O que importa é a luta pela santidade

Após a divulgação da última pesquisa Datafolha que anunciou uma nova redução do número de católicos no Brasil — hoje somos apenas 50% dos brasileiros –, a Folha de São Paulo noticiou que a CNBB comentou os dados dizendo que a «[l]uta por justiça é mais relevante que porcentagem de católicos». O aparente absurdo da declaração deixou a muitos perplexos. Olhemos, no entanto, a questão com um pouco mais de cuidado.

Em primeiro lugar, cabe um registro do nosso já antológico mau jornalismo. O primeiro parágrafo da reportagem diz o seguinte:

Mais importante que a porcentagem de católicos no Brasil é “quantas pessoas realmente buscam justiça e vivem o amor até as últimas consequências”, diz o secretário-geral da CNBB (conferência dos bispos brasileiros), dom Leonardo Ulrich Steiner, bispo auxiliar de Brasília.

Aqui já não se fala na «luta» estampada na manchete, embora o sentido ainda seja o mesmo. No entanto, olhando a íntegra da entrevista que a própria matéria disponibiliza mais abaixo, não se encontra a frase entre aspas que abre a reportagem!

O que tem de mais parecido na entrevista de D. Leonardo é o seguinte:

Desse modo, a resposta para a declaração de pertença das pessoas à Igreja ganha um significado mais espiritual que estatístico. Falta-nos, a todos, mais disposição para a conversão de vida e adesão ao cerne da mensagem cristã que é formado pela busca intransigente da justiça e da vivência do amor até as últimas consequências.

Ao que parece, para a sra. Ana Estela de Sousa Pinto (que assina a reportagem), as aspas não significam mais uma citação literal. Aparentemente, no seu estilo jornalístico, o texto que vem entre estes conhecidos sinais gráficos tanto pode significar algo reproduzido literalmente, palavra a palavra, como pode ser qualquer coisa que o jornalista ache que foi dito por alguém. E o pior é que, aqui, o próprio sentido da declaração episcopal foi distorcido: não se trata apenas da mesma coisa dita com palavras diferentes (o que, empregado entre aspas, já seria um absurdo), mas de duas declarações completamente distintas. Porque uma coisa é a «luta por justiça» ser mais importante que o número de católicos, e outra coisa é a constatação de que falta, a todos, uma maior «adesão ao cerne da mensagem cristã»!

Quem passa os olhos pela manchete, ou mesmo quem lê apenas os primeiros parágrafos, fica com a impressão de que a CNBB faz pouco caso da apostasia de milhões de fiéis, trata-a com indiferença, julga que ela não importa; quando na verdade o que se lê na entrevista é um lamento e um pesar pelos tristes números que os anticlericais divulgaram na noite de Natal. Não há o tom de menosprezo que abre a matéria. Este escândalo, portanto, por uma questão de justiça, não seja colocado nas já sobrecarregadas costas de D. Leonardo Steiner. O desdém da instituição não está na pena do seu secretário-geral, mas sim na redação defeituosa da sra. Ana Estela.

Em segundo lugar, é preciso dizer que o número absolutamente não surpreende. Não é verdade que o Brasil seja um país de maioria católica; há muito dizemos que pode até ser grande o número de batizados, mas não o de católicos. Porque “católico não-praticante” é uma contradição em termos, uma vez que a Fé ou bem é vivida, ou não é crida simplesmente. Isso é muito fácil de explicar. Entre diversas outras coisas, a Fé Católica manda que se vá à Missa aos domingos e dias santos. Se a pessoa de ordinário não vai à Missa, então é porque ela não acredita que precise ir à Missa aos domingos e dias santos — não crê na Fé Católica portanto. Uma outra pesquisa feita em 2013 dava conta de que apenas 28% dos que se diziam católicos –ou seja, 16% da população — iam à Missa uma vez na semana. Ora, isso — a prática religiosa semanal — é absolutamente o mínimo! Com menos do que isso não dá para ser adepto do Catolicismo. O número real de católicos brasileiros, assim, deve estar perto de uns 14% da população — o que está bem longe dos 50% que a última pesquisa tão generosamente nos concede.

A vastidão da impiedade sem dúvidas nos entristece; é verdadeiramente de se pasmar que quatro em cada cinco dos nossos conterrâneos estejam privados da graça dos sacramentos sem a qual não é possível obter o perdão dos pecados e a amizade com Deus. É preciso rezar, e rezar muito!, como o Anjo ensinou em Fátima, pedindo perdão pelos que não amam a Nosso Senhor. É preciso fazer apostolado vigoroso e incansável; não nos é permitido ficar indiferentes diante desta multidão de almas se perdendo à falta dos remédios espirituais mais básicos, e que estão aí, ao alcance de uma caminhada, distribuídos em profusão nas igrejas que os nossos antepassados espalharam Brasil afora. Deus pediu a Caim contas do seu irmão (cf. Gn IV, 9); também nós seremos cobrados, e n’Aquele Dia não Lhe poderemos responder que não somos custodiantes das almas que aprouve a Ele colocar em nosso caminho.

Mas há um terceiro aspecto a ser mencionado. É que, talvez por um ato falho, quiçá pela primeira vez em muitos anos, a resposta da Conferência dos Bispos à apostasia católica é surpreendentemente adequada. Dom Steiner — eu vivi para ver isso! — disse que a Igreja «cuida do anúncio dos valores do Evangelho» e «sua missão central (…) é anunciar integralmente o Evangelho de Cristo».

Sim, a Missão da Igreja é levar a toda criatura humana — a todos os confins da terra — o Evangelho de Cristo, a Boa-Nova da Salvação, em toda a sua integridade: sem nada lhe acrescentar ou suprimir. Como a CNBB é conhecida por há décadas desfigurar a mensagem de Nosso Senhor (cabendo-lhe, em perturbadora parcela, a responsabilidade pelo êxodo de católicos que a Igreja no Brasil vem sofrendo ano após ano), é um alento ver no secretário-geral da CNBB, justo nele!, essa preocupação (ao menos diante da imprensa) com a integralidade do anúncio do Evangelho. Se isso, apenas isso!, fosse feito com os devidos zelo e dedicação, assistiríamos muito em breve a um maravilhoso reflorescimento da Igreja Católica na Terra de Santa Cruz.

