“Não vos conformeis com nada menos do que Cristo” – obrigado, Bento XVI!

Dizem que nós passamos por cinco estágios quando experimentamos uma perda. Na última segunda-feira, dia de Nossa Senhora de Lourdes, quando acordei e soube que o Papa havia renunciado, pude entender isso um pouco melhor.

Praticamente não tive tempo de passar pelo estágio da negação: a internet é implacável. O Papa renunciou: a gente encontra a notícia num comentário do blog, no instante seguinte chega à nota em português da Rádio Vaticana (cujo site – pensamos ainda! – pode ter sido hackeado…), vai no Google e vê o mesmo dito no site da Santa Sé (com um vídeo inclusive), abre o email e percebe que está todo mundo falando disso. Não dá tempo de negar: sim, é verdade, é terrivelmente verdade. Não leva um mísero minuto para o confirmar em definitivo. Neste momento difícil, nem mesmo à dúvida nós temos direito.

Aqui é difícil organizar as idéias. No estágio da raiva, eu provavelmente seria injusto se escrevesse alguma coisa aqui. Afinal, há seiscentos anos que um Papa não renunciava e, obviamente, há alguma boa razão para isso: como apontou muito pertinazmente um amigo por email, o Papa é o Pai dos católicos, e um pai não renuncia jamais. Muitos Papas deixaram-se morrer Papas, e seria mesquinho imaginar que eles não passaram pelas agruras da idade avançada que, hoje, Bento XVI invoca como razão para apresentar a Grã Renúncia. Os Papas morrem Papas, e isso não é por acaso: a figura paterna neles encarnada não é objeto de escambo, de vil utilitarismo impessoal como se a Igreja fosse simplesmente uma grande máquina cujas engrenagens podem ser intercambiadas sem prejuízo do seu funcionamento.

E ainda há tanto por fazer! Não é justo interromper agora a obra de restauração da Igreja de Deus; o Altíssimo é Aquele que não deixa inacabadas as Suas obras e, portanto, não deveria ser lícito ao Seu maior servo fazer aquilo que o seu Senhor é conhecido precisamente por não fazer. Ainda há muito por ser feito, e a convocação de um conclave agora introduz um risco de ruptura no governo da Igreja do qual, no meio da guerra, nós não estamos em condições de nos dar ao luxo. João Paulo II foi Papa por vinte e sete anos, até o último esgar de dor, até a última respiração sôfrega; Bento XVI não está nem perto disso. Poderia perfeitamente ficar por mais tempo.

À fase da raiva segue-se a da barganha, que aqui se transforma meramente em auto-repreensão: eu devia ter rezado mais, ter jejuado com mais constância, ter feito maiores penitências, ter passado mais tempo de joelhos diante de Nosso Senhor Sacramentado; em suma, eu devia ter feito alguma coisa porque, se eu o tivesse feito, Deus teria me ouvido e o Papa ainda seria Papa. Bento XVI pediu-me expressamente para que eu rezasse por ele, a fim de que ele não fugisse por medo dos lobos: eu não rezei e, por minha culpa, propter peccata mea, agora ele está fugindo e nos abandonando.

Abandonando-nos! O declive da auto-repreensão à depressão é óbvio e por ele se vai em um átimo. Aqui não convém demorar-se, que é pecado contra a virtude teologal da Esperança. Apenas registro a sensação de abandono, a impressão de que tudo está perdido, o sabor amargo da derrota que já se pode entrever sob o vão da porta, a dor de ter sido tudo em vão.

Mas Deus é o dono da Sua Igreja e, portanto, não pode ter sido tudo em vão. Aqui a aceitação começa a desabrochar, aqui a dor já começa a dar lugar à serenidade. O Papa não está nos abandonando; na verdade, ele fez tudo o que poderia fazer, e ninguém tem envergadura moral para lhe interpelar e dizer-lhe que retome a cruz sobre seus ombros e continue a subida do Gólgota até o Calvário definitivo. Porque, na verdade, a Cruz sempre esteve em seus ombros, e é somente a nossa miopia sobrenatural que nos impede de perceber esta obviedade.

Lembro-me do último conclave, do primeiro conclave dos meus vinte e muitos anos. Estava na faculdade, e a televisão ligada mostrava a fumaça branca saindo da chaminé da Capela Sistina. Esperei um pouco para ver o anúncio do novo Pontífice, e logo após ouvi pela primeira vez o “Eminentissimum ac Reverendissimum Dominum, Dominum Sanctae Romanae Ecclesiae Cardinalem Ratzinger” que me fez vibrar tão profundamente já então e pelos próximos oito anos. Lembro-me com clareza das palavras do Pontífice recém-eleito: un semplice e umile lavoratore nella vigna del Signore. Lembro-me, inclusive, do que pensei à época: claro que era falsa modéstia, claro que ele estava proferindo meramente um discurso protocolar, claro que ele estava só repetindo o que as pessoas esperavam que um Papa dissesse.

Os anos se encarregaram de mostrar que eu estava enganado, terrivelmente enganado, e hoje não me é permitido ter nenhuma dúvida de que o velho Joseph Ratzinger sempre se considerou, verdadeiramente, um simples e humilde trabalhador da vinha do Senhor, que ele parece não ter a menor consciência da própria genialidade absolutamente insubstituível. A verdade é que o professor de teologia não queria outra coisa que não lecionar na obscuridade incógnita de alguma sala de aula empoeirada.

