graça do Espírito Santo, dada a todos aqueles que creem em Cristo. A tal Graça une-se o ensinamento escrito e oral das verdades doutrinais e morais, transmitidas pela Igreja. São Tomás, sublinhando o papel fundamental, na vida moral, da ação do Espírito Santo, da Graça, para cultivar as virtudes teologais e morais, nos faz entender que todo o cristão pode alcançar as altas perspectivas do “Sermão da Montanha” se vive uma relação autêntica de fé em Cristo, se se abre à ação de seu Santo Espírito. Mas – acrescenta o Aquinense – “também se a graça é mais eficaz que a natureza, todavia a natureza é mais essencial para o homem” (Summa Theologiae Ia, q. 29, a. 3), pelo que, na perspectiva moral cristã, há um lugar para a razão, a qual é capaz de discernir a lei moral natural. A razão pode reconhecê-la considerando o que é bom e o que deve-se evitar para alcançar aquela felicidade que é desejada por todos, e que impõe também uma responsabilidade para com os outros, e, portanto, a busca do bem comum. Em outras palavras, as virtudes humanas, teologais e morais, estão enraizadas na natureza humana. A Graça divina acompanha, sustenta e incentiva o compromisso ético, mas, de per si, segundo São Tomás, todos os homens, crentes e não crentes, são chamados a reconhecer as exigências da natureza humana expressas na lei natural e a se inspirar nela para a formulação das leis positivas, isto é, aquelas emanadas pelas autoridades civis e políticas para regular a convivência humana.

Quando a lei natural e as responsabilidades que implica são negadas, abre-se dramaticamente o caminho para o relativismo ético no plano individual e ao totalitarismo do Estado no plano político. A defesa dos direitos universais do homem e a afirmação do valor absoluto da dignidade da pessoa postulam um fundamento. Não é exatamente a lei natural este fundamento, com os valores não negociáveis que indica? O Venerável Papa João Paulo II escreveu na sua Encíclica Evangelium Vitae palavras que permanecem de grande atualidade: “Para bem do futuro da sociedade e do progresso de uma sã democracia, urge, pois, redescobrir a existência de valores humanos e morais essenciais e congênitos, que derivam da própria verdade do ser humano, e exprimem e tutelam a dignidade da pessoa: valores que nenhum indivíduo, nenhuma maioria e nenhum Estado poderão jamais criar, modificar ou destruir, mas apenas os deverão reconhecer, respeitar e promover” (n. 71).

Bento XVI
Audiência-Geral do dia 16 de junho de 2010

O bordão e o báculo – Bento XVI

No entanto, falando do vale escuro, podemos pensar também nos vales escuros das tentações, do desalento, da provação, que toda pessoa humana deve atravessar. Também nestes vales tenebrosos da vida Ele está ali. Senhor, nas trevas da tentação, nas horas das trevas, em que todas as luzes parecem apagar-se, mostra-me que tu estás ali. Ajuda-nos a nós, sacerdotes, para que possamos estar junto às pessoas que, nessas noite escuras, nos foram confiadas, para que possamos mostrar-lhes tua luz.

“Vosso bordão e vosso báculo são o meu amparo”: o pastor necessita do bordão contra os animais selvagens que querem atacar o rebanho; contra os salteadores que buscam sua vítima. Junto ao bordão está o báculo, que sustenta e ajuda a atravessar os lugares difíceis. Esses dois elementos entram dentro do mistério da Igreja, do mistério do sacerdote. Também a Igreja deve usar o bordão do pastor, o bordão com o qual protege a fé dos farsantes, contra as orientações que são, na realidade, desorientações. Com efeito, o uso do bordão pode ser um serviço de amor. Hoje vemos que não se trata de amor, quando se toleram comportamento indignos da vida sacerdotal. Como tampouco trata-se de amor se deixa-se proliferar a heresia, a tergiversação e a destruição da fé, como se nós inventássemos a fé autonomamente. Como se já não fosse um dom de Deus, a pérola preciosa que não deixamos que nos arranquem. Ao mesmo tempo, no entanto, o bordão continuamente deve transformar-se em báculo do pastor, báculo que ajude aos homens a poder caminhar por caminhos difíceis e seguir a Cristo.