A despeito das conotações políticas que a palavra tem no discurso público contemporâneo, «Justiça» é uma palavra muito cara à teologia bíblica e significa santidade. Neste sentido, a frase falsamente atribuída a D. Steiner seria profundamente católica e verdadeira, profética até: para além das pesquisas demográficas, o que importa é a luta pela santidade! Fazendo isso, somente isso!, Deus saberia abençoar o plantio e prover uma colheita generosa. Afinal, não foi o próprio Cristo quem disse que deveríamos buscar primeiro o Reino de Deus e a Sua Justiça, que tudo o mais nos seria dado por acréscimo (cf. Mt VI, 9)? Ouçamos as palavras d’Ele, inadvertidamente ecoadas na manchete adulterada de uma má jornalista. Saibamos lutar, com denodo e galhardia, pela justiça de Deus! Pois com isso teremos a certeza de que omnia adicientur nobis.

Pela historicidade de São Jorge, mesmo com o dragão

Hoje é-me um dia particularmente festivo: 23 de abril é festa de São Jorge, meu onomástico e também do Papa Francisco gloriosamente reinante. É um privilégio compartilhar com o atual Vigário de Cristo o nome de Batismo; neste dia de São Jorge, peço ao mártir que nos dê – a nós, jorges em honra e dívida a ele – a sua têmpera e a sua firmeza.

São-Jorge

São conhecidas as lendas modernas a respeito da festa de hoje. Muitos dizem que o santo não existiu de fato ou que a sua celebração foi suprimida pela Igreja. Nada disso procede. A festa litúrgica continua sendo celebrada, sim, no dia de hoje, 23 de abril, nos dois calendários (tradicional e reformado). Sobre os detalhes históricos da biografia tradicionalmente atribuída ao santo, é na minha opinião elucidativo escutar o que já foi dito por D. Estêvão sobre o assunto:

A respeito de São Jorge, portanto, apenas se pode dizer com segurança que nasceu em Lida (Lydda) na Síria por volta de 270 e foi martirizado em Nicomédia no ano de 303. São considerados como incertos ou mesmo lendários os pormenores habitualmente narrados: Jorge, como soldado do Império Romano, teria participado de uma campanha na Pérsia, após a qual haveria residido em Beirute (Síria); nesta cidade, teria lutado contra um dragão; depois disto, dizem que Diocleciano o enviou em expedição à Grã-Bretanha; Jorge atravessou então o mar da Irlanda, hoje também dito «Canal de São Jorge», e desembarcou em Porta Sistuntiorum; daí dirigiu-se para Glastonbury em peregrinação ao túmulo de seu compatriota José de Arimatéia…

Estamos falando de um santo que morreu há dezoito séculos. É claro que não temos hoje uma reconstituição precisa de sua vida, e nem isso é importante. A ausência de dados biográficos detalhados não implica na inexistência de ninguém. Para fins de culto litúrgico, basta saber que o santo existiu e praticou heroicamente a Fé (no caso, ao menos dando o supremo testemunho Martírio).

Naturalmente, se vamos nos espelhar no exemplo de São Jorge (ou de qualquer outro santo), ser-nos-ia muito útil conhecer mais detalhes da sua vida. As tradições piedosas que nos foram legadas pelo seu culto multissecular podem não ter a garantia férrea das fontes historiográficas incontestáveis, mas nem por isso nos é lícito afastá-las como se fossem “estórias” sem fundamento. Repetimos: nem tudo o que não é cientificamente demonstrado é, por conta disso, falso ou mítico. A biografia rigorosa de São Jorge pode ser extremamente lacônica, mas o santo tem também uma biografia passível de ser reconstituída a partir das tradições cristãs que, embora não possa pretender o mesmo grau de certeza daquele minimum ao qual D. Estêvão já aludiu, não obstante é ao menos possível e não é sensato descartá-la por mero preconceito tecnicista.

Que lições podemos tirar da vida do santo que hoje se celebra na Igreja? Para responder a esta pergunta, é interessante a leitura deste artigo sobre ele, que reconstrói os aspectos tradicionais da sua história a partir do que nos foi legado pela piedade cristã. Traz-nos tudo, naquela riqueza de detalhes tão caras às narrativas hagiográficas, inclusive as transcrições dos diálogos entre o mártir e as autoridades romanas que o condenaram nas longínquas perseguições anteriores ao Edito de Milão. “Que é a Verdade?”, pergunta o cônsul ao soldado cristão, parafraseando Pilatos. “É Jesus Cristo, meu Senhor, a quem perseguis”, arremata o grande Jorge. Bravo!

Por fim, vamos ao que todo mundo quer saber: e o dragão? O sr. Luís Azevedo – no texto acima linkado – diz que a história do dragão «não encontra fundamento real em sua vida». Não é tão simples assim. Na prestigiada Legenda Aurea de Jacobus de Voragine, sob o título de “São Jorge, Mártir”, é possível ler tudo, tintim por tintim: a cidade assolada pelo dragão, o povo reunido para matá-lo sem o conseguir, os sacrifícios feitos à fera – primeiro de animais, depois humanos – para a manter satisfeita, a sorte certa vez recaindo sobre a filha do rei, a princesa amarrada fora da cidade, prestes a ser devorada pela besta.

