No amor e na verdade

As manchetes ribombam mundo afora: Papa quer que divorciados casados de novo não sejam tratados como excomungadosPapa pede que divorciados não sejam tratados como excomungadosPapa: divorciados que casam novamente ‘não são excomungados’! Dir-se-ia alguma revelação fantástica, alguma novidade inaudita; trata-se, no entanto, do lugar-comum mais comezinho, que certamente todas as pessoas saberiam se tivessem prestado atenção em suas aulas de catequese – e que, com toda a certeza, os correspondentes de religião dos jornais tinham e têm obrigação de o saber de cor, se quiserem fazer jus ao trabalho que se propõem a fazer.

É evidente que os divorciados não estão “excomungados” (ao menos não pelo fato de serem divorciados recasados) e nem nunca o estiveram. Os adúlteros sempre foram merecedores das mais ásperas censuras, é fato, mas não me consta que tenham sido em alguma época fulminados de excomunhão – e, certamente, não o eram até ontem (ao contrário do que as manchetes dão a entender!), antes de a imprensa alardear como se fosse a maior novidade do mundo aquilo que os católicos sempre souberam.

Simplificando as coisas (uma vez que a similaridade entre as palavras “comunhão [eucarística]” e “excomunhão” pode levar a crer que não poder participar da comunhão eucarística é o mesmo que estar excomungado), existem dois tipos de pessoas: as que fazem parte da Igreja Católica e as que não fazem parte da Igreja Católica. A “excomunhão” é uma pena mediante a qual o sujeito, que fazia parte da Igreja, é d’Ela expulso e a Ela deixa de pertencer. Portanto, quem é excomungado não faz parte da Igreja Católica. Por não fazer parte da Igreja Católica, evidentemente, não pode participar dos Sacramentos, como não o podem um herege protestante, um pagão ou um ateu.

As pessoas que fazem parte da Igreja Católica – e aqui, por definição, está-se falando daquelas que não estão excomungadas – dividem-se entre as que estão em estado de graça e as que não estão em estado de graça. O estado de graça é a situação de amizade com Deus que se adquire com o batismo, se perde com o pecado mortal e se recupera com a confissão sacramental; portanto, quem comete pecado mortal e não se confessa não está em estado de graça. O adultério é pecado mortal. Os divorciados recasados estão em adultério. Logo, os divorciados recasados, enquanto não se confessarem, estão em pecado mortal, não estão em estado de graça.

Certos sacramentos – chamados sacramentos “de vivos” – exigem o estado de graça para serem licitamente recebidos. Exemplo máximo desta espécie de sacramentos é o Sacramento da Eucaristia, do qual S. Paulo falou que comia e bebia a própria condenação quem O comesse e bebesse indignamente. A recepção da Santíssima Eucaristia – a comunhão sacramental – exige o estado de graça. Quem está em pecado mortal não pode, portanto, comungar. Adultério é pecado mortal. Os divorciados recasados estão em adultério. Os divorciados recasados não estão em estado de graça e, portanto, não podem comungar.

Nem todo mundo que não pode comungar não o pode por não fazer parte da Igreja Católica! Quem não é católico (p.ex., quem está excomungado) não pode comunga, é evidente; mas quem não está em estado de graça, mesmo sendo católico, também não pode se aproximar da comunhão eucarística. Os divorciados recasados não podem comungar por conta deste segundo motivo. Não pelo primeiro. É óbvio.

Que isso não se trata de novidade nenhuma é coisa bastante fácil de se mostrar. Abra-se, por exemplo, a Sacramentum Caritatis. Exortação pós-sinodal, escrita há apenas oito anos. Ora, isso é já no terceiro milênio; não é crível que a realidade familiar contemporânea seja substancialmente diferente daquela de 2007. Pois bem. Lá, na década passada, um Sínodo dos Bispos já discutiu o “problema” da admissão dos divorciados recasados ao Sacramento da Eucaristia – que, hoje, quer-se fazer acreditar que é uma discussão importantíssima e inédita em vinte e um séculos de Cristianismo. Um Sínodo dos Bispos, dizia-se, já o discutiu um dia desses. E decidiu (negrito meu):

O Sínodo dos Bispos confirmou a prática da Igreja, fundada na Sagrada Escritura (Mc 10, 2-12), de não admitir aos sacramentos os divorciados re-casados, porque o seu estado e condição de vida contradizem objectivamente aquela união de amor entre Cristo e a Igreja que é significada e realizada na Eucaristia. Todavia os divorciados re-casados, não obstante a sua situação, continuam a pertencer à Igreja, que os acompanha com especial solicitude na esperança de que cultivem, quanto possível, um estilo cristão de vida, através da participação na Santa Missa ainda que sem receber a comunhão, da escuta da palavra de Deus, da adoração eucarística, da oração, da cooperação na vida comunitária, do diálogo franco com um sacerdote ou um mestre de vida espiritual, da dedicação ao serviço da caridade, das obras de penitência, do empenho na educação dos filhos (Sacramentum Caritatis, 29).

