Deus não cessa de bater à nossa porta – Bento XVI

O homem é a única criatura livre de dizer “sim” ou “não” à eternidade, ou seja, a Deus. O ser humano pode apagar em si mesmo a esperança, eliminando Deus da sua própria vida. Como é que isto se pode verificar? Como pode acontecer que a criatura “feita por Deus”, intimamente orientada para Ele, a mais próxima do Eterno, possa privar-se desta riqueza? Deus conhece o coração do homem. Sabe que quem O rejeita não conheceu o seu verdadeiro rosto, e por isso não cessa de bater à nossa porta, como peregrino humilde em busca de hospitalidade. Eis por que motivo o Senhor concede um novo período à humanidade: a fim de que todos possam chegar a conhecê-lo! Este é também o sentido de um novo ano litúrgico que tem início: é uma dádiva de Deus, que deseja novamente revelar-se no mistério de Cristo, mediante a Palavra e os Sacramentos. Através da Igreja, deseja falar à humanidade e salvar os homens de hoje. E fá-lo, indo ao seu encontro para “procurar e salvar o que estava perdido” (Lc 19, 10). Nesta perspectiva, a celebração do Advento é a resposta da Igreja Esposa à iniciativa sempre nova de Deus Esposo, “que é, que era e que há-de vir” (Ap 1, 8). À humanidade que já não tem tempo para Ele, Deus oferece mais tempo, um novo espaço para que volte a entrar em si mesma, a fim de que se ponha novamente a caminho, para reencontrar o sentido da esperança.

[…]

O que é que faz progredir o mundo, a não ser a confiança que Deus tem no homem? É uma confiança que encontra o seu reflexo nos corações dos pequeninos e dos humildes quando, através das dificuldades e dos afãs, se comprometem todos os dias a fazer o melhor que podem, a realizar o pouco de bem que contudo aos olhos de Deus é muito: na família, no lugar de trabalho, na escola e nos vários âmbitos da sociedade. No coração do homem a esperança está inscrita de maneira indelével, porque Deus nosso Pai é vida, e é para a vida eterna e bem-aventurada que nós fomos criados.

Bento XVI,
Homilia na Celebração das Primeiras Vésperas do Advento
1º de dezembro de 2007

Apanhado de notícias

Relíquias de Dom Bosco em Curitiba, desde ontem: para quem estiver na cidade, hoje “a urna estará na Paróquia São Cristóvão (Rua Santa Catarina, 1.750, Vila Guaíra), também podendo ser visitada durante todo o dia, com missas às 10, 15 e 20 horas”.

– Aproveitando, sobre relíquias, ver Dom Estêvão em uma Pergunte & Responderemos de 1960, pp. 194-202. “Com estas palavras [Mc 14, 6-9; elogio “a respeito de Maria de Betânia, que ungira o corpo do Mestre pouco antes do desenlace final”] Jesus aprovava solenemente a veneração póstuma do seu corpo sagrado. Os dizeres do Divino Mestre implicavam outrossim um convite a que se tratassem de modo semelhante os despojos de todos os justos que Ele no decorrer dos tempos enxertaria em seu Corpo Místico”.

– Reportagem que não entendi: Bispos anglicanos recusam proposta do Papa. “Cerca de 30 bispos e arcebispos anglicanos, opostos à linha liberal da Igreja no que se refere à homossexualidade, recusaram esta quarta-feira a proposta do Vaticano de se converterem ao catolicismo” – grifos meus. Hein?! Que linha liberal da Igreja? Será que estes anglicanos apedrejam homossexuais?

Audiência Geral do Sumo Pontífice: arte e verdade, a Beleza como um caminho para encontrar Deus. O Papa falou sobre as catedrais medievais. Leiam na íntegra, pois não consigo citar tudo que gostaria! “O impulso ao alto [das catedrais góticas] queria convidar à oração e era em si mesmo uma oração. A catedral gótica queria traduzir, assim, em suas linhas arquitetônicas, o desejo das almas por Deus. (…) Das vidreiras pintadas se derramava uma cascata de luz sobre os fiéis para narrar-lhes a história da salvação e envolvê-los nesta história”.