Milagres da Divina Providência: eis que por lá passa São Jorge! A nobre garota tenta dissuadir o valoroso cavaleiro de salvá-la, mas os seus rogos não são capazes de esmorecer o guerreiro. O dragão aparece e interrompe o diálogo, arremetendo contra ambos. São Jorge persigna-se e se lança à luta contra o monstro, conseguindo enfim prostrá-lo por terra. Amarra-o pelo pescoço com o cinto da princesa e a faz conduzi-lo de volta à cidade. À vista da fera todos se desesperam; mas São Jorge, imponente, pede àquele povo a profissão da Fé e o Batismo, que então ele mataria o dragão. O rei batiza-se com todo o povo – quinze mil homens, sem contar mulheres e crianças, a narrativa faz questão de quantificar – e São Jorge mata o dragão. Em agradecimento, o monarca oferece incontáveis riquezas a São Jorge, que as manda distribuir aos pobres e, deixando ao rei alguns conselhos, despede-se dele e parte. C’est fini.

Incrível? Sem dúvidas. De onde surgiu tão fabulosa história? Ela remete ao menos à Idade Média, há uns sete ou oito séculos atrás. O que há de verdade nela? Difícil dizer. Por favor, não me venham com os truísmos de “dragões não existem”, coisa que é evidente. Mas existem feras selvagens, povos rudes e maus, sacrifícios humanos, homens covardes e corajosos, lutas e conversões. O dragão é o que menos interessa na narrativa, e pode perfeitamente ser substituído por um urso feroz ou um cavaleiro poderoso sem alterá-la em praticamente nada. Impugnar a historicidade do santo por conta desse detalhe é tão sem sentido quanto negar a independência do Brasil por causa dos erros do quadro de Pedro Américo.

O problema aqui se situa em pelo menos dois níveis. Primeiro, não é – absolutamente! – necessário afirmar que é mítica a existência inteira de um personagem por causa de um trecho de sua biografia que nos soa inverossímil. Segundo, não é necessário nem mesmo, por causa da mescla de elementos fantásticos e plausíveis que se encontra nas narrativas sobre ele que nos foram legadas, reduzir toda a sua biografia a um minimum passível de ser criteriosamente estabelecido. Dá para descontar o dragão e mesmo assim haurir da controversa passagem virtudes heróicas capazes de nos aumentar a piedade cristã; e sem dúvidas é possível obter fruto, e muito, de outras passagens clássicas da vida do santo que ficam entre a inverossimilhança manifesta e o rigor documental, como as narrativas do seu martírio. E, claro, dá pra contar com a intercessão do valoroso São Jorge, cuja vida só conheceremos em detalhes quando nos encontrarmos na Glória de Deus. Que o glorioso mártir rogue por nós.

Os dias em que Deus parecia existir

Poucas coisas me foram tão prazerosas nos últimos dias quanto a leitura deste texto [La fiesta y la cruzada] do Vargas Llosa sobre a Jornada Mundial da Juventude. Para os que tiverem dificuldades com o espanhol, há alguns trechos traduzidos aqui. Não se trata de qualquer articulista. É um Nobel de Literatura e um agnóstico confesso; no entanto, é capaz de escapar à mediocridade intelectual dos não-crentes e reconhecer a beleza do recente encontro católico na capital da Espanha. Ainda que sob uma ótica materialista e incrédula, consegue descortinar um pouco do transcendente.

Afinal, é capaz de reconhecer a beleza destes dias “em que Deus parecia existir e o catolicismo ser a religião única e verdadeira”! E eu, católico, cá de volta ao outro lado do mundo, só posso me alegrar com esta percepção do idoso incrédulo. E me regozijar com uma reconfortante sensação de dever cumprido: na JMJ, nós mostramos que Deus existe e que o Catolicismo é a única Religião verdadeira. E o fizemos de uma maneira tão bem-feita que até mesmo os incrédulos tremeram, e a sua anti-fé foi abalada.

Eu estive em Madrid, e das coisas que fala o Vargas Llosa posso dar testemunho. Definitivamente, nós não éramos turistas levianos em férias de verão; como comentei em outro lugar, nós teríamos coisas muito mais interessantes para fazer se o fôssemos. Enfrentar as intempéries da natureza e as limitações da condição humana – o sol, a chuva, a sede, o calor, o frio, o desconforto, as multidões, o cansaço, et cetera – não é propriamente o que se pode chamar de uma tentadora programação de férias. Mas nós o fizemos – e, como reconhece o articulista agnóstico, “sem acidentes nem maiores problemas”. Nós o fizemos com um sorriso na face, e com um sincero amor a Deus e à Igreja no coração.

Delegação recifense em Madrid! Humberto Carneiro, Claudemir Júnior e Jorge Ferraz

Sorriso na face e amor à Igreja no coração! A alegria e a Fé. A felicidade e a luta. A festa e a cruzada. O Vargas Llosa entendeu perfeitamente aquilo que nós fomos fazer em Madrid. Eu nunca me esqueço do final do “Ortodoxia” do Chesterton, onde o britânico confessa achar que houve alguma coisa que o Deus Altíssimo meio que “escondeu” do mundo quando por aqui esteve, alguma coisa que era grande demais para que Ele mostrasse aos homens. E, na opinião de Chesterton, esta coisa era a Sua alegria. A alegria, que é a pequena publicidade do pagão e o gigantesco segredo do cristão! A alegria cristã revelada em Madrid nos sorrisos dos peregrinos. Na festa que o articulista peruano percebeu.

Não se trata de uma alegria vazia ou superficial – de forma alguma! Trata-se de um contentamento interior que não se abala com as adversidades, de um júbilo que não foge à luta. Não é meramente uma festa, é também uma cruzada. Como eu tive a chance de dizer a Zenit, nós fomos a Madrid para dar «um grande testemunho público de fé diante de uma Europa laicista». Para fazê-lo, era sem dúvidas necessário juntar muitas centenas de milhares de pessoas (de todos os países do globo) ao redor de um homem de branco. Vivemos em uma era em que uma imagem vale mais do que mil palavras; e o quadro pintado em Madrid com cores jovens dos cinco continentes é sem dúvidas mais eloqüente do que quaisquer artigos religiosos que se poderiam escrever. Ter estado na última Jornada Mundial da Juventude foi mais profícuo do que qualquer outra coisa que eu poderia ter ficado fazendo no Brasil.