Bento XVI
Homilia no encerramento do Ano Sacerdotal

É preciso fundar a lei positiva sobre os princípios da Lei Natural – Bento XVI

Em 5 de junho, em Nicósia, capital da Ilha [do Chipre], comecei a segunda etapa da viagem, visitando o presidente da República, que me acolheu com grande cortesia. Ao encontrar as autoridades civis e o Corpo diplomático, reiterei a importância de fundar a lei positiva sobre princípios éticos da lei natural, com o fim de promover a verdade moral na vida pública. Foi um apelo à razão, baseado sobre princípios éticos e carregado de implicações exigentes para a sociedade de hoje, que muitas vezes não reconhece mais as tradições culturais sobre as quais está fundada.

Bento XVI
Audiência-Geral da quarta-feira, 09 de junho de 2010

* * *

Os antigos filósofos gregos nos ensinam que o bem comum é servido precisamente através da influência de pessoas dotadas de clara visão moral e coragem. Desse modo, as ações políticas devem ser purificadas dos interesses egoístas ou pressões partidárias e serem colocadas sobre uma base mais sólida. Além disso, as aspirações legítimas de quantos representamos são protegidas e promovidas. A integridade moral e o respeito imparcial pelos outros e do próprio bem-estar são essenciais para o bem de qualquer sociedade, uma vez que esse estabelece um clima de confiança no qual toda a relação humana, religiosa ou econômica, social e cultural, ou civil e política, ganha força e substância.

[…]

[P]romover a verdade moral na vida pública exige um esforço constante para estabelecer leis positivas sobre princípios éticos da lei natural. Referir-se a ele, em uma época, era considerado uma obviedade, mas a onda do positivismo na doutrina jurídica contemporânea exige uma reafirmação deste importante axioma. Indivíduos, comunidade e Estados, sem a orientação de verdades morais objetivas, tornariam-se egoístas e sem escrúpulos, e o mundo seria um lugar perigoso para se viver. Por outro lado, respeitando os direitos das pessoas e dos povos, protegemos e promovemos a dignidade humana. Quando as políticas que sustentamos são implementadas em harmonia com a lei natural própria da nossa comum humanidade, então as nossas ações tornam-se mais fundadas e levam a uma atmosfera de compreensão, de justiça e de paz.

Bento XVI
Discurso às autoridades civis e diplomáticas
Chipre – 05 de junho de 2010

O Ecumenismo de Santo Tomás de Aquino

Havia visto, na Rádio Vaticano, uma notícia – referente à Audiência Geral do Papa Bento XVI de quarta-feira passada – sob o título de “Tomás de Aquino e Ecumenismo”. Não havia lido nem a notícia e nem a catequese papal, mas fiquei pensando em qual seria o seu conteúdo, tendo por base a notícia da Radio Vaticana.

Hoje, li a notícia e também a audiência da quarta-feira 02 de junho. Curiosamente, a palavra “ecumenismo” não aparece uma única vez no discurso do Papa. A única menção feita ao movimento ecumênico foi na saudação aos peregrinos de língua inglesa, onde Sua Santidade cumprimenta os que estão reunidos para celebrar o centenário da Edinburgh Missionary Conference, sobre a qual eu nunca tinha ouvido falar antes, mas que o Papa diz ser de onde nasceu o moderno movimento ecumênico.

O evento ao qual faz alusão o Sumo Pontífice é a 1910 World Missionary Conference. A dar crédito à Wikipedia, foi um evento realizado pelas “maiores denominações protestantes e sociedades missionárias, predominantemente da Europa e dos Estados Unidos”, para o qual – “detalhe” – não foram convidadas organizações missionárias católicas ou ortodoxas. Não sei o desenrolar da história a partir de então, mas tenho quase certeza de que foi precisamente este “movimento ecumênico” nascido em 1910 que Pio XI fulminou na Mortalium Animos.