Comissão da CNBB prepara Seminário Nacional de Liturgia. “A equipe lembrou também o início do movimento litúrgico impulsionado por Lambert Beaudin ao afirmar, em 1909, a necessidade de ‘democratizar a liturgia'” – valei-nos Deus! A tradução da Editio Typica Tertia do Missal Romano, no entanto, que aliás já tem até uma versão corrigida, não aparece nesta Terra de Santa Cruz. Domine, usquequo?

Good bye, bad bishops: site que mostra contadores em tempo real indicando quanto tempo falta para alguns purpurados apresentarem a sua renúncia. A grande maioria é de bispos americanos, embora estejam lá o Schönborn e o Kasper. A versão tupiniquim de um site desses… deixa para lá.

Discurso do Papa aos bispos da Regional Sul 1. “Dado que a consciência bem formada leva a realizar o verdadeiro bem do homem, a Igreja, especificando qual é este bem, ilumina o homem e, através de toda a vida cristã, procura educar a sua consciência. O ensinamento da Igreja, devido à sua origem – Deus –, ao seu conteúdo – a verdade – e ao seu ponto de apoio – a consciência –, encontra um eco profundo e persuasivo no coração de cada pessoa, crente e mesmo não crente”.

Teologia Monástica e Teologia Escolástica

Original: Vaticano

Tradução: Wagner Marchiori

TEOLOGIA MONÁSTICA E TEOLOGIA ESCOLÁSTICA

Bento XVI – Audiência de 28 de outubro de 2009

Caros irmãos e irmãs,

vou me deter hoje sobre uma interessante página da história, que diz respeito ao florescimento da teologia latina no século XII e que veio à luz por uma série providencial de coincidências. Nos países da Europa ocidental reinava, então, uma relativa paz que assegurava à sociedade o desenvolvimento econômico e a consolidação da estrutura política e, ao mesmo tempo, favorecia uma vivaz atividade cultural graças a contatos com o Oriente. A Igreja, internamente, se beneficiava da vasta ação da chamada “reforma gregoriana que, promovida vigorosamente no século anterior, havia aportado uma maior pureza evangélica na vida da comunidade eclesial, sobretudo no clero, e havia restituído à Igreja e ao Papado uma autêntica liberdade de ação. Também estava em curso uma vasta renovação espiritual apoiada no exuberante desenvolvimento da vida consagrada: nasciam e se expandiam novas Ordens religiosas, enquanto as já existentes conheciam uma promissora renovação.

Floresceu, também, a teologia, adquirindo uma maior consciência de sua própria natureza: refinou seu método, afrontou novos problemas, avançou na contemplação do Mistério de Deus, produziu obras fundamentais, inspirou iniciativas importantes na cultura – da arte à literatura -, e preparou as obras-primas do século seguinte, o século de Tomás de Aquino e de Boaventura da Bagnoregio. Dois foram os ambientes em que surgiu com vigor esta atividade teológica: os mosteiros e as escolas das cidades, as “scholae”, algumas das quais rapidamente haveriam de dar vida à Universidade, que se constituiu em uma dessas típicas “invenções” do Medievo cristão. Partindo destes dois ambientes, os mosteiros e as scholae, pode-se falar de dois diferentes modelos de teologia: a “teologia monástica” e a “teologia escolástica”. Os representantes da teologia monástica eram os monges, em geral abades, dotados de sabedoria e fervor evangélico, dedicados essencialmente  a suscitar e a alimentar  o desejo amoroso de Deus. Já os representantes da teologia escolástica eram homens cultos, apaixonados pela investigação; os ‘magistri’ (mestres) desejosos de mostrar a racionalidade e o fundamento do Mistério de Deus e do homem, acreditado com a fé, certamente, mas que inclui a razão. As diferentes finalidades explicam a diversidade de método e do modo de fazer teologia entre eles.

Nos mosteiros do século XII o método teológico era relacionado principalmente com a explicação da Sagrada Escritura, da “sacra pagina”, para se exprimir como os autores daquele período; praticava-se especialmente a teologia bíblica. Os monges eram, portanto, devotos ouvintes e leitores da Sagrada Escritura e uma de suas principais ocupações consistia na ‘lectio divina’, isto é, na leitura rezada da Bíblia. Para eles, a simples leitura do Texto Sagrado não era suficiente para se perceber o sentido profundo, sua unidade interior e sua mensagem transcendente. Importava, portanto, praticar uma “leitura espiritual”, conduzida em docilidade pelo Espírito Santo. Como na escola dos Padres, a Bíblia vinha interpretada alegoricamente para descobrir, em cada página tanto do Antigo como do Novo Testamento, tudo o que diz de Cristo e da sua obra de salvação.

