Receber a Liturgia, não reformá-la

Não li ainda o livro do Card. Sarah (grande cardeal!) que, segundo consta, chegou há poucos meses às livrarias do Brasil; mas hoje, no Facebook, tive acesso a uma peça publicitária do livro-entrevista que me chamou a atenção. Traduzo livremente:

Se nós fabricamos a liturgia por nossa própria conta ela se afasta do divino; ela se transforma em um ridículo, vulgar e maçante jogo teatral. Acabamos, assim, com liturgias que se parecem com programas de auditório, com uma festa dominical engraçada para relaxar após uma semana de trabalho cheia das mais variadas preocupações. Uma vez que isso acontece, os fiéis voltam para a casa após a celebração da Eucaristia sem haverem encontrado Deus pessoalmente — ou sem O terem ouvido no mais profundo dos seus corações.

Tenho para mim que esta questão é importante e, a ela, não se costuma dar a devida atenção fora dos ambientes (ditos) tradicionalistas. O cerne do argumento aqui desenhado é o seguinte: os homens vão à Igreja para se relacionar com Deus. Para tanto, é necessário que eles encontrem, na Igreja, algo maior do que eles próprios, algo que eles próprios não seriam capazes de confeccionar com suas próprias mãos. Mas, ora, tornar a Liturgia uma coisa que cada “comunidade” produz — ainda que seja uma “construção coletiva” — é fazer com que ela seja percebida não mais como algo que se recebe (de Deus, do passado ou de um determinado conjunto de pessoas santas), mas como algo que se constrói. E se eu construo a Liturgia, então eu não preciso ir à Igreja: é o corolário mas óbvio aqui, de cuja precisão o esvaziamento de nossas igrejas (mormente no pós-Concílio) dá a prova mais triste e incontestável.

Os homens já se relacionam consigo próprios o tempo inteiro — afinal de contas, a vida secular é exatamente isso. Não se vai à Igreja para fazer, lá, o que mesmo que já se faz no mundo; vai-se para a Igreja, ao contrário, para lá se abrir ao diferente. É aliás esta uma característica muito própria da Religião Cristã: nela se tem não a obra de um grande homem, não o resultado acumulado do progresso da humanidade, nem nada disso, mas o próprio Deus que vem ao encontro da humanidade que, sem esta Vinda, estaria para sempre condenada a nunca O encontrar. É por isso que se vai à Igreja: porque n’Ela Deus vem até nós. E imaginar que Deus poderia vir até nós mediante a virtude de qualquer coisa propriamente nossa não passa de uma superstição ímpia; achar que somos capazes de O invocar mediante determinado conjunto de palavras e gestos inventados por nós é ainda mais insano do que acreditar, por exemplo, que determinada dança é capaz de fazer chover. É bárbaro e primitivo.

A Liturgia só funciona (lembrando, Sacramento é um sinal sensível e eficaz da graça divina) porque Ela nos foi dada: não é obra nossa mas do próprio Cristo, através do Seu Corpo que é a Igreja. Essa verdade, fundamental para um relacionamento sadio com Deus, fica completamente obscurecida quando «nós fabricamos a Liturgia por nossa própria conta»: é o que o Card. Sarah está dizendo. Nós perdemos a capacidade de nos abrir a Deus (lembrando, os Sacramentos agem ex opere operato mas os seus efeitos só se percebem ex opere operantis) se não somos capazes de enxergar, nos gestos e palavras da Santa Missa, mais do que uma simples convenção arbitrariamente definida pelos católicos que nela tomam parte. No limite, como se disse, a Liturgia artificialmente produzida torna desnecessária a própria ida à Igreja.

Penso que o maior problema da questão litúrgica não se encontra na parte objetiva, mas sim na subjetiva; i.e., não na capacidade do rito de conferir a graça, mas sim na de tornar os fiéis propícios a recebê-la. Isto, penso, respeita a Doutrina Católica no que diz respeito à indefectibilidade da Igreja em matéria litúrgica; isso, igualmente, explica a situação de miséria espiritual em que se encontra o catolicismo com o Novus Ordo.