E o nosso recado foi passado e foi entendido. A Fé não pode ser confinada às esferas do subjetivo e do privado. Ao contrário, a Fé é uma força motriz necessária à construção e à manutenção de qualquer sociedade que se possa pretender minimamente civilizada. A citação das seguintes linhas do La fiesta y la cruzada é um pouco longa, mas eu provavelmente não conseguiria escrever melhor:

Durante muito tempo se acreditou que, com o avanço do conhecimento e da cultura democrática, a religião – esta forma elevada de superstição – iria se desfazendo, e que a ciência e a cultura a substituiriam de longe. Agora sabemos que esta era outra superstição, que a realidade fez em pedaços. E sabemos, também, que aquela função atribuída à cultura pelos livre-pensadores do século XIX (com tanta generosidade quanto ingenuidade), esta é incapaz de cumpri-la, sobretudo agora. […] A cultura não pôde substituir a religião e nem poderá fazê-lo, salvo para pequenas minorias marginais ao grande público. A maioria dos seres humanos somente encontra aquelas respostas (ou, pelo menos, a sensação de que existe uma ordem superior da qual toma parte e que dá sentido e sossego à sua existência) através de uma transcendência que nem a filosofia, nem a literatura, nem a ciência conseguiram justificar racionalmente. E por mais que tantos brilhantíssimos intelectuais tratem de nos convencer que o ateísmo é a única conseqüência lógica e racional do conhecimento e das experiências acumulados ao longo da história da civilização, a idéia da extinção definitiva [da religião] continua sendo intolerável para o ser humano comum e corrente, que continuará encontrando na fé aquela esperança de uma sobrevivência além da morte à qual nunca pôde renunciar. Enquanto não tome o poder político e este saiba preservar sua independência e neutralidade frente a ela, a religião não apenas é lícita como também indispensável em uma sociedade democrática.

Trata-se de um agnóstico rendendo-se à força do testemunho católico, ainda que para fins pragmáticos e com certos preconceitos errôneos quanto às relações entre Igreja e Estado – mas, de qualquer forma, já infinitamente melhor do que os discursos cheios de ódio que nós nos cansamos de encontrar por aí! Porque, até mesmo para o renomado escritor incrédulo, naqueles dias de alegria e de luta Deus parecia existir e a Igreja parecia ser a única Religião Verdadeira. E esta impressão – capaz de romper as barreiras do ceticismo – só foi possível graças à generosidade de milhões de católicos que contribuíram para a grande festa madrileña, para a monumental cruzada espanhola, para a extraordinária jornada católica da qual tomamos parte a fim de mostrar Deus a um mundo sem fé. E, naquela multidão de jovens unidos em uma mesma Fé em torno de um mesmo Chefe, até mesmo os incrédulos puderam vislumbrar a existência do Deus Altíssimo e da Única Igreja Verdadeira. Diante da JMJ, até mesmo os que não têm fé puderam experimentar um desejo – por fugaz que fosse! – de caminhar de mãos dadas com o Vigário de Cristo rumo ao Céu.

“There be dragons”

Excelente este trailler de “There be dragons”, filme de Roland Joffé que aborda – embora não seja este o cerne da trama, pelo que entendi – a vida de San Josemaría Escrivá. E, a propósito, o diretor tampouco é católico – é agnóstico. Sinceramente, sei bem pouco sobre este filme; mas, pelo trailler, parece-me que vai ser uma boa produção.

Vejam também o canal do filme no Youtube. E torçamos para que seja lançado no Brasil.

“Questão de saúde pública”

“Uma parte da população não tem acesso a este serviço [ao aborto]”.

-Dilma Roussef

A frase foi dita em uma entrevista à ISTOÉ (via pe. Lodi). Vejam o que esta senhora acha do aborto: “O aborto é uma agressão… ao corpo… né? Além de ser uma agressão, dói… né? Além de doer, imagino que a pessoa saia de lá muito baqueada”.

Notem as preocupações da sra. Rousseff! O aborto é uma agressão ao corpo [da mulher]. Sobre a agressão à criança, nem uma palavra. O aborto dói. Sobre que o aborto mata a criança, nada. O aborto faz com que a pessoa saia de lá baqueada. Sobre a criança que fica lá, morta, e tem por destino o lixo hospitalar, nem a mais remota alusão.

Uma pessoa que seja capaz de dizer tais barbaridades obviamente não tem condições morais de governar nem a própria vida – quanto mais o Brasil. Para que não digam que eu estou mentindo ou inventando, eis o vídeo onde a Dilma Rousseff diz exatamente isso (e muito mais) sobre o aborto:

Uma pergunta simples: se trechos deste vídeo fossem divulgados na televisão, durante o horário político, qual a porcentagem das intenções de voto que vocês acham que esta senhora teria? É possível, então, falar em “soberania popular” na escolha do presidente, quando há uma tão cretina e explícita ocultação de informações importantes?

E a grande farsa segue a passos largos. Dia 03 de outubro se aproxima. Que Nossa Senhora Aparecida livre o Brasil do flagelo do comunismo.

Laranja madura na beira da estrada…

“Quais as cores da bandeira holandesa?” – perguntava eu antes do jogo começar. “Vermelho, azul e branco” – alguém me dizia. “E por que, então, o laranja?!” – perguntei, triunfante.

Nem misturando as cores dava o laranja! Mas alguém sabia a resposta. “Pelo mesmo motivo que a Itália, tendo a bandeira vermelha, branco e verde, é Azzurra” – disseram-me. E a resposta: “porque a cor da coroa holandesa era laranja, como a cor da coroa italiana era azul” [p.s.: ver a família de Orange, como bem lembrou aqui o João de Barros].