Ora, dizer que os divorciados recasados «continuam a pertencer à Igreja» é a mesmíssima coisa que dizer que eles «não são excomungados». O que Bento XVI disse há oito anos, o Papa Francisco repetiu-o agora. À época, a mídia fez um escarcéu porque o Papa dissera que o divórcio era una piaga; hoje, a mídia faz uma festa para ocultar que o Papa disse que é preciso acolher os divorciados recasados no amor e na verdade.

No amor e na verdade! A expressão se encontra na catequese pontifícia (o itálico é meu): «é necessário um fraterno e atento acolhimento, no amor e na verdade, para com os batizados que estabeleceram uma nova convivência depois do fracasso do matrimônio sacramental». Amor na verdade. Lembra alguma coisa?

«A caridade na verdade, que Jesus Cristo testemunhou com a sua vida terrena e sobretudo com a sua morte e ressurreição, é a força propulsora principal para o verdadeiro desenvolvimento de cada pessoa e da humanidade inteira». Assim se inicia um outro documento de Bento XVI, a encíclica Caritas in Veritate. Tudo bem, é uma encíclica social. Mas veja-se se a introdução não serve como uma luva para as presentes celeumas a respeito de divorciados e acesso aos sacramentos:

Só na verdade é que a caridade refulge e pode ser autenticamente vivida. A verdade é luz que dá sentido e valor à caridade. Esta luz é simultaneamente a luz da razão e a da fé, através das quais a inteligência chega à verdade natural e sobrenatural da caridade: identifica o seu significado de doação, acolhimento e comunhão. Sem verdade, a caridade cai no sentimentalismo. O amor torna-se um invólucro vazio, que se pode encher arbitrariamente. É o risco fatal do amor numa cultura sem verdade; acaba prisioneiro das emoções e opiniões contingentes dos indivíduos, uma palavra abusada e adulterada chegando a significar o oposto do que é realmente (Caritas in Veritate, 3).

E ainda, a se grafar em faixas enormes a serem estendidas a cada vez que alguém vier falar em dar a comunhão aos divorciados recasados:

Um cristianismo de caridade sem verdade pode ser facilmente confundido com uma reserva de bons sentimentos, úteis para a convivência social mas marginais. Deste modo, deixaria de haver verdadeira e propriamente lugar para Deus no mundo (CV 4).

Eis, portanto, o que significa acolher «na verdade» – e outra coisa não é possível fazê-lo significar. Não dentro da Igreja de Nosso Senhor – Aquela que, «fundada sobre Cristo, não obstante as inúmeras tempestades e os nossos muitos pecados, permanece fiel ao depósito da fé no serviço, porque a Igreja não é dos Papas, dos Bispos, dos padres e nem mesmo dos fiéis; é só e unicamente de Cristo» (Papa Francisco na homilia de 29/06/2015).

Decerto o mundo, inimigo da Igreja, havia de tentar obscurecer a mensagem do Evangelho; decerto a mídia anticlerical haveria de tentar semear a confusão. Não é a primeira vez, nem será a última. O que importa aos homens é permanecer firmes na Verdade, e não dar ouvidos às opiniões levianas que saem na mídia. Porque a Igreja, que não é nem mesmo dos Papas, muito menos o é da imprensa. Muito menos o é das reivindicações da moda. Por mais que rujam os demônios, a Igreja é e vai continuar sempre sendo «só e unicamente de Cristo». E, por mais que se tente, ninguém será capaz de vencer a força desta verdade.

Fala-se muito em como a Igreja deveria se portar; ninguém quer ouvir como a Igreja ensina que os homens devem proceder. Não engrossemos o coro dos primeiros. Ouvir a voz da Igreja outra coisa não é que ouvir a voz de Cristo. E felizes – mil vezes felizes! – os que, ouvindo esta Doutrina, puserem-na em prática.

Magistério da Igreja – Autoridade Mundial

[Após o Papa Bento XVI ter dito, na sua última carta encíclica, que “urge a presença de uma verdadeira Autoridade política mundial”, muitas pessoas rasgaram as vestes e escandalizaram-se, achando que o Papa estaria cedendo ao globalismo moderno, capitulando diante da ONU, adotando posições modernistas, ou qualquer coisa do tipo. Na verdade, o número 67 da Caritas in Veritate não constitui novidade alguma (obviamente) na Doutrina Social da Igreja, como se pode ver pelos documentos abaixo apresentados. Agradeço ao Rodrigo R. Pedroso pela elaboração e envio da coletânea.]

