Uma carta aberta a Hans Küng – por George Weigel

Original: First Things
Tradução: Fabiano Rollim

Uma carta aberta a Hans Küng

21 de abril de 2010

Por George Weigel

Dr. Küng,

Há uma década e meia atrás, um ex-colega seu, um dos mais jovens teólogos progressistas no Vaticano II, contou-me sobre uma advertência amigável que lhe teria feito no começo da segunda sessão do Concílio. Essa pessoa, hoje um eminente catedrático em Sagradas Escrituras e defensor da reconciliação judaico-cristã, lembrava como, naqueles dias conturbados, você o levou para dar uma volta por Roma em um Mercedes vermelho conversível, o qual seu amigo presumiu ter sido um dos frutos do sucesso comercial de seu livro, The Council: Reform and Reunion [1].

Seu colega considerou aquela exibição automotiva um chamariz de atenção imprudente e desnecessário, dado que algumas de suas opiniões mais aventureiras, e seu talento para o que mais tarde seria conhecido como “frases de efeito”, já estavam levantando sobrancelhas e causando frio em espinhas na Cúria Romana. Então, conforme me foi contado, seu amigo o chamou à parte um dia e disse, usando um termo francês que vocês dois entendiam, “Hans, você está ficando muito évident.” [2]

Como alguém que, sozinho, inventou um novo tipo de personalidade global – o teólogo dissidente que se transforma em estrela da mídia internacional – acredito que você não tenha ficado muito incomodado com a advertência de seu amigo. Em 1963, você já estava determinado a traçar um caminho singular para si, e conhecia a mídia suficientemente bem para saber que uma imprensa mundial obcecada com a história peculiar de um teólogo sacerdote dissidente daria a você um megafone para seus pontos de vista. Você deve ter ficado triste com o saudoso João Paulo II por ter tentado desmantelar aquele enredo ao retirar seu mandato eclesiástico para ensinar como professor de teologia católica; sua subsequente acusação rancorosa de uma suposta inferioridade intelectual de Karol Wojtyla, em um volume de suas memórias, tornou-se, até recentemente, o ponto mais baixo de uma carreira polêmica na qual se tornou évident que você é um homem pouco capaz de reconhecer inteligência, decência ou boa vontade em seus oponentes.

Eu digo “até recentemente”, entretanto, porque sua carta aberta aos bispos do mundo, de 16 de abril, que li primeiramente no Irish Times, estabeleceu novos padrões para aquela forma distintiva de ódio conhecida como odium theologicum e para a condenação maldosa de um velho amigo que, ao ser elevado ao papado, foi generoso com você ao encorajar aspectos de seu trabalho atual.

Antes de chegarmos ao assalto à integridade do Papa Bento XVI, entretanto, permita-me observar que seu artigo deixa terrivelmente claro que você não tem prestado muita atenção às questões sobre as quais se pronuncia com um ar de infalibilidade que faria corar as bochechas de Pio IX.

Você parece displicentemente indiferente ao caos doutrinal que cerca a maioria do protestantismo europeu e norte-americano, o qual criou circunstâncias nas quais um diálogo ecumênico teologicamente sério ficou gravemente ameaçado.

Você considera como verdadeiras as acusações mais irracionais feitas a Pio XII, evidentemente sem levar em conta que o recente debate entre os estudiosos está fazendo a balança pender a favor da coragem daquele Papa na defesa dos judeus europeus (independentemente do que se queira pensar a respeito de sua prudência).

Você erra ao representar os efeitos do discurso de Bento XVI em Regensburg, em 2006, rejeitando-o como tendo “caricaturado” o Islã. Na verdade, o discurso em Regensburg focou novamente o diálogo católico-islâmico nas duas questões que precisam ser urgentemente abordadas – a liberdade religiosa como um direito humano fundamental que pode ser conhecido pela razão, e a separação da autoridade religiosa e política no estado do século vinte e um.

Você não mostra qualquer compreensão a respeito do que realmente previne a AIDS na África, e se agarra ao desgastado mito da “superpopulação” em um momento onde as taxas de natalidade estão caindo ao redor do globo e a Europa está entrando em um inverno demográfico criado conscientemente por ela mesma.