De todos os países que já tiveram algum dia uma monarquia, parece ser o Brasil o que menos se importa com as suas raízes históricas [p.s.: apesar de que – como lembrou o Glauco – o Brasil mantém o losango amarelo sobre o verde da Bandeira Imperial]. A Holanda mantém o laranja real. E os hereges protestantes (hoje quiçá o país onde o ateísmo lançou mais fortes raízes na Europa) eliminaram o maior país católico do mundo. Tristeza.

Fosse aqui, nos Guararapes, os hereges teriam sido mais uma vez expulsos, ad majorem Dei Gloriam. Mas o Brasil esqueceu-se de sua história, desgraçadamente. E não honrou a memória dos seus antepassados que deram o próprio sangue para que os holandeses voltassem para casa. Hoje, é a seleção brasileira que volta para casa. Sem ter chegado nem às Quatro maiores do mundo.

Brasil 1 x 2 Holanda. Não, não digo “valeu Brasil”, porque não seria sincero. Não valeu, Brasil. Lamentavelmente, não valeu.

Como (não) cantaria o sambista brasileiro: “laranja madura… na beira da estrada… não tá bichada, Zé, mas tem marimbondo no pé!” E os marimbondos – ou melhor, um só, que tem por nome Sneijder – acabaram com a festa brasileira. É triste. Mas é a vida.

Mas a vida continua. Avante! E, se o mundo não acabar antes, que venha 2014!

Podcast II – Por que ser católico?

Trago a segunda edição do (ainda sem nome – aberto a sugestões!) podcast do Deus lo Vult!, onde falo um pouco sobre o porquê de, hoje em dia, algumas pessoas insistirem em serem católicas apostólicas romanas, seguido de algumas considerações sobre o dogma “Fora da Igreja não há Salvação”.

Ainda está profundamente amador. Desta vez, ponho também um link para baixar o arquivo .mp3, conforme foi pedido da outra vez.

[podcast]https://www.deuslovult.org//wp-content/uploads/podcast/podcast-002-extra-ecclesiam.mp3[/podcast]

Clique aqui para baixar.

Os frutos da Canção Nova

[DISCLAIMER: aviso aos desavisados que este post é uma ironia. Após alguns comentários recebidos, talvez seja importante deixar as coisas claras. Peço desculpas se, inadvertidamente, induzi alguém ao erro com esta postagem.]

Enquanto os maledicentes de plantão questionavam a aproximação entre a Canção Nova e a presidenciável Dilma Rousseff, aqueles que verdadeiramente amam a Deus acima de todas as coisas e trabalham, com afinco, pela salvação das almas, não se deixaram desanimar nem por um instante. E continuaram investindo na Dilma. E finalmente os resultados do seu apostolado são já visíveis.

Eis os incontestáveis frutos obtidos pela Canção Nova na vida da Dilma. A matéria é da Folha de São Paulo. Trata-se de uma clara e evidente aproximação da petista ao catolicismo, devidamente registrada ao longo do tempo, constando somente de declarações públicas. De uma eficácia de fazer inveja aos tradicionais modelos de apostolado! E, quando pensávamos que a Canção Nova estava se vendendo ao petismo, era o contrário: na verdade, ela se fazia de morta para “roubar” – no bom sentido, claro – o coveiro. Como São Paulo, a CN fez-se petista e abortista para salvar os petistas e abortistas. E aquela que se dizia agnóstica, agora se diz publicamente católica – ainda que meio titubeante.

Pelo andar da carruagem, daqui para as eleições de outubro a Dilma será católica praticante de comunhão diária. Uma alma arrancada às garras de Satanás, para a maior glória de Deus. Parabéns, Canção Nova!

“A situação da Igreja no Brasil” – pe. Demétrio, prof. Felipe

A situação da Igreja no Brasil

Pe. Demétrio Gomes da Silva
www.presbiteros.com.br

Prof. Felipe Aquino
www.cleofas.com.br

A cada dia intensifica-se um laicismo anti-católico no Ocidente, uma afronta a nossas raízes cristãs. No entanto, não percebemos uma reação forte por parte dos católicos. Podemos notar que também no Brasil o mesmo é crescente. A Igreja é colocada cada vez mais como a vilã da história e da sociedade, contrária ao progresso, etc. Tudo isso, porque tem a coragem de denunciar seu comportamento pecaminoso no que fere a lei de Deus, inscrita no coração de cada homem: aprovação ao aborto, a união legal de pessoas de mesmo sexo – com adoção de crianças -, manipulação genética de embriões – como se fossem seres descartáveis -, inseminação artificial, eutanásia, suicídio assistido, controle egoísta da natalidade, distribuição de camisinhas e de pílulas do dia seguinte aos jovens etc.

A Igreja Católica, que é a Lumem gentium (Luz dos povos) faz a Luz de Cristo brilhar nas trevas deste mundo, missão que o Senhor lhe confiou, mas as trevas gritam contra ela. “… a vida era a luz dos homens; e a luz brilha nas trevas, mas as trevas não a compreenderam… Ele estava no mundo, e o mundo foi feito por meio dele, mas o mundo não o reconheceu” (Jo 1, 4-10).

Em nosso Brasil, a maioria do povo diz ser católica, nossas raízes são católicas, nossa cultura e nossa tradição são católicas, mas esse povo infelizmente é quase analfabeto em doutrina, e muitas vezes alienado da realidade política e social; isso o deixa a mercê das seitas e de minorias que desejam implantar ideologias contrárias à fé da maioria. Esse povo bom, mas inculto, que na sua maioria não lê um jornal ou revista, e só se informa pela televisão, facilmente se deixa enganar até mesmo por um governo que propõe medidas ofensivas a moral católica, como acontece agora com o Plano Nacional de Direitos Humanos – 3, que é desumano. Este Plano, por exemplo, propõe a aprovação do aborto, do casamento de pessoas do mesmo sexo com adoção de filhos, a retirada dos símbolos religiosos católicos das repartições públicas, restringe a livre expressão das idéias, incentiva as invasões de propriedades alheias, limita a ação da justiça nas reintegrações de posse a seus legítimos donos, sugere a revisão da Lei da Anistia, ameaçando agitar a sociedade etc.

