«Lei natural e catolicidade» – Carlos Ramalhete

Fonte: Facebook

Uma experiência científica interessante, comparável com aquelas em que pesquisadores soltam carteiras pelas cidades do mundo para medir quantas são devolvidas, seria a de furtar abertamente bens alheios em todas as culturas do mundo. Tomar o chocalho do cacique, a espada do guerreiro, o sapato da velhinha, o pirulito da criança. E ficar ali, de bobeira, esperando para ver o que iria acontecer.

Arrisco o chute: o pesquisador levaria uma bela coça na imensa maioria dos lugares, e nos outros seria conduzido a algum sucedâneo formal da mesmíssima coça: cadeia, chibatadas, “bolos” de palmatória, o que for.

Isto ocorre por uma razão simples: o furto é condenado por lei natural. Lei esta que já vem, “de fábrica”, inscrita em nossos corações. Todas as sociedades são e sempre foram compostas por gente que conhece a lei natural. Há quem finja não a conhecer, que mude de calçada para não cruzar com ela, e alguns destes acabam sempre em cargos de mando. Mas, na verdade, é impossível não a conhecer. Uma sociedade pode até criar maneiras doentias e complicadas de negar um que outro aspecto dela, como quem deixa uma válvula de escape aberta. Mas ela está ali, e todos sabem dela.

E as condenações e obrigações da lei natural, tão bem conhecidas de todos, são necessariamente a base do nosso sentido de certo e errado e daquele curioso mecanismo que nos avisa quando ultrapassamos estes saudáveis limites: a nossa consciência.

Sabemos todos que é errado, é erradíssimo, é abominável!, matar um inocente. Podemos tentar justificar o injustificável, arranjar desculpas esfarrapadíssimas, peneiras furadas com que tentaremos tapar o sol da própria consciência. Podemos até mesmo fazer com que estas mentiras ganhem força de lei, e que os donos de escravos possamos estuprar e matar nossas escravinhas sensuais, os arianos puros possamos dar uma solução final aos incômodos judeus, os samurais possamos testar lâminas cortando camponeses ao meio, ou as vadias possamos nos livrar de uma gravidez indesejada matando nosso próprio filho.

Sabemos todos que é justo e necessário dar graças a Deus a todo momento. Não importa que substituamos Seu Nome por “ainda bem” ou “ufa”; no fundo, é a Ele mesmo que dá graças o chinês que acende um bastão de incenso aos “Céus” e o africano ofegante que se deixa cair de costas na pradaria, contemplando a infinitude do céu estrelado, agradecendo silenciosamente por ter sido livrado de uma fera que o atacava.

E sabemos todos que não devemos furtar. E não devemos mentir. E não devemos cometer adultério.

Quando, contudo, a sociedade enlouquece – e vivemos numa sociedade enlouquecida – é frequentemente necessário que lembremos a nós mesmos e ao próximo o que já sabemos todos, em virtude de ser lei natural. Que, por vezes, tenhamos que brigar para impedir que o mal seja imposto por lei e o bem proibido. Que precisemos salvar as vidas cujo valor é negado pelo século, pela loucura muito peculiar que ataca aquela sociedade naquele momento.

Este dever é de todos. Não é o dever específico do cristão, nem do muçulmano, do judeu, do hinduísta, animista, budista ou do zoroastrista.

Paradoxalmente, toda e qualquer religião tradicional – pelo simples fato de ser tradicional, por ter ouvido durante os séculos o que milhares, milhões de pessoas de boa-vontade tinham a dizer sobre a busca do Bem – há de conhecer, repetir e pregar a mesmíssima lei natural. Esta lei, contudo, não há de ser o cerne de sua pregação, por uma razão simples: ela não é nem algo que **precise** ser revelado pelo Divino nem um caminho suficiente até Ele.

A lei natural é o mínimo; é o que nos faz ser plenamente humanos, para, humanos que somos, podermos caminhar rumo ao Divino. Ela não é nem pode ser confundida com a mensagem religiosa que, entre outras coisas, a contém. A mensagem religiosa a contém por ser dirigida ao homem, e a lei natural é o que deve reger o homem na sua relação com o mundo ao redor.

A religião, todavia, não é nem tratado de boas maneiras nem código civil ou penal.

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Compete ao clero, do papa ao menor dos ostiários, pregar a Vida Eterna. Pregar a Cristo crucificado, que é escândalo para os judeus, loucura para os gentios. Tratar das nossas almas, feridas nesta guerra sem tréguas a que somos chamados, com a medicina dos sacramentos. Alimentar-nos com o Pão dos Anjos. Curar-nos as almas, para que possamos viver no mundo sem a ele pertencer.

A adesão – ou não – da legislação e da política à lei natural não requer a atenção do clero. A relação entre o Estado e a lei natural não é tema de religião nem necessária à salvação.

Ao contrário, até: é uma armadilha demoníaca trata-la como se o fosse. Fazer da luta política pela proteção legal à vida do nascituro uma marca de catolicidade é, em última instância, negar que seja de lei natural que a vida do nascituro deva ser protegida. É negar-lhe a inocência, negar-lhe a humanidade, ao transformá-la falsamente em tema de Fé. Temos fé no que não vemos, e vemos – nem que seja pelos exames laboratoriais! – que o nascituro é vivo e é humano.

Mais ainda: assumir a luta pela lei natural como se fosse uma luta intrinsecamente católica é cair na armadilha da mídia, que não consegue perceber o que realmente é a Igreja e a reduz àquilo em que a Verdade eterna faz intersecção com as besteiras do século, e olhe lá. É auxiliar a pregar que a Igreja é um bando de esquisitões dizendo “não” às alegrias, e só. É fazer com que a luta pela vida seja percebida como uma maluquice a mais, irracional – ou mesmo antirracional –, pregada por loucos sem noção alguma do mundo real.

Isto ocorre porque esta redução da Igreja ao combate contra a violação deste ou daquele aspecto da lei natural faz com que aquilo que é realmente intrinsecamente católico desapareça. Se a Igreja **é** o combate ao aborto, à distribuição de camisinhas ou ao “casamento gay”, ela ***não é*** o Cristo. Ela não é a Encarnação do Verbo. Ela não é a Imaculada Conceição. Ela não é o Santíssimo Sacramento.

O que compete à Igreja pregar é o Eterno, é a Verdade Revelada. Esta Verdade – que é uma Pessoa, a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade! – tem, sim, corolários. Entre outros, ela ilumina e atrai a atenção a algo que já é de lei natural, que é o valor e a dignidade da vida humana. Da vida do camponês, da mulher, do judeu, do escravizado, do nascituro.

Não podemos, contudo, reduzir ou deixar reduzir a especificidade católica a um ou mais corolários do que é o cerne da mensagem e do próprio ser da Igreja: o Cristo. Não podemos permitir que a imprensa venha nos pautar, que ela venha a transformar a luta pela vida em catolicidade ou a catolicidade em luta pela vida. Ou contra o “casamento gay”. Ou contra a exploração do pobre, especialmente o órfão ou a viúva. Em todos estes pontos, a Revelação ilumina e atrai a atenção a um ponto de lei natural. Não é, contudo, a Revelação que faz com que tenhamos o dever de agir neste ou naquele sentido na sociedade, sim a lei natural.

O combate pela lei natural é o combate de todo ser humano, não só de todo católico. É um combate a que somos chamados individualmente ou em grupos e associações que formemos; serão, contudo, associações de pessoas, não braços da Igreja. Uma ação de pessoas, de leigos, de indivíduos, de quem quer combater o mal – católico ou não –, não um braço pastoral.

