Sobre o “Noé” de Aronofsky que ainda não assisti

Eu não assisti ainda ao Noé de Aronofsky, mas acompanhei ultimamente muitas discussões sobre o filme entre os mais diversos círculos de amizade. De todas elas o que mais me chamou a atenção foi este texto – cuja leitura eu recomendo na íntegra. A tese do autor (Brian Mattson) é a de que o cineasta não tomou “liberdade artística” nenhuma com a história de Noé que nós conhecemos do Antigo Testamento, mas simplesmente a contou sob a ótica bem exata e bem fidedigna da Cabala. A despeito de ser um pouco longa, a originalidade da análise é cativante e perspicaz.

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Mesmo sem ver o filme, eu próprio já havia notado que todo mundo estava falando dele de maneira estranha: fosse pelo fato de Noé ser vegetariano, fosse por se tratar aparentemente de uma espécie de nômade que vivia longe da civilização, fosse por não agir com suficientemente docilidade à voz de Deus. Em poucas palavras: a história que me contavam do filme que eu ainda não vira não tinha nada a ver com a história de Noé cujos traços mais marcantes todo mundo guarda no subconsciente quando menos como reminiscência das aulas de Catequese – e todo mundo percebia isso. Havia algo de não muito católico na película que ainda está em nossas salas de cinema.

Diante dessa primeira universal impressão, chocou-me o fato de eu ter assistido ao trailer de “Noé” em duas ocasiões católicas. A primeira, foi na première de Blood Money aqui em Recife; a segunda, na Jornada Mundial da Juventude do Rio de Janeiro. Como era possível que depois de credenciais de tanto peso o filme me saísse como esta catequese às avessas da qual todo mundo estava falando? Infelizmente, parece que é mesmo verdade. No fim das contas, parece que o Brian Mattson estava certo quando escreveu:

Eu acho que Aronofsky se propôs a experiência de nos fazer de bobos: “Vocês são tão ignorantes que eu sou capaz de colocar Noé (Russell Crowe!) nas telas e retratá-lo literalmente como a ‘semente da serpente’ e, mesmo assim, todos vocês vão assistir e apoiar”.

Aronofsky está dando risada. E todos os que caíram no trote deveriam se envergonhar.

Fiquei, sim, com a sensação de que fomos enganados. E isso deve nos fazer atentar doravante para alguns pequenos detalhes.

O primeiro, que Hollywood não merece carta branca e um livro não deve ser julgado pela sua capa – nem um filme pelo seu trailer. Acho que não cheguei a recomendar “Noé” aqui no Deus lo Vult! simplesmente porque não é do meu feitio resenhar filmes antes de assisti-los, mas podia perfeitamente tê-lo feito dando crédito às boas pessoas que, em situações distintas, me “venderam o peixe” fazendo publicidade da produção em eventos voltados para o público católico. E provavelmente eu falei positivamente do filme em conversas informais, com base no que ouvira sobre ele aqui em Recife e na JMJ.

O segundo, que é humano ser enganado, mas uma vez percebido é mister denunciar o engodo. Vi ultimamente muitas pessoas descascarem o o filme do Aronofsky manifestando o seu desgosto e afirmando a incompatibilidade da película com a história que nos foi legada pelas Escrituras Sagradas. Cumpro aqui um pouco esse papel, trazendo à baila – enquanto o assunto ainda está “quente” – as repercussões do blockbuster dentro do orbe católico, mesmo sem fazer muitas contribuições de minha própria lavra. Acho que o momento é propício para registrar aqui este “estado da arte”.

O terceiro, que é preciso ter profundidade na crítica que se faz, e é justamente nesse aspecto que o texto linkado no início desse post pareceu-me tão particularmente meritório. Indo além do lugar-comum “ah, não é a história que tá na Bíblia”, o autor foi procurar a tradição religiosa que dá sentido e coerência a toda a narrativa, o que é muito útil tanto para entrever as motivações por trás da produção do filme quanto para aumentar o nosso conhecimento geral a respeito dos inimigos clássicos do Cristianismo – informações essas que, nos tempos que correm, não nos é prudente dispensar.