No entanto, em que pese toda manifestação dos bispos, a maioria da população católica parece ainda inerte, imóvel, omissa, como se nada estivesse acontecendo. Ou não toma conhecimento dos fatos ou o ignora de maneira alienante. Também grande parte do povo católico se satisfaz com o pão e o circo oferecidos pelo governo que age de maneira imoral. Esse povo não reage nem mesmo quando a fé católica é ofendida, a Igreja atacada, os sacramentos profanados, os santos ridicularizados e muitas vezes caricaturados, etc.

Estamos sofrendo uma guerra declarada. Já vivemos um martírio incruento, e não será surpresa se em breve se tornar cruento, também em nosso país, como acontece hoje na Índia, no Iraque, na Arábia Saudita etc., onde milhares de cristãos são mortos pelo simples crime de seguirem a Jesus Cristo.

Como unir e acordar esse povo católico, para que de maneira organizada e ordeira enfrente essa onda anti-católica que atravessa o mundo e também o Brasil?

As forças do ateísmo e do laicismo anti-católico atuam fortemente nas universidades, na mídia e nos movimentos sociais, que se apóiam o governo e se beneficiam de seus recursos. Infelizmente um segmento da Igreja, avesso à autoridade da Igreja, desobediente ao que vem da Santa Sé, favorece muitas vezes a rebeldia contra a própria Igreja e fortalece o laicismo. Pois “Todo reino dividido contra si mesmo será destruído. Toda cidade, toda casa dividida contra si mesma não pode subsistir”. (Mt 12, 25).

Em nossa Igreja no Brasil, com uma desviada hermenêutica da chamada “opção preferencial pelos pobres”, acabamos abandonando os postos chaves na sociedade que outrora ocupávamos: as universidades, os laboratórios científicos, o mundo da cultura etc. Deixamos, assim, espaço aberto para que os marxistas pudessem fazer a cabeça daqueles que são hoje a cabeça da sociedade.

Infelizmente, não só no governo atual, mas também na Igreja, vemos o incentivo da política do “pão e circo”. Reunimos multidões de fiéis, lhe damos-lhes palavras bonitas – e tão vazias de conteúdo! -, algumas lágrimas e sentimentos à flor da pele. Muitos saem contentes, e tudo termina em nada… A profecia de Oséias é atualíssima: “Meu povo perece por falta de conhecimento” (Os 4,6). Já é hora de queremos deixar de contentar-nos com sermos cristãos superficiais. Precisamos dar-lhes alimento sólido, que os fortaleça na fé, tornando-a inabalável diante de qualquer contrariedade. O povo tem sede de verdade, mesmo que seja duro ouví-la. Chega de pregações adocicadas, que não dizem nada! Cristianismo não é poesia! Precisamos de cristãos totalmente informados pela fé, que a testemunhem por toda parte, e não somente nas sacristias de nossas paróquias.

É preciso levar o povo católico a conhecer a verdade, ser informado, e deixar de ser manipulado; este é o grande desafio atual. Pensamos que a Igreja é capaz de furar essa crosta que impede esse povo bom e desinformado de tomar conhecimento e participar da luta contra, por exemplo, esse PNDH, porque a mídia jamais vai fazer isso. Como diz Pe. Paulo Ricardo “há uma espiral de silêncio” que precisa ser quebrada.

Temos que unir forças. Voltar a conquistar estes meios. Construir uma rede com as pessoas boas – não só na intenção, mas com qualidade espiritual, humana, profissional – e organizar com inteligência nosso apostolado. Temos a firme esperança aí que não contamos somente com meios humanos, e, por isso, devemos ser audazes. Nesse sentido, não podemos esquecer que, antes de qualquer técnica de ação, devemos estar inteiramente unidos a Deus através de nossas armas sobrenaturais. Daí deve derivar, diante de tudo, um profundo otimismo, não ingênuo, mas espiritual, fruto da convicção de que com Ele nos tornamos onipotentes.

Os filhos das trevas são os que deveriam tremer diante de nós, pois nossas armas são muitíssimo mais eficazes. Além de todo auxílio sobrenatural – que nos torna infinitamente superiores nesta guerra -, temos nossos púlpitos – quantos brasileiros vão a Santa Missa dominical! -, temos vários meios de comunicação – TV, jornais, internet -, e contamos – apesar de tudo – com grande credibilidade por parte de nosso povo brasileiro: eles confiam na Igreja!

O que fazer de concreto? Além da luta pela santidade – que é o que mais conta – já que é o Senhor o protagonista dessa luta -, devemos estreitar nossa rede de contato. Tentar entrar mais nesses meios que possuímos. Mais encontros de formação, retiros para os intelectuais, universitários, cientistas, jornalistas para atingir o povo.

É urgente levar esse povo católico, em massa, a participar, escrever às autoridades, aos políticos, fazer manifestações organizadas e ordeiras; sim, esse povo que vai à Missa, a grupos de oração, que participa dos novos Movimentos e das novas Comunidades, que prega o Evangelho da salvação pelo Rádio, pela TV, pela internet, etc. Aqui entra, sem dúvida, o papel importante das televisões católicas. Enfim, é preciso uma ação unida, coordenada, de todos os católicos frente a tudo que estamos vendo de errado sobre bioética, corrupção, PNDH, etc.

É preciso envolver  as realidades que querem ser fiéis à Igreja (Opus Dei, Regnum Christi, Comunhão e Libertação, Caminho Neocatecumenal, Cursilhos de Cristandade, Renovação Carismática, Equipes de Nossa Senhora, Serra Clube etc.) e Comunidades de Vida (Canção Nova, Shalom, Obra de Maria etc.), incluindo também as paróquias e dioceses; além dos políticos católicos. Revelar ao mundo a unidade transcendental da Igreja, que nos une por cima de toda diferença. “Nisto conhecerão que sois meus discípulos…” (Jo 13,35).