A Igreja, lembrou-nos com razão o Santo Padre, é como um hospital de campanha, um hospital feito de lona, localizado logo ao lado do campo de batalha.

A batalha pela lei natural é nossa, como seres humanos. Quando nossos amigos também batalham por ela – como é seu dever, por serem eles também seres humanos – e não têm acesso ao hospital, não acedem aos Sacramentos, levemo-los, sem dúvida! Mas esta já é outra batalha, quiçá bem mais importante.

Se o nascituro não pode se defender, compete a cada um de nós, seres humanos, lutar pela vida de todo ser humano inocente. Em cada ser humano inocente que é assassinado toda a humanidade é atacada. O assassinato de inocentes é a negação da própria humanidade, e combate-lo é dever de todo ateu, muçulmano, judeu, budista… ou católico. Este combate é um combate humano, feito em prol da humanidade. Não é um combate religioso, nem o pode ser. Dizer que é um combate religioso é negar o valor do combate e permitir que ele seja tratado como uma idiossincrasia idiota qualquer, pois é assim que o mundo trata a religião.

É urgente que não nos deixemos mais confundir. Que não façamos mais a besteira de querer que o Papa implore a governantes de terceiro mundo que aprovem ou vetem esta ou aquela lei antinatural, que nós, leigos, burramente deixamos passar. Ao Papa compete pregar a Cristo crucificado. A nós, leigos, é que compete combater no terreno imundo da política.

É urgente que não mais nos confundamos. Que não façamos mais a besteira de levar imagens de santos para passeatas em que estamos lutando pelo humano, não pelo divino. Passeatas pedem cartazes, gritos e a lembrança permanente de que estamos ali por sermos seres humanos, não por sermos católicos.

É urgente que não mais confundamos as almas. Que não ofendamos a Deus e a Seus Santos, levando cartazes, bonequinhos e balõezinhos de campanhas políticas – por mais nobres que sejam!!! – para as procissões em que prestamos homenagem e culto de veneração e rogação a Seus Santos. Cartazes, bonequinhos e balõezinhos são feitos para serem vistos pelos homens. Procissões são feitas para que os Céus nos ouçam.

Que Deus nos ajude, para que sejamos os seres humanos que Ele quer!

– Prof. Carlos Ramalhete

«Tem boi na linha; se não é boi, pelo menos é chifrudo» – Carlos Ramalhete

[Fonte: Facebook]

Tem boi na linha; se não é boi, pelo menos é chifrudo

Quando meus filhos eram pequenos, eu sempre fazia com eles uma brincadeira de palavras, um joguinho meio besta, mas muito útil, para ensiná-los a se expressar claramente. A maior vantagem da brincadeira é que ela também ensinava que é simplesmente impossível ser entendido claramente quando o receptor do discurso preocupa-se ativamente em **não** entender.

A brincadeirinha é muito simples: basta fingir que se tomou todas as palavras importantes do discurso por homófonos ou quase-homófonos. A criança – que, como toda criança, leva tudo a sério – fica exasperada e começa a tentar dizer a mesma coisa de outra maneira. Aí é só fazer a mesma coisa, com outro homófono e outra palavra.

Por exemplo: vem-nos o petiz, dizendo que “mamãe pediu pra me dar uma lista de compras”. A resposta mais evidente é, claro, “maleta de compras? Pra que é que ela quer que eu te dê uma maleta de compras?! Já não basta a sua mochila?!”. Daí a criança tenta dizer “não, pai, é a lista das coisas que tem que comprar no mercado”, apenas para se ver diante da barreira intransponível da resposta “mas se a lista é das coisas que têm, para quê comprar no mercado? Você quer comprar de novo o que você já tem?!”. E por aí vai.

A brincadeira não tem fim, e garante que a criança desenvolva sua capacidade vocabular ao ponto de, na adolescência, ter um controle ótimo da própria expressão. Meu filhos, graças a Deus, não intercalam “tipo” a cada duas palavras, por exemplo.

Outro dado interessante da minha experiência sensível, que, com o exposto acima, me ajuda a perceber o que está atualmente acontecendo, é o que eu me habituei a explicar dizendo que “o universo conspira em favor do Paulo Coelho”. Todo mundo sabe que o ilustríssimo imortal abeelístico supracitado, depois de – dizem as más línguas – vender a alma ao Capiroto, passou a afirmar que o universo conspiraria em favor dele. Seria uma espécie de domínio da sincronicidade, se se quiser tomar pelo lado junguiano da coisa, ou das probabilidades, quando a matemática é nossa praia. Se se quiser correr o risco da blasfêmia, seria possível até mesmo atribuir à Divina Providência esta suposta conspiração do universo.

O fato é que, decididamente, ainda que o universo conspire em favor do Paulo Coelho, em meu favor ele não conspira. Bom sinal, diriam todos os santos e doutores da Igreja. Na verdade, para mim esta realidade acaba sendo até mesmo um modo informal de ver como está indo o meu apostolado: se está indo bem, posso ter certeza de que tudo o que puder dar errado em meu entorno dará. Se eu deixo meu apostolado de lado, contudo, se eu não debato, não respondo, não prego, não escrevo, e me dedico a beber bom vinho e ouvir boa música, as coisas fluem. O universo que conspira em favor do Paulo Coelho me tem como aliado, e sempre sobra uma casquinha da conspiração lá deles.

Pois bem, aparentemente o Santo Padre Papa Francisco, decididamente, não está no mesmo time do Paulo Coelho. Pessoas inteligentíssimas, que respeito profundamente, vêm apresentando dificuldades em entender o que ele diz que mais parecem a brincadeira que eu fazia propositadamente com meus filhos. Não é um nem dois: tenho visto este fenômeno se repetir em público e em particular, afetando engenheiros, filósofos, teólogos, jornalistas e o que mais vier.

Aí eu pego o texto que causou tantas dificuldades e, mutatis mutandis, é como se eu pegasse o diálogo com a criança que eu citei acima; é evidente que se entendeu tal e tal coisa em senso diverso do desejado pelo emissor do discurso, que “tem” significa, no contexto, “precisa”, não “possui”.

A coisa é ainda mais estranha quando nos damos conta de que muitos dos que ora apresentam dificuldades de compreensão vieram à Fé católica – ou pelo menos se aprofundaram nela e passaram a estuda-la – no pontificado de João Paulo II.

Ora, João Paulo II pode perfeitamente ter sido um santo – sê-lo-á com certeza quando de sua canonização –, mas certamente não era um bom explicador do que quer que seja. Seus textos eram coisas abstrusas, que precisavam ser lidas várias vezes, cheias de referências bizarras a idéias ainda mais esquisitas, que ele julgava necessário combater. Seus discursos de improviso eram piores ainda. Seus atos públicos – mais no que ele permitia que no que ele mandava fazer, mas também nisso – eram frequentemente escandalosos. Pombas, o encontro de Assis foi uma idéia de jerico tão absurda que Deus mandou um terremoto para que Sua voz Se fizesse ouvir. Para não falar da missa celebrada com uma louraça-belzebu fazendo as leituras de maminhas ao léu, enquanto o texto da Veritatis Splendor, acertadíssimo, dizia de maneira confusa e abstrusa que tudo aquilo era coisa a evitar.

