A esta altura do campeonato, todo mundo – até a Luíza, que voltou do Canadá – com certeza já sabe “que a agência Reuters atribuiu ao Papa Bento XVI uma frase sobre o “matrimônio homossexual” que ele nunca pronunciou e o converteu em alvo de furiosos ataques sem motivo em todo mundo”. Depois que foi divulgada a sutil manipulação do discurso pontifício, as Portas da Esperança estavam escancaradas para o deputado Jean Wyllys – oferecendo-lhe uma saída honrosa para o “piti” escandaloso que ele deu publicamente na semana passada. Para quem não lembra, vão aí os printscreens de novo:
Não há nem o que tergiversar. O deputado insinuou que o Papa era filo-nazista e acobertador de pedófilos, além de afirmar textualmente que ele era um “genocida em potencial”. É uma clara incitação ao ódio religioso e uma tentativa vil e covarde de jogar a opinião pública contra a Igreja Católica, além de ser crime contra a honra (porque é atribuir a outrem não apenas um fato desabonador, mas um fato criminoso). É calúnia. Acrescente-se a isto o fato da calúnia ter sido feita por veículo oficial de comunicação do deputado (no caso, a sua conta de Twitter) e ter sido dirigida a um Chefe de Estado (o Papa é Chefe do Estado do Vaticano) que mantém relações diplomáticas com a República Federativa do Brasil. O excelentíssimo deputado está todo errado: quanto mais a gente procura, mais agravantes encontra.
Quando foi revelada a manipulação da imprensa, o deputado podia perfeitamente ter pedido desculpas e dito que agiu por impulso, em um momento de indignação provocada pela crueza da (falsa) frase que fora divulgada. Mas não. Em um texto publicado no seu site ontem (18/01), o Jean Wyllys cita o discurso correto (com o link para o texto completo no site do Vaticano), inventa uma interpretação reducionista das palavras do Papa (como já foi explicado e como é óbvio para qualquer pessoa que tenha tele-encéfalo minimamente desenvolvido e polegar opositor, o “casamento gay” não é a única política que atenta contra a família e, portanto, não é intelectualmente honesto atribuir ao Papa a frase do jeito que Reuters divulgou e à qual até agora se agarra pateticamente o Jean Wyllys) e mantém cada palavra que disse. O texto publicado no site do deputado diz, expressamente, que ele “ratifica cada uma de suas palavras”. Portanto, o sr. Wyllys sustenta toda a cena histérica feita no seu Twitter, que está acima reproduzida e onde se vê a deprimente descompostura de um representante do povo brasileiro desbocado lançando calúnias contra um Chefe de Estado e líder espiritual da maior parte do povo brasileiro (que ele, o deputado, deveria supostamente representar).
Naturalmente, ninguém está obrigado a concordar com os discursos do Papa. Mas o mínimo que se espera de quem gosta de subir nas tamancas para bradar por “respeito” diante de qualquer mínima manifestação de discordância (por educada que seja) é que se tenha ao menos a decência de tratar o seu opositor da mesma maneira que se exige ser tratado. Discordar é uma coisa, caluniar é outra completamente diferente. Os deputados são representantes do povo brasileiro e são pagos com dinheiro público; o salário deles, absolutamente, não é pago para que eles fiquem fazendo estas cenas lamentáveis.
A dignidade do cargo que um deputado ocupa exige um mínimo de compostura. É quebra de decoro parlamentar “o uso de expressões que configurem crime contra a honra ou que incentivem a prática de crime”, e foi exatamente isto o que o deputado fez na semana passada e disse ontem que ratificava. O twittaço do #RetrateseDepJeanWyllys é para deixar claro que nós nos importamos, sim. Queremos que os nossos políticos sejam homens sérios, e não bufões deselegantes que saem cuspindo acusações de quinta categoria ao lerem (mal) qualquer notícia mal escrita ou ao ouvirem o galo cantar sem saber onde. Já basta de impunidade: um mandato na Câmara é uma responsabilidade que deve ser tratada com seriedade, e não um salvo-conduto para a calúnia ou uma tribuna para que qualquer moleque ataque de um modo tão grosseiro os valores dos cidadãos de um país. O Brasil merece mais do que isso. Enquanto as pessoas não exigirem que os políticos se comportem de acordo com o cargo que eles exercem, as coisas irão de mal a pior. E exigir respeito à coisa pública do país é exigir que um deputado tenha modos e que aprenda a controlar a sua língua, antes de caluniar um chefe de Estado e de incitar o ódio contra uma entidade – a Igreja Católica – que está presente e atuante no país e da qual faz parte a maioria do povo brasileiro. Se nós não exigirmos este respeito (que é o mais básico de todos), não poderemos exigir decência alguma dos nossos políticos em outros aspectos.