Você parece alheio à evidência científica que subscreve a defesa que a Igreja faz do status moral do embrião humano, ao mesmo tempo em que acusa falsamente a Igreja Católica de se opor à pesquisa com células-tronco.

Por que você desconhece essas coisas? Obviamente você é um homem inteligente; você chegou a fazer um trabalho pioneiro em teologia ecumênica. O que aconteceu com você?

O que aconteceu, creio eu, é que você perdeu seus argumentos a respeito do significado e da hermenêutica correta do Vaticano II. Isso explica porque você insiste incansavelmente em sua busca cinquentenária por um catolicismo protestante, precisamente no momento em que o projeto liberal protestante está desmoronando de sua inerente incoerência teológica. E é por isso que agora você se envolveu em uma torpe difamação de outro ex-colega do Vaticano II, Joseph Ratzinger. Antes, porém, de abordar essa difamação, permita-me comentar brevemente sobre a hermenêutica do Concílio.

Ainda que você não seja o expoente mais completo, teologicamente falando, daquilo que Bento XVI chamou de “hermenêutica da ruptura” no discurso à Cúria Romana no Natal de 2005, você é, sem dúvida, o representante de maior visibilidade internacional daquele grupo idoso que continua a insistir em que o período de 1962 a 1965 marcou um caminho sem volta decisivo na história da Igreja Católica: o momento de um novo começo, no qual a Tradição seria destronada de seu lugar de costume como fonte primária de reflexão teológica, sendo substituída por um cristianismo que paulatinamente deixaria “o mundo” estabelecer a agenda da Igreja (como num mote que o Conselho Mundial de Igrejas utilizava na época).

A luta entre essa interpretação do Concílio e aquela defendida por padres conciliares como Ratzinger e Henri de Lubac dividiu o mundo teológico católico pós-conciliar em grupos contendedores representados por duas revistas: a Concilium para você e seus colegas progressistas, e a Communio para aqueles que vocês continuam a chamar de “reacionários”. O fato de que o projeto Concilium se tornou cada vez mais inviável com o tempo – e que uma geração mais nova de teólogos, especialmente na América do Norte, passou a gravitar na órbita da Communio – não deve ter sido uma experiência feliz para você. E o fato de que o projeto Communio moldou decisivamente as deliberações do Sínodo Extraordinário dos Bispos de 1985, convocado por João Paulo II para celebrar os resultados alcançados pelo Vaticano II e avaliar sua plena implementação no vigésimo aniversário de seu encerramento, deve ter sido outro baque.

Ainda assim arrisco dizer que a espada entrou mesmo em sua alma quando, em 22 de dezembro de 2005, o recém-eleito Papa Bento XVI – o homem cuja indicação para a faculdade teológica de Tübingen você tinha ajudado a conseguir – dirigiu-se à Cúria Romana e sugeriu que a disputa tinha acabado: e que a “hermenêutica conciliar da reforma”, que presumia continuidade com a Grande Tradição da Igreja, tinha prevalecido sobre a “hermenêutica da descontinuidade e da ruptura”.

Talvez, enquanto você e Bento XVI bebiam cerveja em Castel Gandolfo no verão de 2005, você de alguma forma tenha imaginado que Ratzinger tinha mudado de idéia nessa questão central. Obviamente ele não tinha. Por que você chegou a imaginar que ele poderia aceitar sua visão sobre o que significaria uma “constante renovação da Igreja”, francamente, é um mistério. Também sua análise sobre a situação católica contemporânea não se tornou nem um pouco mais plausível quando se lê, mais adiante em seu recente artigo, que os papas recentes têm sido “autocratas” em relação aos bispos; de novo, é de se pensar se você tem prestado atenção suficientemente. Pois parece evidente e claro que Paulo VI, João Paulo II e Bento XVI têm sido dolorosamente relutantes – alguns diriam, desafortunadamente relutantes – em disciplinar bispos que se mostram incompetentes ou com má conduta e que por isso perderam a capacidade de ensinar e de liderar: uma situação que muitos de nós esperam que mude, e mude logo, à luz das recentes controvérsias.