Faço, por último, uma última colocação de caráter estritamente pessoal, não necessariamente aplicável a este “Noé” ao qual, repito, não assisti. Eu gosto de ficção e não penso que toda obra precise ser biblicamente fidedigna para que seja apreciável. Acho que há muito espaço, sim, para se produzir uma obra de arte digna sem que se precise fazer paráfrase de histórias já contadas e bem estabelecidas. Não é este o cerne da crítica ao filme de Aronofsky.

Mas quando um diretor de cinema divulga um filme com um pano de fundo premeditadamente anti-católico através de meios católicos… aí já é caso de perguntar se não houve intenção de enganar, de conseguir para a obra a boa-vontade da publicidade católica, por meio de se lhe deixar ser aplicado um rótulo – o de filme católico – que de saída o produtor já sabia não ser cabível, mas não achou relevante avisar isso aos divulgadores do filme. Aqui, sim, já se pode falar em comportamento censurável. Liberdade artística não é um problema. Induzir as pessoas ao erro é que é.

Novos horários de Blood Money em Recife

Atenção aos que moram em Recife ou redondezas: o Cine Rosa e Silva já confirmou que Blood Money vai entrar na sua segunda semana de exibição.

Teremos sessões (pelo menos) até o próximo dia 28/11. O cartaz com os horários – francamente melhores do que os da pré-estréia – segue abaixo:

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Agora, quem estuda somente pela manhã pode assistir tranquilamente ao filme na sessão das dez para as três da tarde. Quem trabalha nos dois expedientes, pode com facilidade se dirigir ao Rosa e Silva às nove horas da noite. E, principalmente, temos mais um final de semana para marcar com os amigos e assistir ao documentário.

Quem não sabe do que se trata ou ainda está em dúvidas se vale a pena ir ao cinema, leia a resenha que escrevi e analise a coletiva de imprensa dada pelo produtor do filme. Vamos ao cinema! Importa conhecer esta verdade inconveniente e fazê-la cada vez mais conhecida. Assista ao filme, discuta-o e o divulgue. O mal cresce no mundo enquanto insistimos em lhe dar as costas. Importa encará-lo de frente. Importa impôr-lhe limites. Já é muito o estrago feito até agora. Já é vergonha demais para nós.

Documentário sobre aborto ganha destaque na mídia recifense

O portal NE10 (Jornal do Commercio) colocou uma chamada de primeira capa para uma resenha do filme Blood Money:

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A matéria, somente publicada hoje à tarde, chegou a entrar no ranking das mais lidas do dia:

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Abaixo, alguns trechos da crítica. Para lê-la na íntegra, acessem aqui.

  • «Sem levantar bandeiras religiosas e com argumentos científicos de que “a vida humana inicia no momento da concepção” e “mãe e feto são dois indivíduos independentes e distintos”, o documentário não condena as mulheres que praticaram o aborto, mas, ao contrário, considera que elas também são vítimas de uma indústria milionária».
  • «O documentário é narrado pela cientista e ativista de movimentos negros dos EUA, Alveda C. King, sobrinha do pacifista Martin Luther King e envolvida em discussões sobre o mecanismo de controle racial nos EUA».
  • «Segundo Luís Eduardo Girão, diretor da Estação Luz Filmes, que junto com a Europa Filmes lança a produção no Brasil, esta é a primeira vez que o cinema tira o aborto da invisibilidade».

Sessões de Blood Money em Recife: comprem os ingressos

Seguem as datas e horários das exibições de Blood Money que até agora estão confirmadas para Recife. Os ingressos já podem ser adquiridos na bilheteria do Cine Rosa e Silva.

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Tem sido bastante difícil conseguir salas de cinema para que as pessoas possam assistir a este filme. E, na verdade, temos ainda bem poucas exibições: apenas sete, a maior parte delas com horários bem inconvenientes (dez horas da manhã, really?!). Mas estas «sessões especiais» com certeza servirão como termômetro para o cinema decidir se deixa o filme em cartaz por mais tempo. Por isso, é importante irmos ao cinema.

