Eu fique estupefato quando, na semana passada, soube que um pai estava tentando convencer um milhão de pessoas a “curtirem” a sua página no Facebook para que seu filho se chame “Jaspion”. Houve um caso, ainda pior, em que o sujeito prometera convencer a irmã a batizar o filho dela de “Megatron” – mas a irmã não o aceitou nem mesmo com o milhão de like’s alcançado. Neste momento em que escrevo, 268.143 já querem que um bebê Jaspion venha ao mundo. Ainda está bem longe do objetivo, mas eu não sei se é impossível; não duvido mais de nada.
Ainda na semana passada eu conversava com um amigo sobre um livro que lera há alguns anos: o Cien años de soledad de Gabriel García Márquez. Falávamos mais especificamente sobre a questão dos nomes. Para quem não leu, só um rápido esclarecimento: o livro conta a história de gerações e mais gerações de membros de uma família, os quais vão sendo, um após o outro, batizados de Aureliano Buendía e José Arcadio Buendía. Chega a ser difícil às vezes distinguir tantos personagens que têm o mesmo nome (veja-se, à guisa de exemplo, esta árvore genealógica).
Em um dado momento, já no fim do livro, os tataranetos (ou sei lá o quê) do primeiro “Aureliano” que aparece no livro – o Coronel Aureliano Buendía, que lutara e perdera 32 guerras na juventude – estão para ter um filho. Pretendem dar-lhe enfim um nome diferente dos nomes tradicionais da família (agora não lembro qual era – digamos, “Rafael”). Levam esta intenção até o último momento; contudo, quando nasce o menino e a mãe dele diz que vai se chamar Rafael, o pai pega o pequeno nos braços e sentencia: “não. Vai se chamar Aureliano Buendía, e vai ganhar 32 guerras”.
Eu nunca esqueci da cena, que é apoteótica. Imagem eloqüente da impotência humana diante da bênção (ou maldição) familiar, da completa incapacidade dos protagonistas frente à inexorabilidade do destino: “vai se chamar Aureliano Buendía”! E por que eu cito agora esta passagem do romance?
Porque é exatamente o oposto do garoto que quer pôr o nome de “Jaspion” no filho. Este, age com um desprezo ainda maior do que o dos personagens do romance espanhol que “só” queriam mudar o nome do filho de Aureliano para Rafael, renegando assim a família Buendía. Quem quer pôr o nome de Jaspion no próprio filho renega toda a humanidade, na qual aparentemente não existe uma única pessoa digna de admiração o bastante para legar um nome ao seu filho. Não há e nem houve jamais um único ser humano que mereça ser homenageado mais do que o super-herói japonês. Às nossas ruas e praças nós damos os nomes de pessoas ilustres; mas, aos nossos filhos (que valem infinitamente mais do que ruas e praças), damos nomes de robôs e de super-heróis. Nomes escolhidos não por nós mesmos, mas por desconhecidos que votam na internet.
As nossas civilizações católicas aprenderam a dar nomes de santos aos seus filhos [“meu filho vai ter / nome de santo… / Quero o nome mais bonito!”], confiando-lhes desde o berço à intercessão do seu Onomástico. Hoje, desejam confiá-los a fantasias de super-heróis japoneses… é triste. É outro sinal da ausência de referências na qual está imerso o mundo moderno, onde a “tradição” da ficção infantil é mais valiosa do que a tradição de toda a raça humana.