A Audiência começou por volta das 10h40 locais (6h40 de Brasília). Ao aparecer na praça de São Pedro no papamóvel, Bento XVI foi ovacionado por uma multidão que gritava “Viva o Papa” e “Bento! Bento!”. Claramente emocionado, passeou pela praça por quase 15 minutos, agradecendo aos fiéis que levantavam cartazes e o agradeciam. Foram distribuídos 50 mil ingressos para os peregrinos participarem da catequese, mas segundo as estimativas, o público presente era de mais de 150 mil pessoas.
Pe. Paulo Ricardo, “O Adeus de um Papa”
Hoje de manhã foi a última Audiência Geral do Papa Bento XVI. O texto encontra-se em italiano no site da Santa Sé; decepcionou-se quem esperava revelações bombásticas ou discursos apocalípticos na última aparição pública do Papa. Isso não é do feitio de Bento XVI, que parece cultivar o dom de dizer as coisas mais importantes do modo mais inesperado e discreto possível. Certamente ele não reservaria a sua última catequese para dar uma reviravolta em tudo o que aprendemos do dia de Nossa Senhora de Lourdes pra cá. Ao contrário: diante dos 150.000 fiéis que lotavam a Praça de São Pedro, o velho Pontífice impôs ao seu discurso um profundo tom de agradecimento.
Ao Todo-Poderoso, pela Sua presença constante: “hoje o meu coração está repleto de agradecimento a Deus, porque Ele não deixou nunca faltar à Igreja e também a mim a Sua consolação, a Sua luz e o Seu amor”. Pelo dom da Fé: “agradeçamos ao Senhor por isto todos os dias, com a oração e com uma vida cristã coerente”. A todos aqueles que, de todas as partes do mundo, têm nos últimos dias manifestado apoio e proximidade ao Santo Padre: “gostaria de agradecer do fundo do coração também àquelas numerosas pessoas em todo o mundo que, nas últimas semanas, enviaram-me sinais comoventes de atenção, de amizade e de oração”. E ainda: “agradeço a todos e a cada um também pelo respeito e compreensão com os quais acolheram esta decisão tão importante [da renúncia]”.
O tema da gratidão acompanhou-nos ao longo destes últimos dias, e nada foi capaz de nos apartar por completo dele: nem a surpresa, nem a incompreensão, nem o temor pelo futuro, nem nada. Era natural que ele impregnasse também os últimos discursos pontifícios, e acho importante – mais ainda, providencial – que as coisas tenham acontecido desta maneira. Nós, católicos, não estamos acostumados com este tipo de inovações; e a idéia de um papado com rígido prazo de validade era potencialmente capaz de modificar sensivelmente o ritmo do governo da Igreja de Cristo. Afinal de contas, sobre todos os Papas pesou aquela terrível incerteza que pesa sobre cada homem, aquela dúvida atroz de não saber o dia e a hora da própria morte e, portanto, de não saber até quando lhe será permitido empunhar o cetro pontifício. Bento XVI afastou de si esta angústia e assinalou ele próprio o ponto final do seu luminoso pontificado.
Poderia ter aproveitado a situação para agir nos seus últimos dias de modo diferente; poderia ter querido coroar o final do seu pontificado com aqueles arroubos de vontade que soem aparecer somente quando, nos umbrais do Fim, um homem percebe que nada mais importa e deseja gastar as suas últimas energias para agir sem prestar contas à prudência ou ao respeito humano que antes condicionavam suas atitudes. Mas o Papa não fez nada disso. Agiu como aquela anedota sobre São Domingos Sávio que, perguntado sobre o que faria se aquele fosse o último dia da sua vida, respondeu simplesmente que continuaria jogando bola como estava fazendo.
Quantos monarcas não agiriam diferente se pudessem saber com certeza quando seria o fim dos seus reinados? Bento XVI soube e não mudou nada. Em uma conversa (acho que com o Peter Seewald) que foi tornada pública estes dias, o Papa confidenciou que, na opinião dele, bastava o que ele fizera pela Igreja até então. O que, na verdade, nos leva a uma outra constatação: para Bento XVI, o seu pontificado terminou no instante em que ele se convenceu de que Deus o chamava a renunciar. Ele não tentou barganhar com o Altíssimo e nem levar um ritmo frenético para aproveitar ao máximo os últimos instantes do seu pontificado: antes, abandonou tudo e depôs a tiara papal como se houvesse sido colhido abruptamente pela morte. Até mesmo a sua última encíclica deixou inconclusa, como se fatores adversos e inesperados o houvessem forçado a suspender a pena no meio da frase. Na forma como conduziu a própria renúncia, o Papa testemunha que não almeja ter controle sobre a própria vida mas que, ao contrário, tudo abandona nas mãos de Deus.
Amanhã começa a Sé Vacante, às 20h00 em Roma, 16h00 no Brasil. Bento XVI vai subir o monte para rezar; e junto a ele, os católicos do mundo inteiro iremos suplicar ao Senhor da Messe que nos envie um Papa santo, um General valoroso para nos conduzir, um Sucessor de Pedro para guiar a Sua Igreja. Vai em paz, Bento XVI – muito obrigado! E que o Espírito Santo Paráclito possa iluminar os corações dos cardeais que, reunidos no conclave, terão a difícil missão de apontar um sucessor para o primeiro Papa a renunciar em 600 anos.