E eu penso entendê-lo. Li em algum lugar esta excelente metáfora: Ratzinger só queria dar aulas, mas Deus quis que o mundo inteiro fosse a sua sala de aula. Penso que talvez ao velho professor alemão incomode a sua autoridade pontifícia, como penso que deve incomodar a qualquer professor outra obrigatoriedade de ouvi-lo que não a da própria verdade que ele deseja ensinar. Mas ele engoliu o seu incômodo e ensinou-nos; por oito anos nos ensinou a amar a Cristo! Isto é um sacrifício quotidiano que não se pode olvidar.

Li muitas coisas ao longo da semana, e talvez um dos textos que mais me tocou foi este aqui. Há uma sua tradução para o português no Facebook, da qual me utilizo para a seguinte citação:

Mas agora sei, senhor Ratzinger, que vivo em um mundo que vai sentir falta do senhor. Em um mundo que não leu seus livros, nem suas encíclicas, mas que em 50 anos se lembrará como, com um simples gesto de humildade, um homem foi Papa, e quando viu que havia algo melhor no horizonte, decidiu partir por amor à sua Igreja. Vá morrer tranquilo senhor Ratzinger. Sem homenagens pomposas, sem um corpo exibido em São Pedro, sem milhares aclamando aguardando que a luz de seu quarto seja apagada. Vá morrer, como viveu mesmo sendo Papa: humildemente.

E percebo que é verdade. Alguém classificou Bento XVI como o Papa do básico da Fé Cristã, e a análise não é injusta. Estive com o Papa na última JMJ. Do discurso que ele não pronunciou em Cuatro Vientos por causa da chuva, recolho esta simples sentença que, pra mim, resume muito o pontificado do Papa teólogo:

Queridos jovens, não vos conformeis com nada menos do que a Verdade e o Amor, não vos conformeis com nada menos do que Cristo.

Simples e básico, mas nem por isso menos verdadeiro. Nem por isso menos importante. De repente, percebo que as pessoas não precisam ser extraordinárias para serem insubstituíveis, e o que vai fazer mais falta ao mundo será o jeito sereno e didático de Bento XVI falar as verdades mais básicas, das quais o mundo moderno anda ensandecidamente esquecido. De repente, percebo que a renúncia do Papa não tem nada de inusitada, muito pelo contrário até: está perfeitamente de acordo com o estilo do professor da Baviera, cuja genialidade noto decorrer precisamente da pouca conta em que ele tem a si próprio.

Sim, o velho alemão não subiu ao sólio pontifício para ser nosso Rei: apenas sentou-se na cátedra de Pedro para nos dar uma lição de amor a Deus. E levanta-se dela agora que a aula está terminada exatamente porque sabe que a lição é mais importante do que o professor, e não pode correr o risco de que os seus alunos se esqueçam disso. Na verdade, esta renúncia final é parte integrante do seu ensinamento, sem a qual ele não estaria completo. Por mais que Bento XVI seja grande, Aquele de quem o Papa é vigário é muito maior do que ele. Afinal, maldito é o homem que confia no homem, mesmo que este homem seja Joseph Ratzinger. À luz de tudo isso, é claro que o Sumo Pontífice não está fugindo de sua missão, antes a está consumando com uma fidelidade perturbadora. O Papa não deita a cruz ao chão para que outro a carregue, muito pelo contrário: acrescenta-lhe o peso da incompreensão e do ostracismo. Impossível negar o valor sobrenatural deste último sacrifício.

O referido modelo de Kübler-Ross termina no estágio da aceitação, mas a Fé Cristã nos impele a transcender este caminho natural. Ouso ir além e proclamar um outro estágio, talvez incompreensível para os homens modernos, mas que o Cristianismo chega a exigir: o estágio da gratidão. Impossível não volver os olhos para o velho Papa dessa maneira.

Obrigado, Santo Padre, por nos ter aceitado como seus alunos. Obrigado por ter consumido os últimos anos na luta quotidiana contra a sua natureza introspectiva, a fim de ser para nós o que Deus o chamava a ser. Obrigado por nos ter falado de Deus mais do que merecíamos escutar, e com a simplicidade insistente que mesmo a nossa cegueira era capaz de entrever. Obrigado por ter tantas vezes escondido a própria excelência, a fim de que a Fé resplandecesse com mais vigor. Obrigado, ainda, por nos deixar, a fim de que revigoremos a nossa Esperança; obrigado por passar a férula papal, a fim de que seja conhecido Quem, afinal, é o verdadeiro Guia da Igreja de Cristo. Obrigado, enfim, por toda uma vida dedicada a Deus e à Sua Santa Igreja, em agradecimento pela qual a tristeza que hoje nos provoca a sua renúncia é talvez o testemunho mais sincero que podemos prestar.

Obrigado, Bento XVI. O incomensurável bem realizado por Vossa Santidade ao longo dos últimos oito anos já reverbera na Eternidade, à cuja Luz eu rogo à Virgem Santíssima que não o cesse de conduzir jamais.

FAQ – A renúncia de Bento XVI

– É verdade que o Papa Bento XVI renunciou?

Sim, é verdade. No último domingo, 10 de fevereiro, reunido em consistório com os cardeais, Bento XVI anunciou a sua decisão de renunciar ao ministério petrino.

– Mas peraí, e Papa pode renunciar?

Sim, pode. O Papa é perfeitamente soberano na Igreja de Deus, inclusive para abdicar do papado.