O Sínodo dos Bispos do ano passado que versou sobre o tema “Palavra de Deus na vida e na missão da Igreja” chamou a atenção para a importância da leitura espiritual da Sagrada Escritura. Para tal escopo, é útil fazer uso do tesouro da teologia monástica, uma ininterrupta exegese bíblica, assim como das obras compostas por seus representantes, preciosos comentários ascéticos aos livros da Bíblia. Ao conhecimento literário a teologia monástica unia a espiritualidade. Havia consciência de que uma leitura puramente teórica e profana não basta: para entrar no coração da Sagrada Escritura é preciso lê-la no espírito com que foi escrita e criada. O conhecimento literário era necessário para conhecer o exato significado da palavra e facilitar a compreensão do texto, refinando a sensibilidade gramatical e filológica. O estudioso beneditino do século passado, Jean Leclercq, assim intitulou um ensaio  em que apresenta a característica da teologia monástica: “L’amour des lettres et le désir de Dieu” (O amor da palavra e o desejo de Deus). De fato, o desejo de conhecer e de amar a Deus, que vem a nosso encontro através do acolhimento, meditação e prática de Sua Palavra, conduz a procurar se aprofundar no texto bíblico em todas as suas dimensões. Não pode assumir outra atitude aqueles que praticam a teologia monástica a não ser uma íntima postura orante, que deve preceder, acompanhar e completar o estudo da Sagrada Escritura. Em última análise, porque a teologia monástica é escuta da Palavra de Deus, não se pode não purificar o coração ao acolhê-La e, sobretudo, não se pode não acender o coração de fervor por encontrar o Senhor. A teologia se torna, então, meditação, oração, canto de louvor e leva a uma conversão sincera. Muitos dos representantes da teologia monástica atingiram, por esta via, estágios mais elevados da experiência mística e se constituem num convite a nós para nutrir nossa existência da Palavra de Deus mediante, por exemplo, uma escuta mais atenta da leitura do Evangelho, especialmente na Missa dominical. É também importante reservar um tempo a cada dia para a meditação da Bíblia, a fim de que a Palavra de Deus seja luz que ilumina nosso caminho cotidiano sobre a Terra.

A teologia escolástica, por sua vez – como já afirmei -, era praticada nas ‘scholae’, que surgiram junto às grandes catedrais da época, para a preparação do clero, ou em torno de um mestre de teologia e seus discípulos, para formar profissionais da cultura, em uma época na qual o saber era cada vez mais apreciado. No método dos escolásticos era central a ‘quaestio’, isto é, o problema que se coloca o leitor ao se defrontar com a palavra da Escritura e da Tradição. Ante o problema que estes textos “de autoridade” põem, surgem questões e nasce o debate entre o mestre e os estudantes. Apoiado, de um lado, nos argumentos “de autoridade” e, de outro, nos argumentos da razão, o debate se desenvolve  buscando encontrar, ao final, uma síntese entre “autoridade” e razão para chegar a uma compreensão mais profunda da palavra de Deus. A esse respeito, São Boaventura diz que a teologia é “per additionem” (cfr “Commentaria in quatuor libros sententiarum”, I, proem., q. 1, concl.), isto é, a teologia acrescenta a dimensão da razão à palavra de Deus e, assim, cria uma fé mais profunda, mais pessoal e, portanto, também mais concreta na vida do homem. Neste sentido, encontravam-se diversas soluções e se chegavam a conclusões que começavam a construir um sistema de teologia. A organização das “quaestiones” conduzia à compilação de sínteses cada vez maiores, ou seja, compunham-se as diversas “quaestiones” com as respostas encontradas, criando, assim, uma síntese, as chamadas “summae”, que eram, na realidade, amplos tratados teológico-dogmáticos nascidos do confronto da razão humana com a palavra de Deus. A teologia escolástica almejava apresentar a unidade e a harmonia da Revelação cristã através de um método – chamado “escolástico“, da “escola” – que dá confiança à razão humana: a gramática e a filologia a serviço do saber teológico, mas, mais ainda, a lógica, que é a disciplina que estuda o “funcionamento” do raciocínio humano de modo a tornar evidente a verdade de uma proposição. Ainda hoje, ao ler as “Summae” escolásticas, chama a atenção a ordem, a clareza, a concatenação lógica dos argumentos e a profundidade de algumas intuições. Com linguagem técnica, é atribuída a cada palavra um significado preciso e, entre crença e compreensão, estabelece-se um recíproco movimento de clarificação.

