Esta notícia é bem antiga (é de 2009, referente ao censo do IBGE 2000), mas os dados do Censo 2010 (as tabelas com dados sobre religião estão aqui) não parecem fornecer nenhuma mudança significativa a este quadro – aliás muito pelo contário. Falando sobre o êxodo de fiéis católicos para as seitas protestantes na capital do país, a pesquisa (do ano 2000) mostrava que a “migração de fiéis da Igreja Católica para a evangélica avança[va] [principalmente] nas áreas mais pobres”. O fenômeno vem ao encontro da minha experiência particular; entre as camadas mais pobres da população brasileira, a mudança de religião dá-se (muito!) mais por afinidades sociológicas do que por convicções teológicas. Citando a matéria do Correio Braziliense:
Existem cerca de 4,7 mil templos da igreja evangélica na capital do Brasil, a maioria em comunidades com menos de duas décadas de existência. E 123 da Igreja Católica. A distância faz com que ocorra quase naturalmente a migração de católicos para cultos evangélicos. É comum nessas regiões a presença de pessoas com histórico familiar baseado no catolicismo participando da pregação protestante. Como se a porta aberta facilitasse a mudança de credo
Isto que é citado na reportagem é exatamente a mesma coisa que eu tenho presenciado nos últimos anos em cidades do interior de Pernambuco. A história é assustadoramente a mesma: uma cidadezinha, por razões quaisquer, fica desprovida da assistência espiritual de um sacerdote católico. Há somente uma igreja matriz e algumas capelas, todas servidas por um único sacerdote; quando este, digamos, é transferido, passa-se um tempo (mais ou menos longo – lembro-me de um caso em que tal interstício durou mais de dois anos) até que outro pároco seja nomeado e, durante este tempo, o padre de uma cidade vizinha “acumula” a responsabilidade sobre este povo. Celebra-se Missa (quando muito!) semanalmente; às vezes, ela só ocorre em um domingo por mês. Casamentos e batizados, só no fim do ano. Confissões, sabe lá Deus quando… O povo tenta organizar-se “por conta própria” (digamos, com a recitação semanal do Santo Rosário), mas muitos desanimam neste processo. Ao mesmo tempo, quais cogumelos venenosos em madeira podre, proliferam seitas evangélicas a perder de vista: muitas a cada bairro, quase uma em cada esquina, às vezes duas lado a lado. Sedentos espiritualmente e sem a assistência de um sacerdote católico, o povo acaba indo na “igreja” que fica mais perto. No início ainda são católicos; pouco a pouco, entretanto, envenenados pelo discurso do falso “pastor”, não poucos acabam infelizmente perdendo a Fé. E, quando a situação católica normaliza-se, quando um padre retorna e o culto verdadeiro a Deus é restabelecido, muitos já estão tão afastados do rebanho que a volta é difícil. Muitos, para tristeza de Deus e vergonha desta Terra de Santa Cruz, já estão definitivamente perdidos para Satanás.
A sangria de católicos existe. Infelizmente, muitos dos diagnósticos que nos fazem deste problema só o fazem agravar ainda mais. Não raro nós encontramos quem pretenda descobrir a causa do abandono do catolicismo na “falta de modernização” da Igreja. Sinto dizê-lo, mas é exatamente o contrário. Lembro-me do então Card. Ratzinger (no “A Fé em Crise?” ou no “O Sal da Terra”, agora não me recordo exatamente) falando com todas as letras que o problema não estava na intransigência da Igreja à modernidade, uma vez que a maior parte das seitas protestantes na Europa já havia abraçado alegremente todas as reivindicações imorais do mundo moderno – do aborto ao divórcio, do casamento gay à ordenação de mulheres, da contracepção ao sexo livre, etc. – sem ter contudo logrado estancar a sua perda de fiéis. Por aqui, guardadas as devidas proporções, seguiu-se pelo mesmo caminho; basta ler (p.ex.) este desabafo do pe. David Francisquini sobre as mudanças operadas no cenário católico brasileiro da segunda metade do século passado para cá. Se – graças a Deus! – não se chegou a abraçar institucionalmente a imoralidade escancarada, a vida católica foi tão aviltantemente despojada de todos os seus adornos que passou a ser difícil reconhecer a Esposa de Cristo olhando para a sua face desnuda, vendo-a renunciar aos seus paramentos e trajes reais. A Rainha despojou-se de suas vestes e isto confundiu o povo simples, que passou a ter dificuldades em distingui-La das falsas pretendentes ao Reino de Deus. É preciso reconhecer com tristeza e com clareza esta realidade, para que possamos agir de maneira eficaz na (re)evangelização do nosso povo.
É preciso reconhecer que a mudança do tom do discurso católico provocou uma gravíssima deficiência catequética dos nossos fiéis e, portanto, é urgente resgatar a catequese e a apologética. É preciso reconhecer que é difícil rezar nas nossas missas, de modo que é imperativo o resgate do Eterno na Sagrada Liturgia. É preciso reconhecer que a cupidez de coisas novas que acomete os espíritos modernos, longe de ser uma exigência legítima que se deva satisfazer, tem sido causa de enormes males espirituais para os homens de nosso tempo; e é preciso ter em conta que ela, por forte que pareça, não consegue – sobretudo nos mais simples! – apagar a sede do Infinito que o próprio Deus inscreveu nos corações dos homens. É preciso rezar, e rezar muito, rezar incessantemente, para que Deus tenha piedade de nós, ilumine-nos e nos salve. E, acima de tudo, é preciso não desesperar. Se a solução parece ser humanamente impossível, então é aí que Deus fará resplandecer a Sua força. Afinal, Ele sabe fazer maravilhas naqueles momentos em que tudo parece estar perdido. A obra é d’Ele; e Ele, sem dúvidas, levantar-Se-á para defendê-la. Por mais que a situação atual pareça irreversível, Ele cumprirá a Sua promessa. Non praevalebunt, é a nossa certeza. O Todo-Poderoso não nos abandonará.