De certa forma, naturalmente, nenhuma de suas reclamações sobre a vida católica pós-conciliar é nova. Entretanto, parece mesmo muito contraditório, para alguém que realmente se importa com o futuro da Igreja Católica como uma testemunha da verdade de Deus para a salvação do mundo, insistir no ponto a que você persistentemente nos insta: que um catolicismo credível percorra o mesmo caminho traçado nas décadas recentes por várias comunidades protestantes que, conscientemente ou não, seguiram uma ou outra versão de seus conselhos para adotar uma hermenêutica de ruptura com a Grande Tradição Cristã. A propósito, essa é a singular posição que você ocupou desde que um de seus colegas se preocupou em você estar muito évident; e já que essa posição lhe manteve évident, pelo menos nas colunas de jornais que compartilham sua visão sobre a tradição católica, imagino ser demais esperar que você mude, ou mesmo aperfeiçoe, seus pontos de vista, mesmo se cada pedacinho de evidência empírica à disposição sugerir que o caminho que você propõe é o caminho da decadência para as igrejas.

O que pode ser esperado, em vez disso, é que você se comporte com um mínimo de integridade e decência nas controvérsias nas quais se envolve. Entendo o odium theologicum tão bem quanto qualquer um, mas tenho de, com toda a franqueza, dizer-lhe que em seu recente artigo você cruzou uma linha que não devia ser ultrapassada, quando escreveu:

“Não há como negar o fato de o sistema de ocultamento posto em prática em todo o mundo diante dos crimes sexuais dos clérigos ter sido engendrado pela Congregação para a Doutrina da Fé romana sob o cardeal Ratzinger (1981-2005)”.

Isso, senhor, não é verdade. Recuso-me a acreditar que você sabia que isso era falso e mesmo assim o tenha escrito, pois isso significaria que você conscientemente se condenou como um mentiroso. Mas assumindo que você não sabia que esta sentença era um punhado de mentiras, então você é tão notoriamente ignorante a respeito de como a competência por casos de abuso eram designadas na Cúria Romana antes de Ratzinger ter tomado o controle do processo e trazido o mesmo para competência da CDF em 2001, que perdeu toda a possibilidade de ser levado a sério a respeito deste ou de qualquer outro assunto que envolva a Cúria Romana e o governo central da Igreja Católica.

Como talvez você não saiba, tenho sido um crítico vigoroso e, assim espero, responsável a respeito de como casos de abuso foram (mal) conduzidos por bispos e autoridades na Cúria até o fim da década de 1990, quando o então Cardeal Ratzinger começou a lutar por uma mudança significativa no tratamento desses casos. (Se estiver interessado, consulte meu livro de 2002, The Courage To Be Catholic: Crisis, Reform, and the Future of the Church [3].)

Por isso, falo com algum conhecimento de causa quando digo que sua descrição a respeito do papel de Ratzinger, conforme citado acima, não é apenas burlesca para quem quer que esteja familiarizado com a história, mas contradita pela experiência de bispos americanos que sempre viram em Ratzinger alguém cuidadoso, disposto a ajudar e profundamente preocupado com a corrupção do sacerdócio por uma pequena minoria de abusadores, e ao mesmo tempo aflito com a incompetência e má conduta de bispos que levaram a sério, mais do que deviam, as promessas da psicoterapia ou que não tiveram a hombridade de confrontar o que tinha de ser confrontado.

Sei que não são os autores que redigem os subtítulos, algumas vezes horríveis, que são colocados em colunas de jornal. Apesar disso, você foi o autor de uma peça tão ácida – em si mesma completamente inapropriada para um sacerdote, um intelectual, ou um cavalheiro – que permitiu que os editores do Irish Times resumissem seu artigo da seguinte forma: “O Papa Bento piorou tudo o que já era errado na Igreja Católica e é diretamente responsável por engendrar o ocultamento global do estupro de crianças perpetrado por sacerdotes, de acordo com esta carta aberta a todos os bispos católicos.” Essa falsificação grotesca da verdade demonstra aonde o odium theologicum pode levar um homem. Mas de qualquer forma isso é vergonhoso.