Caros irmãos e irmãs, ecoando o convite da Primeira Carta de São Pedro, a teologia escolástica nos estimula a estarmos sempre prontos a dar a todo aquele que nos pede a razão da esperança que está em nós (cfr 3,15). Sentir a pergunta como nossa e, assim, sermos capazes também de dar uma resposta. Recorda-nos que entre a fé e a razão existe uma amizade natural, fundada na própria ordem da criação. O Servo de Deus João Paulo II, no ‘incipit’ da encíclica “Fides et Ratio, escreve: “A fé e a razão são como as duas asas com as quais os espírito humano se eleva para a contemplação da verdade”. A fé se abre ao esforço de compreensão da razão; a razão, por sua vez, reconhece que a fé não a fere, e, sim, possibita-lhe alcançar horizontes mais amplos e elevados.  Insere-se aqui a perene lição da teologia monástica. Fé e razão, em recíproco diálogo, vibram de alegria quando juntas estão animadas na busca da união íntima com Deus. Quando o amor vivifica a dimensão orante da teologia os conhecimentos adquiridos pela razão se alargam. A verdade se busca com humildade e se a recebe com assombro e gratidão: em uma palavra, o conhecimento cresce somente se se ama a verdade. O amor se converte na inteligência e a teologia em autêntica sabedoria do coração que orienta a fé e a vida daquele que crê. Oremos para que o caminho do conhecimento e do aprofundamento nos mistérios de Deus seja sempre iluminada pelo amor divino.

Duas de ZENIT

Presidente da CNBB destaca vitalidade da Igreja no Brasil. “Dom Geraldo recordou que Bento XVI, ‘em um encontro que tivemos recentemente’, disse que ‘a Igreja no Brasil possui uma extraordinária vitalidade, e por isso nós louvamos a Deus'”.

Não sei o que o Papa disse, nem quando, nem onde. Não sei a quê, exatamente, o Sumo Pontífice se referia. No entanto, as declarações feitas pelo presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil simplesmente não condizem com a realidade brasileira ou, quando condizem, não são sinais de “vitalidade”, senão de decrepitude.

Tal vitalidade estaria expressa “na multiplicidade de iniciativas das pastorais específicas, dos movimentos eclesiais, do vigor de nossas dioceses, da riqueza de nossas comunidades”. Que pastorais? A CPT que apóia vândalos? O CIMI que é conivente com o infanticídio indígena? A da DST/AIDS, que é “mais tolerante” em matéria sexual do que o Vaticano? “Multiplicidade”, sem dúvidas, mas isso sozinho não significa qualidade; um corpo cheio de múltiplas doenças não possui vigor nem vitalidade.

E mais: este “vigor” da Igreja no Brasil seria fruto “do esforço imenso de integração e de unidade pastoral que representa a CNBB” e da “credibilidade de que goza a Igreja Católica no Brasil”! De que a CNBB se esforça, não há dúvidas. Que tais esforços sejam realmente direcionados para a maior glória de Deus, a salvação das almas e a exaltação da Santa Madre Igreja, é extremamente discutível, para dizer o mínimo. Quanto à Sua “credibilidade”, basta ver como os poderes públicos e a imprensa tratam a Igreja. Basta ver a consideração com a qual foi recebida a posição católica no caso das CTEHs, ou no do aborto da menina de Alagoinha…

Após esta notícia nonsense, no entanto, leio uma que é muito boa: foram encontrados filmes que revelam a ajuda de Pio XII às vítimas da II Guerra Mundial. Excelente! Quero-os no youtube.