I – Catecismo e Compêndio de DSI

1911. As dependências humanas intensificam-se. Estendem-se, pouco a pouco, a toda a terra. A unidade da família humana, reunindo seres de igual dignidade natural, implica um bem comum universal. E este requer uma organização da comunidade das nações, capaz de «prover às diversas necessidades dos homens, tanto no domínio da vida social (alimentação, saúde, educação…), como para fazer face a múltiplas circunstâncias particulares que podem surgir aqui e ali (por exemplo: […] acudir às misérias dos refugiados, dar assistência aos migrantes e suas famílias…)» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 84: AAS 58 (1966) 1107).

1927. Compete ao Estado defender e promover o bem comum da sociedade civil. O bem comum de toda a família humana exige uma organização da sociedade internacional.

(Catecismo da Igreja Católica)

442 Uma política internacional voltada para o objetivo da paz e do desenvolvimento mediante a adoção de medidas coordenadas mais do que nunca tornou-se é necessária em virtude da globalização dos problemas. O Magistério destaca que a interdependência entre os homens e as nações adquire uma dimensão moral e determina as relações no mundo atual sob o aspecto econômico, cultural, político e religioso. Nesse contexto, seria de desejar uma revisão, que «pressupõe a superação das rivalidades políticas e a renúncia a toda a pretensão de instrumentalizar as mesmas Organizações, que têm como única razão de ser o bem comum», com o objetivo de conseguir «grau superior de ordenação a nível internacional».

443 O Magistério avalia positivamente o papel dos agrupamentos que se formaram na sociedade civil para exercer uma importante função de sensibilização da opinião pública para com os diversos aspectos da vida internacional, com uma atenção especial para o respeito dos direitos do homem, como revela o «o número das associações privadas, recentemente instituídas, algumas de alcance mundial, e quase todas empenhadas em seguir, com grande cuidado e louvável objetividade, os acontecimentos internacionais num campo tão delicado».

(Compêndio de Doutrina Social da Igreja)

II – Magistério Pré-Conciliar

5. Em primeiro lugar, o ponto fundamental é que a força moral do direito anteceda a força material das armas. Portanto, um justo acordo de todos na diminuição simultanea e reciproca das armas, segundo normas e garantias a serem estabelecidas, na medida necessaria e suficiente à manutenção da ordem publica nos países individualmente; e, em substituição das armas, um instituto que possa arbitrar com alta função pacificadora, segundo normas a estabelecer e a sanção a ser combinada contra o país que recusasse submeter as questões internacionais à decisão desse arbitro.

(Bento XV – Carta Dès le début, aos chefes dos povos beligerantes, 01.08.1917)

11. O que aqui recordamos aos individuos a respeito dos deveres que têm de praticar a caridade, entendemos que isso deva também ser estendido aos povos que combateram a Grande Guerra, para que removida, por quanto possivel, toda causa de dissidio — e salvas as razões da justiça –, reatem entre eles relações amigaveis. Não é outra a Lei do Evangelho da caridade entre os individuos da que deve existir entre os estados e nações, não sendo esses senão a conjugação dos individuos singularmente. A partir do momento em que a Guerra cessou, não apenas por motivos de caridade, mas também por certa necessidade de coisas, vai-se delineando uma coligação universal de povos, motivados a se unirem entre si para o atendimento de mutuas necessidades, além de benevolencias reciprocas, especialmente agora com a crescente humanização e com as vias de comunicação admiravelmente multiplicadas. (…)

13. Restabelecidas assim as coisas, segundo a ordem evocada pela justiça e pela caridade, e reconciliados entre si os povos, seria muito desejavel, veneraveis irmãos, que todos os estados, removidas as suspeitas reciprocas, se reunissem numa unica sociedade, ou melhor, familia de povos, seja para garantir a propria independencia, e seja para tutelar a ordem da sociedade civil. Para formar essa sociedade entre povos é de estimulo, entre outras considerações, a necessidade geralmente reconhecida de reduzir, senão abolir, as enormes despesas militares que não podem continuar a ser sustentadas pelos estados, para que assim se impeçam futuras guerras mortiferas, e se assegure aos povos nos seus justos limites a independencia da integridade do proprio territorio.

