Sim, Francisco é o Papa: resposta às teses de Antonio Socci

Mais de uma pessoa já me perguntou sobre a história de uma possível irregularidade canônica no conclave que elegeu o Papa Francisco – uma irregularidade tal que acarretaria a invalidade da eleição e, por conseguinte, faria o Card. Bergoglio não ser Papa verdadeiro. A tese consta em um livro escrito recentemente pelo sr. Antonio Socci. Examinemo-la.

Toda a celeuma se resume ao seguinte: na contagem da quarta votação do segundo dia do conclave, percebeu-se haver, na urna, uma cédula a mais. Acto contínuo, desprezaram-se todas as cédulas e se refez a votação, cujo resultado elegeu Papa o então Cardeal Jorge Bergoglio. Acontece que as normas sobre o conclave vigentes proíbem que haja um quinta eleição no dia; logo, aquela votação foi ilegítima, sendo portanto também ilegítimo o seu resultado. O cardeal Bergoglio não fora eleito validamente e, portanto, não pode ser o Papa reinante.

O fato, relata-nos uma jornalista argentina, Elisabetta Piqué, em um livro – Francisco, vida y revolución – lançado há já quase um ano. «Após serem contadas uma por uma as cédulas, foram contabilizadas 116 na quinta votação, antes do escrutínio. A votação foi então anulada, e os cardeais se dispuseram pacientemente a um novo sufrágio.»

A norma, consta na Universi Dominici Gregis: «se a eleição não se fizer no primeiro escrutínio, deverá haver duas votações, tanto da parte da manhã como da tarde» (nn. 63); e também:

No caso de a eleição ser feita de uma forma diversa daquela prescrita na presente Constituição ou sem terem sido observadas as condições aqui estabelecidas, tal eleição é por isso mesmo nula e inválida, sem necessidade de qualquer declaração, e, portanto, não confere direito algum à pessoa eleita (Universi Dominici Gregis, 76).

Ora, houve mais de duas votações na parte da tarde e, portanto, segundo o Direito, a eleição foi inválida: esta é a tese. Diante dela, é imperativo perguntar: será verdade?

E, sinceramente, não parece que o arrazoado proceda. Este artigo – que merece uma leitura na íntegra – dá uma detalhada explicação canônica sobre o assunto; em resumo

  1. as cédulas da segunda votação da tarde foram descartadas em observância ao artigo 68 da Constituição Apostólica;
  2. procedeu-se «imediatamente a uma segunda votação» em atenção ao mesmíssimo dispositivo;
  3. a votação anulada não conta como um escrutínio independente, uma vez que este possui três elementos constituintes – «1) a deposição das fichas de voto na respectiva urna; 2) a mistura e a contagem das mesmas; 3) o apuramento dos votos» (nn. 66) – e, havendo uma irregularidade na segunda etapa, a apuração não chega a ocorrer; por conseguinte, não cabe falar aqui na existência de uma votação. O “quinto sufrágio” foi, portanto, na verdade o quarto.

Isso já seria suficiente para encerrar a questão. Mas vai ainda além o pe. Giancarlo Cerrelli – o canonista que responde ao livro do Socci – e dispara, com clareza extraordinária, este raciocínio cogente:

Socci, portanto, não tem razão alguma em nenhum dos pontos que afirma. No entanto, se tivesse razão, e se realmente tivessem ocorrido cinco votações no mesmo dia, ou se houvesse sido anulada uma votação que, na verdade, era para ter sido apurada, por conta disso Francisco não seria Papa? Na verdade não, nem sequer neste caso. Socci, que ainda não é advogado, interpreta o artigo 76 da Constituição “Universi Dominici Gregis” de maneira literal e formalista. O artigo afirma que «se as eleições se derem de outro modo que o prescrito na presente Constituição ou se não tiverem sido cumpridas as condições estabelecidas neste documento, a eleição é portanto nula e sem efeito». Isso, no entanto, não quer dizer, como crê Socci, que qualquer descumprimento formal anula algo tão importante quanto a eleição do Papa.