É possível ver “a residência de Castel Gandolfo, aberta aos refugiados”; “como o Papa converteu as grandes salas do palácio apostólico em dormitórios para mulheres e crianças refugiados”; “as imagens da Praça de São Pedro e da Basílica de São João de Latrão, onde por indicação do Papa se criaram refeitórios para dar de comer à população que atravessava a penúria da guerra”. Os anti-clericais fazem um tremendo estardalhaço histérico quando exibem fotos de prelados saudando Hitler. Gostaria muitíssimo de saber o que vão fazer quando virem a casa do Papa cheia de refugiados de guerra.

Audiência Geral – Escolástica

No século XII, a partir dos mosteiros e das escolas junto das catedrais, desenvolveram-se dois modelos diferentes de teologia: a «teologia monástica» e a «teologia escolástica». A primeira foi desenvolvida pelos monges, devotados ouvintes e leitores orantes da Sagrada Escritura, que procuravam incentivar e nutrir o desejo amoroso de Deus. A teologia escolástica é obra de pessoas cultas, de mestres desejosos de mostrar o carácter razoável e o fundamento dos mistérios de Deus e do homem, que se devem acreditar com a fé mas também compreender pela razão. Fé e razão, em recíproco diálogo, vibram de alegria quando ambas são animadas pela busca duma união cada vez mais íntima com Deus.

Bento XVI, Audiência Geral de Quarta-feira, 28 de Outubro de 2009.

Para ler a íntegra em italiano: Udienza Generale, Mercoledì, 28 ottobre 2009.

P.S.: Para ler uma tradução do italiano: aqui no Deus lo Vult!.

Sobre o dízimo

Na minha paróquia tem “Pastoral do Dízimo”. E uma senhora veio certa feita falar comigo, porque ela estava confusa: aprendera que tinha que pagar o dízimo. Desde há muito tempo, pagava-o na forma de cestas básicas, quer distribuídas na capela da vila, quer entregues pessoalmente a pessoas necessitadas. No entanto, ouviu alguém da Pastoral dizer que isso que ela fazia não era dízimo, e ficou com problemas de consciência; afinal de contas, estava ou não estava cumprindo o preceito da Igreja?

A supracitada pastoral, preciso confessar, não me agrada. Tecnicamente, sim, a coleta da missa é diferente do dízimo, que é diferente das espórtulas, que é diferente das esmolas. No entanto, o mandamento da Igreja não diz simplesmente “pagar o dízimo”, e sim pagá-lo segundo o costume, o que faz toda a diferença. E, desde não sei quando – é assim desde que eu me entendo por gente -, no Brasil o costume de oferecer dinheiro durante o Ofertório da Santa Missa é muito mais difundido do que o de ser dizimista “cadastrado”.

Lembro-me de ter lido, em alguma edição da Pergunte & Responderemos (não a tenho à mão agora para procurar), Dom Estêvão falar [algo como] que o incentivo no Brasil ao pagamento do Dízimo na forma, p.ex., das pastorais do Dízimo, intentava exatamente mudar o costume brasileiro: abandonar a coleta da Santa Missa e os emolumentos, e deixar apenas o dízimo. E eu tenho ressalvas contra estas tentativas de se mudarem os costumes “de cima pra baixo”.

Obviamente, qualquer um pode ser dizimista regular strictu sensu (conheço muitos bons católicos que são). Podem também arranjar outras formas de socorrerem às necessidades materiais da Igreja, entre as quais tem lugar de destaque a própria coleta da Missa – conheço também muitos bons católicos que preferem fazer assim. Até entendo que se deseje difundir a prática – em si, santa – do dízimo regular, mas discordo da forma como vejo isso ser feito algumas vezes.

Primeiro porque não vejo necessidade de uma pastoral para isso. Segundo, porque sei por experiência que é muito complicado pastoralmente “separar”, para um fiel simples, a doação voluntária de um (inexistente) pagamento obrigatório. Terceiro, porque ser dizimista regular não é a única maneira de se cumprir o quinto mandamento da Igreja – aliás, o Papa Bento XVI, no Compêndio do Catecismo da Igreja Católica, deu-lhe uma redação diferente: Contribuir para as necessidades materiais da Igreja, segundo as possibilidades.