– O que diz o Direito Canônico sobre a renúncia do Papa?

O Código é lacônico. Falando sobre os privilégios, diz que «[q]ualquer pessoa física pode renunciar ao privilégio concedido exclusivamente em seu favor» (Cân. 80 §2) e, sobre ofícios, que «[q]ualquer pessoa no uso da razão pode, por justa causa, renunciar ao ofício eclesiástico» (Cân. 187). A mim não me parece, s.m.j., que haja alguma razão para que o mesmo não se aplique para o privilégio petrino e para o ofício de Bispo de Roma.

– Isso já aconteceu antes?

Aconteceu umas três ou quatro vezes na história da Igreja, mas nenhum Papa renunciava há uns seiscentos anos. O caso mais famoso é o de São Pedro Celestino, que renunciou em 1294.

– Por que Bento XVI renunciou?

Deixemos que o próprio Papa responda: porque «no mundo de hoje, sujeito a rápidas mudanças e agitado por questões de grande relevância para a vida da fé, para governar a barca de São Pedro e anunciar o Evangelho, é necessário também o vigor quer do corpo quer do espírito; vigor este, que, nos últimos meses, foi diminuindo de tal modo em mim que tenho de reconhecer a minha incapacidade para administrar bem o ministério que me foi confiado».

– Esta é a razão verdadeira? Simples assim? Não há nenhuma causa mais oculta?

Por mais que sejamos instintivamente afeitos a teorias da conspiração, nada nos autoriza a levantarmos especulações infundadas aqui. A Igreja está em guerra terrível e o Papa entendeu que, nestas condições, Ela precisa ser comandada por um general mais vigoroso. Simples assim.

– Como você pode ter tanta certeza?

Bom, se não fosse suficiente o simples fato dessas terem sido as exatas palavras do Papa, há também o dado de que, já há muito tempo, Bento XVI vinha dando indícios de que iria renunciar.

– Que indícios?

Por exemplo, quando ele em 2012 visitou a tumba de São Celestino (o Papa que renunciou em 1294, lembra?), deixou o seu próprio pálio sobre o túmulo do santo. Além disso, no famoso livro-entrevista com o jornalista Peter Seewald (A Luz do Mundo), Bento XVI já dissera que «[q]uando um Papa chega à clara consciência de já não se encontrar em condições físicas, mentais e espirituais de exercer o encargo que lhe foi confiado, então tem o direito – e, em algumas circunstâncias, também o dever – de pedir demissão» (apud Pe. Paulo Ricardo). Mais ainda: o jornalista italiano Antonio Socci garantiu que isto não era uma notícia secreta pelo menos desde meados de 2011 (original aqui). Não há espaço, portanto, para teorias da conspiração.

– Mas não existe nenhuma maneira de uma renúncia ser inválida?

Sim, existe. O Código determina que «[a] renúncia apresentada por medo grave, injustamente incutido, por dolo ou erro substancial ou feita simoniacamente, é inválida pelo próprio direito» (Cân. 188). Como visto, nada disso se aplica ao caso atual.

– E especificamente sobre o Papa, o Código de Direito Canônico não diz nada mais específico?

Sim. No caso específico do Papa, o parágrafo segundo do cânon 332 diz o seguinte: «Se acontecer que o Romano Pontífice renuncie ao cargo, para a validade requer-se que a renúncia seja feita livremente, e devidamente manifestada, mas não que seja aceite por alguém».

– O que isso quer dizer?

Quer dizer que, ao contrário das renúncias (p.ex.) dos bispos, que precisam ser aceitas pelo Papa para surtirem efeito, a renúncia do Papa não necessita ser aceita por ninguém. Ela vale por si só, bastando para isso que “seja feita livremente” e “devidamente manifestada”. Estas duas condições cumpriram-se no consistório do último domingo.

– Então a Igreja já está sem Papa?

Não. O Papa deu data e hora para a sua renúncia: disse expressamente que apenas «a partir de 28 de Fevereiro de 2013, às 20,00 horas, a sede de Roma, a sede de São Pedro, ficará vacante».

– Ou seja, ele anunciou a sua renúncia mas ainda não renunciou de fato, é isso?

É, é mais ou menos isso. É como se fosse uma determinação legal com data futura para entrar em vigor.

– Então Bento XVI permanece integralmente Papa, com a totalidade dos seus poderes, até o dia 28 de fevereiro?

Sim, Bento XVI ainda é o Papa gloriosamente reinante, no pleno exercício dos seus poderes, até o dia 28 de fevereiro.

– Ou seja, se Bento XVI quiser voltar atrás e “des-renunciar”, ele pode né?

Tecnicamente pode, o Direito diz que «[a] renúncia, enquanto não tiver surtido efeito, pode ser revogada pelo renunciante» (Cân. 189, §4). Mas ele não vai fazer isso.

– Por que não?

Porque seria leviano e inconseqüente ao extremo. Ninguém pode tomar uma decisão dessa magnitude, anunciá-la em público para, uma semana depois, dizer que mudou de idéia. E, de leviandade, ninguém pode acusar o ex-prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé e hoje Papa Bento XVI.

– E agora, o que acontece? Quem governa a Igreja?

Até o próximo dia 28 de fevereiro, Bento XVI governa a Igreja. Depois disso, seguem-se os procedimentos normais para o caso de Sé Vacante.

– Que procedimentos são esses?