14. E uma vez que essa federação entre nações seja fundada sobre as leis cristãs, por tudo o que se refere à justiça e à caridade, certamente não será a Igreja que recusará o seu contributo válido, uma vez que, sendo ela o tipo mais perfeito de sociedade universal, por sua mesma essencia e finalidade é de eficacia maravilhosa para irmanar os homens, não somente em ordem à eterna salvação, mas também no seu bem-estar material e os conduz através dos bens temporais, de modo a não perder os eternos

(Bento XVCarta enciclica Pacem Dei Munus sobre a reconciliação cristã de paz, 23.05.1920)

En toda reordenación de la convivencia internacional, sería conforme a las máximas de la humana sabiduría que todas las partes interesadas dedujeran las consecuencias de las lagunas o de las deficiencias del pasado; y al crear o reconstruir las instituciones internacionales, que tienen una misión tan alta, pero al mismo tiempo tan difícil y llena de gravísima responsabilidad, se deberían tener presentes las experiencias que resultaron de la ineficacia o del defectuoso funcionamiento de anteriores iniciativas semejantes. Y, como a la debilidad humana es tan dificultoso, casi podríamos decir tan imposible, preverlo todo y asegurarlo todo en el momento de los tratados de paz. cuando es tan difícil verse libre de las pasiones y de la amargura, la constitución de instituciones jurídicas que sirvan para garantizar el leal y fiel cumplimiento de tales tratados, y, en caso de reconocida necesidad, para revisarlas y corregirlas, es de importancia decisiva para una honrosa aceptación de un tratado de paz y para evitar arbitrarias y unilaterales lesiones e interpretaciones de las condiciones de los referidos tratados.

(Pio XIIAlocução natalina In questo giorno aos membros da Cúria, 24.12.1939)

44. Ya en nuestro discurso navideño de 1939 Nos presagiábamos la creación de organizaciones internacionales que, evitando las lagunas y las deficiencias del pasado, fuesen realmente aptas para preservar la paz, según los principios de la justicia y de la equidad contra toda posible amenaza en el futuro. Puesto que hoy, a la luz de tan terribles experiencias, la aspiración hacia una semejante institución universal de paz reclama cada vez más la atención y los cuidados de los hombres de Estado y de los pueblos, Nos espontáneamente expresamos nuestra complacencia y deseamos que su realización concreta responda verdaderamente, en la más amplia medida, a la altura del fin, que es el mantenimiento, en beneficio de todos, de la tranquilidad y de la seguridad en el mundo.

(Pio XIIRadiomensagem Oggi al compiersi, no 5° aniversario do inicio da guerra, 01.09.1944)

III – Sacro Império Medieval

Que o orgulho da França não venha protestar dizendo que ele não reconhece superior, pois é uma mentira. De direito os franceses estão e devem estar submetidos ao rei dos romanos, que também é imperador. Não sabemos de onde eles tiraram e onde eles puderam encontrar a ideia de sua independência, pois está estabelecido que os cristãos sempre estiveram submetidos ao monarca de Roma e que eles assim devem permanecer.

(Bonifacio VIII, bula Ausculta Fili, 05.12.1301)

IV – Referências Conexas

– Plínio Corrêa de Oliveira, sobre Bento XV, a Liga das Nações e o Sacro Império.

– Dante Alighieri, De Monarchia (original latim, ou nesta tradução para o inglês).

Cidade dos Homens, Cidade de Deus

Não tenho tempo nenhum para traduzir este interessante texto, de um jesuíta que leciona filosofia política em Georgetown, sobre a Caritas in Veritate. Apenas um período: “Assim, [a] Caritas in Veritate é uma encíclica social que não se resume a uma abordagem sobre ‘problemas sociais’, mas é uma reorientação [refocusing] do plano de nossa salvação em sua integridade, que toma lugar na arena de nossas vidas reais, em cidades de todas as constituições. Trabalhamos com o que nós temos. Fomos feitos para a vida eterna, a vida da Trindade, [concedida-nos] como um dom”.

E trago também, para comparação, algumas linhas que Daniel-Rops escreve sobre a Cristandade Medieval:

A “Cidade da Terra” encontra o seu sentido em função da “Cidade de Deus” que ela prepara. Como se vê no afresco de Santa Maria Novella, estão vinculadas uma à outra. Todos os batizados constituem desde já, na terra, uma entidade viva, fraternal, harmonizada pelos mesmos princípios, unida num mesmo esforço. Essa entidade recebe agora um nome: chama-se Cristandade.