Aí me vem um bom amigo, converso joão-paulino, com dificuldades enormes para entender que numa entrevista do Papa Francisco, as palavras “não é possível” não significam “não nos é permitido”, mas “é algo que não está ao alcance de ninguém”.

Ou seja: algo que “não é possível”. E tome idas e vindas por email até o sujeito entender, se é que entendeu!!! Como diria o marido da mulher feia, durma-se com um bagulho desses!

Ao mesmo tempo, o pessoal que já curte uma missa-negra, ou pelo menos que senta no banco dos reservas do time do Paulo Coelho, inventa leituras ainda mais delirantes e arrevesadas de tudo o que o papa fala, de tal modo que dificilmente se têm passado dois dias sem que aparecesse um delírio novo. Ora ele vai ordenar mulheres, ora ele liberou o aborto, era a sodomia-chique das revistas de moda teria ganho aval papal. Daqui a pouco ele vai ter dito que levaria um cartaz louvando grupos de pagode ao show do Iron Maiden.

Ora, a única explicação possível para isto, para tamanho fenômeno de incompreensão localizada, é interferência demoníaca. Não há outra razão; se a incompreensão fosse devida ao discurso propriamente dito, à falta de habilidade do emissor, ou bem a recepção dele seria sempre a mesma – ou seja, todo mundo acharia que o Papa estaria dizendo X, ao invés do Y que ele queria enunciar – ou bem o discurso seria claramente incompreensível. Mas não. O mesmo que vem me perguntar sobre um “não é possível” que ele não consegue entender como “não é possível” vem me dizer que é um absurdo que Fulano ou Beltrano (nunca ambos!) não tenha entendido outro ponto de um discurso papal.

Pelo que ensinam os sábios santos e doutores, e pela modesta experiência, só posso dizer uma coisa de todos estes aparentemente estranhíssimos fenômenos: o Inferno está apavorado com o Papa Francisco! É a versão séria dos probleminhas bestas que eu já encarei tantas vezes; se para mim mandavam um diabrete já velhusco, à beira da aposentadoria, com capacidade de trabalho não lá muito boa, para o Papa vai a elite, o Bope do Hades. Espalham-se pelo mundo, com metafóricos chumaços de algodão sulfuroso para tampas os ouvidos e distorcer as percepções. Não duvido nada que – como já vi acontecer tantas vezes em meu entorno quando meu apostolado estava andando melhorzinho – o Vaticano esteja cheio de problemas, com os aparelhos elétricos pifando, os canos entupindo, os documentos e chaves caindo atrás dos móveis, etc.

A solução, evidentemente, é rezar mais ainda e ir em frente, mesmo sabendo que o Tinhoso é tinhoso e vai continuar atentando. No caso das vítimas, na situação atual, daqueles que vêm tendo dificuldades absurdas para entender o que diz o Papa, eu recomendaria deixar de lado todo e qualquer discurso papal, dedicando-se ao invés à oração. A não ser que sejamos membros da hierarquia e que o discurso papal tenha sido dirigido diretamente a nós, como numa visita de um Bispo ao Papa, vale mais a pena dedicar-se à leitura de obras aprovadas pelo tempo, tão parafraseadas ao longo dos séculos que ficou impossível não encontrar a mesma coisa dita de várias maneiras, todas ortodoxas. Assim escapamos do grosso dos ataques do Chifrudo, ou ao menos não somos usados por ele para atacar a Igreja. Fazer da boa intenção um paralelepípedo para calçar a estrada que leva aos Quintos é, afinal, a especialidade dele.

Além disso, claro, vamos rezar pelo Papa, por este Papa que tanto apavora as hostes infernais!

Ave Maria

Carlos Ramalhete

O Eterno e o Tempo da Imprensa – Carlos Ramalhete

[Fonte: Facebook]

O Eterno e o Tempo da Imprensa

A desculpa para escrever este texto – que publico sem revisão por falta de tempo – é a enésima vez que um Papa (ou Bispo, ou padre, ou leigo católico conhecido como tal) diz uma coisa e a imprensa faz uma tempestade alucinada num dedal d’água, berrando aos sete ventos que “o Vaticano/Papa/Bispo mudou e agora é a favor de camisinhas/aborto/sodomia”.

Isto sempre acontece, e é sempre seguido por leigos nem-tão-engajados-assim, modernistas de direita e outras figuras da periferia católica rasgando as vestes, como se o absurdo que a imprensa disse fosse verdade. E o Papa, Bispo, padre ou leigo engajado passa a ter mais trabalho para lidar com aqueles que com os judeus, pagãos, protestantes e orientais, que normalmente prestam mais atenção no que ele tenha a dizer quando querem saber qual é a dele.

Isto acontece por uma razão simplíssima: o universo mental e o modo de lidar com a realidade da Igreja e da imprensa simplesmente não poderiam ser mais diferentes. Infelizmente, todavia, há muita gente que raciocina de modo mais semelhante ao da imprensa que ao da Igreja se manifestando nesta ocasião e em outras semelhantes.

Vejamos quais são estes modos de ver o mundo, estes universos mentais tão díspares.

A imprensa é heraclítica. Para ela, só há mudança, devir, novidade. A novidade é a notícia, e é ela, e só ela, que interessa. O resultado é evidente quando se examina qualquer jornal, revista, noticiário, etc.: o que permanece não é notícia. Diz o ditado que quando um cachorro morde um homem, isso não é notícia; só é notícia o homem que morde o cachorro, justamente por ser diferente, **novo**. Os milhares de crianças que nascem saudáveis não são notícia, mas se nascer um bebê com quatro braços, a imprensa em peso vai noticiar. A mais séria de modo comedido, a mais popularesca fazendo comparações com divindades hinduístas. Do mesmo modo, na política é notícia o que muda, o que sai do padrão. Na vida cotidiana, o crime, o incêndio, a tragédia.

A Igreja, por outro lado, é a portadora de uma mensagem eterna. Para a Igreja, estamos há dois mil anos na Plenitude dos Tempos; a Revelação já foi toda dada e concluída, e nada mais acontecerá de realmente importante até o fim dos tempos. Em outras palavras, a eternidade penetrou no tempo, dando-nos todos a possibilidade de adentrar a eternidade. E o papel da Igreja é este: ajudar-nos a adentrar a eternidade.

Vale notar os dois lados desta equação da vida eclesial: um é a eternidade, que não muda jamais. A verdade, que é sempre a mesma. A natureza humana, que é sempre a mesma. O outro é a aplicação disto a cada um de nós. A Igreja conhece o ser humano como ninguém mais, sabe perfeitamente como cada coisa nos afeta, o que nos faz bem, o que nos faz mal, etc. Mesmo alguém que não tenha Fé pode perceber isto; afinal, dois mil anos prestando atenção no ser humano fatalmente a levariam a acumular algum conhecimento!!!

Os seguidores de religiões naturais tradicionais (como o hinduísmo, o budismo e algumas formas do islã), bem como os judeus ortodoxos, aliás, concordam em quase tudo com a Igreja no tocante ao ser humano, justamente por terem se dedicado, ao longo dos séculos, a estuda-lo.

Um clérigo católico experiente (padre, Bispo ou Papa) e ortodoxo há de ter passado algumas décadas a cuidar desta equação, a ajudar individualmente pessoa após pessoa a se tornar alguém melhor. Ele há de ter tido notícia de horrores inimagináveis, ouvidos no confessionário. Ele há de ter visto pessoas que caem após anos e anos de melhora. Não apenas a feiúra dos nossos desejos desabridos, mas a **falta de originalidade** deles está profundamente gravada na maneira dele de ver o mundo.