Há uma certa má vontade com a exibição do filme: muitos donos de cinema pensam que documentários não dão bilheteria. E, de fato, não costumam dar: mas este documentário específico é importante e deve ser visto pelo maior número possível de pessoas. Para que isso ocorra, ele precisa ficar em cartaz por algum tempo – pelo maior tempo possível. E isso só acontecerá se o filme estiver dando uma boa bilheteria.

Os cinemas não vão fazer caridade e nem militância pró-vida. Eles querem lucro, e precisamos dar-lhes lucro se quisermos manter o filme em cartaz. Não basta telefonar, compartilhar nas redes sociais, divulgar o filme: é preciso ir vê-lo nas salas de cinema. Sem isso, nada adianta.

Temos já sete sessões: o melhor seria se as lotássemos antes mesmo da sexta-feira. Quem puder comprar antecipadamente os seus ingressos, que o faça: já estão sendo vendidos desde ontem. Assim o cinema vai perceber que a procura pelo filme está grande. Assim faremos algo concreto para informar a sociedade brasileira sobre os males que a indústria do aborto está espalhando pelo mundo.

Apoio Episcopal ao filme «Blood Money»: Dom Fernando Saburido

O Arcebispo de Olinda e Recife, Dom Fernando Saburido, está empenhado na divulgação do documentário «Blood Money» sobre o qual já falamos aqui. Sua Excelência enviou uma circular a toda a Arquidiocese informando sobre o filme e instruindo os leigos a «motivar o povo de Deus a assistir ao filme e divulgá-lo». Não deixemos de fazer a nossa parte para que esta produção chegue ao conhecimento do maior número possível de pessoas.

O documento segue abaixo (clique nele – ou aqui – para fazer o download de sua versão em .pdf).

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As mentiras de Amenábar contra São Cirilo

[Fonte: infovaticana.com]

As mentiras de Amenábar contra São Cirilo

A lenda negra contra São Cirilo não tem nenhum fundamento. Alejandro Amenábar mente em seu filme «Ágora» [N.T.: “Alexandria” no Brasil], e mente porque incorre em repetidas falsidades, com as quais já nos temos acostumado, a saber:

1. Hipátia não foi assassinada na juventude, mas sim com 61 anos. No entanto, claro, é melhor disfarçá-la de Rachel Weisz do que recorrer a Barbra Streissand…

2. Hipátia não era astrônoma, nem se antecipou a Kepler em mais de mil anos, mas era simplesmente uma filósofa da escola platônica. Esta é a única referência histórica que existe sobre ela, e se deve ao bispo cristão Sinesio de Cirene, quem, ao contrário de como o filme o pinta, falava bem dela.

3. Sinesio de Cirene, que em «Ágora» aparece como um dos cúmplices do assassinato de Hipátia, morreu dois anos antes dela, razão pela qual dificilmente poderia ter participado da trama…

4. Hipátia também tinha boas relações com outros cristãos, como é o caso do membro da cúria [curial] Amonio ou do Patriarca Teófilo, assim como de muitos cristãos fervorosos que, contemporâneos aos acontecimentos, não hesitaram em defender sua personalidade.

5. Hipátia não foi virgem “para ser igual a um homem e poder exercer uma profissão com plena dedicação”, como declarou a radical Weisz, mas sim porque, coerente com sua filosofia platônica, exercia a “Sofrosine”, que consiste no domínio de si mesmo através [da prática] das virtudes, entendidas como o controle dos instintos e paixões.

6. A mulher não era livre na Grécia e em Roma até que chegou o Cristianismo e a submeteu à sujeição do homem, como o filme quer transmitir. Ao contrário, na Grécia a mulher era considerada como um objeto a mais da casa, e em Roma não era uma «sui iuris», quer dizer, titular de direitos, mas era considerada “capitis diminutio”, como uma criança ou um incapacitado, e, portanto, estava submetida à tutela ou à “manus” do pai ou do marido. Ao contrário, foi o Cristianismo que considerou ao homem e à mulher iguais em natureza, posto que ambos são filhos de Deus e irmãos em Cristo; e a prova disso é que as primeiras manifestações de mulheres livres autodeterminando-se, contra a vontade dos seus pais ou do Estado, foram as primeiras mártires cristãs vítimas das perseguições romanas, tais como Santa Inês, Santa Ágata ou Santa Cecília.