Permita-me sugerir que você deve ao Papa Bento XVI um pedido público de perdão pelo que, objetivamente falando, é uma calúnia que, assim rezo, tenha sido formada em parte por ignorância (ainda que por ignorância culpável). Garanto-lhe que sou a favor de uma profunda reforma na Cúria Romana e no episcopado, projetos que descrevo até certo ponto no livro God´s Choice: Pope Benedict XVI and the Future of the Catholic Church [4], uma cópia do qual, em alemão, ficarei feliz em enviar-lhe. Mas não há caminho para a verdadeira reforma na Igreja que não passe pelo íngreme e estreito vale da verdade. A verdade foi trucidada em seu artigo no Irish Times. E isto significa que você atrapalhou a causa da reforma.

Com a garantia de minhas orações,

George Weigel

George Weigel é Membro Sênior do Centro de Ética e Política Pública de Washington, onde ocupa a cadeira William E. Simon em estudos católicos.

Artigo original em inglês disponível em: http://www.firstthings.com/onthesquare/2010/04/an-open-letter-to-hans-kung

Traduzido por Fabiano Rollim

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[1] N. do T.:“ O Concílio: Reforma e Reunião” – livro não publicado no Brasil.

[2] N. do T.: Évident: aparente, evidente, notável.

[3] N. do T.: “A Coragem de Ser Católico: Crise, Reforma e o Futuro da Igreja” – livro não publicado no Brasil.

[4] N. do T.: “A Escolha de Deus: O Papa Bento XVI e o Futuro da Igreja Católica” – livro não publicado no Brasil.

Poder civil, foro eclesiástico, acobertamento: cardeal Hoyos, João Paulo II e Bento XVI

João Paulo 2º apoiou elogio a ocultação de abusos, diz cardeal (também em Reuters). “Um ex-cardeal (sic!!) do Vaticano que cumprimentou um bispo francês por ter protegido um padre que cometia abusos sexuais afirmou ter agido com a aprovação do papa João Paulo 2o, informou um jornal espanhol neste sábado”.

A gafe monumental do “ex-cardeal” constava no título. Alguém deve ter avisado à agência de notícias, que rapidamente “corrigiu” o serviço nojento fazendo um remendo mais nojento ainda, posto que não se deu nem mesmo ao trabalho de passar a vista pelo resto do texto. Disso se percebe o completo despreparo e a total falta de capacidade de quem se mete a escrever sobre a Igreja Católica na nossa mídia… o sujeito não faz a menor idéia daquilo sobre o qual está escrevendo. E, mesmo assim, se julga no direito de publicar manchetes bombásticas…

A polêmica é sobre os procedimentos básicos do Vaticano com relação à pedofilia. Resumindo a história: o cardeal Castrillón Hoyos, em 2001, escreveu uma carta a um bispo francês parabenizando-o por não ter entregue um padre às autoridades civis. O jornal Golias publicou a carta (aqui, a matéria e, aqui, o .pdf da carta), em um francês que eu, absolutamente, não me arrisco a traduzir. O pe. Federico Lombardi aproveitou para, em mais uma brilhante demonstração de suas habilidades políticas, apontar este documento como “uma prova mais de quanto foi oportuna a unificação do tratamento dos casos de abusos sexuais de menores por parte de membros do clero sob a competência da Congregação para a Doutrina da Fé, para garantir uma atuação rigorosa e coerente, como efetivamente aconteceu com os documentos aprovados pelo Papa em 2001”. Sandro Magister, traduzido pelo IHU, disse que, “segundo uma entrevista do cardeal colombiano à CNN, ele continua achando o mesmo que afirmou naquela carta”.

Eu já citei aqui um trecho d’O Diálogo de Santa Catarina de Siena sobre o assunto. Faço-o de novo, destacando: “Pela dignidade e autoridade confiada a meus ministros, retirei-os de qualquer sujeição aos poderes civis. A lei civil não tem poder legal para puni-los; somente o possui aquele que foi posto como senhor e ministro da lei divina”. E, o que eu escrevi então, repito-o novamente agora: “É degradante para a dignidade sacerdotal e injurioso à Igreja de Nosso Senhor quando um sacerdote é tratado pelos poderes civis como um criminoso comum. O poder temporal – como ensina a Igreja – existe para estar a Seu serviço. (…) Não existe autoridade civil com potestade para constranger a Igreja, nem poder temporal que possa de per si julgar e condenar os sacerdotes do Deus Altíssimo”.