Ninguém precisa ser “mais católico do que o Papa”. Incentive-se, mas não se imponha. Catequize-se verdadeiramente, ao invés de apelar para (falsos) argumentos de autoridade. E, acima de tudo, respeite-se a justa liberdade dos filhos de Deus. Porque, na minha opinião, agir de outra maneira não pode jamais redundar em benefícios para a Igreja de Nosso Senhor.

Dia de São Frei Galvão – Bento XVI

Frei Galvão, assumiu com voz profética a verdade da Imaculada Conceição. Ela, a Tota Pulchra, a Virgem Puríssima, que concebeu em seu seio o Redentor dos homens e foi preservada de toda mancha original, quer ser o sigilo definitivo do nosso encontro com Deus, nosso Salvador. Não há fruto da graça na história da salvação que não tenha como instrumento necessário a mediação de Nossa Senhora.

De fato, este nosso Santo entregou-se de modo irrevocável à Mãe de Jesus desde a sua juventude, querendo pertencer-lhe para sempre e escolhendo a Virgem Maria como Mãe e Protetora das suas filhas espirituais.

Queridos amigos e amigas, que belo exemplo a seguir deixou-nos Frei Galvão! Como soam atuais para nós, que vivemos numa época tão cheia de hedonismo, as palavras que aparecem na Cédula de consagração da sua castidade: “tirai-me antes a vida que ofender o vosso bendito Filho, meu Senhor“. São palavras fortes, de uma alma apaixonada, que deveriam fazer parte da vida normal de cada cristão, seja ele consagrado ou não, e que despertam desejos de fidelidade a Deus dentro ou fora do matrimônio. O mundo precisa de vidas limpas, de almas claras, de inteligências simples que rejeitem ser consideradas criaturas objeto de prazer. É preciso dizer não àqueles meios de comunicação social que ridicularizam a santidade do matrimônio e a virgindade antes do casamento.

É neste momento que teremos em Nossa Senhora a melhor defesa contra os males que afligem a vida moderna; a devoção mariana é garantia certa de proteção maternal e de amparo na hora da tentação. Não será esta misteriosa presença da Virgem Puríssima, quando invocarmos proteção e auxílio à Senhora Aparecida? Vamos depositar em suas mãos santíssimas a vida dos sacerdotes e leigos consagrados, dos seminaristas e de todos os vocacionados para a vida religiosa.

Bento XVI, Homilia da Missa de Canonização de Frei Galvão
Brasil, 11 de maio de 2007

Ligeiro apanhado

– Toffoli foi “aprovado com folga no Senado”. Impressionante! A sabatina enfrentada ontem pelo advogado, miraculosamente, deve ter convencido os ilustres senadores de que José Dias Toffoli tem a “reputação ilibada” e o “notório saber jurídico” exigido pela Constituição para o cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal ao qual ele foi indicado.

Afinal, ainda ontem à noite, o Correio Braziliense publicava que os Senadores questiona[va]m reputação ilibada e notório saber jurídico de Toffoli. “Indago se não há negligência na avaliação do notório saber jurídico, pois vossa excelência foi reprovado em dois concursos públicos. Não fez mestrado, nem doutorado, não há obra publicada. Sua trajetória profissional também não está ligada a grandes causas”, disse o senador Alvaro Dias. Mas não adiantou; o STF, Casa da Mãe Joana que é, está aceitando gato, cachorro e papagaio.

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Médicos ingleses não salvam suicida. “Kerrie Wooltorton tinha 26 anos e uma depressão grave. Morava sozinha em um flat na cidade de Norwich, na Inglaterra. Tentou se matar nove vezes em menos de um ano. Ela ingeria uma substância feita para evitar o congelamento do párabrisa do carro para tirar a própria vida. Era salva no hospital, depois de uma diálise para retirar a toxina do seu corpo. Na décima tentativa, escreveu uma carta para os médicos dizendo que não queria ser salva por eles e que ‘estava 100% consciente das consequências do seu ato’. Seu pedido foi respeitado. Os médicos consideraram que salvá-la poderia ser uma violação do seu desejo”.

A publicação é de hoje, mas a notícia é de 2007. Mas eu tenho uma dúvida: a eutanásia não é legalizada na Inglaterra, ou é? Em não sendo, qual a diferença essencial entre ela e o suicídio da garota da notícia, a ponto de justificar a legalidade desta última e a proibição daquela?