7. Foi precisamente São Cirilo de Alexandria o que mais exaltou na história da humanidade a condição feminina, pois a ele se deve a expressão “Theotokos”, palavra grega que significa “Mãe de Deus”. Foi ele quem derrotou a heresia nestoriana no Concílio de Éfeso do ano 431. Em essência, a disputa consistia em se [a Virgem] Maria era mãe de Cristo ou mãe de Deus. São Cirilo conseguiu que fosse convocado um concílio em Éfeso, lugar onde viveu seus últimos anos a Virgem Maria, e logrou que a Igreja declarasse o primeiro dogma mariano da história: Maria, Mãe de Deus. Até aquele momento ninguém na História havia conseguido colocar um ser humano mulher acima de qualquer homem.

8. Hipátia nunca foi diretora da Biblioteca de Alexandria, nem esta foi destruída pelos cristãos, mas foi incendiada por Júlio César, saqueada como o resto da cidade por Aureliano em 273 e terminada de ser destruída [rematada] por Diocleciano em 297. No ano 391 foi destruído o que restava do templo do Serapeo depois da destruição pelos judeus nos tempos de Trajano, e também o memorial [repaso] que lhe ajuntou Diocleciano, o qual, para comemorar a façanha, havia colocado ali uma grande coluna, razão pela qual os cristãos o destruíram, já que era o símbolo das perseguições que sofreram durante trezentos anos. Mas o que restava ali da Biblioteca [de Alexandria] era tanto quanto o que restava em outros lugares.

9. O paganismo continuou existindo em Alexandria até que chegaram os árabes. Concretamente, o neoplatonismo seguiu florescendo ali até vários séculos depois da morte de Hipátia: a escola platônica de Alexandria continuou funcionando com normalidade por mais de 200 anos, até que a recuperou o Renascimento cristão. Ademais, seu expoente mais brilhante foi Santo Agostinho, contemporâneo de Hipátia.

10. O mesmo São Cirilo, que lamentou e condenou o crime [do assassinato] de Hipátia, admoestou energicamente na sua Homilia Pascal de 419 a plebe alexandrina, dada a participar em tumultos ferozes e sangüinários como o que pôs o desditado fim à vida da filósofa.

Cristiada é sucesso no México – veja o trailer!

[Já é o filme mais assistido da semana no México. Finalmente uma tentativa de contar a história dos heróis da Fé que viveram – e morreram – no México do início do século passado, em pleno século XX! Os que tiverem a oportunidade, não deixem de assistir. E permita Deus que também a respeito da película se possa dizer: Sanguinis Martyrum Semen Christianorum. Viva Cristo Rei!]

“There be dragons”

Excelente este trailler de “There be dragons”, filme de Roland Joffé que aborda – embora não seja este o cerne da trama, pelo que entendi – a vida de San Josemaría Escrivá. E, a propósito, o diretor tampouco é católico – é agnóstico. Sinceramente, sei bem pouco sobre este filme; mas, pelo trailler, parece-me que vai ser uma boa produção.

Vejam também o canal do filme no Youtube. E torçamos para que seja lançado no Brasil.

The Social Network (2010)

[ATENÇÃO! CONTÉM SPOILERS!]

Assisti The Social Network na quarta-feira passada. Gostei bastante do filme. Ontem, conversando com um amigo que encontrei casualmente no aniversário de um amigo em comum, descobri duas coisas interessantes: primeiro, que este meu amigo criara um blog; e, segundo, que ele escrevera precisamente sobre este filme, do qual também havia gostado bastante. Também eu quero tecer algumas rápidas linhas sobre a película, não exaustivas. Desnecessário dizer que recomendo o filme.

O protagonista, Mark Zuckerberg, é um personagem interessantíssimo. Consegue provocar, nos que assistem ao filme, sentimentos tanto de ódio quanto de compaixão. Um gênio, sem dúvidas – mas um gênio extremamente boçal. A maneira como ele trata as pessoas que lhe são próximas chega a irritar os que assistem ao filme – “meu Deus, como ele pode ser tão crápula?”; mas, ao mesmo tempo e paradoxalmente, a maneira como ele despreza o dinheiro e o poder em benefício das pessoas que ama provoca admiração – “como ele pode ser tão desapegado?”.