O primeiro sodomita, pedófilo, adúltero ou zoófilo há de espantar o padre recém-ordenado, que só havia estudado aquilo num compêndio de teologia moral. Ao longo dos anos, contudo, o que lhe salta aos olhos é a semelhança entre todos eles, o modo como toda tentação é parecida. É nesta hora que lhe é valioso o compêndio de teologia moral, que lhe lembra que por mais que um furto e um adultério sejam tão semelhantes, o efeito deles sobre a alma humana é diferente.

Trata-se, assim, de alguém que dedicou a vida a ajudar pessoas presas no tempo, pessoas que acham que aquela tentação – que é exatamente igual à do próximo! – é uma novidade absoluta, a adentrar a eternidade e deixa-la para trás. Para isto, ele tem um arsenal de técnicas mais que comprovadas pelo tempo, a serem aplicadas na direção espiritual e no aconselhamento. Sempre pessoa a pessoa, sempre tendo a eternidade como objetivo.

Mas, afinal, o que levaria alguém a querer melhorar? O que levaria alguém a buscar a santidade – que nada mais é que a sanidade! –, ao invés de buscar mais dinheiro, mais sexo, mais Aifones do último tipo, ou sei lá o que se vende hoje em dia como desejável?!

Mysterium Fidei, este é o Mistério da Fé.

A Fé é uma graça divina. Em bom português, isto significa que ela é um presente de Deus ao homem, não uma decisão humana. A decisão – que existe! – é simplesmente de aceitar, ou não, a Fé que Deus oferece. Contra esta decisão há todo tipo de apego ao temporal (dinheiro, poder, sexo, Aifones… basicamente, tudo o que se perde na morte). A favor, contudo, há a perfeição divina. Há a ação dos Santos. Há os milagres (hoje, dia de São Januário, é o dia de um milagre que se repete regularmente há coisa de dezessete séculos!). Há a Verdade.

Parece um jogo ganho de antemão, mas sabemos todos – e mais ainda o sabe quem sentou por horas a fio, dia após dia, ano após ano, em um confessionário, ouvindo a horrenda banalidade do mal que se repete de coração em coração – que é tão fácil trocar nossa herança por um prato de lentilhas. Ou por um belo par de seios, ou por um empreguinho legal, ou um carro novo.

O que nos há de atrair a Deus, contudo, é sempre Ele mesmo. Em última instância, estamos falando de corresponder ao amor divino, um amor eterno, que ama cada indivíduo e ajuda – através da Igreja – cada indivíduo a se livrar daquilo que o torna menos ele mesmo. O pecado, afinal, é a negação de si mesmo. Quando eu peco, estou sendo falso em relação a mim mesmo. Se eu traio minha mulher, estou sendo menos o marido dela (que eu sou!) e mais um adúltero genérico, exatamente igual a todo e qualquer patético frequentador de casas de suingue ou bordéis.

Para a imprensa, contudo – e aí voltamos ao tema deste texto, que já parecia esquecido –, nada disso existe ou importa. Existe apenas a titilação da novidade, inclusive e especialmente a falsa novidade da última apresentação da mesma tentação velha e desgastada.

No momento, estamos na transição entre a titilação da sodomia – que está rapidamente deixando de ser titilante pelo excesso de repetição, a não ser que se trate de lesbianismo (mocinhas núbeis se esfregando têm para o vulgo um apelo bastante maior que o de rapazes fazendo o mesmo) – para a da pedofilia (que está passando de coisa medonha a coisa excitante do momento).

Mas tanto faz. Tanto uma quanto a outra são a mesma coisa, a mesmíssima e velhíssima prática de desviar-se do fim de um ato para arrancar dele um prazer que deveria ser a recompensa, não o objetivo. No fundo, dá no mesmo fornicar, entregar-se à sodomia, pedofilia ou zoofilia ou simplesmente, como faziam os romanos, comer e vomitar para poder comer mais. Ou comer produtos “diet” em megadoses, como se faz hoje em dia. É a mesma busca do prazer sem suas consequências, da recompensa sem o prêmio.

Quando, então, a imprensa e o clero – no momento, o Papa Francisco – tentam se comunicar, o que temos é um diálogo de surdos.

O Papa vai responder às perguntas que lhe são colocadas a partir do ponto de vista da eternidade (“sub species aeternitatis”), enquanto a imprensa vai buscar basicamente **novidades**. Ora, por definição, não há novidades. A Revelação se concluiu com a morte do último dos apóstolos (aos curiosos, trata-se de S. João, no final do Século I; ele era adolescente quando da Crucifixão).

Desta forma, a imprensa vai buscar sempre os pontos em que a maluquice daquele momento, daquele segundo, daquela etapa microscópica dos interesses demagógicos e vacilantes de uma sociedade em decadência está em conflito com a eternidade, e tentar vender a falsíssima idéia de que há alguma novidade, de que a Igreja “finalmente mudou”, como se isso fosse possível. Há alguns dias, era um burocrata da Santa Sé que deu vazo a delírios da imprensa, torcendo suas palavras para usá-las como se ele negasse o celibato dos sacerdotes (e, mais ainda, como se esta suposta negação mudasse algo na doutrina da Igreja!). Agora, é uma série de delírios interpretativos absoluta e completamente bizarros acerca de algumas declarações do Santo Padre em uma entrevista, ignorando não só o contexto mas as próprias palavras dele para falar sandices acerca de aborto, sodomia e o que mais vier.

Temos, assim, de um lado, um clérigo falando da Eternidade. Do outro, um jornalista buscando a titilação do momento, o devir, a mudança.

Ora, como poderia haver algum diálogo?! Como poderia haver alguma comunicação??!!

A imprensa vai, sempre, tentar torcer as palavras dos clérigos. Não é por maldade, mas porque o “radar” deles só registra mudança, movimento. E os falsos positivos do radar são muitos; não sei você, caro leitor, mas em todos os temas que domino por força dos estudos ou da ação profissional, ao ver o que é publicado nos jornais a respeito, fico chocado com a má qualidade das informações.

Ao tratar da Igreja, então, que se lhe é tão radicalmente contrária em sua visão de mundo, é praticamente impossível que a imprensa faça uma leitura que tenha algum sentido. Tudo, sempre, vai retornar àquilo em que o fabulário geral do delírio cotidiano se afasta mais visivelmente do que é Eterno: no momento, é aborto, sodomia e camisinhas; daqui a alguns anos, pedofilia e zoofilia entrarão no jogo.

O que a Igreja prega, contudo, não é nem aborto, nem camisinhas, nem sodomia. Nem – por mais incrível que isso possa parecer a meus queridos coleguinhas jornalistas – a negação deles. A Igreja prega o Eterno. Estes temas, tão titilantes e palpitantes para o jornalista que simplesmente não consegue entender como cargas d’água alguém pode diferir da sabedoria coletiva do PSOL e das Organizações Globo, para a imensa maioria dos católicos mais sérios e comprometidos com a Fé, simplesmente não se registram no radar.

Eu mesmo, por exemplo, sou casado. Não tenho a menor intenção de cometer adultério, e creio que não fosse sequer saber como se usa uma camisinha (tomei jeito antes delas virarem coisa normal) se resolvesse cometê-lo. Tanto melhor: assim tenho ainda mais razões para não o cometer!…

A sodomia simplesmente não me atrai. Como, contudo, eu tenho cá minhas tentações, quem seria eu para brigar com alguém, ou mesmo para simplesmente tratá-lo de modo diferente, por ele ter esta tentação?! Simplesmente não é da minha alçada.