A cessação da atividade da Cúria, a formação das comissões cardinalícias que irão preparar o conclave, etc. Trata-se, em suma, daquelas disposições que foram dadas por S.S. João Paulo II na Universi Dominici Gregis, com bem poucas mudanças (o pe. Z. fala, p.ex., que como não houve morte do Pontífice anterior então não haverá os Novemdiales, e portanto o conclave pode começar mais cedo).

– Bento XVI vai votar no conclave?

Não, o Papa Bento XVI já tem 85 anos e, portanto, não é mais cardeal-eleitor.

– Mas pode ser votado? Os cardeais-eleitores poderão votar em Bento XVI, elegendo-o novamente Papa após a renúncia?

Creio que em princípio nada obsta, mas seria indelicado para com um senhor octagenário com renúncia recém-apresentada, sem que tenham deixado de existir (obviamente) as razões que motivaram a dita renúncia.

– E o que acontece com o Papa? O Anel do Pescador é quebrado? Ele pode continuar se chamando Bento XVI, ou tem que voltar a assinar Joseph Ratzinger? Quando ele morrer, vai ter funerais pontifícios?

Rapaz, não sei. Penso que o anel é quebrado sim (porque embora o Papa não tenha morrido, o seu reinado terminou e é isso que o anel representa), que ele pode continuar assinando “Bento XVI” (afinal, São Celestino V é chamado de São Celestino, que é o seu nome de Papa, e não de Pietro del Morrone que é o de Batismo) e que terá funerais pontifícios. Mas não tenho certeza.

– O que nos resta fazer agora?

Confiar na Providência Divina e rezar ao Espírito Santo de Deus, redobrando as penitências quaresmais, a fim de que o Deus Altíssimo nos conceda um papa santo para suceder Bento XVI na Sé de Pedro.

Papa anuncia renúncia – oremus pro Ecclesia Sancta Dei!

Com tristeza e perplexidade recebemos a notícia de que o Sumo Pontífice anunciou ontem (10 de fevereiro) a terrível Grã Renúncia. Ele só permanece na Sé de Pedro até o próximo dia 28 de Fevereiro. De coração apertado, pedimos orações por Bento XVI e pela Igreja Santa de Deus.

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Medievalista responde ao deputado Jean Wyllys

Há não muito tempo, em dezembro último, o ex-BBB e deputado-sem-votos Jean Wyllys provocou polêmica com o seu piti desaforado contra o Papa Bento XVI por conta das declarações do Pontífice a respeito do “casamento” gay. Entre incontáveis outras sandices, Sua Insselença disparou a seguinte pérola:

A “ferida grave infligida à justiça e à paz”, @pontifex (Bento XVI), foi a escravidão de negros e africanos, apoiada pela Igreja Católica.

[Aliás, li outro dia um comentário sensato sobre a escravidão, não me lembro onde. O articulista lastimava a leviandade anacrônica dos que a execravam em absoluto, ignorando que o próprio instituto da escravidão foi um profundo avanço nos direitos humanos em uma época em que o comum era matar os prisioneiros de guerra. Poupá-los, dizia ele, mesmo que fosse para explorar-lhes a força de trabalho, era um inegável avanço no reconhecimento da dignidade humana, um primeiro passo evidentemente necessário para que pudéssemos um dia chegar à DUDH. Mas isso é outra questão, e exigir este grau de sutileza da truculência da militância gayzista é pedir demais. Continuemos.]

À época da polêmica, enviei emails de protesto para o Gabinete do senhor deputado e para a Ouvidoria da Câmara. Do primeiro não recebi nada, como era de se esperar. Do segundo, recebi alguns dias depois a seguinte resposta:

Sr.JORGE FERRAZ
Recebemos sua mensagem, na Ouvidoria Parlamentar da Câmara dos Deputados, manifestando seu posicionamento a respeito de pronunciamento de parlamentar em exercício nesta Casa.
Em atenção a sua mensagem, esclarecemos que os eventuais embates de ideias entre os parlamentares em exercício nesta Casa e a sociedade não são objeto de tomada de posição da Câmara dos Deputados.
Informamos que é possível entrar em contato diretamente com o parlamentar de seu interesse por intermédio do sistema Fale com o Deputado, disponível na página da Câmara na internet, no endereço www.camara.lrg.br.
Atenciosamente,

Assessoria da Ouvidoria PArlamentar
Ouvidor-Geral Deputado Miguel Corrêa

Como eu já entrara em contato – sem resposta – “diretamente com o parlamentar”, resolvi que não valia a pena insistir. Muita gente já havia se levantado contra o preconceito catolicofóbico e o discurso de ódio religioso do Paladino Rosa, e a resposta da sociedade ressoa com muito mais força do que a burocracia do Planalto. Ao menos, a minha mensagem fora lida. Já era alguma coisa.

Mas de tudo o que se seguiu à arruaça provocada pelo Jean Wyllys, acho que o mais entusiasmante foi encontrar na Gazeta do Povo este texto do prof. Ricardo da Costa, historiador e medievalista, respondendo nominalmente ao excelentíssimo deputado. Foi de lavar a alma. Leiam-no na íntegra. Apenas cito, à guisa de exemplo:

Entrementes, a Igreja Católica, reiteradamente, condenava a escravidão. Há inúmeras bulas papais a respeito: na Sicut Dudum (1435), Eugênio IV mandou libertar os escravos das Ilhas Canárias; em 1462, Pio II instruiu os bispos a pregarem contra o tratamento de escravos negros etíopes, e condenou a escravidão como um tremendo crime; Paulo III, na bula Sublimus Dei (1537), recordou aos cristãos que os índios são livres por natureza (ao contrário dos negros, que praticavam a escravidão); em 1571, o dominicano Tomás de Mercado declarou desumana e ilícita a escravidão; Gregório XIV (na Cum Sicuti, de 1591) e Urbano VIII (na Commissum nobis, de 1639) condenaram a escravidão. Devemos estudar o passado, não inventá-lo.