De Edinburgh à Unitatis Redintegratio, como eu disse, não sei a história completa. Mas sei a história possível: Pio XI afirmou solenemente que “não é lícito promover a união dos cristãos de outro modo senão promovendo o retorno dos dissidentes à única verdadeira Igreja de Cristo, dado que outrora, infelizmente, eles se apartaram dela”. Outra forma de “promoção” da unidade dos cristãos é falsa e enganosa. O objetivo do movimento ecumênico aceito pela Igreja Católica, portanto, não pode ser outro que não reconduzir os hereges e cismáticos para o seio da Única Igreja de Nosso Senhor Jesus Cristo, fora da qual não há salvação nem santidade. Contra os que acusam a UR em particular e o Vaticano II em geral de irenismo, ou de relativizar a necessidade de se pertencer à Igreja, ou de “expandir” indevidamente o conceito de “Igreja de Cristo”, et cetera, eu sempre argumentei que não existia outra forma de se compreender o Ecumenismo que não fosse tendo como fim a conversão à Igreja Católica, cum Petro et sub Petro.

Eu não sou o único que entende desta maneira. Há alguns meses, o cardeal Levada – prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé – disse exatamente isto. Falando sobre o retorno dos anglicanos à Igreja, Sua Eminência afirmou taxativamente que a “união com a Igreja Católica é a meta do ecumenismo”. Insistir em entender o assunto de maneira distinta disso é falsificar a doutrina da Igreja, entendo-a de uma forma que Ela não a entende.

No entanto e obviamente, os protestantes reunidos em Edinburgh, que não tiveram sequer a decência de convidar os católicos para o seu encontro, naturalmente tinham uma concepção de “ecumenismo” distinta da união cum Petro et sub Petro. Resta, portanto, uma série de perguntas a responder: se a Doutrina da Igreja não mudou (e aliás nem pode ter mudado), quando foi que o moderno movimento ecumênico tornou-se aceitável? Não mudando a Doutrina, o que mudou foi o Ecumenismo. Quando e como? Não sei as respostas. Mas, embora não saiba quando nem como, sei que foi assim – basta olhar para os documentos e para as declarações dos cardeais da Igreja Católica.

E – divago – o que Santo Tomás de Aquino tem a ver com esta história toda? Se existe alguma coisa na obra do Angélico que pode ser, analogamente, comparada ao Ecumenismo, creio ter sido o “Batismo de Aristóteles”. O Filósofo Pagão precisou ser purificado de tudo o que, nele, contrariava a Doutrina Católica para poder ser aceito na Cristandade. E por que não, portanto, “batizar” o Ecumenismo? Claro que a quantidade de erros no movimento ecumênico de 1910 era provavelmente muito maior do que no Estagirita pré-Santo Tomás, e eu até posso conceder que o movimento iniciado por protestantes no início do século XX guarda tão pouca relação com o que tem por meta a união com a Igreja Católica que não deveriam ser chamados pelo mesmo nome. Mas, comparando o início e o fim, é possível adivinhar alguma coisa do meio – e me parece ter sido exatamente isto o que aconteceu: mudou-se muito no Ecumenismo, e ele é hoje muito diferente do que era 100 anos atrás.

Pode-se então dizer que o movimento de Edinburgh foi “traído”? Depende do ponto de vista. Quanto às, digamos, “estratégias de ação”, sem dúvidas o foi. Mas creio poder dizer que ele foi “sobrenaturalizado”. O desejo meramente humano de união entre os cristãos era legítimo e era impossível dentro da Babel protestante. A única união possível, é a união com a Igreja de Cristo sob o báculo do Vigário de Cristo. Desta forma, o Ecumenismo católico é a única resposta possível aos anseios – legítimos, repito – de unidade que experimentavam os protestantes em 1910. É sem dúvidas diferente do que eles entendiam por “unidade”: mas é infinitamente melhor.