Aborto, para mim, é exatamente igual a qualquer outra forma de homicídio: espero sinceramente jamais sofrer esta tentação, e espero ter forças para perdoar quem nela caia.

Nenhum destes temas jamais foi objeto de uma homilia que eu tenha ouvido numa Missa, por ser, para qualquer católico, algo evidente. Ao contrário, as boas homilias que ouvi, as que me fizeram sentar mais reto no banco para prestar mais atenção, falaram de como lidar com o que nos tenta, de como Deus Se nos revelou e Se nos revela, dos Sacramentos, dos Mandamentos, do amor conjugal de Cristo pela Igreja, etc.

Reduzir a Igreja à sua oposição a este ou aquele tema titilante da moda é simplesmente perder a Igreja de vista. É mais que evidente que isto ou aquilo é errado. Não é por a sociedade pregar isto ou aquilo como certo, contudo, que eles são errados: é por serem armadilhas velhíssimas, enferrujadas e cheias de teias de aranha, com as quais nós tentamos fugir da Eternidade que nos chama, e que é tão maior que tudo isso.

Quem, assim, reclama do Papa ou de qualquer clérigo por não tratar a imprensa como a imprensa quer ser tratada, por não cair em uma guerrinha imbecil de “pundits” e frases de efeito, simplesmente não entendeu a que vem a Igreja. E quem usa as imbecilidades que a imprensa publica sobre a Igreja para rasgar as vestes e entregar-se a escândalo farisaico, por vezes até condenando abertamente o Santo Padre, deveria calar a boca e voltar-se à eternidade. Num confessionário, e depois numa igreja vazia e sem luzes elétricas, de joelhos diante do Santíssimo. Do Eterno. De Deus, que não passa.

Na Festa de São Januário do Ano da Graça de Nosso Senhor Jesus Cristo de 2013,

Na Quinta São Tomás, no Carmo de Minas,

Carlos Ramalhete,

Um pobre pecador, que mendiga uma sua Ave-Maria

Conversas sobre Doutrina Social na Jornada Mundial da Juventude

Aconteceu durante a JMJ, no dia 23 de julho, no Mosteiro de São Bento, o DSI Talks. Estive presente às duas primeiras palestras, proferidas por S. E. R. Dom Antônio Rossi Keller e pelo prof. Carlos Ramalhete; não pude assistir à última conferência do evento, a do sr. Jesus Magaña, pois ela conflitava com o meu horário de serviço do dia como voluntário da Jornada e eu tive que sair mais cedo.

Mas a manhã foi extremamente proveitosa. Revi diversos amigos e pude conhecer outras pessoas com quem até então não travara senão contato virtual; e, principalmente, vi o pequeno auditório do mosteiro abarrotado de pessoas – em sua maioria jovens – preocupadas em aprender um pouco mais sobre a Doutrina Social da Igreja, e sinceramente preocupadas em encontrar formas concretas de aplicar em suas vidas o que a Igreja ensina sobre o tema.

Foi extremamente gratificante ver D. Keller chamando os leigos ao protagonismo próprio do seu estado de vida, querido por Deus e necessário à recristianização da sociedade. Vê-lo atacar – de modo até bastante duro – um certo “clericalismo” que intenta reduzir o papel do leigo a uma caricatura grotesca do serviço sacerdotal foi reconfortante, mormente nestes dias que correm em que parece que a pessoa é tanto mais católica quanto mais atribuições acumule para si dentro da paróquia, pouco importando o que faça fora dela. As perguntas surgidas após a sua fala deram um importante testemunho de que aquelas pessoas estavam, sim, interessadas no que o senhor bispo tinha para nos dizer.

Ouvir o Carlos Ramalhete falar é sempre prazeroso, e acompanhá-lo em sua busca à gênese das modernas insatisfações com a ordem social vigente – remontando até a origem da própria modernidade – era tão empolgante quanto escasso o tempo de que dispúnhamos para ouvi-lo falar. Também aqui, a participação das pessoas ao final da sua conferência testemunhava a sede de conhecimento daquele auditório: e como havia sido importante dar-lhes aquelas pequenas porções de catolicismo, mais adequadas a abrir o apetite do que a saciá-lo por completo. Saímos querendo mais, sem dúvidas; mas não é já um santo propósito e uma coisa terrivelmente necessária, isso de levar as pessoas a quererem saber mais das coisas de Deus e da Igreja?

Fiz algumas anotações sobre cada uma das duas palestras, que publico abaixo praticamente sem revisão. Apenas alguns tópicos, apenas algumas frases soltas e alguns esquemas muito mais indicativos do que desenvolvidos. Estes rascunhos decerto não substituem aquelas conferências. Mas faço votos de que eles possam aguçar a curiosidade e despertar o interesse daqueles que os lerem, reproduzindo – ainda que em menor medida – os saudáveis efeitos daquelas conversas sobre Doutrina Social da Igreja no Mosteiro de São Bento, durante a Jornada Mundial da Juventude do Rio de Janeiro.

* * *

Dom Keller – @Terça-feira, 23 de julho de 2013, 9:25 AM

– Vocação e missão especifica do leigo no mundo
– Colaboração com a criação
– Colaboração com a redenção.

A fundamentação da DSI é teológica, e se encontra em grande parte no Concílio Vaticano II.

Lumen Gentium (documento central do Vaticano II), n. 31
– atuações em tarefas e ambientes que não são da Igreja, mas ordenando-os para Deus.
– “esclarecer e ordenar todas as coisas temporais, com as quais estão intimamente comprometidos”.

Catecismo: 898-899

Christifideles Laici

Casamento faz parte da missão do leigo! “Nela têm os cônjuges a própria vocação, para serem, para si e para os seus filhos, sinal do amor de Cristo!”

Não há doença pior do que o clericalismo! O leigo cristão tem que ser anti-clerical. Essa idéia de que tudo tem que passar pela mão do padre e do bispo.

A missão específica do leigo não é na Igreja! Ela não lhe vem de nenhuma delegação, mas diretamente de Deus, por meio do Batismo e da Confirmação! Por estrutura ontológica!

– Criação e Redenção

“Cuidar das coisas que Deus lhe confiou e estabelecer a Família” => Não são realidades autônomas! Devem ser realizadas de acordo com a vontade de Deus!

Conhecemos os desígnios de Deus por Revelação. Ordenar, segundo Deus, as coisas do mundo, porque Deus nos disse de forma positiva o que queria.

“Sereis como deuses” => é a tentação que hoje se faz presente na vida de todos nós. Todo o fundamento do moderno relativismo encontra-se aqui. Sociedades desenvolvidas à margem de Deus ou mesmo contra Deus!

Família, célula primeira e vital da sociedade. Quer destruir a humanidade? Quer destruir o ser humano? Comece destruindo a Família. Desestruturando-a, toda a sociedade é desestruturada.

Materialidade e Autonomia são os dois princípios – únicos princípios – aos quais estão sujeitas as coisas humanas. Falar de Deus é intromissão.

O cristão não pode adotar essas posições de encolhimento e pessimismo. “Tenho ensinado constantemente (…) o mundo não e ruim! (…) Nós, os homens, é que o fazemos ruim e feio!”

Deus nos espera para transformarmos a criação!