Quando li a sinopse do filme, havia entendido que o garoto construíra o Facebook após levar um fora de sua então namorada. Acontece que não é exatamente assim; do início do filme, depreende-se que Mark detém completa e exclusivamente a culpa pelo fim do seu relacionamento. Trata a sua namorada com um ar superior que não se usa nem com o pior inimigo. Frases como “tu irás, comigo, conhecer pessoas que de outra maneira jamais irias conhecer” e “não, fica aqui comigo, tu não precisas estudar, porque estás na Universidade X” (não me recordo o nome dela agora, mas é clara a conotação, no filme, de que se trata de uma universidade de nível inferior) irritam profundamente – e com total razão – a garota. Ela termina com ele, ele a xinga no blog, e tudo parece estar muito certo.

Mas não está porque, a partir daí, a vida de Mark é uma ascenção meteórica, enquanto a menina continua como uma personagem apagada e secundária em toda a trama. No entanto, ela volta e sempre aparece, em diversas passagens do jovem multimilionário que não está disposto, de nenhuma maneira, a desistir dela. Chega a ser cômico! Ele tenta desculpar-se com ela e, dela, só recebe desprezo. Mesmo assim, ele pergunta em um certo momento a Sean Parker (criador do Napster, que o está ajudando com o Facebook) se ele ainda pensa na garota cujo fora o fez criar o Napster (a história de ambos é parecida). Sean nem lembra mais da garota, mas Mark não a esquece. Não importa quanto dinheiro, poder e fama ele obtenha: ele simplesmente não a esquece! É uma interessantíssima maneira de se mostrar o quanto as pessoas valem mais – infinitamente mais – do que dinheiro e poder. A ponto de até um perfeito cretino como Mark Zuckerberg percebê-lo! A mensagem é tanto mais forte quanto maior é o contraste entre a personalidade do criador do Facebook e a sua insistência em fazer as pazes com a antiga namorada.

Tanto que a cena final chega a ser apoteótica: em uma sala vazia, após as diversas audiências judiciais envolvendo os autores de duas ações milionárias contra o Facebook, Mark fica sozinho e liga o computador. Abre o seu Facebook. Procura por Erica Albright (a ex-namorada). Vacila um pouco, mas clica afinal em “add as friend” no seu perfil. Olha para a tela. Aperta F5 (para atualizar, e ver se ela já aceitou o convite). Olha para a tela. Atualiza-a. Olha de novo. Atualiza novamente. E assim, repetidas vezes, termina o filme.

O criador do Facebook, o mais jovem bilionário do mundo, mendigando a atenção da ex-namorada na rede virtual por ele próprio criada! Após perder alguns milhões de dólares nas duas ações movidas contra ele, isto simplesmente não ocupa a sua atenção. Não o preocupa. A única coisa que o incomoda é que ele não conseguiu fazer as pazes com Erica Albright. Ele conseguiu tudo, menos isso, e é exatamente isso que o preocupa e incomoda, é o que torna a sua vida incompleta, é o que ele deseja a todo custo conseguir ainda. O filme não chega a dizer isso, mas eu fiquei imaginando se, caso lhe fosse dado escolher entre o dinheiro e a garota, Mark Zuckerberg não escolheria a garota.

Independente disso, o fato é que – claramente – o dinheiro e o poder exercem menos fascínio sobre o criador do Facebook do que a possibilidade de fazer as pazes com a antiga namorada. Ele até admite perder algum dinheiro, mas a possibilidade de não reatar os laços com Erica Albright é o que, sem dúvidas, o aterroriza verdadeiramente, é o que lhe tira o sentido da vida. Porque ela se apresenta, afinal de contas, como “algo” – melhor dizendo, como alguém – sobre a qual todo o seu dinheiro e poder não têm nenhuma influência. A antiga namorada vale mais do que ser dono do Facebook? O filme mostra que certas coisas não têm preço. E que até mesmo quem está cheio de orgulho, de poder, de fama e de dinheiro é capaz de o perceber e de se incomodar com isso.