São Justino, Mártir: por Bento XVI, por ele próprio

Na sua totalidade, a figura e a obra de Justino marcam a opção decidida da Igreja antiga pela filosofia, mais pela razão do que pela religião dos pagãos. Com a religião pagã, de facto, os primeiros cristãos rejeitaram corajosamente qualquer compromisso. Consideravam-na idolatria, à custa de serem acusados por isso de “impiedade” e de “ateísmo”. Em particular Justino, especialmente na sua primeira Apologia, fez uma crítia implacável em relação à religião pagã e aos seus mitos, por ele considerados diabólicas “despistagens” no caminho da verdade. A filosofia representou ao contrário a área privilegiada do encontro entre paganismo, judaísmo e cristianismo precisamente no plano da crítica à religião pagã e aos seus falsos mitos. “A nossa filosofia…”: assim, do modo mais explícito, definiu a nova religião outro apologista contemporâneo de Justino, o Bispo Melitão de Sardes (ap. Hist. Eccl. 4, 26, 7).

De facto, a religião pagã não percorria os caminhos do Logos, mas obstinava-se pelas do mito, até a filosofia grega o considerava privado de consistência na verdade. Por isso o ocaso da religião pagã era inevitável: fluía como consequência lógica do afastamento da religião reduzida a um conjunto artificial de cerimónias, convenções e hábitos da verdade do ser. Justino, e com ele os outros apologistas, selaram a tomada de posição clara da fé cristã pelo Deus dos filósofos contra os falsos deuses da religião pagã. Era a opção pela verdade do ser contra o mito do costume.

Bento XVI
Audiência-Geral de 21 de março de 2007

* * *

A carne é preciosa aos olhos de Deus, que a prefere entre todas as Suas obras; é, pois, razoável que a salve. […] Não seria absurdo que aquilo que foi criado com tantos cuidados, aquilo que o Criador considera mais precioso que tudo o resto, que isso voltasse ao nada?

Quando um escultor ou um pintor querem que as imagens que criaram permaneçam, para servirem à sua glória, restauram-nas quando são danificadas. E Deus estaria disposto a ver o Seu bem, a Sua obra, regressar ao nada, deixar de existir? Chamaríamos «obreiro da inutilidade» àquele que construísse uma casa para em seguida a destruir, ou que a deixasse danificar quando pudesse reconstruí-la. Da mesma maneira, não acusaríamos Deus de criar a carne inutilmente? Mas não, o Imortal não é assim; aquele que é, por natureza, o Espírito do universo não pode ser insensato! […] Na verdade, Deus chamou a carne a renascer e prometeu-lhe a vida eterna.

Porque, onde quer que se anuncie a boa nova da salvação do homem, anuncia-se essa boa nova também para a carne. Com efeito, o que é o homem, senão um ser vivo dotado de inteligência, composto por uma alma e um corpo? O homem é composto apenas pela alma? Não, trata-se da alma de um homem. Chamaríamos «homem» ao corpo? Não, dizemos que se trata de um corpo de homem. Assim, pois, se nenhum destes elementos isolados é o homem, é à união entre os dois que chamamos «homem». Ora, foi o homem todo que Deus chamou à vida e à ressurreição; não chamou apenas uma parte dele, chamou todo o homem, ou seja, a alma e o corpo. Não seria, pois, absurdo, tendo em consideração que ambos existem segundo a mesma realidade e na mesma realidade, que um deles fosse salvo e o outro não?

São Justino (c. 100-160), filósofo, mártir
Tratado sobre a Ressurreição, 8
Fonte: Evangelho Cotidiano
apud Ecclesia Sophia

As piadas de Boff

Li com um misto de diversão, enfado e tristeza a (última) longa entrevista dada pelo sr. Leonardo Boff à IstoÉ.

Diversão, porque a quantidade de bobagens que o ex-franciscano é capaz de falar impressiona. Seriam excelentes piadas, se não estivéssemos convencidos de que Genésio fala sério. Os perfis fakes de Leonardo Boff criados no Twitter e no Formspring são tão parecidos com o próprio ex-frade que, se o colocássemos para responder às perguntas e para enviar tweets, aposto que quase ninguém notaria a diferença.