Redenção: apostolado dos leigos no ambiente secular, a fim de aproximar o mundo de Deus!

– vocação à santidade! Fé Católica sem o comprometimento da própria vida em busca da santidade do dia-a-dia. Pão com manteiga, pão sem manteiga: San Josemaría. O pessoal hoje em dia é burro mesmo, ganhar discussão é muito fácil. Ser capaz de calar a boca de gente burra não é salvar o mundo!

Como fazer?

– procura séria da santidade. Questão fundamental!
– um segredo em voz alta: crises mundiais são crises de santos. A alma de todo apostolado é a santidade!
– elevar o mundo a Deus e transformá-lo a partir de dentro!
– oração, expiação e ação.
– de mediocridade o mundo já está cheio. E a Igreja nem se fala!

O modo específico dos leigos contribuírem é essa ação livre e responsável no meio das atividades temporais. Espalhar o bom odor de Cristo!

Sejam, antes de tudo, leigos!

* * *

Prof. Carlos – Terça-feira, 23 de julho de 2013, 10:43 AM

Explicar tudo desde Adão e Eva: mania de filósofo…

Doutrina Social da Igreja: o que é isso?
– não é uma receita de bolo; estas fizeram um estrago danado nos últimos séculos.
– aplicação da Lei Natural à sociedade. Como o homem se encaixa na realidade?

A ordem natural é hierárquica. Como a sociedade vai se organizar? Democracia, Oligarquia ou Monarquia. No Brasil, basicamente temos uma Oligarquia.

A DSI nos dá parâmetros. Ela não determina nenhuma forma de governo específica. Isto é uma questão leiga, a Igreja no máximo diz “não é assim”.

Compete a leigos terem posições, divergentes ou não, mas debaixo de certos princípios. Os bispos expõem os princípios. Os leigos vão fazer lobby.

Doutrina Social é relativamente recente. Antes se falava em teoria do Estado, coisas assim.

Isso começou a se romper com a Reforma Protestante. “Se o rei era católico, o paiszinho dele ia ficar católico, etc.” -> isso gerou o absolutismo.

Modernidade -> outra forma de absolutismo. “O Estado sou eu”, “todo o poder emana do povo e e exercido em nome dele por mim”.

Quando chega a Revolução Francesa, começa a centralização por meio desta forma de absolutismo anônimo. Isso leva à dissolução da ordem social.

Revolução Industrial: camponeses desempregados após a revolta anglicana, que distribuiu as terras da Igreja. Capitalismo selvagem. Isso é a modernidade. Proletários: os que só têm a prole pra vender.

Coisas novas: Rerum Novarum. Deixar o território da política para invadir o da economia social.

Modernidade: Um absolutismo ainda mais absoluto por ser impessoal.

Dicta&Contradicta: vale a pena ler o próximo número.

A gente sabe que querer que o poder civil invada arbitrariamente o santuário da família é um erro grave e funesto.

É muito mais importante garantir que as leis não colem do que que elas não passem.

Rerum Novarum, contra o capitalismo;
Quadragesimo Anno, contra o comunismo;
Mit Brennender Sorge, contra o nazi-fascismo.

É preciso eliminar os que não se encaixam na idéia que querem impor à sociedade: prendendo, matando, whatever.

Modernidade é alguém que tem uma idéia de como a realidade deve ser, e quer dobrá-la àquela.

Nossa legislação é completamente louca. A realidade não tem chongas a ver com a legislação. O Estado no meio gera desordem.

Mercenários: terceirização de forças armadas. Estados estão perdendo seu poder: uma ONG matou milhares de americanos em 11 de setembro, e hoje os Estados Unidos contratam ONGs para garantir sua ocupação territorial.

Compêndio de Doutrina Social: incompreensível. Foi publicado num momento histórico complicado.

Quando uma ordem social acaba, em seus últimos estertores ela recrudesce em suas características próprias. Juliano o Apóstata, caça às bruxas, etc.

As manifestações são sinais de dissolução desta ordem hipercentralizadora. Nos USA, o TeaParty e o Occupy estão dizendo “não agüento mais”. As pessoas estão cansadas de tentar fazer a realidade se dobrar a uma idéia. As pessoas vão sempre se manifestar contra.

Realidades Naturais são sólidas demais! Simplificações da realidade não colam mais. Eles não sabem o que fazer, então eles queimam carros. Uma briga pelo timão do Titanic enquanto ele afunda.

Aqui no Brasil, a galera entrou nas manifestações. O que ela não agüenta mais é essa falsa solidez da modernidade. #NãoMeRepresenta – acabou essa lorota.

Pontos principais:

  • Anti-Partidarismo (subsidiariedade)
  • Atomismo das reivindicações: chegamos à solidariedade.
  • Revolta com a política representativa. Justiça.

É isso o que devemos procurar!

Manifestações são sintomas de uma exasperação generalizada. Devemos procurar fazer com que a ordem que há de vir seja conforme à DSI. Dá pra resolver evitando a burocracia? Se sim, então vamos fazer. A ordem formal está caindo! Não é se, e sim quando.

Adesão à moral tradicional: fazê-lo com visibilidade. Devemos fazer nossa voz ser ouvida! Fortalecer a ordem endógena, que – ao contrários desses ismos todos – é conforme a DSI.

Podemos nos aproveitar delas, como um sintoma!

Em qualquer mudança de ordem social há distúrbios.

Os falsos messias esperando nas sombras – Carlos Ramalhete

[A respeito dos protestos que estão ocorrendo Brasil afora, trago um excerto da coluna do Carlos Ramalhete na Gazeta do Povo de hoje. Leiam na íntegra. O conselho que o articulista dá parece-me o melhor possível nas atuais circunstâncias e não deve ser menosprezado: não deixem que os oportunistas de plantão se utilizem das manifestações como trampolim para si próprios. Não deixem os expoentes da velha esquerda emergirem vitoriosos desta que já é a maior mobilização popular desde os Cara-Pintadas. Neguem-lhes corajosamente esta sela.]

Hoje, o que temos é um cavalo branco desgovernado, passando encilhado pelas ruas. Cada candidato ao poder o vê como seu, e sonha em montá-lo. Dilma e Lula já estão trancados com um marqueteiro, conspirando. Outros falsos messias estão esperando nas sombras.

Para que algo de bom surja desses protestos, compete a cada brasileiro, a cada jovem que partilha desta exasperação em massa, negar-lhes esta sela. Que o cavalo vá embora; que sua sela fétida não atraia mais que moscas. Não precisamos de salvadores, sim de paz social. Façamos, não deleguemos.

O patrimônio comum de todos os homens

Está simplesmente antológica a coluna do Carlos Ramalhete de ontem na Gazeta do Povo: invejo a capacidade do articulista de dizer tanto em tão exíguo espaço de jornal! É até difícil selecionar um trecho para citar aqui. Leiam-no lá na íntegra.

O que o Ramalhete faz é classificar as recentes manifestações ocorridas em Brasília (aqui e aqui) como um legítimo grito por liberdade que brota do fundo do peito da natureza humana aviltada por um sem-número de políticas imorais impostas à população brasileira pelos revolucionários que hoje se encontram no poder. E o faz com a sua particular perspicácia, apontando um fato bem óbvio que as práticas fascistas dos que têm voz na mídia se empenham por ocultar: o “fundamentalismo religioso” é o que separa as religiões, e não o que as une. Ora, uma movimentação que reúne em torno de um objetivo comum católicos e espíritas, protestantes e umbandistas, budistas e agnósticos não pode, por definição, ser um ato de fundamentalismo religioso.