Inception

[ATENÇÃO! CONTÉM SPOILERS!]

Haviam me dito que “A Origem” (Inception, 2010) era um bom filme. Se esta opinião está equivocada, é por excesso de parcimônia nos elogios: o filme não é apenas “bom”, é uma verdadeira obra-prima. Assisti-o agora há pouco, e o recomendo enfaticamente: uma história inovadora, uma trama muito bem urdida, excelentes atuações, cenas de violência dentro do limite, completamente livre de cenas de sexo. Este último ponto merece destaque, por ser raridade na Sétima Arte. Inception prova, definitivamente, que um filme não precisa conter cenas apelativas para ser um incontestável sucesso de bilheteria. Quero tecer alguns comentários sobre o filme, mas aos que pretendem ainda ir ao cinema recomendo que o assistam antes de lerem estas minhas linhas: conhecer previamente a história vai estragar bastante a sensação – deliciosa! – de descobri-la pouco a pouco na sala escura do cinema.

Ouvi dizer que o filme é “muito cabeça” e exige “muita atenção” – besteira. O filme é relativamente simples. Somente possui um bom roteiro que naturalmente não pode ser acompanhado com a mesma displicência com a qual se assiste The Expendables; mas o desenrolar da trama percebe-se muito mais facilmente do que, por exemplo, em “Amnésia” (que, aliás, é do mesmo diretor). As cenas que só fazem sentido no final do filme ou são detalhes (que, imagino, devem fazer valer bastante a pena uma segunda ida ao cinema…) ou estão muito bem nítidas na memória, a despeito das quase duas horas e meia do filme – que, diga-se, nem se percebe passarem.

A história: existem uns sujeitos que conseguem entrar nos sonhos das outras pessoas. Isso pode ser feito com dois objetivos: extrair informação, que é de longe o mais comum, ou incutir uma idéia na mente da vítima – fazer uma inception, uma inserção, um “implante” (que talvez fosse uma tradução melhor para o nome do filme) de um pensamento que, quando acordada, a pessoa adopte como seu e com base no qual passe a agir. Há quem diga que inceptions são impossíveis, mas Cobb (DiCaprio) diz que é possível e aceita fazer um serviço desses em troca de ter a sua ficha limpa com a polícia americana.

O serviço para o qual Cobb é contratado não tem nada de simples: trata-se de fazer um inception em Robert Fischer, um jovem herdeiro de uma (praticamente) hegemônica companhia de eletricidade, para convencê-lo a dividir o império do pai e, assim, possibilitar que a empresa concorrente – que contrata Cobb – continue existindo. Esta idéia, para ser aceita, precisa naturalmente ser apresentada como uma boa idéia (“vou chutar o pau da barraca e acabar com a minha herança” não funcionaria), precisa que o alvo aceite-a como sua, própria (trata-se, assim, muito mais de insinuar alguma coisa que depois desenvolva-se naturalmente do que enxertar algo facilmente reconhecível como exógeno), e precisa ser feita no profundo do subsconsciente: para isso, Cobb e sua equipe abusam da técnica de “sonhos dentro dos sonhos”. Funciona assim: “entrar no sonho” leva até um nível do subconsciente da vítima; mas se, dentro do sonho, põe-se o sujeito para dormir e entra-se no “sonho do sonho”, atinge-se um nível de inconsciente mais profundo e, para os objetivos de Cobb, mais interessantes. O plano original é a adentrar “três níveis” no subconsciente de Fischer e, “lá embaixo”, incutir a idéia que desabroche, “lá em cima”, na decisão de se desfazer do império que o pai construiu.