Com uma interessante vantagem. Se a questão é subjetiva e não objetiva, então ela depende das disposições interiores dos que se acercam dos Sagrados Mistérios — e, portanto, a possibilidade de correção orgânica é muito maior. Ora, uma Missa repleta de invencionices locais é sem dúvidas uma coisa muito artificial. Um rito produzido por uma comissão burocrática é artificial também; mas ele só o é dentro de um horizonte temporal muito restrito. Quanto mais se caminha no tempo, mas o Rito de Paulo VI deixa de ser uma novidade para se tornar algo que simplesmente é assim na Igreja — para as novas gerações a Missa simplesmente “sempre foi assim”, é a missa que os seus pais sempre assistiram, dentro de algumas poucas décadas se tornará a missa de que os seus pais e avós sempre participaram e assim sucessivamente. Em algumas gerações a aura da ancestralidade irá reluzir também sobre o Novus Ordo; é simplesmente questão de tempo para que os católicos encontrem, nele, algo que vem de um passado (cada vez mais) remoto da Igreja — e, portanto, algo que é recebido e não confeccionado. O problema apontado pelo Card. Sarah, assim, naturalmente deixa de existir.

É justamente para impedir essa correção orgânica que os assassinos da Liturgia precisam, o tempo inteiro, inventar coisas e mais coisas para atormentar os fiéis que assistem à Missa. Celebrar estritamente o N.O.M. não atende mais à sanha iconoclasta dos inimigos da Igreja, exatamente porque para as novas gerações o N.O.M. é a liturgia tradicional. É por isso que é preciso lhe acrescentar cada vez mais coisas, cada vez mais novidades: para mantê-lo indefinidamente como uma coisa fabricada, sempre construída pela comunidade, nunca recebida da Igreja. As posições do Card. Sarah, assim, não são uma nova intervenção Ottaviani: o alvo dele é a mentalidade de que a Liturgia deva (ou mesmo possa) ser continuamente fabricada, e não um rito específico. E este combate é prévio a qualquer discussão sobre forma ordinária ou extraordinária do Rito Romano. Sem esta concepção, qualquer apostolado litúrgico é vão. Para que qualquer “Reforma da Reforma” possa ser possível, é preciso antes entender — por paradoxal que pareça — que a Liturgia se recebe e não se reforma. Sem isso estaremos apenas recauchutando velhos erros.

Humor Conciliar

Publico uma tradução do “Humor Conciliar” que o Andrea Tornielli nos trouxe recentemente e um amigo me mostrou via Secretum Meum Mihi. As historietas fazem parte de um livro («Las burbujas del Concilio», 128 páginas, 12 euros) de 1966 que acabou de ganhar uma edição moderna, a ser vendida nas editoras (italianas, suponho) a partir do próximo dia 3 de outubro. Algumas das anedotas são demasiado mordazes, mas outras são muito boas. E todas são, no mínimo, curiosas.

À lista abaixo eu acrescento outra que um amigo nos contou por email (talvez esteja no livro, não sei), sobre o nome das duas lojas que vendiam lanches para os Padres Conciliares: o «Bar Judas» e o «Bar Abbas». Que ninguém diga que os católicos (nem mesmo a alta hierarquia católica!) não têm senso de humor.

* * *

Os primeiros efeitos da pílula

Em várias ocasiões, alguns jornais anunciaram novas nomeações cardinalícias por Paulo VI. E, a cada vez, as notícias se revelaram falsas previsões. «Por que o Papa não cria mais cardeais?», um bispo se perguntava. «Deve ter aprovado a pílula… e funcionou!», respondeu um perito.

Ecumenismo angélico

Um visitante chega ao Vaticano e pede uma audiência imediata com o Papa. O Guarda Suíço em serviço fica desconcertado: não é possível, tem que marcar um horário. O visitante insiste; o Guarda Suíço pergunta o seu nome e, depois, um Monsenhor o recebe. «Sou o Doutor Satanás», explica o visitante, «e preciso falar urgentemente com o Papa». O Doutor Satanás insiste tanto que o Monsenhor consegue, enfim, obter uma audiência extraordinária no mesmo dia, embora não sem [antes] ter verificado cuidadosamente a identidade do estranho visitante: chifres sob o chapéu, cauda ondulada, pé de bode… No dia seguinte, “L’Osservatore Romano” publica uma nota: «Sua Santidade recebeu em audiência privada o ilustre Doutor Satanás. O encontro durou cerca de 80 minutos e aconteceu em um ambiente cordial. O Santo Padre assegurou sua simpatia pelo líder dos anjos rebeldes».