Tomemos um exemplo: o artigo 67 estabelece que, se um cardeal se encontra enfermo, apresentará as cédulas de votação e a caixa «em uma pequena bandeja». Se, por erro, for utilizada uma bandeja grande no lugar de uma pequena, pensa acaso Socci que a eleição do Papa é inválida? O exemplo é caricato [paradójico], mas serve para esclarecer que as palavras “de outro modo” e a referência às “condições” dizem respeito às linhas essenciais do conclave, e não a elementos individuais, por úteis que sejam ao desenvolvimento ordenado da votação. A doutrina canônica mais autorizada sustenta que, com o fim de evitar incertezas e outros problemas graves, as condições para questionar a validade dos votos para eleição do Romano Pontífice (ou tecnicamente a “provisão do ofício supremo” [“provisión del oficio primado”]) foram reduzidas ao mínimo: sendo suficiente que as eleições tenham sido secretas e que tenham contado com o suficiente consentimento, evidentemente. Deste modo, não anula a eleição, portanto, nem o erro, nem o medo, nem sequer um ato gravíssimo como a simonia (artigo 78 da Constituição). Apenas se o esquema essencial da eleição estiver alterado será possível dizer que ocorreu um conclave “de outro modo” que o prescrito pela Igreja e sem observar as “condições” que ele requer. E, realmente, se o esquema essencial do conclave tivesse sido alterado, como é que nem um único cardeal protestou?

Está resolvido, portanto, o problema? A mim, parece que sim, e aliás parecia desde o começo. Buscar tecnicismos para dizer inválida uma eleição aceita por todos os cardeais-eleitores e pela virtual totalidade da Igreja Católica me parece superstição e desespero. Superstição, por achar que uma eleição pontifícia se dá através de uma recitação cabalística de algum hocus pocus, cuja inobservância – mesmo mínima e involuntária! – teria o condão de fazer com que o Papa não fosse Papa legítimo, ainda na eventualidade de ninguém jamais o pôr em dúvida. E desespero, pela tentativa patética de buscar “no tapetão” uma justificativa para desobedecer ao Romano Pontífice – ou ao menos uma certa tranquilidade de consciência para o fazer.

A extraordinária arte protestante de “interpretar” as Escrituras Sagradas!

Um comentarista veio aqui ao blog e despejou a seguinte pérola:

E eis agora vem um carro com homens, e um par de cavaleiros. Então respondeu e disse: Caída é babilônia, caída é! E todas as imagens de escultura dos seus deuses quebraram-se no chão. Isaías 21:9

E clamou fortemente com grande voz, dizendo: Caiu, caiu a grande babilônia, e se tornou morada de demônios, e covil de todo espírito imundo, e esconderijo de toda ave imunda e odiável. Apocalipse 18:2
– AVE IMUNDA -> GAIVOTA NA CHAMINÉ NA FUMAÇA DOS CONDENADOS!

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!!!

Contra esta petulância tão inacreditável quanto cômica, basta-nos citar as palavras de S. Pedro, o primeiro Papa:

Antes de tudo, sabei que nenhuma profecia da Escritura é de interpretação pessoal. (II Pd 1, 20)

É o que ele [São Paulo] faz em todas as suas cartas, nas quais fala nestes assuntos. Nelas há algumas passagens difíceis de entender, cujo sentido os espíritos ignorantes ou pouco fortalecidos deturpam, para a sua própria ruína, como o fazem também com as demais Escrituras. (II Pd 3, 16)

“Deus não manda o Papa que merecemos, mas aquele de que precisamos” – Luís Guilherme Pereira

[Trecho de um excelente artigo publicado na Vila Nova sobre o Papa Francisco, à cuja íntegra remeto os que se interessarem pela leitura. Independente de quem calce as sandálias do Pescador, o Papa é o Doce Cristo na Terra e, como tal, merece a nossa submissão filial. Aprouve à Divina Providência conceder-nos a honra de vivermos em tempos interessantíssimos! Vivamo-los bem, trabalhando com temor e com tremor pela maior glória de Deus. Sempre cum Petro et sub Petro.]

Diz-se que Deus não manda o Papa que merecemos, mas aquele de que precisamos. Numa era de extremo egoísmo, autossuficiência, hedonismo e orgulho, Francisco parece ser o homem certo.

Sua eleição tritura a presunção da mídia. A mídia falou que seria um Papa jovem. Francisco tem 76 anos. A mídia falou que seria brasileiro. É argentino. Seria um conclave longo. Foi brevíssimo. A mídia chutou 7 papabili como principais. Errou todos. Alguém ainda confia nos ditos “vaticanólogos”?