Leonardo Boff, o fake, responde que, se sua casa estivesse em chamas e ele só pudesse salvar três coisas, elas seriam “[a] foice, [o] martelo e a bíblia pastoral”. E diz que “o verdadeiro Cristo ressucitado, filiado ao PT, ainda está por vir do alto do céu, munido de foice e martelo”.

Leonardo Boff, o original, insiste no lenga-lenga de se ter sentado “na cadeira onde sentou Galileo Galilei”; fala que “[a] Igreja se engessou em suas doutrinas, em suas normas, em seus ritos que poucos entendem e num direito canônico escrito para legitimar desigualdades e conservadorismos”; fala que não há “nenhuma doutrina ou dogma que impeça as mulheres de serem ordenadas e até de serem bispos” e em “patriarcalismo intrínseco à instituição”; afirma-se “católico apostólico franciscano”. Oras, um sujeito capaz de falar este monte de asneiras em uma entrevista poderia, perfeitamente, subscrever tudo o que os seus perfis fakes dizem. O Boff é uma piada pronta.

No entanto, ainda tem gente que leva este sujeito a sério – e daí o motivo do enfado. Com certeza há gente estúpida o bastante para acreditar no ex-frei amasiado sobre a possibilidade de ordenação de mulheres – apesar da Igreja já ter reiteradas vezes dito o contrário. Com certeza há pessoas que achem que o Papa devesse renunciar. Com certeza há imbecis que irão subscrever a crítica de Genésio ao celibato eclesiástico e ao “patriarcalismo” da Igreja. Porque, se este sujeito fala, é porque tem quem o ouça.

E daí o motivo da tristeza. Porque há pessoas que preferem dar ouvidos a um velho hippie que julga ser, ele próprio, o único oásis de graça e salvação que ele nega ser a Igreja. Há pessoas que preferem seguir um ex-frei amasiado que provavelmente se acha o último digno sucessor de São Francisco de Assis – a quem ele chama de “último cristão verdadeiro e talvez o primeiro depois do Único, que foi Jesus Cristo” – a seguir o Papa, Doce Cristo na Terra e Pedra sobre a qual Nosso Senhor edificou a Sua Igreja.

Genésio Boff tem a petulância de mandar o Papa trancar-se em um convento, para “se preparar para o grande encontro com o Senhor da Igreja e da história. E pedir misericórdia divina”. E o Boff, acaso não precisa da misericórdia do Altíssimo? Infelizmente, o ex-frei não tem mais um convento onde possa ficar. Ele faria bem, no entanto, se se preocupasse mais em pedir a misericórdia divina do que em atacar publicamente a Igreja de Cristo. Genésio, Genésio, para o teu bem, ouve o teu próprio conselho.

Hierarquia e autoridade – Bento XVI

Nas últimas décadas, utilizou-se frequentemente o adjetivo “pastoral” quase em oposição ao conceito de “hierárquico”, assim como foi interpretada na mesma oposição a idéia de “comunhão”. […] Prevalece na opinião pública, para a realidade “hierarquia”, o elemento de subordinação e o elemento jurídico; por isso, para muitos a idéia de hierarquia aparece em oposição à flexibilidade e à vitalidade do senso pastoral e também contraria à humildade do Evangelho. Mas este é um sentido mal compreendido de hierarquia, também causado historicamente pelo abuso de autoridade e pelo carreirismo, que são exatamente abusos e não derivam do próprio ser da realidade “hierarquia”.