Non decet

Alguns leigos participaram do famoso Esquema XIII, em particular na elaboração do capítulo sobre o Matrimônio. Entre eles havia uma mulher vinda do México (acompanhada pelo seu marido). Um dia, o cardeal irlandês Michael Browne interviu na comissão sobre o tema do «amor de concupiscência», afirmando que o esquema devia recordar este aspecto deplorável do amor humano, inclusive no âmbito do Matrimônio. De repente, a mulher o interrompeu dizendo: «Todos os bispos aqui presentes, espero, veneram a própria mãe e não se consideram frutos da concupiscência». O cardeal enrubesceu, mudou de assunto e ninguém voltou a falar sobre o tema.

Toaletes

Os banheiros do Concílio tinham duas indicações em italiano: «libre» e «ocupado». Um bispo propôs que fossem traduzidos para o latim, nestes termos: «sede vacante» e «feliciter regnante».

Mais atitudes e menos palavras.

O cardeal Suenens falava muito do diálogo no Concílio, mas (ao que parece) o praticava pouco em sua diocese. «É um especialista do monólogo no diálogo», diziam alguns dos sacerdotes da diocese de Malinas-Bruselas.

Onde está o pai?

Alguém abandona um recém-nascido nos jardins do Palácio do Santo Ofício. Dois seminaristas que passavam por lá o vêem e se perguntam quem serão seus pais: «será um bispo?», diz um. «Não, claro que não», responde o outro. «Por quê?». «Porque nunca se soube de nenhum bispo que tivesse feito algo significativo em nove meses. Talvez o Concílio?». «Impossível, o que sai dele nasce morto ou inválido. E se for de alguém do Santo Ofício?» «Nem brincando! Um filho é fruto do amor, e no Santo Ofício não há nenhum vestígio de amor».

Humor Pontifício

Ao final da Quarta Sessão, muitos Padres Conciliares criticaram duramente a prática das indulgências e chegaram até mesmo a pedir que fossem abolidas. O que dizia o Papa? Apenas se pode indicar que, ao receber os bispos latino-americanos pouco antes de terminar o Vaticano II, Paulo VI lhes dissera: «Dou-lhes minha bênção e as respectivas indulgências… porque ainda me é concedido dá-las».

A Trento

Os cardeais Ottaviani e Ruffini sobem num táxi e dizem ao motorista: «ao Concílio!». Depois começam a discutir questões teológicas. De repente, se dão conta de que o táxi saiu de Roma e se dirige ao norte. «Ei, taxista, onde nos está levando?». «Vocês me disseram: “ao Concílio!” e eu os estou levando a Trento. Creio que é o único destino possível para vocês…».

Sobre opiniões errôneas na interpretação dos decretos do Concílio Vaticano II [1966]

[Por incrível que pareça, foi publicada pela CNBB (in “Documenta: documentos da Congregacao para a Doutrina da Fe 1965-2010”, Brasília, Edições CNBB, 2011). Dir-se-ia de tal carta “profética”, se o mais provável não fosse que ela simplesmente apontava os problemas que já aconteciam em 1966 e que, desde então, generalizaram-se de uma maneira horripilante. Convém ser lida e relida, estudada e apresentada com vigor aos católicos dos dias de hoje! Rezemos pela Igreja.

Fonte: Cartas a Probo.]

CARTA SOBRE OPINIÕES ERRÔNEAS NA INTERPRETAÇÃO DOS DECRETOS DO CCONCÍLIO VATICANO II
Congregação para a Doutrina da Fé

Depois da promulgação do Concílio Ecumênico Vaticano II, concluído recentemente, sapientíssimos documentos, tanto sobre questões doutrinais, quanto disciplinares, para promover eficazmente a doutrina da Igreja, incumbem a todo o Povo de Deus a lutar com todo o empenho para que se realize tudo o que, com a inspiração do Espírito Santo, foi solenemente proposto ou decretado naquele sínodo de Bispos, presidido pelo Romano Pontífice.

À hierarquia compete o direito e o dever de vigiar, dirigir e promover o movimento de renovação que o Concílio começou, de modo que os documentos e decretos do referido Concílio recebam uma reta interpretação e sejam levados a efeito com exatidão segundo a força e o sentido dos mesmos. Portanto, esta doutrina deve ser defendida pelos Bispos, já que, como tais, gozam do poder de ensinar com autoridade, unidos à cabeça de Pedro. É digno de elogio que muitos Pastores do Concílio já tomaram a iniciativa de explicá-la convenientemente.