Diante de tudo isso, o que dizer? Cale-se o ódio raivoso do deputado diante da serenidade do professor de história! Cale-se o preconceito gay diante dos estudos rigorosos sobre o passado da Igreja! Cale-se a cultura BBB diante do reconhecimento acadêmico sério! O Jean Wyllys bem que poderia ter dormido sem essa.

E é claro que o deputado não vai se retratar. Ele não tem decência suficiente para isso. Vai preferir obstinar-se no seu obscurantismo anti-clerical raivoso e decadente. Tudo bem. No que depender de nós, não vai faltar quem venha a público desmascará-lo.

Gays, católicos, e praticantes

A matéria d’O Estado de São Paulo sobre os «[g]ays católicos praticantes [que] buscam seu espaço na igreja» está repleta de baboseiras do início ao fim.

Antes de qualquer coisa e ao contrário do que o artigo insinua de uma ponta a outra, é preciso deixar claro que não existem gays católicos praticantes. Ou o gay é um sujeito sério, católico praticante e, por isso, luta contra as suas tendências sexuais desordenadas sabendo que «[p]elas virtudes de autodomínio, educadoras da liberdade interior, às vezes pelo apoio de uma amizade desinteressada, pela oração e pela graça sacramental» ele pode e deve «se aproximar, gradual e resolutamente, da perfeição cristã», como apregoa o Catecismo (§2359); ou então o sujeito é um gay praticante que vive imundamente chafurdando na lama do pecado contra a natureza e, ao mesmo tempo, quer tumultuar a Igreja incoerentemente alardeando-se “católico” ao mesmo tempo em que defende e vive o contrário do que prega a Doutrina Moral Católica. Et tertium non datur.

Infelizmente, a matéria do jornal só fala sobre esses últimos. Ao invés de citar (p.ex.) os homossexuais sérios que fazem parte do Apostolado Courage (que inclusive já existe no Brasil) e lutam, estes sim, para ajudar de verdade os católicos que são homossexuais a continuarem verdadeiramente vivendo como católicos, citam lixos como o “Diversidade Católica” que apenas servem para ensinar os gays a serem hipócritas e afastá-los do Catolicismo. Só por isso a reportagem já merecia ser tratada com suspeição. Contudo, não satisfeita em fazer esta apresentação seletivamente criminosa das relações entre os gays e a Igreja, a sra. Luciana Leal (que assina a matéria) ainda nos brinda com uma série de informações disparatadas. Veja-se:

Nos últimos anos, eles têm se reunido em espaços como o Diversidade Católica, no Rio, e a Pastoral da Diversidade, em São Paulo.

Como é evidente, não existe nenhuma “Pastoral da Diversidade” na Arquidiocese de São Paulo (a matéria só fala isso no final). Na verdade, o grupo que atende por este nome é formado por leigos que afirmam textualmente não estarem «buscando aprovação ou apoio de nossas autoridades eclesiásticas para nossa pastoral» e, portanto, usam este nome apenas para enganar os incautos. Trata-se, à semelhança do “Diversidade Católica” et caterva, de outro exemplar dos grupos acéfalos que advogam a revogação do princípio da não-contradição como fundamento ontológico da dignidade gay: em suma, é só mais uma fábrica de incoerências grosseiras.

Os grupos têm o apoio de alguns padres, como d. Anuar Battisti (…), que atuam com discrição para evitar sanções da hierarquia da Igreja

… ou seja, que não têm cojones para sustentar as suas posições em público e, aí, fazem-no às escondidas. Em outras palavras: os sacerdotes sabem tão bem que é contraditório defender simultaneamente o Evangelho de Cristo e a permanência na vida de pecado, a santificação por meio da Igreja e a exaltação das práticas homossexuais, que simplesmente não têm coragem de defender esta incoerência diante da Igreja. Fazem-no às escuras, desobedecendo frontalmente tanto à Igreja quanto ao próprio Cristo que mandou os Apóstolos anunciarem as coisas “por cima dos telhados” (cf. Mt 10, 27). Em que mundo esta pusilanimidade pode ser uma coisa louvável?

Para mostrar o outro lado da Igreja, os integrantes do Diversidade Católica recorrem a palavras do próprio Bento XVI: “A Igreja não é apenas os outros, não é apenas a hierarquia, o papa e os bispos; a Igreja somos nós todos, os batizados”.

Ora, usar as palavras de um autor para fazê-las contradizer o que este mesmo autor diz com insofismável clareza em outros lugares é o mais límpido e cristalino exercício de patifaria intelectual. Se o Papa diz com todas as letras que a Doutrina Católica «condena a prática da homossexualidade» e os sujeitos desses grupos sabem disso, como é possível que, em consciência, eles venham se escorar em outras declarações pontifícias genéricas para, contra todo e qualquer respeito que se deve ter às idéias de outrem, insinuar que está “tudo bem” em ser católico e continuar praticando o pecado do homossexualismo? Como esperam ser levados a sério, se visivelmente não levam a sério as declarações do Papa a quem não obstante juram seguir?