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Bento XVI recorda aos tchecos que não existe liberdade sem verdade. “Recordando o 20º aniversário da chamada ‘Revolução de Veludo’, contra o regime comunista, o Papa pediu uma ‘formação integral, baseada na unidade do conhecimento enraizado na verdade, para responder a uma nova ditadura, a do relativismo combinado com o domínio da tecnologia'”.

Não é de hoje que o Papa ataca a ditadura do relativismo. Quantas vezes Pedro vai precisar falar para os católicos entenderem?

Bento XVI aos bispos da Regional Nordeste II

[O]s fiéis leigos devem empenhar-se em exprimir na realidade, inclusive através do empenho político, a visão antropológica cristã e a doutrina social da Igreja. Diversamente, os sacerdotes devem permanecer afastados de um engajamento pessoal na política, a fim de favorecerem a unidade e a comunhão de todos os fiéis e assim poderem ser uma referência para todos. É importante fazer crescer esta consciência nos sacerdotes, religiosos e fiéis leigos, encorajando e vigiando para que cada um possa sentir-se motivado a agir segundo o seu próprio estado.

O aprofundamento harmônico, correto e claro da relação entre sacerdócio comum e ministerial constitui atualmente um dos pontos mais delicados do ser e da vida da Igreja. É que o número exíguo de presbíteros poderia levar as comunidades a resignarem-se a esta carência, talvez consolando-se com o fato de a mesma evidenciar melhor o papel dos fiéis leigos. Mas, não é a falta de presbíteros que justifica uma participação mais ativa e numerosa dos leigos. Na realidade, quanto mais os fiéis se tornam conscientes das suas responsabilidades na Igreja, tanto mais sobressaem a identidade específica e o papel insubstituível do sacerdote como pastor do conjunto da comunidade, como testemunha da autenticidade da fé e dispensador, em nome de Cristo-Cabeça, dos mistérios da salvação.

Ad Limina dos Bispos do Brasil – Regional Nordeste 2,
17 de setembro de 2009,
Papa Bento XVI

Gregório Magno, por Bento XVI

Talvez o texto mais orgânico de Gregório Magno seja a Regra pastoral, escrita nos primeiros anos de Pontificado. Nela, Gregório propõe-se traçar a figura do Bispo ideal, mestre e guia da sua grei. Com esta finalidade, ele explica a gravidade do ofício de Pastor da Igreja e os deveres que ele comporta: portanto, aqueles que não foram chamados para esta tarefa, não a busquem com superficialidade; por outro lado, aqueles que porventura a assumiram sem a devida reflexão, sintam nascer na sua alma uma necessária trepidação. Retomando um tema preferido, ele afirma que o Bispo é em primeiro lugar o “pregador” por excelência; como tal, antes de tudo ele deve servir de exemplo para os outros, de tal forma que o seu comportamento possa constituir um ponto de referência para todos. Além disso, uma acção pastoral eficaz requer que ele conheça os destinatários e adapte as suas intervenções à situação de cada um: Gregório passa a explicar as várias categorias de fiéis, com anotações intensas e pontuais, que podem justificar a avaliação de quem viu nesta obra também um tratado de psicologia. Daqui, compreende-se que ele conhecia realmente o seu rebanho e falava de tudo com as pessoas da sua época e da sua cidade.

Todavia, o grande Pontífice insiste sobre o dever que o Pastor tem de reconhecer todos os dias a sua própria miséria de maneira que o orgulho não torne vão, diante dos olhos do Juiz supremo, o bem levado a cabo. Por isso, o capítulo final da Regra é dedicado à humildade: “Quando nos regozijamos por termos alcançado muitas virtudes, é bom reflectirmos sobre as nossas insuficiências e humilhar-nos: em vez de considerarmos o bem realizado, temos que pensar naquilo que deixamos de fazer”. Todas estas preciosas indicações demonstram o altíssimo conceito que São Gregório tem acerca do cuidado das almas, por ele definido como “ars artium”, a arte das artes. A Regra teve tanto êxito que, algo bastante raro, foi depressa traduzida em grego e anglo-saxão.

Bento XVI, Audiência Geral da 4ª-feira, 04 de junho de 2008 (grifos meus).