Se religiões tão díspares e contraditórias entre si são unânimes em afirmar um determinado valor moral, então é óbvio que a origem deste valor deve ser buscada naquilo que é comum a todos os que o afirmam, e não no que os distingue. O que distingue um protestante de um muçulmano e de um agnóstico é justamente a sua religião e, portanto, não pode ser ela a origem daquele valor moral que estamos buscando. Esta só pode estar naquilo que os une, não no que os separa; e o que os une é a sua natureza humana. O fato de culturas religiosas tão radicalmente irredutíveis entre si afirmarem em uníssono uma mesma coisa exige que o fundamento desta coisa esteja naquilo que transcende as culturas religiosas, naquilo que é comum a todos os homens independente da religião que professem. É este patrimônio comum que está sendo atacado. É por isso que o Carlos afirma com toda a propriedade: «Natureza, não religião».

Os brasileiros começam a se levantar. As pessoas de boa vontade começam a deixar o estado letárgico em que se encontram e já ensaiam dizer em público, em alta voz, que não suportam mais os descalabros dos nossos governantes, as abominações impostas a ferro e fogo pelos poderes públicos. A iniqüidade já foi longe demais, e é do bom povo brasileiro que virá a oposição a ela: do povo ordeiro que por sua própria índole não é afeito a confrontos abertos com a autoridade, mas que não tem mais condições de suportar o vilipêndio da natureza humana praticado pelos nossos governantes, «o caos antinatural que nos vem sendo imposto». Como dizem os franceses, chassez le naturel, il revient au galop: e esta cavalaria por vezes vem de onde menos se espera.

Legalizando a mentira

Em meados do ano passado, uma coluna do Carlos Ramalhete contra a adoção de crianças por duplas de homossexuais provocou a ira da militância gayzista da internet. Não foi a primeira vez que o professor abordou o assunto na Gazeta do Povo; dois anos antes, em situação idêntica, foi publicado um texto (ainda hoje atual) onde o articulista fustigava impiedosamente o que chamou de um problema de definição. Hoje, o desenrolar dos fatos mostrou o quanto aquelas prospectivas estavam corretas: desde então o problema continua degenerando em monstruosidades cada vez maiores.

Há alguns dias, recebemos a notícia pouco animadora de que a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) concedeu, a uma dupla lésbica, «a adoção da filha de uma delas pela outra». O assunto é propositalmente confuso, mas em resumo o que o STJ fez foi mandar lavrar, para uma pobre criança, uma Certidão de Nascimento deliberadamente falsificada, onde – ao arrepio do bom senso e da natureza – consta, com chancela legal, a escandalosa mentira de que a menor nasceu de duas senhoras lésbicas. Igualmente, há menos de uma semana, chegou-nos ao conhecimento que uma criança de Recife terá, por ordem judicial, uma Certidão de Nascimento com três nomes: o do pai, o da mãe e o da madrasta. Mais uma vez, em atenção a uma agenda ideológica anti-natural, outra criança será privada do direito a um registro veraz sobre as suas origens.

Estamos contemplando, atônitos, uma despudorada política judiciária de ressignificação da realidade. Até então, ensinaram-nos o dicionário e a experiência de mundo que uma “certidão” era um documento que atestava algum fato realmente acontecido: Joãozinho casou-se com Mariazinha, seu Epaminondes faleceu no dia tal, Ritinha nasceu de seu Roberto e de dona Marieta. Subordinava-se, como é razoável, o pedaço de papel ao mundo real: o oficial de cartório tinha o dever de se ater à realidade no exercício do seu trabalho. Ele não podia inventar nada.

Hoje, o Estado se acha no direito de obrigar um pobre escrivão a fazer aquilo que ele, em consciência, não poderia fazer jamais: escrever uma mentira num documento de fé pública. Os documentos oficiais, assim, deixam de ser um registro fidedigno da realidade para se transformarem em uma folha em branco onde o Estado registra não aquilo que aconteceu, mas o que os envolvidos gostariam que tivesse acontecido. Dobra-se a realidade diante da ideologia, escamoteia-se a objetividade dos fatos em atenção ao subjetivismo dos indivíduos. Se reescrever o passado é uma prática indigna de homens intelectualmente honestos, que censura não merece esta tentativa criminosa de adulterar o presente?

Como que escarnecendo da credibilidade dos nossos já tão desgastados poderes públicos, o velho ditado de que “papel aceita qualquer coisa” vem reivindicar cidadania também em nossos registros civis. Desfilam em nossos cartórios os maiores despautérios: fulana tem duas mães e nenhum pai, sicrano tem dois pais e nenhuma mãe, beltrano tem um pai e duas mães. Em tempos menos estúpidos, se fosse o notário a redigir por conta própria semelhantes disparates, decerto ele seria rapidamente demitido por atentar contra a credibilidade dos documentos públicos. Hoje, para nosso desespero, magistrados ordenam que se registrem oficialmente as maiores falsidades, e todos aplaudem essa ignomínia como se fosse possível à mentira ser alguma espécie de avanço social.

É urgente desmascarar este fascismo gayzista

Ainda sobre o bárbaro ataque perpetrado semana passada em Curitiba por militantes gays raivosos contra os católicos que estavam fazendo uma pacífica campanha na cidade de defesa dos valores judaico-cristãos (ver aqui e aqui), vale muito a pena conferir a coluna do Carlos Ramalhete na Gazeta do Povo de hoje sobre o assunto.

Com a clareza de raciocínio que lhe é peculiar, o articulista consegue a proeza – no reduzido espaço hebdomadário que lhe cabe – de realizar dois feitos de extrema importância.

O primeiro, é fazer um honesto exercício de crítica histórica e situar o período da Ditadura Militar brasileira dentro dos estreitos limites numéricos que lhe são próprios. São palavras do Ramalhete: durante a Ditadura Militar no Brasil, «[n]ão houve, contudo, práticas quase genocidas como as que mancharam a história militar dos demais países do Cone Sul, e a Lei da Anistia perdoou os excessos de ambos os lados». Eu mesmo já chamara a atenção para este detalhe no ano passado, quando comentei aqui sobre os mortos e desaparecidos dos anos da Ditadura: «Para fins comparativos, a lista de pessoas assassinadas em Recife no mês de abril de 2008 tinha praticamente o mesmo tamanho da de mortos e desaparecidos em todo o Brasil durante toda a Ditadura Militar». Poupem-se os esquerdopatas do trabalho de me atirarem pedras: os links estão aí. Isto são fatos que precisam ser levados em consideração, obviamente não para condescender com torturas e assassinatos mas para que seja possível manter um razoável senso de proporções capaz de proporcionar um juízo sereno sobre estes tristes fatos da história recente do país.

O articulista da Gazeta do Povo, aliás, vai ainda mais além e afirma que «[p]oucos trabalharam tão acirradamente no combate pacífico às tentativas de estabelecimento de um Estado totalitário quanto a Tradição, Família e Propriedade (TFP), entidade laical de inspiração católica baseada em São Paulo», fazendo assim justiça à atuação política de centenas de milhares de brasileiros (o artigo fala que a TFP já «chegou a contar com mais de 1 milhão de correspondentes e simpatizantes espalhados por todo o país» em seu auge) durante os anos de chumbo. Destarte, não é possível aceitar pacificamente os rótulos odiosos lançados pela esquerda raivosa contemporânea, que procura impedir a ação política atual unicamente por meio da agitação frenética de espantalhos mal cosidos do passado. E ainda que a TFP tivesse tomado posições políticas censuráveis na segunda metade do século XX, isto em nada vetaria aos seus descendentes o acesso aos meios democráticos de manifestação pacífica no Brasil atual. Defender a democracia e dizer o contrário disso é hipócrita e incoerente.