Também exercita a humildade dos católicos ao ser, como disse no começo, o favorito de ninguém. Os tradicionalistas queriam Burke ou Ranjith, os “ratzingerianos” Scola ou Ouellet, os progressistas Maradiaga; quase todos eram o queridinho de um grupo: Erdö (o meu, inclusive), Tagle, Scherer, Dolan, O’Malley, etc. Menos, até onde sei, Bergoglio. Todos tinham um “projeto” para o Papa, e nenhum foi satisfeito.

“10 fatos sobre o Papa Francisco”

Fonte: Canterbury Tales
Tradução: Deus lo Vult!

10 fatos sobre o nosso novo Santo Padre, o Papa Francisco. Jogada inesperada [major curveball]. Quem percebeu que isto poderia acontecer? Aqui estão dez curtos fatos sobre o Papa Francisco (Cardeal Jorge Bergoglio):

  1. O Papa Francisco, Jorge Bergoglio, nasceu em Buenos Aires, um dos cinco filhos de um trabalhador ferroviário e sua esposa.
  2. Ele é um Jesuíta. O primeiro Papa Jesuíta de todos os tempos.
  3. O Papa Francisco é conhecido por sua humildade, conservadorismo doutrinal, defesa da teologia moral da Igreja e compromisso com a justiça social.
  4. Ele tem sido um crítico da Teologia da Libertação.
  5. Ele é próximo do [Movimento] Comunhão e Libertação.
  6. Ele se opôs à legalização do casamento gay feita em 2010 pelo governo argentino. Na Argentina, foi acusado por anti-clericais de ser “medieval” (outro bom sinal).
  7. O Papa João Paulo II o criou cardeal em 2001.
  8. Ele colaborou com a Congregação para o Clero, Congregação para o Culto Divino e Disciplina dos Sacramentos, Congregação para os Institutos de Vida Consagrada, a Congregação para as Sociedades de Vida Apostólica, e a Comissão para a América Latina do [Pontifício] Conselho para a Família [? – Commission on Latin American and the Family Council].
  9. Ele foi simultaneamente nomeado Ordinário dos Católicos Orientais na Argentina, que perderam seu próprio prelado. Então ele pode, presumivelmente, celebrar a Divina Liturgia de São João Crisóstomo.
  10. O Papa Francisco escreveu apenas um livro [p.s.2.: segundo a Wikipedia, ele tem 16 obras publicadas (N.T.)], intitulado Sobre el cielo y la tierra [p.s.: escreveu também o Corrupción y Pecado (N.T.)]. Está disponível apenas para Kindle. Compre-o aqui e mostre o seu apoio.

O telefone sem fio do Conclave

Há certas coisas na imprensa leiga que seriam cômicas se não fossem trágicas. A despeito da existência de honrosas exceções, a maior parte das pessoas que escrevem sobre religião na grande mídia geralmente não faz a menor idéia do que está falando. Na ânsia pelo “furo” jornalístico, jornalistas imprudentes acabam cometendo as maiores gafes sobre assuntos que claramente não dominam.

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No meio da profusão de matérias publicadas sobre o Conclave, esta matéria do Estado de São Paulo (ontem publicada) faz, sem perceber, uma denúncia gravíssima: algum cardeal teria vazado o resultado do primeiro escrutínio, realizado ontem à noite! A reportagem é enfática:

A contagem é secreta, mas, segundo o jornal La Repubblica, o arcebispo de Milão, Angelo Scola, saiu na frente, seguido pelo arcebispo de São Paulo, Odilo Scherer. Em terceiro lugar estaria o arcebispo de Budapeste, Peter Erdö, cuja candidatura teria se fortalecido após o embate, na véspera, entre integrantes contra e a favor da Cúria.

Ora, saber quem foram os cardeais mais votados no primeiro escrutínio só seria possível se alguém de dentro do Conclave tivesse repassado a informação – o que seria uma violação gravíssima das normas eclesiásticas que o mundo inteiro assistiu, ontem, cada um dos cardeais, com a mão sobre o Evangelho, jurar cumprir. Assim prescreve a Universi Dominici Gregis:

59. De forma particular, é proibido aos Cardeais eleitores revelar, a qualquer outra pessoa, notícias que, directa ou indirectamente, digam respeito às votações, assim como aquilo que foi tratado ou decidido acerca da eleição do Pontífice nas reuniões dos Cardeais, quer antes quer durante o tempo da eleição.