Vamos aos procedimentos vigentes. O guia para entender os procedimentos básicos da Congregação para a Doutrina da Fé concernentes a denúncias de abusos sexuais, disponível atualmente na página principal do site do Vaticano e traduzido pelo IHU, diz que “[a] lei civil referente à denúncia de crime às autoridades competentes sempre deve ser seguida” (a mesma coisa está na carta do Santo Padre aos católicos da Irlanda: “continuai a cooperar com as autoridades civis no âmbito da sua competência”…). O pe. Lombardi, no link já citado, dá a entender que isso veio em 2001, com a mudança dos procedimentos até então em vigor.

O motu proprio Sacramentorum Sanctitatis Tutela (em inglês, seguido das normas então promulgadas), de 2001, até onde pude perceber, não diz nada disso. Se alguém puder me mostrar exatamente onde ele estabelece que as denúncias às autoridades civis devem sempre ser feitas, eu agradeço. No entanto, considerando que os procedimentos atuais exigem a denúncia às autoridades civis (e exigem, como pode ser visto nos links acima), vale comentar:

a) Não sei apontar exatamente quando foi que esta praxis entrou em vigor: se em 2001, antes ou depois. O que eu sei dizer com certeza é que, hoje, a orientação emanada da Santa Sé é no sentido de denunciar, sim, os sacerdotes às autoridades civis.

b) Não há nada de intrinsecamente errado na praxis anterior, qual seja, a de não fazer as denúncias. Estaria errado se os padres agressores não fossem punidos, porque toda agressão exige, por Justiça, que o dano causado seja reparado. Se a Igreja tivesse meios de punir os sacerdotes (p. ex., trancafiando-os nos aljubes) ou se os entregasse, após o Seu julgamento, ao braço secular (p.ex., como fazia a Santa Inquisição), não haveria nenhuma necessidade de um processo civil independente do canônico (ou, pior ainda, concorrente a ele).

c) Também não há nada de intrinsecamente errado na praxis atual, de que sejam feitas as denúncias. O caso é de foro misto e, ao que me conste, a Igreja pode perfeitamente chancelar (mesmo tacitamente) a decisão das autoridades civis, já que não há mais reconhecimento do foro eclesiástico: a partir do momento em que a Igreja determina que os sacerdotes sejam julgados pelo poder civil, este passa a ser legalmente exercido.

Em resumo, esta questão é de disciplina canônica, e é particularmente dolorosa. Ao contrário do que parece dizer o porta-voz do Vaticano, a carta do cardeal Hoyos – na minha opinião – não tem nada a ver com uma “prova” de que era necessário estabelecer expressamente que os padres fossem denunciados às autoridades civis. A “atuação rigorosa e coerente” deve ser feita, sem dúvida alguma; mas isso não é sinônimo de sujeitar os sacerdotes do Deus Altíssimo aos poderes civis. Não existe sombra de “acobertamento” na carta do cardeal Hoyos ou no apoio a ela dado pelo Papa João Paulo II. Acobertar é fazer vista grossa, saber que há algo errado e “deixar para lá”; acolher uma denúncia, investigar, julgar e punir – mesmo prescindindo de uma denúncia às autoridades civis – não é de forma alguma a mesma coisa que acobertar.

Se os bispos punissem os maus sacerdotes como deveriam, não haveria necessidade de que tais casos fossem “unificados” sob a jurisdição de um Dicastério romano. No entanto, vivemos tempos difíceis, e – mysterium iniquitatis – o uivo dos lobos parece ser mais alto do que os  cuidados dos pastores. Rezemos pela Igreja de Nosso Senhor; a fim de que os maus não triunfem amparados pelo silêncio dos bons. A fim de que os ministros do Deus Altíssimo sejam santos, como convém ao estado que abraçaram. E a fim de que os pastores preservem o rebanho dos lobos, sejam eles quais forem.

O aborto como meio para salvar a vida da gestante

Alguns questionamentos surgiram aqui nos últimos dias, sobre a Doutrina Moral da Igreja, especificamente sobre qual seria a posição d’Ela caso a menina de Alagoinha corresse efetivamente risco de vida. Expondo de outra forma: é lícito o aborto se este for o único meio de salvar a vida da gestante?