É claro que isso é algo difícil, muito difícil, mas se todos nos mobilizarmos no sentido de buscar essa união podemos fazer algo. Será preciso “grandeza de alma” para se colocar as exigências do Reino de Deus acima das nossas. Não adianta permanecermos entre nós com choros e lágrimas, como se fossemos uma “equipe de consolo mútuo”. Muita gente silenciosa está descontente com tudo isso; é preciso envolvê-los. Há muitos sites na internet que mostram isso. E esse é um instrumento poderoso de articulação hoje.

Os inimigos da Igreja estão articulados e as forças da Igreja estão esparsas; esse é o problema. Receamos que se não fizermos algo hoje, amanhã talvez seja tarde, e quem sabe as leis não nos permitam amanhã pregar contra a homossexualidade, o aborto, o sexo livre, … e tudo o que é contrário à lei de Deus.

Sabemos que a audácia dos maus se alimenta da omissão dos bons. Não podemos fugir deste mundo, e muito menos simplesmente condena-lo. Jesus disse que não veio para condenar o mundo, mas para salva-lo; a nós cabe fazer o mesmo.

Ao vislumbrar o terceiro milênio da cristandade, o Papa João Paulo II convocou os cristãos para “pescar em águas mais profundas”, onde se encontram peixes mais numerosos e maiores.  João Paulo II e Bento XVI nos enviam para alto mar (“duc in altum”). E para isso é preciso estarmos preparados; o mar é bravio, podem surgir as tempestades a qualquer momento, ondas altas, vento forte, ameaçando virar a barca.

Não podemos mais ficar pescando na praia, com varinha de bambu, linha fina e anzol pequeno. A evangelização, a conversão de almas para Deus, não é um passa-tempo; mas uma missão árdua, que precisa ser cumprida com esmero: preparo e oração. Não é fácil arrancar as presas dos dentes do lobo cruel e assassino. “Sem Mim nada podeis fazer” (Jo 15,5).

Mas, é preciso também o preparo. Paulo VI disse que a mediocridade ofende o Espírito Santo. Deus está pronto para mover os céus para realizar o que está além da nossa natureza, mas não moverá uma palha para fazer o que depende de nós. Ele faz o grão germinar, mas jamais virá preparar o solo e nele lançar a semente: “O Deus que te criou sem ti, não te salvará sem ti” (Santo Agostinho, Sermo 15,1).

O Papa João Paulo II na memorável vigília da Solenidade de Pentecostes no ano de 1998, mostrou a grande responsabilidade que têm, neste sentido, os novos Movimentos e as novas Comunidades:

“No atual mundo, frequentemente dominado por uma cultura secularizada que fomenta e propaga modelos de vida sem Deus, a fé de tantos é colocada à dura prova e frequentemente sufocada e apagada. Adverte-se, portanto, com urgência a necessidade de um anúncio forte e de uma sólida e profunda formação cristã. Como existe hoje a necessidade de personalidades cristãs maduras, conscientes da própria identidade batismal, da própria vocação e missão na Igreja e no mundo! E eis, portanto, os movimentos e as novas comunidades eclesiais: eles são a resposta, suscitada pelo Espírito Santo, a este dramático desafio no final do milênio. Vós sois esta providencial resposta”.

O mundo expulsa Deus cada vez mais; o secularismo toma conta da cultura, da mídia, da moda etc., a chama da fé é cada vez mais apagada nos lares, nas escolas e nas oficinas. O Papa pede “uma sólida e profunda formação cristã”. Sem isso não será possível pescar em águas profundas. Sem um bom conhecimento da doutrina, do Catecismo da Igreja especialmente, não poderemos dar ao mundo “a razão da nossa fé” (cf. 1Pe 3,15).

O Papa pede também “personalidades cristãs maduras”, certamente não só sacerdotes e bispos, mas leigos preparados, capazes de adentrar aos muros às vezes adversos das universidades, cinema, teatro, música, artes, meios de comunicação, política etc.

Ao lançar a Igreja em direção ao novo milênio, o Papa João Paulo II fez mais um forte apelo: “Uma nova evangelização!”. Se ele pediu uma “nova” é porque a anterior envelheceu; não certamente no seu conteúdo, mas na sua forma. Ele pediu: “com novo ardor, novos métodos e nova expressão”. O que significa isso?

Novo ardor, certamente no fogo do Espírito Santo que tem suscitado os movimentos e as Comunidades que brotam a cada dia. Sem esse “fogo” do céu, não haverá nova evangelização. Façamos sim planos e reuniões, projetos e programas, mas sob o fogo do Espírito, sem o qual tudo não passará de letra morta. Quanto tempo e energia já se perdeu por falta desse ardor do Espírito!

Novos métodos é certamente o que temos visto nas Comunidades e Movimentos: uma evangelização com um jeito novo: nas casas, nos rincões, pelas rádios, TVs, jornais, revistas, encontros, seminários, adorações, acampamentos de oração e estudo… É a “Primavera da Igreja” como dizia João Paulo II.

Nova expressão, uma nova maneira de viver o Evangelho, não mais individualista, mas em grupo, em comunidade, comprometidos conjuntamente com o trabalho do Reino do céu, na fraternidade, na correção fraterna, no amor mútuo, no compromisso com Deus e com a Igreja, “cum Petro e sub Petro”.

Vemos assim que a Igreja acredita profundamente nas Comunidades e Movimentos novos, que precisam se preparar, como verdadeiras “Companhias de Pesca”, e se lançarem sem medo, em nome do Senhor, em águas mais profundas, e buscar os grandes peixes.