Na Jornada Mundial da Juventude (JMJ) em Madri, em 2011, ele encaminhou por escrito, sem esperança de ser atendido, uma pergunta ao arcebispo do Rio, d. Orani Tempesta, sobre como a Igreja lida com a presença dos gays católicos. O rapaz se surpreendeu ao ver que sua pergunta foi respondida por d. Orani, que, segundo ele, pregou a existência de uma Igreja para todos.

É mesmo? Dom Orani chancelou esta hipocrisia gay? Cadê o comunicado assinado pela Mitra? Cadê a gravação desta alegada resposta? Tudo o que a gente tem sobre isso é a narrativa de um gay? Sinto muito, mas não é crível. Afinal de contas, dom Orani foi a público protestar contra o reconhecimento da “união homoafetiva” pelo STF em 2011. E, ao contrário da alegação gay, disso há registros.

Enfim, é este tipo de desinformação que alguns veículos de mídia acham importante divulgar. É profundamente lamentável que o Estado de São Paulo se preste desta maneira grosseira a semear a confusão entre os brasileiros. Quanto às pessoas que possuam tendências homossexuais e estejam sinceramente dispostas a colocar o amor a Cristo acima do amor ao baixo ventre, não se deixem seduzir por este caminho fácil que os jornais divulgam. Ouçam Cristo que fala através da Igreja. Fujam de todos aqueles que desejam ensinar elevados caminhos espirituais enquanto descuidam gravemente de importantes virtudes humanas! E a coerência é uma virtude muito importante. Não dá pra confiar em quem diz que é possível ser, simultaneamente, católico fiel e violador consciente e constante do Sexto Mandamento.

O destempero e despreparo dos que defendem o “casamento gay”

O deputado Jean Wyllys voltou a subir nas tamancas para proferir ataques grosseiros à Igreja Católica e ao Papa Bento XVI. O último “piti” do excelentíssimo deputado ocorrera em janeiro deste ano, e nós tratamos então exaustivamente do assunto aqui no blog. Na última sexta-feira (14 de dezembro) o deputado iniciou nova saraivada de invectivas com esta postagem do Twitter, à qual seguiram-se outras com a sua já característica deselegância.

O Ecclesia Una fez a cobertura, e é dele que colho o seguinte printscreen com as delicadezas proferidas por um suposto representante do povo brasileiro (ainda facilmente acessíveis a partir de sua timeline, se a rolarmos um pouco para baixo):

jean-wyllys-xingando-no-twitter

A origem do ataque histérico foi esta matéria, que falava sobre a Mensagem Pontifícia do XLVI Dia Mundial da Paz (contra ela, aliás, o Jean Wyllys não foi o único a se levantar). Analisemo-la com um pouco mais de atenção (coisa que o excelentíssimo deputado se furtou de fazer).

Em sua mensagem, o Papa começa lembrando que o nosso tempo – marcado «por sangrentos conflitos ainda em curso e por ameaças de guerra» – requer a busca «[d]o desenvolvimento de todo o homem e do homem todo». Falando especificamente sobre a Paz, Sua Santidade diz:

A paz é construção em termos racionais e morais da convivência, fundando-a sobre um alicerce cuja medida não é criada pelo homem, mas por Deus.

E, logo em seguida, repetindo e desenvolvendo a mesma idéia:

A negação daquilo que constitui a verdadeira natureza do ser humano, nas suas dimensões essenciais, na sua capacidade intrínseca de conhecer a verdade e o bem e, em última análise, o próprio Deus, põe em perigo a construção da paz. Sem a verdade sobre o homem, inscrita pelo Criador no seu coração, a liberdade e o amor depreciam-se, a justiça perde a base para o seu exercício.

Finalmente, o Papa chega ao ponto que provocou urticária no deputado:

Também a estrutura natural do matrimónio, como união entre um homem e uma mulher, deve ser reconhecida e promovida contra as tentativas de a tornar, juridicamente, equivalente a formas radicalmente diversas de união que, na realidade, a prejudicam e contribuem para a sua desestabilização, obscurecendo o seu carácter peculiar e a sua insubstituível função social.

O argumento do Papa é rigoroso: a paz é o exercício da convivência, e esta precisa estar alicerçada em critérios objetivos e válidos para todos. O que aliás é bastante óbvio: se a gente não entra em acordo sobre quais são os direitos e deveres do ser humano, é impossível arbitrar os conflitos surgidos e é impossível haver paz. Estes critérios – diz o Papa – são essencialmente aquilo que «constitui a verdadeira natureza do ser humano», e esta identifica-se com a antropologia cristã da qual a Igreja age há vinte séculos como porta-voz.

No mundo há os não-crentes e, por certo, há os que não reconhecem à Igreja de Cristo autoridade alguma para sentenciar a «verdadeira natureza do ser humano». Isto, no entanto, não invalida o argumento: trata-se na verdade de um tema caro ao Papa Bento XVI já há muitos anos. Segundo o então cardeal Joseph Ratzinger:

[A] tentativa, levada ao extremo, de considerar as coisas humanas menosprezando completamente Deus nos leva cada vez mais ao abismo, ao encerramento total do homem. Deveríamos, então, voltar ao axioma dos Ilustrados e dizer: mesmo quem não consiga encontrar o caminho da aceitação de Deus deveria buscar viver e dirigir sua vida “veluti si Deus daretur”, como se Deus existisse. Este é o conselho que dava Pascal a seus amigos não crentes; é o conselho que queríamos também dar a nossos amigos que não crêem. Deste modo, ninguém fica limitado em sua liberdade e nossa vida encontra um novo sustentáculo e um critério cuja necessidade é urgente.