[…]

O que é então a Cristandade no momento em que atinge o seu pleno desenvolvimento, isto é, no século XII? Dependendo da perspectiva de que se olhe (do céu ou da terra), podem-se dar duas definições, ambas solidárias. Em sentido lato, a Cristandade é o conjunto de homens regenerados por Cristo, que aspiram ao seu reino; em sentido estrito, é a sociedade dos cristãos enquanto vivem na terra e buscam fins temporais, partindo, porém, da base de que esses fins devem ser ultrapassados e realizados em Deus. A Cristandade é, portanto, um povo, a linhagem que nasceu de Cristo, que se nutre dEle e se dessedenta no seu sangue. É uma “nação”, uma comunidade que não está necessariamente ligada a um quadro geográfico e na qual todos os membros se sentem em sua própria casa. É uma sociedade, populus christianus, em que todas as desigualdades sociais e profissionais devem conciliar-se. É, enfim, uma pátria, por cujos interesses cada membro deve estar disposto a sacrificar a vida.

Fonte: A Igreja das Catedrais e das Cruzadas, Daniel-Rops, Ed. Quadrante, 1993, págs. 39-40.

Ligeiro apanhado: Economia, Gayzismo

Não existem crises econômicas, mas crises morais – é o que diz Eulogio López, diretor do Hispanidad. “[O] Ocidente não está deixando de ser o motor do desenvolvimento econômico do mundo porque perdeu o trem tecnológico, mas porque não tem filhos. Ter filhos é um preceito moral mas também uma lei econômica. Sem filhos não há pessoas, não há contribuintes que suportem o Estado de Bem-Estar. É a tautologia de que se não há vitalidade as sociedades morrem. Portanto, o aborto e o conjunto de políticas antinatalistas são os vilões de uma economia sã”.

– Ouvi dizer que o primeiro a sustentar a tese, precisamente contra Malthus, foi um economista chamado Friedrich List. Não conheço nada sobre ele. No entanto, soube por ZENIT que “o economista Ettore Gotti Tedeschi, expoente dos maiores grupos bancários mundiais, indicou o Papa Bento XVI para o Nobel de Economia”. Precisamente por ter escrito com clareza, na Caritas in Veritate, que “que a crise econômica é filha da queda da natalidade”.

– Será que vão escutar o Papa? A julgar por dois economistas do The Economist, espero que sim. Eles dizem que Deus está de volta. A tese deles diz que “la religión está jugando un papel cada vez más importante en la vida pública e intelectual”; queira Deus que isso seja verdade. Quanto aos dois autores do texto, uma informação interessante: “[e]l primero es católico; el segundo se declara ateo”.

– A dra. Rozangela Alves Justino – que está sendo perseguida pela Gaystapo por oferecer tratamento psicológico para os seus pacientes que desejarem largar a homossexualidade – concedeu uma entrevista à Folha que foi publicada hoje (via IHU). Sem papas na língua. O homossexualismo “[é] uma doença. E uma doença que estão querendo implantar em toda sociedade. Há um grupo com finalidades políticas e econômicas que quer estabelecer a liberação sexual, inclusive o abuso sexual contra criança. Esse é o movimento que me persegue e que tem feito alianças com conselhos de psicologia para implantar a ditadura gay”.

– Reportagem politicamente incorreta ao extremo no Courage Latino: Estilo de vida homosexual reduce más años de vida… que fumar. “[E]ntre 1990 y 2002, los hombres heterosexuales casados morían a la edad promedio de 74 años, mientras que los homosexuales varones “casados” lo hicieron a la edad promedio de 51 años”. E a pergunta inconveniente: ¿Qué justificación existe para condenar el hábito de fumar y aceptar la homosexualidad? A pergunta retórica bem que poderia ser feita com mais freqüência. Quem sabe o mundo acorde, antes que seja tarde.

Um, dois, três.

1. Uma bela Encíclica, pelo Marcelo Coelho, sobre a Caritas in Veritate. “[P]ara se interpretar corretamente a encíclica (assim como qualquer documento eclesiástico) é necessário se afastar de qualquer tentativa de transformá-la ou lê-la como um manifesto político-ideoloógico. […] Também é importante deixar claro que o conteúdo da encíclica não apresenta nenhuma novidade em relação à Doutrina Social da Igreja, ensinando o que esta sempre ensinou. Achar o contrário é mostrar que desconhecimento a respeito dos ensinamentos sociais da Igreja”.

2. Encontro de Barack Obama com o Papa Bento XVI. “De acordo com o porta-voz da Casa Branca, Robert Gibbs, no diálogo entre ambos, foram abordados temas de interesse mundial e convergentes, como a paz no Oriente Médio, e questões divergentes, como a gravidez indesejada. […] Ao se despedir de seus hóspedes, Bento XVI voltou-se para Obama, dizendo-lhe: ‘Presidente, rezo pelo senhor!’ O presidente norte-americano respondeu: ‘Santidade, espero em um relacionamento muito forte entre os EUA e a Santa Sé!'”. Que encontrem a benevolência do Altíssimo as orações do Vigário de Cristo!