Sentimos, contudo, que de diversas partes chegam notícias de como não somente pululam os abusos na interpretação da doutrina do Concílio, como também de como aqui e ali surgem opiniões estranhas e audazes, que perturbam não pouco a alma de muitos fiéis. Devemos louvar os trabalhos ou intentos que buscam penetrar mais profundamente na verdade, distinguindo retamente entre aquilo em que se deve acreditar e o que é opinião; porém, pelos documentos examinados nesta Sagrada Congregação, consta que existem não poucas sentenças que, passando por alto facilmente os limites da simples opinião, parecem afetar o mesmo dogma e os fundamentos da fé.

Convém que expressemos, como exemplo, algumas das sentenças e erros, tal como são conhecidos através da relação de doutores e das publicações escritas.

1) Primeiramente, referimo-nos à Sagrada Revelação: há quem recorra à Sagrada Escritura, deixando de lado intencionalmente a Tradição, porém restringem o âmbito e a força da inspiração e da inerrância, já que pensam equivocadamente sobre o valor dos textos históricos.

2) No que se refere à doutrina da Fé, diz-se que as fórmulas dogmáticas devem ser submetidas à evolução histórica, de tal modo que o sentido objetivo das mesmas seja exposto a mudanças.

3) Esquece-se ou subestima-se o Magistério ordinário da Igreja, principalmente do Romano Pontífice, de tal maneira que se relega ao plano das coisas opináveis.

4) Alguns quase não reconhecem a verdade objetiva absoluta, firme e imutável, expondo tudo a um certo relativismo, alegando o falaz argumento de que qualquer verdade deve seguir necessariamente o ritmo da evolução da consciência e da história.

5) Ataca-se a admirável pessoa de Nosso Senhor Jesus Cristo, quando, ao refletir sobre a Cristologia, utilizam-se tais conceitos de natureza e pessoa, que apenas podem se conciliar com as definições dogmáticas. Insinua-se certo humanismo pelo qual o Cristo é reduzido à condição de simples homem, que foi adquirindo pouco a pouco consciência de sua filiação divina, Sua concepção virginal, seus milagres e sua Ressurreição são concedidos de palavra, porém frequentemente reduzem-se à mera ordem natural.

6) Igualmente, ao tratar da teologia dos sacramentos, alguns elementos são ignorados ou não se lhes presta a suficiente atenção. Sobretudo no que se refere à Santíssima Eucaristia. Não falta quem discuta sobre a presença real de Cristo sob as espécies de pão e vinho, defendendo um exacerbado simbolismo, como se pão e vinho não se convertessem no Corpo e Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo pela transubstanciação, mas que simplesmente fossem empregados com certa significação. Há quem insista mais no conceito de ágape, com relação à missa, do que no de Sacrifício.

7) Alguns desejam explicar o Sacramento da Penitência como um meio de reconciliação com a Igreja, sem explicar suficientemente a reconciliação com Deus ofendido. Pretendem que, ao celebrar este Sacramento, não seja necessária a confissão pessoal dos pecados, mas somente se preocupem em expressar a função social da reconciliação com a Igreja.

8) Não falta quem menospreze a doutrina do Concílio de Trento sobre o Pecado Original, ou quem a interprete obscurecendo a culpa original de Adão ou, ao menos, a transmissão do pecado.

9) Não são menores os erros que circulam no âmbito da teologia moral. Com efeito, não poucos se atrevem a refutar a razão objetiva da moralidade; outros não aceitam a lei natural e defendem, por outro lado, a legitimidade da chamada “moral de situação”. Propagam-se opiniões perniciosas sobre a moralidade e a responsabilidade em matéria sexual e matrimonial.

10) A todos estes temas, temos de acrescentar uma nota sobre o Ecumenismo. A Sé Apostólica, certamente, louva todos os que, no espírito do Decreto Conciliar sobre o ecumenismo, promovem iniciativas para fomentar a caridade com os irmãos separados e atraí-los à unidade da Igreja; porém lamenta que não falte quem, interpretando a seu modo o decreto Conciliar, exija uma ação ecumênica que vá contra a verdade, assim como contra a unidade da Fé e da Igreja, fomentando um perigoso irenismo e indiferentismo, que é totalmente alheio à mente do Concílio.

