A respeito deste texto recente do Cardoso, eu só gostaria de fazer três ligeiros comentários (mesmo sem ter lido o texto da Veja que ele critica, cuja defesa não me interessa fazer aqui).
Primeiro, para mim é novidade esta história de «faz MUITO tempo que não existe mais “grupo de risco”». Se não houver mais (coisa de que eu sinceramente duvido, mas vá lá), é de quatro anos para cá e eles sumiram sem fazer alarde, porque eu me lembro desta discussão. Nos princípios do Deus lo Vult! (aqui e aqui) eu publiquei alguns artigos sobre o tema; para ficar só na referência da grande mídia nacional, a manchete d’O Globo Ciência ostentava então em letras garrafais que risco de contrair HIV ainda é mais alto em gays. Ainda está no ar, cliquem e vejam.
Segundo, não vale confundir uma histeria moderna (*) com um princípio sempre válido. Se não é permitido no Brasil fazer uma festa particular dizendo que “crioulo não entra”, isto é por conta de certos desdobramentos históricos e sociais específicos; jamais porque – como insinua o Cardoso – é sempre injustamente discriminatória a proibição de algo que não seja um direito constitucional. Ora bolas, do lado da minha casa aqui em Recife havia uma academia “só para mulheres”, e eu me lembro de que em certos bares da Boulevard St. Michel em Paris não era permitida a entrada de homens; e nada disso é misandria.
Terceiro, o ad hominem do final do texto (e a quem lhe é devido o título) é descabido. Do fato (por ridículo e irresponsável que seja) dos caras não terem checado no Google a história do Teflon e do Projeto Apollo, não segue que eles estejam rotundamente errados quando falam «sobre estilo de vida, orientação sexual, convenções sociais e discriminação em geral». Um comentário en passant desses pode até ser tolerado como uma figura de estilo a coroar com um aspecto retórico e lúdico um texto bem escrito e bem argumentado (o que claramente não é o caso), mas não pode ser adotado como coluna vertebral de um artigo a ponto de lhe dar o título, é óbvio. A despeito do seu estilo debochado e superior, o texto do Contraditorium é um perfeito exemplo de retórica vazia.
* * *
(*) Exemplo da histeria moderna à qual me referi acima: a versão original de Piston de Gafieira canta, muito tranqüilamente, que «o Doca, um crioulo comportado / ficou tarado quando viu a Dagmar». A música foi regravada depois pelo Zeca Pagodinho e eis porém que, de repente, o crioulo desaparece e o pobre do Doca vira um genérico e politicamente correto «sujeito comportado». Ora, isto não é respeito a direitos humanos nem combate ao racismo nem nada. É simplesmente uma babaquice estúpida que não se transmuta em sensatez a despeito da sua assustadora proliferação na sociedade brasileira contemporânea.