Eu vim trazer a Espada

Estou a ler (é uma edição portuguesa) o testemunho da conversão do Scott Hahn e de sua esposa do protestantismo ao catolicismo; o título em português (de Portugal) é “Todos os caminhos vão dar a Roma”, uma tradução sem dúvidas genial do genial título original do livro, que é “Rome, sweet home”. Já tive a oportunidade de dizer aqui recentemente que toda história de conversão é espetacular (aliás, o muçulmano que se converteu ao catolicismo e foi batizado na Vigília Pascal por SS Bento XVI está narrando a sua conversão em ZENIT, e vale a pena a leitura), mas existe um aspecto particularmente doloroso na conversão do Scott Hahn que eu gostaria de mencionar aqui. Trata-se da divisão.

Protestante anti-católico “de carteirinha”, casado com uma protestante, o Scott foi, pouco a pouco, ao ler as Escrituras Sagradas, descobrindo como a Bíblia era, na verdade… católica. E ao ver como a Fé Católica era a única que fazia sentido, e como era deficiente a doutrina protestante, ele não teve outra opção – não sem profundos dramas de consciência, que a narrativa autobiográfica deixa transparecer muito bem – a não ser tornar-se católico. Ao fazê-lo, o seu mundo desabou. Transcrevo duas passagens significativas sobre o tema, uma de sua lavra, outra da de sua esposa (está no Capítulo 6):

Scott: A Vigília Pascal de 1986 foi um momento de verdadeira alegria sobrenatural, unido a uma grande tristeza natural. Recebi o grande slam sacramental: o Baptismo condicional, a Penitência, a Confirmação e a Primeira Comunhão. Regressei ao banco e sentei-me ao lado da minha amargurada esposa [então protestante], que amava com todo o coração. Pus-lhe o braço à volta, e começámos a rezar.

[…]

Kimberly: Diante dos meus próprios olhos, o Scott estava a comprometer-se com uma Igreja que nos separaria de momento, e talvez para sempre. Nunca mais poderíamos receber a comunhão lado a lado, a não ser que um dos dois mudasse de maneira de pensar (e não era difícil imaginar quem teria de ser!). Este grande signo de unidade cristã transformou-se no nosso símbolo de desunião. E a alegria das pessoas era como um punhal no meu coração, porque o que os alegrava era para mim causa de uma dor indescritível.

Ao ler essas emocionantes páginas, não pude deixar de lembrar-me daquela passagem das Escrituras Sagradas: Não julgueis que vim trazer a paz à terra. Vim trazer não a paz, mas a espada. Eu vim trazer a divisão entre o filho e o pai, entre a filha e a mãe, entre a nora e a sogra, e os inimigos do homem serão as pessoas de sua própria casa. (Mt 10, 34-36). Particularmente eloqüente é a narrativa da Kimberly, quase uma paráfrase – quiçá involuntária – do texto bíblico: “[e]ste grande signo de unidade cristã transformou-se no nosso símbolo de desunião”.

A verdade dura e crua, incontestável, é que não há comunhão possível entre luz e trevas (cf. 2Cor 6, 14), e não poderão caminhar juntos dois homens se não tiverem chegado previamente a um acordo (cf. Am 3, 3). A verdade é que Cristo veio à terra – palavras d’Ele! – para trazer também a divisão. A união, entre os que crêem, e a irreconciliável separação entre os que crêem e os que não crêem. Isto significa que, se nós quisermos levar a sério a Fé que temos – como, graças a Deus, a família Hahn levava -, não poderemos fazer acordos promíscuos nem fingir que estamos vivendo na mais plena comunhão quando há a radical separação da Fé. Quando ergue-Se, intransponível, a Cruz de Cristo.

Ao mesmo tempo, que belíssimo testemunho de amor a Deus sobre todas as coisas que nos deu o casal Hahn! O marido, em consciência, preferiu separar-se espiritualmente de sua esposa para abraçar a Esposa de Cristo; a esposa preferiu permanecer ao lado do marido, mesmo sentindo-se atraiçoada. Ambos suportando a mais amarga solidão que poderiam sonhar experimentar. Ambos rezando um pelo outro, encontrando em Deus as forças necessárias para atravessar o momento de extrema provação. Eles não fizeram “acordos práticos”; nem o Scott achou que não valia a pena sacrificar tudo o que tinha – e ele sacrificou muito! – para se tornar católico, nem a esposa dele achou que valia a pena “tornar-se católica” só para acompanhar o marido. Deram ambos, com suas vidas, um testemunho vivo da Divisão que Cristo afirmou ter vindo trazer à terra; deram ambos testemunho forte da importância de se amar a Deus sobre todas as coisas.

Abraçar a Fé é sacrificar inúmeras outras coisas, não há dúvidas disso; mas a Divisão que a palavra de Cristo traz é superabundantemente sobrepujada pela União na Grande Família de Deus, na Igreja Católica e Apostólica, à qual todos são chamados. Vale a pena tornar-se católico, mesmo que custe caro; vale a pena sacrificar tudo o que se tem por amor a Deus. Também são palavras de Nosso Senhor no Evangelho: Em verdade vos digo: ninguém há que tenha deixado casa ou irmãos, ou irmãs, ou pai, ou mãe, ou filhos, ou terras por causa de mim e por causa do Evangelho que não receba, já neste século, cem vezes mais casas, irmãos, irmãs, mães, filhos e terras, com perseguições e no século vindouro a vida eterna (Mc 10, 29-30). É, portanto, necessário às vezes deixar algumas coisas (e até mesmo algumas pessoas); é necessário que Cristo traga a espada, a divisão. Mas no final vale a pena. Scott e Kimberly Hahn conseguiram, no final, a grande graça de se tornarem uma família verdadeiramente católica; com a graça de Deus, conseguirão “no século vindouro a Vida Eterna”, pois este é o prêmio reservado por Deus àqueles que sabem amá-Lo apesar de todas as coisas, a despeito dos sacrifícios que sejam necessários. Sigamos pois sempre a Cristo, apesar dos sacrifícios, ainda que seja doloroso; pois é promessa d’Aquele que sempre cumpre as Suas promessas termos – já nesta vida! – “cem vezes mais” do que abandonamos e, um dia, a Glória de estarmos com Ele nos Céus.