3. Esclarecimento da Congregação para a Doutrina da Fé sobre o aborto provocado – publicado n’O Osservatore Romano! “Pelo que se refere ao problema de determinados tratamentos médicos para preservar a saúde da mãe, é necessário distinguir bem entre dois fatos diferentes: por um lado, uma intervenção que diretamente provoca a morte do feto, chamada em ocasiões de maneira inapropriada de aborto “terapêutico”, que nunca pode ser lícito, pois constitui o assassinato direto de um ser humano inocente (…)”.

Mais curtas…

Eduardo Verástegui habla sobre el aborto. Tive a oportunidade de ouvir o ator no final do ano passado, quando estive no Encontro de Juventude e Família. Tive também a oportunidade de assistir ao filme Bella. O trabalho feito pelo Verástegui é bastante louvável e vale a pena ser conhecido.

Pharmacists can’t refuse Plan B pill, appeals court says. Mais uma grande afronta à liberdade religiosa e ao direito à objeção de consciência. “O direito de exercer livremente uma religião ‘não libera o indivíduo de cumprir uma lei válida e neutra de aplicabilidade geral'”. “Neutra” sob qual ponto de vista, cara-pálida? Em sendo a pílula do dia seguinte abortiva [= impedindo a nidação], a sua utilização é imoral, bem como a colaboração para que ela seja utilizada; e, assim sendo, esta “lei válida e neutra” non [est] lex sed faex. Um pouco antes, na mesma notícia: “[esta decisão] significa que a obrigação das farmácias armazenarem e venderem Plan B [pílulas do dia seguinte] tem efeito imediato”. Farmacêuticos católicos, à semelhança do que ocorreu com agências de adoção britânicas recentemente, correm o risco de serem obrigados a fechar. Deplorável.

– A super-interina, a procuradora-geral Deborah Duprat, disse que quer “aproveitar” o tempo que tem na Procuradoria Geral da República! Estão muito boas as considerações do Murat, leiam. “Se ela não foi indicada pelo presidente, se o Senado não a sabatinou e tampouco aprovou seu nome, se ela sequer recebeu votos de seus pares para possivelmente ser escolhida Procuradora Geral, questiona-se se, mesmo amparada pela lei, seja ético a Sub-Procuradora aproveitar-se de tal forma da interinidade no cargo que ocupa atualmente”.

– E o Olavo de Carvalho tinha que estragar a referência elogiosa que fiz dele ontem à noite, quando ele falou sobre o pe. Lodi. Hoje, ele levantou-se contra a Caritas in Veritate, caindo nas mesmas falsas interpretações que já foram aqui comentadas nos últimos dias. “O dilema em que esse documento coloca os católicos é temível: deverão eles, por obediência ao Papa, colaborar com o fortalecimento do mesmo poder global que os estrangula e vai tornando inviável o exercício público da sua fé, ou, ao contrário, devem voltar-se contra o Sumo Pontífice, aprofundar ainda mais a divisão na Igreja e dar munição à campanha mundial anticatólica?” Tertium datur, Olavo, tertium datur, porque o Sumo Pontífice não pede de maneira alguma que se fortaleça o “mesmo poder global” que nos estrangula e torna inviável o exercício público de nossa Fé!

Editorial: Pope’s New Encyclical Speaks Against, not for One-World Government and New World Order – LifeSiteNews.com

Editorial: A nova encíclica do Papa fala contra, e não a favor de um Governo Mundial e uma Nova Ordem Mundial

Editorial by John-Henry Westen

8 de julho de 2009 (LifeSiteNews.com) – Jornais, blogs, programas de rádio e de televisão estão repletos de discussões sobre o suposto convite do Papa Bento XVI para uma “Nova Ordem Mundial” ou um “Governo Mundial” [one-world government]. Estas idéias, no entanto, não estão baseadas nem na realidade nem numa leitura clara da última encíclica do Papa, Caritas in Veritate, cuja publicação ontem [07 de julho] acendeu a discussão inflamada.

O Papa, na verdade, fala diretamente contra um Governo Mundial e, como deveria ser esperado por aqueles que leram os seus escritos anteriores, convida a uma massiva reforma das Nações Unidas. A confusão parece ter surgido do parágrafo 67 da encíclica, que teve algumas citações [pull-quotes] escolhidas para apimentar [have spiced] as páginas dos jornais mundo afora, do New York Times àqueles bloggers de teorias da conspiração que vêem o Papa como o Anticristo.

A citação chave que leva a esta acusação diz: “Para gerenciar a economia global; para reviver as economias atingidas pela crise; para evitar qualquer deterioração na presente crise e maiores desigualdades que dela podem resultar; para proporcionar um integral e conveniente [timely] desarmamento, segurança alimentar e paz; para garantir a proteção do meio-ambiente e regular a migração; para tudo isso, há uma urgente necessidade de uma verdadeira autoridade política mundial, como o meu predecessor, o Bem-Aventurado João XXIII, indicou alguns anos atrás”.