Espalhada esta classe de erros e perigos, apresentamo-los sumariamente, nesta Carta aos Ordinários do lugar, para que cada um, segundo seu cargo e ofício, cuide de refreá-los e preveni-los.

Este Sagrado Dicastério roga encarecidamente para que os Ordinários do lugar tratem disso nas reuniões de suas conferências episcopais e enviem relações à Santa Sé, aconselhando o que creem oportuno, antes da festa da Natividade de Nosso senhor Jesus Cristo do ano em curso.

Esta carta, que, por uma óbvia razão de prudência, nos impede de fazê-la de domínio público, deve ser guardada sob estrito segredo pelos Ordinários e por todos aqueles que com justa causa a ensinam.

Roma, 24 de julho de 1966.
A. Card. Ottaviani,
Pró-prefeito.

De nonnullis sententiis et erroribus

[Tomo a liberdade de publicar o documento abaixo. Ele não está no site da Santa Sé, embora esteja lá citado: é o último da página, n. 67 (AAS 58 (1966) 659-661; Nuntius 1 (1967) 17-19; DOCUMENTA 3). Trata-se de uma carta da Congregação para a Doutrina da Fé escrita pelo então prefeito, o Cardeal Ottaviani, e que chegou-me às mãos em um grosso volume de “Documentos Doutrinais” enviado por um sacerdote amigo. O texto vai em espanhol, como o recebi. É interessante porque ilustra (a) a existência de más interpretações do Concílio Vaticano II já no pós-concílio imediato, e (b) a posição constante das autoridades da Igreja quanto à causa delas, referente à qual destaco: “los abusos en la interpretación de la doctrina del Concilio“. A lista de erros é atualíssima; que as sábias palavras do velho cardeal possam nos ajudar a encontrar a melhor forma de saná-los, para a maior glória de Deus e exaltação da Santa Madre Igreja.]

Carta sobre algunas opiniones erróneas en la interpretación de los decretos del Concilio Vaticano II

[Epistula ad Venerabiles Praesules Conferentiarum Episcopalium et ad Superiores Religionum: De nonnullis sententiis et erroribus ex falsa interpretatione decretorum Concilii Vaticani II insurgentibus]

Habiendo promulgado el Concilio Ecuménico Vaticano II, felizmente concluido en fecha reciente, sapientísimos documentos, tanto sobre cuestiones doctrinales, como sobre cuestiones disciplinares, para promover eficazmente la vida de la Iglesia, incumbe a todo el Pueblo de Dios la grave obligación de luchar con todo empeño para que se realice todo lo que, con la inspiración del Espíritu Santo, fue solemnemente propuesto o decretado en aquel amplísimo sínodo de Obispos, presidido por el Romano Pontífice.

A la Jerarquía compete el derecho y el deber de vigilar, dirigir y promover el movimiento de renovación que el Concilio ha comenzado, de modo que los Documentos y Decretos del referido Concilio reciban una recta interpretación y se lleven a efecto con exactitud según la fuerza y el sentido de los mismos. Por tanto, esta doctrina ha de ser defendida por los Obispos, ya que, como tales, gozan de la potestad de enseñar estando unidos con la cabeza de Pedro. Es encomiable el que muchos Pastores del Concilio ya hayan tornado sobre si la obligación de explicarla convenientemente. Sentimos, sin embargo, el que desde diversas partes nos hayan llegado desagradables noticias de como no solo van pululando los abusos en la interpretación de la doctrina del Concilio, sino también de como aquí y allí van surgiendo opiniones peregrinas y audaces, que perturban no poco las almas de muchos fieles. Hemos de encomiar los trabajos o intentos de penetrar más profundamente la verdad, distinguiendo rectamente entre lo que ha de ser creído y lo que es opinable; pero, por los documentos examinados en esta Sagrada Congregación, consta que existen no pocas sentencias que, pasando por alto con facilidad los limites de la simple opinión, parecen afectar un tanto al mismo dogma y a los fundamentos de la fe.

Conviene que expresemos, a modo de ejemplo, algunas de estas sentencias y errores, tal como son conocidas a través de las relaciones de los doctores y de las publicaciones escritas.