O segundo feito digno de nota que o Ramalhete realiza no seu artigo é classificar, sem papas na língua, o assalto da horda gayzista em Curitiba aos caravanistas do IPCO como aquilo que esta agressão é: «outra demonstração clara da índole fascista deste movimento». Os vídeos já foram vistos e revistos, mas nunca é demais repetir: não se pode tolerar que grupos de pessoas usem violência (moral e física) para impedir a manifestação pacífica de idéias com as quais não concordam. Diferente do que disseram em blogs e redes sociais afora, isto não é uma vitória da democracia, mas muito pelo contrário: é o sacrifício das liberdades democráticas ante a barbárie da intolerância atroz. É urgente desmascarar este fascismo gayzista que está nas graças da imprensa e vem sendo apresentado à sociedade brasileira como o contrário mesmo do que ele é na verdade.

A defesa da tolerância contra o obscurantismo (ou qualquer outro chavão que esteja na moda) não pode ser usada como pretexto para a realização de atrocidades como a que aconteceu em Curitiba no início da semana passada. É fundamental que a sociedade tome consciência do que está acontecendo no Brasil: de como um movimento cínico e depravado está se fazendo de vítima indefesa perante a opinião pública ao mesmo tempo em que age com a mais bárbara truculência contra qualquer um que não se alinhe aos seus interesses degenerados. Esta é uma história que precisa ser contada já, enquanto ela ainda está acontecendo e enquanto é ainda possível fazer alguma coisa para evitar o final trágico que ela anuncia com tanta clareza.

A tolerância e a dose de whisky

Fala-se muito em tolerância nos dias de hoje, mas de uma maneira completamente equivocada. Para alguns, a tolerância radica-se na incapacidade de emitir juízos de valor sobre coisas que – dizem – pertencem à esfera subjetiva; para outros, pior ainda, tolerância significa apoio entusiasta, e só existe verdadeiramente quando se é capaz de vestir a camisa daquilo que é tolerado.

No entanto, nenhum desses conceitos é satisfatório. Só cabe falar propriamente em tolerância quando estamos diante de um ato objetivamente equivocado, ao qual circunstancialmente não nos opomos em atenção a um bem maior que possa concretamente advir desta nossa renúncia a agir (ou para evitar um mal maior que decorresse da nossa ação, o que dá no mesmo).

Assim, não é verdade que só exista tolerância porque não somos capazes de saber o que é certo (ou porque não existe certo no caso em questão), mas é exatamente o contrário: toda tolerância pressupõe e exige um juízo de valor, por meio do qual nós possamos estabelecer uma hierarquia de bens e males e, com base nela, agir ou deixar de agir: combater ou tolerar. Do mesmo modo, exigir que a tolerância sincera implique na aprovação moral da coisa tolerada é um completo nonsense. Por definição, aquilo que é certo não é objeto de tolerância: não se tolera o bem, mas tão somente o que é mal.

O uso comum de certos termos é legítimo e necessário, mas não podemos deixar que ele obscureça o sentido verdadeiro das expressões que empregamos. Assim, por exemplo, “tolerar” que minha esposa coloque água de coco no nosso whisky quando eu sei que o sabor de um bom malte só pode ser devidamente apreciado em uma dose à cowboy significa colocar o prazer dela (perfeitamente legítimo) acima das minhas exigências etílicas. Todos os elementos da tolerância estão aqui presentes: o bem objetivo (= degustar o puro sabor do malte) ameaçado, as ações possíveis (= não tomar o whisky com ela, não deixar que ela o estrague com água de coco, etc.), o bem (= o deleite e a satisfação dela em dividir uma dose comigo) obtido quando aceito a dose oferecida, o mal (= a privação do pequeno prazer doméstico) que adviria de recusá-la. O fato de fazermos (em casos simples assim) todos esses juízos de valor automaticamente não significa que eles não existam.

Algumas situações são extremamente simples. Em se tratando de doses de whisky, nós podemos dizer que tanto faz a maneira como se as toma. Nós podemos facilmente imaginar o prazer obtido por quem, por razões quaisquer, preza mais pelo doce que pelo amargo. Ainda: nós seríamos monstros insensíveis se forçássemos todo mundo a só tomar whisky puro e sem gelo. Tudo isso é verdade; no entanto, seria simplismo tratar todos os atos humanos com a mesma displicência que nos é lícito devotar ao gosto por bebidas destiladas. É bastante óbvio que existem bens maiores do que o sabor imaculado do scotch envelhecido em barris de carvalho, bem como existem males mais sérios do que a frustração de um exigente prazer gustativo. Não se pode pretender que a tolerância automática que dedicamos às preferências de paladar aplique-se indiscriminadamente a todas as demais esferas do comportamento humano.

Há hoje em dia uma tendência a se nivelar por baixo as relações interpessoais e a pretender que todos os atos humanos tenham a mesma importância social da maneira como cada um prefere a sua bebida. Como complemento a tanto quanto se disse aqui, é oportuno o artigo de hoje do Carlos Ramalhete na Gazeta do Povo, que fala sobre a tolerância brasileira. Não a caricatura de tolerância que nos pretendem vender, mas a verdadeira: aquela que sabe existirem coisas certas e coisas erradas, mas segundo a qual «é de se esperar que pessoas boas façam coisas erradas de vez em quando; devemos combater – ou mesmo tolerar – as coisas erradas, sem demonizar as pessoas». O autor acerta em dizer que uma visão dualista do mundo é uma forma de reducionismo que deve ser evitada. Mas este dualismo é criticável quando procura categorizar absolutamente seres humanos, e não quando afirma que algumas coisas são certas e, outras, erradas. Porque também é reducionista dizer que não existe bem ou mal no mundo. Também é reducionista pretender que tudo seja equiparável a colocar ou não alguma coisa na dose de whisky.

Dois textos sobre Niemeyer

Para oferecer um contraponto à onda de bajulação surgida após a recente morte do arquiteto Oscar Niemeyer.

Arquitetura e humanidade, por Carlos Ramalhete. «Stálin e Hitler mandaram construir edifícios gigantescos, em que o homem desaparecia como uma formiga numa mesa. Niemeyer fez edifícios em que o homem desaparecia como uma formiga numa bela escultura; a visão é a mesma, o erro é o mesmo. Difere apenas o talento de quem rascunha as leves linhas com que o humano é negado».

– Niemeyer, a arquitetura da destruição, por Demétrio Magnoli. «A estética de Niemeyer é uma declaração política. Em Brasília, como registrou James Holston, o contraste tipológico entre os edifícios públicos, “objetos excepcionais, figurais, de cunho monumental” e os edifícios residenciais, “objetos seriais, repetidos, que são cotidianos”, representa a utopia regressiva almejada pelo arquiteto. Tinha razão Alberto Moravia quando escreveu para um jornal italiano que a capital recém-inaugurada fazia as pessoas se sentirem “como os minúsculos habitantes de Lilliput” e procurarem “no céu vazio a forma ameaçadora de um novo Gulliver”».