A opinião comum é que a “hierarquia” é sempre alguma coisa ligada ao domínio e, portanto, não corresponde ao verdadeiro sentido da Igreja, da unidade no amor de Cristo. Mas como disse, esta é interpretação errada, que se originou em abusos da história, mas não corresponde ao verdadeiro significado daquilo que é a hierarquia. Comecemos com a palavra. Geralmente, diz-se que o significado da palavra “hierarquia” seria “sacro dominio”, mas o verdadeiro significado não é esse, mas sim “sacra origine”, isto é: esta autoridade não vem do próprio homem, mas tem suas origens no sagrado, no Sacramento; submete-se, então, a pessoa à vocação, ao mistério de Cristo; faz do indivíduo um servo de Cristo e só enquanto servo de Cristo ele pode governar, guiar por Cristo e com Cristo. Por isso, aquele que ingressa na sagrada Ordem do Sacramento,  a “hierarquia”, não é um autocrata, mas entra em um novo vínculo de obediência a Cristo: é ligado a Ele em comunhão com os outros membros da sagrada Ordem, do sacerdócio.

Bento XVI,
Audiência Geral da quarta-feira, 26 de maio
Tradução do Fratres in Unum
Original italiano: Il Magistero di Benedetto XVI

Evo Morales, o católico

Eu já tinha visto que o Evo Morales havia sido recebido pelo Papa Bento XVI, em audiência, na semana passada. O que eu ainda não lera foram as duas sandices que só hoje vi publicadas no Unisinos.

Primeira: Evo Morales disse que era católico, e que havia sido convidado pelo próprio Papa para esta audiência. Segundo o presidente da Bolívia: “Saúdo o pedido do núncio apostólico (o arcebispo Gianbattista Diquattro) da Bolivia – estou certo de que é uma mensagem do Papa – de me convidar. Em 2007, eu busquei uma audiência, me recusaram. Agora, ele pediu uma audiência. Eu saúdo. Será um encontro interessante”.

No entanto, uma agência de notícias católica apressou-se a desmentir. “Segundo fontes bem informadas do Vaticano – indicou a Infodecom –, não é certo – para não dizer ilógico – que o Papa Bento XVI tenha pedido uma audiência a Evo Morales”.

Segunda: na tal audiência, Evo Morales pediu a abolição do celibato. Conforme foi noticiado:

O presidente da Bolívia, Evo Morales, entregou nas mãos do Papa uma carta na qual pede a abolição do celibato, o acesso da mulher ao sacerdócio e a “humanização e democratização da estrutura clerical”.

Nela, Morales se apresenta como “membro da Igreja Católica” e “cristão de base” e propõe “muito respeitosamente” a Bento XVI “a necessidade de superar a crise da Igreja, que, como o senhor disse, está ferida e em pecado”.

Para superar essa crise, Morales considera “imprescindível democratizar e humanizar sua estrutura clerical”. E acrescenta: “Democratizá-la para que sejam reconhecidos a todas as filhas e filhos de Deus os mesmos direitos religiosos e que as mulheres possam ter as mesmas oportunidades que os homens para exercer plenamente o sacerdócio”.

É com coisas assim que eu vejo como é difícil ser Papa. Receber este tipo de proposta e, depois, ainda precisar agradecer as lembranças bolivianas… Rezemos pelo Santo Padre, para que Nosso Senhor lhe ajude a carregar a sua cruz. E pelo presidente da Bolívia, para que tenha noção da realidade. Que esta audiência possa, ao menos, alcançar graças para os cristãos da Bolívia. Esqueceram-se disso? Eu ainda lembro.

A atualidade das mensagens de Fátima

Muito interessante o discurso de Dom Manoel Pestana na Conferência sobre Fátima, que o Fratres in Unum traduziu e transcreveu. Sobre o Vaticano II e a sua relação com as profecias de Fátima.

Realmente, é necessário convir que parece que o Papa Bento XVI modificou recentemente o status quaestionis sobre as profecias de Fátima. No ano 2000, quando o Vaticano divulgou pela primeira vez a profecia, o então cardeal Ratzinger disse o seguinte:

Em primeiro lugar, devemos supor, como afirma o Cardeal Sodano, que «os acontecimentos a que faz referência a terceira parte do “segredo” de Fátima parecem pertencer já ao passado». Os diversos acontecimentos, na medida em que lá são representados, pertencem já ao passado.