Entretanto, no parágrafo 41, o Santo Padre diferencia especificamente o seu conceito de uma autoridade política mundial [a world political authority] daquele de um Governo Mundial [a one-world government]. “Nós devemos”, ele diz, “promover uma autoridade política dispersa”. Ele explica que “a economia integrada do presente não faz com que o papel dos Estados seja redundante; mas, ao invés disso, faz com que os governos precisem de uma maior colaboração mútua. Ambas, sabedoria e prudência, sugerem que não sejamos tão precipitados em declarar o fim do Estado. Em termos de solução da presente crise, o papel do Estado parece destinado a crescer, conforme ele recupere muitas de suas competências. Em algumas nações, no entanto, a construção ou reconstrução do Estado permanece um fator chave de seu desenvolvimento”.

Mais adiante na encíclica (57), ele fala no conceito oposto de um Governo Mundial – subsidiariedade (o princípio da Doutrina Social da Igreja que estabelece que as questões devem ser resolvidas pela menor, mas baixa e menos centralizada autoridade competente) – como sendo essencial. “A fim de não produzir um perigoso poder universal de natureza tirânica, o governo da globalização deve ser marcado pela subsidiariedade”, diz o Papa.

Outra das citações chaves que foram extraídas da encíclica por causa do seu potencial chocante é esta: “em face ao inesgotável crescimento da interdependência global, há um forte sentimento da necessidade, mesmo no meio de uma recessão global, de uma reforma da Organização das Nações Unidas, e igualmente das instituições econômicas e financeiras internacionais, de modo que o o conceito de Família das Nações possa se tornar realidade [can acquire real teeth]”.

Desde muito antes do seu papado, Joseph Ratzinger lutou vigorosamente contra a visão das Nações Unidas de uma “Nova Ordem Mundial”. Já em 1997, e repetidas vezes depois disso, Ratzinger fez de tal visão seu objetivo público [took public aim at such a vision], notando que a filosofia vinda das conferências da ONU e o Millenium Summit “propunha estratégias para reduzir o número de convidados à mesa da humanidade, a fim de que a presumida felicidade que [nós] atingimos não seja afetada”.

“Na base desta Nova Ordem Mundial”, ele falou que está a ideologia do “fortalecimento das mulheres”, que equivocadamente vê “os principais obstáculos para a plenitude [das mulheres] [como sendo] a família e a maternidade”. O então cardeal avisou que “neste estado do desenvolvimento da nova imagem do novo mundo, os cristãos – não somente eles; mas, em qualquer caso, eles mais do que os outros – têm o dever de protestar”.

Bento XVI de fato repetiu estas críticas em sua nova encíclica. Na Caritas in Veritate, o Papa condena as “práticas de controle demográfico, da parte de governos que freqüentemente promovem a contracepção e chegam até mesmo a ponto de impôr o aborto”. Ele também denuncia os corpos econômicos mundias como o FMI e o Banco Mundial (sem os nomear especificamente) por suas práticas de empréstimo que visam ao assim chamado “planejamento familiar”. “Há razões para suspeitar que a ajuda ao desenvolvimento está às vezes ligada a específicas políticas de saúde pública que de fato envolvem a imposição de fortes medidas de controle de natalidade”, diz a encíclica.

Qualquer visão de uma adequada ordenação do mundo, de economia ou cooperação política internacional, sugere o Papa, deve estar baseada em uma “ordem moral”. Isto inclui primeiro e principalmente “o direito fundamental à vida” da concepção à sua morte natural, o reconhecimento da família baseada no casamento entre um homem e uma mulher como base da sociedade e liberdade religiosa e a cooperação entre todas as pessoas com base nos princípios da Lei Natural.

Veja os artigos relacionados de LifeSiteNews [em inglês]:

Best Pro-Life Quotes from Pope Benedict XVI’s New Encyclical

LifeSiteNews.com NewsBytes – Various Reports on Papal Social Encyclical Caritas in Veritate

Curtas espinhosos sobre a Caritas in Veritate

– A nova encíclica do Santo Padre, recém-publicada, já está dando o que falar. Como ainda não tive oportunidade de ler da carta mais do que alguns trechos específicos e, mesmo assim, em “leitura diagonal”, não estou em condições de fornecer comentários completos sobre o documento. Mesmo assim, preciso fazer ao menos dois comentários sobre ela que, deixe-se avisado desde já, estarão circunscritos aos estritos limites da minha [falta de] leitura. Peço desde já correções sobre quaisquer erros que eu porventura venha a cometer neles.