Como não se concebe uma razão plausível pela qual pudesse um cardeal-eleitor violar o seu juramento recém-proferido meramente para satisfazer uma curiosidade jornalística fútil (estamos falando do primeiro escrutínio!), semelhante informação já é, antes de qualquer coisa, no mínimo suspeita e por si só deveria provocar estranheza em quem a reproduz.

Mas vamos adiante. O Estadão diz que isso veio do La Repubblica. Assumamos o trabalho que o repórter aparentemente não teve e busquemos a fonte original da informação. Curiosamente, no site do La Repubblica não se encontra nada. A coisa mais parecida que existe na internet com a informação publicada com displicência pelo Estado de São Paulo é a seguinte manchete:

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O que, traduzido, é o seguinte: “Os Papáveis”, em cima. A manchete diz “Freia a corrida de Scherer, Scola [permanece] estável e Erdo desponta nas negociações do Conclave”. É de hoje (13 de março), mas a leitura da reportagem deixa claro que se trata das especulações pré-conclave, e não do resultado da primeira votação! O repórter fez inclusive questão de dizer que «[n]essuno oggi puo pero dire cosa accadra davvero nella Sistina», i.e., “hoje ninguém pode dizer o que realmente acontece na Capela Sistina”!

Ao que parece, o repórter do Estadão (o sr. José Maria Mayrink, “enviado especial”) passou os olhos pelo jornal, viu o nome dos três cardeais, viu que a edição era de hoje, leu atravessado que o cardeal Scola estaria com 35-40 voti e “deduziu” por conta própria que isto era o resultado da votação secreta realizada ontem (!). E simplesmente tocou o boi na linha, reproduzindo na mídia tupiniquim uma informação falsa cujas graves conseqüências, se fosse verdadeira, ele não é capaz de compreender – caso fosse, provavelmente não teria protagonizado esta desabonadora versão profissional da antiga brincadeira do telefone sem fio, que lança ainda mais descrédito sobre a confiabilidade do jornal.

Diário de Pernambuco homenageia conclave!

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Impressionante capa do Diário de Pernambuco. No dia do aniversário de Recife e Olinda! O conclave mereceu enorme destaque na primeira capa do jornal, e o Espírito Santo teve direito de ser mencionado em letras garrafais na mídia laica. Que dia, senhoras e senhores, que dia!

Pro Eligendo Pontifice

Da homilia do Cardeal Sodano na missa Pro Eligendo Pontifice que foi celebrada agora de manhã:

A atitude fundamental de todo bom Pastor é, portanto, dar a vida por suas ovelhas (cfr Jo 10,15). Isto vale, sobretudo, para o Sucessor de Pedro, Pastor da Igreja universal. Porque quanto mais alto e mais universal é o ofício pastoral, tanto maior deve ser a caridade do Pastor.

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Mais tarde começa o conclave. O livreto da celebração – com o juramento dos cardeais e o “extra omnes” – encontra-se aqui. Ladainha de Todos os Santos, Veni Creator Spiritus e Sub Tuum Praesidiumos cardeais estarão bem munidos das forças do Alto! Que possam corresponder generosamente às graças de Deus. Que saiam – em breve! – da Capela Sistina com um novo Romano Pontífice – com um santo Romano Pontífice! – para a Igreja de Cristo.

Que crédito merecem as especulações sobre quem vai ser o próximo Papa?

Nos últimos dias já me perguntaram uma vez ou outra quem vai ser o próximo Papa, como se eu tivesse a mínima condição de responder a esta pergunta ou como se a minha opinião sobre o governo da Igreja tivesse alguma importância neste momento terrível que estamos vivendo. O conclave vai começar amanhã e a única “dica” que eu posso dar (inclusive e principalmente para mim próprio) é que rezemos com fervor e confiança. Mais do que isso é muito difícil dizer.