E, recentemente, em Fátima, o Papa Bento XVI afirmou quanto segue:

Iludir-se-ia quem pensasse que a missão profética de Fátima esteja concluída.

O que pensar das duas declarações? Penso o seguinte:

1. A interpretação dada pela Congregação para a Doutrina da Fé no ano 2000 jamais pretendeu ser definitiva. Isso se depreende da própria frase utilizada no documento, com o “parecem pertecer já ao passado”, e também da própria natureza do objeto tratado. Posso estar enganado, mas não me consta que interpretações de profecias – i.e., de revelações privadas – possam ser objeto de definição solene magisterial. Isto contrariaria, salvo melhor juízo, o próprio conceito de “revelação privada”.

2. Já em 2000, fazia-se referência à actualidade da mensagem de Fátima. Logo em seguida à frase acima citada, o então cardeal Ratzinger acrescentava que “permanece (…) a exortação à oração como caminho para a «salvação das almas», e no mesmo sentido o apelo à penitência e à conversão”.

3. Parece ser exatamente neste sentido que o Papa falou em Portugal, recentemente. Afinal, logo depois de dizer que a “missão profética de Fátima” não está concluída, o Papa acrescenta: “O homem pôde despoletar um ciclo de morte e terror, mas não consegue interrompê-lo… Na Sagrada Escritura, é frequente aparecer Deus à procura de justos para salvar a cidade humana e o mesmo faz aqui, em Fátima”.

Em suma, o que me parece? Que há dois erros opostos a serem evitados: de um lado, descartar as aparições e as mensagens da Mãe de Deus como alguma coisa que “já passou” e, portanto, não tem mais importância para o homem moderno; e, do outro lado, fixar-se em supostas revelações apocalípticas que anunciam uma catástrofe iminente pesando sobre nossas cabeças. Concedo que há incontáveis nuances entre os dois extremos, fazendo toda a nossa vida espiritual gravitar em torno disso. Entendo também que os que procuram ver uma relação entre Fátima e a crise atual da Igreja não necessariamente são adeptos dos que dão valor exagerado às aparições da Mãe de Deus. Em uma palavra: entendo que é possível “ultrapassar” a interpretação oficial do ano 2000 e acreditar em presentes e futuras tribulações como parte dos segredos de Fátima, sem que com isso se deixe de ser um bom católico.

Parece-me, aliás, ser este o sentido da conferência de Dom Manoel Pestana – ou, pelo menos, que o discurso do bispo emérito de Anápolis enseja estas considerações. De qualquer modo, a crise da Igreja é real, como reais são as promessas da Virgem em Fátima: “no fim, Meu Imaculado Coração triunfará”. Rezemos à Virgem por este triunfo que – aqui, imagino não haver discórdias – ainda não ocorreu. Que Ela venha em socorro à Igreja. Que Ela vença, mais uma vez, e vença depressa, para a maior glória de Deus e salvação das almas.

Nossa Senhora de Fátima,
rogai por nós.

“Só o Amor redime” – Bento XVI

Portanto, vale a pena deixar-se tocar pelo fogo do Espírito Santo! A dor que nos chega é necessária à nossa transformação. É a realidade da Cruz: não por acaso, na linguagem de Jesus, o “fogo” é sobretudo uma representação do mistério da Cruz, sem o qual não existe Cristianismo. Por isso, iluminados e confortados por estas palavras de vida, elevemos nossas invocações: vinde, Espírito Santo! Acendei em nós o fogo do Vosso amor! Saibamos que esta é uma oração audaciosa, com a qual pedimos ser tocados pelas chamas de Deus; mas saibamos sobretudo que estas chamas – e somente estas – têm o poder de nos salvar. Não queiramos, para defender a nossa vida, perder aquela Eterna que Deus nos quer doar. Nós temos necessidade do fogo do Espírito Santo, porque só o Amor redime. Amen!

Bento XVI
Cappella papale nella Solennità di Pentecoste – Omelia del Santo Padre Benedetto XVI
Domenica, 23 maggio 2010