É possível discordar do Papa, naturalmente. Mas é preciso fazê-lo no plano dos argumentos e dos fatos que ele coloca; ninguém diga que isto é uma alegação gratuita, porque não é. É a conclusão de um longo e  minucioso arrazoado (que pode ser visto no link acima) feito por um homem que, para além de quaisquer reservas teológicas contra o qual se tenha, é um intelectual de peso e renome. Evidentemente, não se pode discordar do Papa dando um chilique afetado e desfilando meia-dúzia de calúnias históricas que absolutamente nada têm a ver com o tema em pauta. Isto só mostra o destempero e despreparo dos que defendem o “casamento gay” e demais pontas de lança da revolução moral. E, mais uma vez, só demonstra que o Papa está com a razão.

P.S.: Quem quiser fazer uma reclamação oficial à Câmara dos Deputados contra esta (mais uma!) quebra de decoro do deputado Jean Wyllys, não hesite em usar o site da Câmara.

As idéias do século 12…

Vi ontem no Facebook. Registro a [tentativa de] agressão gratuita, mas também fico lisonjeado com o reconhecimento expresso na charge.

Sim, são idéias do século XII, do século IX, do V, do Primeiro. Graças a Deus, são idéias que remontam a Nosso Senhor Jesus Cristo, velhas como a História lhes fez e simultaneamente novas como é possível a idéias serem. O mérito das idéias não advém de serem “recentes”, muito pelo contrário até: o vigor delas é provado justamente pela passagem do tempo. Pitágoras viveu cinco séculos antes de Cristo, e o seu teorema é ensinado nas escolas ainda hoje.

Sim, as idéias da Igreja são as mesmas de há vinte séculos, graças a Deus. Só as idéias realmente boas resistem ao transcurso dos séculos: as ruins são cedo ou tarde abandonadas nas sarjetas da história.

Os homens querem ouvir falar de Deus

Aos que “profetizam” o fim iminente da Igreja Católica por conta da sua recusa obstinada em “abrir-se” às novas exigências (i)morais do mundo moderno, eu recomendo a leitura destes dados recentes sobre a Comunhão Anglicana, do qual traduzo apenas o trecho mais ilustrativo:

Os episcopais já aprovaram tudo o que os “progres” exigem e ainda mais. Repassamos:

– No século XVI, o anglicanismo aceitou o clero casado.
– Em 1930, aceitaram a contracepção. A causa: o clero casado. Davam mal exemplo, tinham poucos filhos (é o que explica um historiador luterano).
– Em 1976, os episcopais aprovaram o “sacerdócio” feminino.
– Em 1989, ordenou-se a primeira bispa episcopal.
– Em 1994, proibiu-se toda terapia para deixar o homossexualismo.
– Em 2000, aceitou-se como correto o sexo fora do Matrimônio.
– Em 2003, ordenaram como bispo Gene Robinson, um senhor divorciado de sua esposa, com dois filhos, que vivia «maritalmente» com outro homem (em 2011 ele deixou o cargo, embora continue sendo “lobbista” no clero anglicano. Foi o primeiro bispo homossexual praticante [el primer obispo homosexual activo].
– Em 2006, os episcopais admitiam o matrimônio homossexual.
– Em 2010, presumia-se ordenar em Los Angeles a uma bispa lésbica praticante.
– Em 1 de janeiro de 2011, um bispo episcopal casava (com estardalhaço da mídia) duas sacerdotisas lésbicas, uma das quais a famosa militante abortista Katherine Ragsdale.

Nada disso atraiu pessoas a esta igreja. Perderam um terço de seus fiéis no século XXI: tinham 3,4 milhões em 2001, e só 1,9 em 2012.

A História dá mostras suficientes de que esta religião do bom-mocismo e da última moda não tem condições de atrair os homens que foram criados para Deus. Elas podem até crescer num momento de frenesi inicial, mas é somente isto: pirotecnia vazia, fogo de palha incapaz de perdurar ao longo de uma geração sequer. Os homens não querem ouvir a agenda ideológica do dia nas suas igrejas: se eles quisessem isso, bastar-lhes-ia ligar a televisão – que é mais prática, mais barata e mais interessante. Os homens querem ouvir falar de Deus. E um deus que dissesse uma coisa agora e daqui a pouco dissesse o seu contrário não poderia ser Deus.

Os homens querem nobreza, e não subserviência vil a todas as imoralidades que surgem a cada dia. Ortega y Gasset, n’A Rebelião das Massas, lembra que nobreza implica em deveres: noblesse oblige. Os homens querem um objetivo mais alto para as suas vidas, querem um ideal pelo qual valha a pena lutar, um esforço que lhes permita impôr a marca do seu caráter à sua existência: não querem viver “ao Deus-dará”, como se fossem animais guiados unicamente por instintos e cujo propósito maior é fazer o que lhes é prazeroso e fugir do que lhes aborrece. Não há nobreza em ser guiado pelo amor ao baixo-ventre; e que exemplo melhor da coroação deste ignóbil apetite do que a “religião” que vive de fazer concessões às exigências do mundo?