Ao contrário do que aconteceu à época da morte de João Paulo II, Bento XVI não me parece ter um “sucessor natural”. Ratzinger foi por muitos anos o prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé e, principalmente nos últimos anos, o braço direito de João Paulo II; hoje, não existe ninguém que exerça este papel junto a Bento XVI. Isto, aliás, é reforçado pelo próprio fato da renúncia, uma vez que de todos os papas, no final da vida, quando não estão mais em condições de governar a Igreja, pode-se dizer que “deixam” o seu governo, ao menos em linhas gerais, a cargo dos seus colaboradores mais próximos.

Não nos enganemos: é claro que Bento XVI não foi o primeiro Papa a sentir, já próximo do final da vida, a perda do vigor do corpo e do espírito. Todos os Papas que morreram em idade avançada certamente sentiram a mesma coisa. A diferença é que Bento XVI, ao que parece, não se sente suficientemente confortável para deixar a Igreja ser governada a partir dos bastidores, como é natural que aconteça quando o avançar dos anos obriga qualquer monarca a delegar cada vez mais responsabilidades. Bento XVI não tem quem seja para ele o que ele próprio foi para João Paulo II no fim da vida; a frase já foi bastante repetida e, de minha parte, penso que ela faz uma análise correta da situação atual.

Isto, no entanto, parece-me ser o máximo que nos é lícito fazer. Via de regra, a especulação da mídia em torno do nome do próximo Papa tem somente dois objetivos. Primeiro, é uma tentativa pueril de influenciar os cardeais para que escolham (ou não escolham) algum determinado candidato – tentativa que é bastante inócua porque a mídia laica ainda não chegou aos umbrais da política eclesiástica. Não entendem a Igreja Católica e muitas vezes aparentam não A querer entender. Ao contrário da política mundana, o Colégio Cardinalício não se deixa conduzir pelas palavras de ordem do momento, porque um Papa é eleito para servir à Igreja de Deus e não para impôr ao governo da Igreja um programa político-partidário. Embora seja monarca plenipotenciário, o horizonte de ações possíveis de um Romano Pontífice é em certo sentido muito mais restrito do que o de um síndico de prédio ou presidente de associação de moradores.

O segundo objetivo da especulação é igualmente inútil, e pode ser comparado àquilo que faz com que videntes charlatões não percam a chance de espalhar “previsões” genéricas e abertamente chutadas: é a possibilidade de gozarem de algum glamour e prestígio na eventualidade de acertarem alguma delas. Não se enganem: a imprensa, quando diz quem vai ser o provável próximo Papa, está realizando rigorosamente um exercício adivinhatório cujo valor não é maior do que o das previsões de Mãe Dináh para o próximo ano. Sobre este assunto recomendo a leitura deste texto, do qual traduzo o finalzinho:

Luis Badilla Morales, colaborador da Radio Vaticana e observador que há anos navega na internet, observou argutamente que, desde o dia 11 de fevereiro, os nomes dos “papáveis” subiram de 23 para 47 [N.T.: bem mais de um terço do número total de cardeais-eleitores!], embora os mais recorrentes sejam “só” uma dúzia. E não são poucos os seus colegas que se apressam a acrescentar nomes em suas listas pessoais. Deste modo, poderão dizer a seus netos: “Eu o havia previsto!”.

Tentar acompanhar as mudanças de opinião da mídia nesta seara é um exercício extenuante, fútil e vão. Importa mais rezar e fazer penitência para que o Altíssimo nos conceda um Papa santo. Por exemplo, este “ramalhete espiritual” entregue recentemente aos cardeais em Roma – que eu já havia mencionado aqui no blog – tem muito mais valor do que duas centenas de textos de “especialistas” demonstrando por ‘a’ + ‘b’ quem é ou deveria ser o próximo Papa. A única certeza que temos é a de que ele virá, independente do que dissermos ou deixarmos de dizer sobre o seu nome. Amanhã os cardeais-eleitores entrarão na Capela Sistina alheios a todo o burburinho que podemos fazer aqui fora. Esforcemo-nos para lhes ser úteis! E, do extra omnes ao habemus Papam, é somente por meio das nossas orações que podemos ajudar os príncipes da Igreja a escolherem o próximo Vigário de Cristo.