Várias coisas encantam no filme. Primeiro, a “ambientação” é muito bem feita. Há os caras – “arquitetos” – que “desenham” o cenário do sonho onde fulano vai ser colocado. Quando o alvo é posto dentro do sonho, o seu subconsciente “povoa” o cenário criado: as pessoas que estão no sonho são projeções da sua mente, etc. Em particular, caso haja no cenário um “cofre” ou coisa parecida, a mente do sujeito, instintivamente, “joga” lá dentro aquilo que quer manter como segredo (tornando fácil a extração de informações para os invasores de sonhos – cria-se o cenário com o cofre, quando o sujeito sonha o seu subconsciente põe no cofre o segredo, e então basta arrombar o cofre e obter o segredo). Nos sonhos, o tempo passa mais devagar do que fora deles, e isso funciona recursivamente: se 1 minuto na “vida real” corresponde a 20 minutos dentro do sonho, vai corresponder a 400 minutos no “sonho dentro do sonho” – e assim por diante. No sonho, repercutem as sensações do que está acontecendo com o sujeito que dorme: se ele estiver molhado, p.ex., vai estar chovendo no sonho. A quantidade de detalhes impressiona.

Mas o filme tem “camadas”, como se costuma dizer hoje em dia – ou, melhor dizendo, sonhos dentro de sonhos, tramas dentro de tramas. Há toda essa história dos invasores de sonhos. Dentro disso, há os interesses políticos da companhia que quer convencer o Fischer a desfazer-se do império do pai, serviço que Cobb topa. Dentro deste serviço, há a motivação de Cobb que é poder voltar para os Estados Unidos e se encontrar com os filhos. E, dentro disso, no mais profundo das tramas, há o drama interior do protagonista de se desvencilhar das lembranças de sua mulher morta e da culpa que ele sente por a ter levado a cometer suicídio.

[Provavelmente vai aparecer quem diga que, ainda mais profundo do que isso, há a discussão sobre até que ponto a realidade é realmente real, mas este blá-blá-blá totalmente clichê e de valor filosófico nulo é indigno do filme. Volto a este ponto no final do texto.]

Encanta também a trama. O protagonista precisa se libertar da culpa que sente com relação à morte da esposa. Quer voltar para os filhos, e encontra esta possibilidade no serviço para o qual foi contratado. Antes de convencer um jovem bem-sucedido a lançar às favas o império que o pai a duras penas construiu, o que Cobb e sua equipe terminam fazendo é reconciliar um filho com o seu pai. E o protagonista, perdido nos seus sonhos e pensamentos, recebe da jovem arquiteta a ajuda necessária para vencer o seu próprio passado e ser finalmente capaz de viver o seu futuro. Notem: todas as motivações – e as atitudes – são positivas! A única coisa mesquinha que existe no filme – o desejo de “quebrar”, desonestamente, uma empresa bem-sucedida – é também apresentada de maneira positiva (“é importante para o mundo que esta empresa não detenha o monopólio da distribuição de energia”) e – principalmente – é alcançada por um meio extremamente positivo, provocando uma reconciliação familiar. No filme, não há vilões; há os dramas pessoais de almas sofridas que, por si sós, já são responsáveis pela virtual totalidade dos males que existem no mundo.

E, por fim, também encantam as sutilezas. A forma que Cobb usa para implantar em sua esposa a idéia de que a realidade é uma ilusão é simplesmente genial. O que Fischer encontra no cofre do pai lá no terceiro nível de sonhos – o catavento da foto de quando era criança – é emocionante. O que Cobb diz para a projeção (feita por seu subconsciente) da sua mulher, ao final do filme, é um elogio feminino para o qual eu não encontro paralelos no cinema recente: “não passas de uma sombra pálida da mulher que eu amei. És o melhor que eu consegui fazer e, no entanto, não és boa o bastante”.

As pessoas – a realidade! – ultrapassam infinitamente as imagens que temos delas, por mais honestos que sejamos, por mais que nos esforcemos! Não existe bobagem de ceticismo ou de dúvida idiota – estilo Matrix – sobre se o que julgamos ser a realidade é de fato real. No extremo oposto disso, o filme é um tremendo louvor à realidade, por dura que ela seja. É isto que o filme, ao final das contas, nos ensina. Por mais que possamos ser deuses e ter um mundo só nosso no “limbo” dos sonhos profundos, a realidade vale mais – muito mais – do que isso. É sempre necessário aceitá-la. Sempre vale a pena voltar.