– Manchete reducionista número I: Papa exige uma verdadeira autoridade política mundial. Na versão inglesa mais completa e mais nonsense: Pope Endorses “World Political Authority”. Quanto a isso, cabe lembrar que (i) isto é um único parágrafo [o de número 67] dos 79 que compõem a carta encíclica; (ii) o Papa não “exige” absolutamente nada, apenas considera que “urge a presença de uma verdadeira Autoridade política mundial” (itálico no original); (iii) obviamente, tal autoridade não é a ONU, nem a União Européia, nem a OEA, nem nenhuma das organizações existentes na atualidade, e nem mesmo semelhante a elas; (iv) o Papa diz isso expressamente, pois fala na “urgência de uma reforma quer da Organização das Nações Unidas quer da arquitectura económica e financeira internacional, para que seja possível uma real concretização do conceito de família de nações”; (v) o conceito de “Família de Nações” utilizado pelo Papa encontra eco na Cristandade Medieval, e já se concretizou historicamente nos Estados Católicos submissos à autoridade mundial do Vigário de Cristo; (vi) como a Cristandade não mais existe, é necessário – e é isso que o Papa diz – encontrar uma forma, digamos, “natural” de fazer alguma coisa análoga; e (vii) tal autoridade mundial delineada pelo Papa deve obviamente aproximar-se mais do modelo medieval do que do modelo hodierno das Nações Unidas.

– Manchete reducionista número II: Falta de ética e de Deus causaram crise econômica, diz papa, seguida pelo absurdamente pior artigo da UNA que inicia dizendo que o papa Bento 16 adora imolar ateus. Este faz citações erradas da Encíclica, tenta fazer acreditar que o documento é uma espécie de carta anti-ateísmo e, pior de tudo, comete uma distorção tão descarada da idéia expressa por Bento XVI que não entendo como pode ter passado despercebida. O Papa disse que o desenvolvimento humano [integral], sem Deus, “acaba confiado unicamente às mãos do homem, que cai na presunção da auto-salvação e acaba por fomentar um desenvolvimento desumanizado” (Caritas in Veritate, 11). O sr. Marcelo Druyan, prontamente, inventou que o Papa disse terem sido os ateus que geraram a presente crise financeira e defendeu-se da nonsense acusação por ele mesmo produzida argumentando que a crise iniciou-se nos Estados Unidos, cujo presidente era cristão! O samba do crioulo-doido é tanto mais deplorável quanto mais o articulista demonstra estar convicto do mais perfeito encadeamento lógico entre a citação (errada) do Papa, a (inventada) acusação que (supostamente) dela decorre e o (nonsense) argumento que a refuta. Faço coro ao que foi publicado dia desses na Dicta: o novo ateísmo “é de uma estreiteza assustadora”…

Caritas in Veritate

Foi hoje publicada a terceira carta encíclica do papa Bento XVI, Caritas in Veritate. Ainda não tive tempo de ler e espero ter oportunidade de trazer comentários mais aprofundados sobre ela mais adiante. Aproveito, no entanto, para desde já deixar o link onde o documento está disponível no site do Vaticano. Também para pôr a estrutura do documento:

Título: Caritas in Veritate

Destinatários: Bispos, presbíteros, diáconos, pessoas consagradas, fiéis leigos e todos os homens de boa vontade.

Assunto: Sobre o desenvolvimento humano integral na Caridade e na Verdade.

Estrutura:

  1. Introdução
  2. Capítulo I – A mensagem da Populorum Progressio
  3. Capítulo II – O desenvolvimento humano no nosso tempo
  4. Capítulo III – Fraternidade, desenvolvimento econômico e sociedade civil
  5. Capítulo IV – Desenvolvimento dos povos, direitos e deveres, ambiente
  6. Capítulo V – A colaboração da família humana
  7. Capítulo VI – O desenvolvimento dos povos e a técnica
  8. Conclusão

E, na introdução – que foi até onde eu li a Encíclica até o presente momento -, existe uma passagem que é fantástica e bem merecia ser afixada nas nossas paróquias e enviada a certos prelados e Conferências Episcopais (itálico no original):

Só na verdade é que a caridade refulge e pode ser autenticamente vivida. (…) Sem verdade, a caridade cai no sentimentalismo. O amor torna-se um invólucro vazio, que se pode encher arbitrariamente. É o risco fatal do amor numa cultura sem verdade; acaba prisioneiro das emoções e opiniões contingentes dos indivíduos, uma palavra abusada e adulterada chegando a significar o oposto do que é realmente.

Bento XVI, Caritas in Veritate, 3.