1) En primer lugar, nos referimos a la misma Sagrada Revelación: hay quienes recurren a la Sagrada Escritura, dejando a un lado intencionadamente la Tradición, pero coartan el ámbitoo y la fuerza de la inspiración y de la inerrancia, a la vez que piensan equivocadamente acerca del valor de los textos históricos.

2) En lo que se refiere a la doctrina de la Fe, se dice que las formulas dogmáticas han de estar sometidas a la evolución histórica, de tal manera que el sentido objetivo de las mismas queda expuesto a cambios.

3) Se olvida o se subestima el Magisterio ordinario de la Iglesia, principalmente del Romano Pontífice, de tal manera que se relega al plano de las cosas opinables.

4) Algunos casi no reconocen la verdad objetiva absoluta, firme e inmutable, y todo lo exponen a un cierto relativismo, aduciendo el falaz argumento de que cualquier verdad ha de seguir necesariamente el ritmo de evolución de la conciencia y de la historia.

5) Es atacada la misma adorable Persona de Nuestro Señor Jesucristo, cuando, al reflexionar sobre la cristología, se utilizan tales conceptos de naturaleza y de persona, que apenas pueden conciliarse con las definiciones dogmáticas. Se insistía un cierto humanismo por el que Cristo es reducido a la condición de simple hombre, que fue adquiriendo poco a poco conciencia de su filiación divina. Su concepción virginal, sus milagros y su misma Resurrección se conceden de palabra, pero a menudo se reducen a un mero orden natural.

6) Igualmente, al tratar de la teología de los Sacramentos, algunos elementos son ignorados o no se les presta la suficiente atención; sobre todo, en lo que se refiere a la Santísima Eucaristía. No faltan quienes discuten acerca de la presencia real de Cristo bajo las especies de pan y de vino, defendiendo un exacerbado simbolismo, como si el pan y el vino no se convirtiesen en el Cuerpo y la Sangre de Nuestro Señor Jesucristo por la transubstanciación, sino que simplemente fuesen empleados como cierta significación. Hay quien insiste más en el concepto de agape con respecto a la Misa, que en el de Sacrificio.

7) Algunos desean explicar el Sacramento de la Penitencia como un medio de reconciliación con la Iglesia, sin explicar suficientemente la reconciliación con Dios ofendido. Pretenden que, al celebrar este Sacramento, no sea necesaria la personal confesión de los pecados, sino que solo se preocupan de expresar la función social de reconciliación con la Iglesia.

8) No faltan quienes menosprecian la doctrina del Concilio de Trento acerca del pecado original o quienes la interpretan oscureciendo la culpa original de Adán, o, al menos, la transmisión del pecado.

9) No son menores los errores que se hacen circular en el ámbito de la teología moral. En efecto, no pocos se atreven a rechazar la razón objetiva de la moralidad; otros no aceptan la ley natural y defienden, en cambio, la legitimidad de la llamada moral de situación. Se propagan opiniones perniciosas acerca de la moralidad y de la responsabilidad en materia sexual y matrimonial.

10) A todos estos temas hemos de añadir una nota sobre el Ecumenismo. La Sede Apostólica, ciertamente, alaba a todos los que en el espíritu del Decreto Conciliar sobre el ecumenismo promueven iniciativas para fomentar la caridad con los hermanos separados y atraerlos a la unidad de la Iglesia; pero lamenta que no faltan quienes, interpretando a su modo el Decreto Conciliar, exigen una acción ecuménica que va contra la verdad, así como contra la unidad de la Fe y de la Iglesia, fomentando un peligroso irenismo e indiferentismo, que es totalmente ajeno a la mente del Concilio.

Esparcidos por aquí y por allá esta clase de errores y peligros, los presentamos recogidos sumariamente en esta carta a los Ordinarios de lugar, para que cada uno, según su cargo y oficio, cuide de frenarlos y prevenirlos.

Este Sagrado Dicasterio ruega encarecidamente que los Ordinarios del lugar traten de ellos en las reuniones de sus Conferencias Episcopales y envíen relaciones a la Santa Sede, aconsejando lo que crean oportuno, antes de la fiesta da la Navidad de Nuestro Señor Jesucristo del año en curso.

Esta Carta, que una obvia razón de prudencia nos impide hacer del dominio publico, ha de ser guardada bajo estricto secreto por los Ordinarios y por todos aquellos a los que con justa causa la enseñen.

Roma, 24 de julio de 1966.
A. Card. Ottaviani