Alguém citou aqui no blog recentemente umas projeções de que o Brasil poderia se tornar um país com maioria protestante dentro de uns vinte anos. Com a devida vênia, eu discordo dessas previsões: julgo-as, aliás, tão completamente distantes da realidade que só poderiam sair da pena de quem não tem noção nenhuma de religião. O protestantismo no Brasil é somente vácuo do catolicismo. Ao contrário de nações tradicionalmente protestantes, no Brasil só se tem oba-oba: oscilando entre fideísmos grosseiros (neo)pentecostais e progressismos teológicos natimortos, não há raízes no protestantismo tupiniquim.

Parece-me, ao contrário, que o catolicismo voltará a crescer, após uma ou duas gerações perdidas. Colhendo ao acaso as notícias de hoje, recentemente se divulgou a conversão da Leah Libresco, blogueira (ex-)atéia americana que mantêm o Unequally Yoked; e o Twitter do Papa Bento XVI anunciado hoje pela manhã (@Pontifex) já conta agora com mais de 144.000 seguidores. E coisas assim acontecem todos os dias, mesmo na internet! E quanto à graça de Deus que opera longe dos holofotes virtuais? E quanto ao território duramente conquistado passo a passo na vida quotidiana de tantos católicos (padres principalmente, mas também leigos) que não entra na rede mundial de computadores?

Próximo sábado é dia da Imaculada Conceição e, neste dia, centenas de pessoas Brasil afora irão fazer ou renovar a sua Consagração Total à Santíssima Virgem. Ela, que prometeu em Fátima que o Seu Imaculado Coração triunfaria: estamos aguardando o cumprimento desta promessa, o Reino da Virgem cujo advento é tão certo quanto a aurora. Porque não é de “novidades” que nós precisamos, mas muito pelo contrário: temos sede da Palavra de Deus que é Eterna, que Se encarnou um dia para nos salvar e que, ainda hoje, continua viva e eficaz no seio da Santa Igreja cuja missão é levar a salvação de Deus a toda criatura humana. E cada vez mais as pessoas estão percebendo estas verdades. No meio de tantas confusões, as pessoas estão (re)aprendendo a se voltar para a Igreja, Farol imóvel e seguro a guiar os navegantes pelos mares atribulados desta vida.

Bento XVI e o Papa Copta

Referente ao comentário aleatório que foi feito hoje à tarde aqui no blog (o que me leva a crer que o seu autor quer algum comentário meu sobre o assunto), sobre a recente eleição do novo Papa Copta, é preciso dizer que o texto e (principalmente!) os comentários do Cum Ex Apostolatus Officio são totalmente nonsense.

O Patriarca de Alexandria historicamente sempre ostentou o título de “Papa”, sem que isso jamais significasse nenhuma pretensão de usurpar a primazia de governo que o Bispo de Roma exerce sobre a Igreja Universal. Aliás, parece que o título de “Papa” foi atribuído ao Bispo de Alexandria antes mesmo de ter sido usado pelo Bispo de Roma – e isto séculos antes do Cisma do século XI. Uma coisa, portanto, é o Papa enquanto Sucessor de São Pedro, Vigário de Cristo e Pastor Supremo da Igreja Católica, e outra coisa totalmente diferente é o Papa enquanto Patriarca de Alexandria – cujo título remete a um uso histórico ininterrupto e incontroverso. Não me consta que o Papa Copto-Ortodoxo tenha jamais possuído, no passado ou no presente, pretensão de exercer governo universal sobre a Igreja. O Patriarca de Alexandria não é atualmente (e, até onde me conste, historicamente nunca foi) o que se pode chamar de um Antipapa.

É claro que hoje em dia existe o cisma e, atualmente, a Igreja Copto-Ortodoxa não reconhece ao Bispo de Roma senão uma “primazia de honra”, mas isto – ao contrário do que é insinuado nos comentários do artigo – não tem absolutamente nada a ver com o título “Papa” empregado pelo Bispo de Alexandria ou de Roma. Para os ortodoxos, “Papa” significa simplesmente “Patriarca”, sem nenhuma conotação minimamente análoga ao Papado católico. E, por conseguinte, o Papa Bento XVI “reconhecer” a eleição de Tawadros II, mesmo tratando-o por “Papa”, não tem nada a ver com abdicar do Papado, negar que ele próprio seja o Sucessor de São Pedro ou qualquer outro disparate análogo.

Deduzir da mensagem de Bento XVI ao novo Patriarca da Igreja Copto-Ortodoxa que aquele “abdicou do papado” – como escreveu uma garota em seu blog – porque não pode haver dois Papas é fazer uma confusão totalmente sem sentido. É claro que não pode haver dois Papas no sentido que a palavra tem dentro da Teologia Católica, mas pode haver – e há – mais de um Patriarca na Igreja de Cristo, e para os coptas “Papa” significa precisamente “Patriarca” e não mais que isso.

Há Patriarcas de Igrejas Particulares unidas a Roma – como o Patriarca de Antioquia dos Sírios, p.ex. – e há Patriarcas de igrejas cismáticas, como o recém-eleito Tawadros II. Este chamar-se a si mesmo de Papa (fazendo uso, repitamos, de um título que remete ao século III, jamais questionado pela Igreja) ou o Papa Bento XVI tratá-lo por este título (que em si é legítimo) em nada afeta a posição que o Vigário de Cristo detém na Igreja Católica. Dizer diferente disso é disseminar a confusão, e nós já vivemos em tempos onde existe confusão demais.