“O Conclave e a Crise” – Dom Fernando Rifan

[Às vésperas do conclave, reproduzo na íntegra este interessantíssimo artigo de D. Fernando Rifan que, sem menosprezar a gravidade da crise atual, ao menos nos revigora com uma lufada de esperança. A Barca de Pedro é sacudida e faz água no mar agitado deste mundo, sim; mas podemos ter a certeza de que o Senhor do mundo – e dono da Igreja! – é mais forte do que o mar revolto. Lembremo-nos de que Ele um dia fez com o que o mar e o vento se calassem a uma ordem Sua; e penso que deve ter desta vez mostrado visivelmente o poder da Sua palavra para que acreditássemos n’Ele quando, de outra vez, sem grandes milagres visíveis, Ele dissesse que as portas do Inferno não prevaleceriam sobre a Sua Igreja.

Amanhã começa o conclave. Rezemos pela Igreja de Deus!]

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O Conclave e a Crise

 A Igreja aqui na terra chama-se militante, quer dizer, continuamente em guerra, contra inimigos internos e externos, ou seja, “em crise”. Mas isso já há dois mil anos! A paz completa só será na Igreja triunfante do Céu, quando a “Barca de Pedro”, após passar pelas ondas do mar bravio desse mundo, chegar ao porto da salvação eterna.

“Para levantar a Igreja do estado de relaxamento e de confusão em que se encontram universalmente todos os níveis, nem toda a ciência e prudência humana conseguem remediar, mas é preciso o braço onipotente de Deus. Entre os bispos, poucos são os que têm verdadeiro zelo pelas almas. As comunidades religiosas, quase todas e mesmo sem o quase, estão relaxadas, porque nas congregações, na presente confusão das coisas, falta a observância e a obediência se perdeu. No clero secular as coisas estão piores e, por isso, faz-se necessária aí uma reforma geral para todos os eclesiásticos, de maneira a reparar a grande corrupção dos costumes, que existe entre os seculares”.

“Por isso é preciso rezar a Jesus Cristo que nos dê um Chefe da Igreja que, mais do que de doutrina e de prudência humana, seja dotado de espírito e de zelo pela honra de Deus, e seja totalmente alheio a qualquer partido e respeito humano, porque se, por nossa desgraça, acontecesse um Papa que não tem apenas a glória de Deus diante dos olhos, o Senhor pouco o assistirá e as coisas, como estão nas presentes circunstâncias, irão de mal a pior”.

“As orações podem trazer remédio a tanto mal, ao obter de Deus que ele mesmo ponha a sua mão e conserte… eu desejaria ver reformados tantos desarranjos presentes… Em primeiro lugar, gostaria que o próximo Papa escolhesse, entre aqueles que lhe serão propostos, os mais doutos e zelosos pelo bem da Igreja… Que se usasse diligência ao escolher os bispos (dos quais, principalmente, depende o culto divino e a salvação das almas), solicitando informações a mais pessoas sobre a sua vida digna e doutrina necessária para governar as dioceses. E que, também para aqueles que já estão em suas igrejas, se exigisse dos metropolitanos e de outros, secretamente, a informação sobre aqueles bispos que pouco atendem o bem de suas ovelhas… Sobretudo, desejaria que o Papa reconduzisse universalmente todos os religiosos à observância do seu primeiro Instituto, pelo menos nas coisas principais… Nada podemos fazer, a não ser rezar ao Senhor, que nos dê um Pastor pleno do seu espírito, que saiba estabelecer estas coisas que acenei brevemente, conforme for mais conveniente à glória de Jesus Cristo”.

Essas considerações acima foram feitas em 24 de outubro de 1774 e são trecho de uma carta de Santo Afonso Maria de Ligório ao Cardeal Castelli, que lhe havia solicitado observações sobre a eleição do novo Papa e os principais abusos que deveriam ser extirpados da Igreja, pretendendo o Cardeal levar a carta ao Conclave próximo. Essa descrição de Santo Afonso nos mostra que as crises na Igreja não são de agora. A “barca de Pedro” já venceu outras tempestades.

“Peçamos com insistência ao Senhor que nos ofereça um pastor segundo o seu Coração, um pastor que nos guie ao conhecimento de Cristo, ao seu amor, à verdadeira alegria” (Cardeal Joseph Ratzinger, na preparação para o Conclave de 2005).