A resposta é não, porque o aborto é a morte direta de um inocente, e não é lícito matar um inocente nem mesmo para salvar outra vida. Este é o entendimento de S.S. João Paulo II na Evangelium Vitae [grifos meus]:

É verdade que, muitas vezes, a opção de abortar reveste para a mãe um carácter dramático e doloroso: a decisão de se desfazer do fruto concebido não é tomada por razões puramente egoístas ou de comodidade, mas porque se quereriam salvaguardar alguns bens importantes como a própria saúde ou um nível de vida digno para os outros membros da família. Às vezes, temem-se para o nascituro condições de existência tais que levam a pensar que seria melhor para ele não nascer. Mas estas e outras razões semelhantes, por mais graves e dramáticas que sejam, nunca podem justificar a supressão deliberada de um ser humano inocente. [Evangelium Vitae, 58]

Este é o entendimento da Congregação para a Doutrina da Fé na Declaração sobre o aborto provocado [grifos meus]:

Não ignoramos estas grandes dificuldades: pode tratar-se de um grave problema de saúde, ou por vezes mesmo de vida ou de morte, para a mãe; pode ser o encargo que representa mais um filho, sobretudo quando existem boas razões para temer que ele virá a ser anormal ou gravemente defeituoso; pode ser, ainda, o peso de que se revestem, em diversos meios, as considerações de honra e de desonra, de baixar de nível social, etc. Mas deve-se afirmar de modo absoluto que jamais alguma destas razões poderá vir a conferir objectivamente o direito de dispor da vida de outrem, mesmo que esta esteja a começar; e, pelo que diz respeito à infelicidade futura da criança, ninguém, nem mesmo o pai ou a mãe, se podem substituir a ela, embora se encontre ainda no estado de embrião, para escolher, em seu nome, a morte de preferência à vida. Ela própria, na sua idade amadurecida, jamais virá a ter o direito de optar pelo suicídio; e enquanto não está ainda na idade de decidir por si própria menos ainda os seus próprios pais podem escolher para ela a morte. A vida é um bem demasiado fundamental, para poder ser posto assim em confronto com inconvenientes mesmo muito graves [Congregação para a Doutrina da Fé, Declaratio de abortu procurato, 14].

Este é o entendimento também de Del Greco, no seu reconhecido Compêndio de Teologia Moral [grifos meus]:

O abôrto pode ser a) terapêutico, se, por indicação médica, é provocado para salvar a vida da mãe; b) eugenético, se é provocado para impedir o nascimento de pessoas afetadas com doenças hereditárias; c) criminoso, se é provocado com fim perverso.

[…]

1. O aborto voluntário, diretamente provocado, é sempre gravemente ilícito

De fato, equivale ao assassínio direto do inocente, tomado como fim da ação.

[…]

É condenado, por conseguinte, não só o abôrto criminoso, como qualquer outro abôrto diretamente provocado.

[Del Greco, Compêndio de Teologia Moral, pág. 233]

Esta é a conclusão, enfim, dos princípios morais mais basilares, segundo os quais – ao contrário do que disse Maquiavel – os fins não justificam nunca os meios, sob nenhuma hipótese, e não é lícito praticar um ato mau nem mesmo para que, dele, provenha um resultado bom. Na sentença lapidar do Catecismo da Igreja Católica: “Não é permitido fazer o mal para que dele resulte um bem” (CIC 1756).

Uma outra coisa é o que se chama de causa com duplo efeito, em relação à qual recomendo enfaticamente a leitura deste texto do pe. Lodi que eu já citei aqui diversas outras vezes. A pergunta sobre a qual estamos tratando aqui, e cuja resposta é negativa, refere-se à licitude do aborto como meio para salvar a vida da gestante, e não como um segundo efeito de um ato bom. A leitura do texto acima mencionado é excelente para um correto entendimento dos conceitos aqui utilizados.

Sobre este último assunto, diz ainda Del Greco (op. cit., p. 234):

[O abôrto indireto] é somente permitido quando não há nenhuma conexão entre a gravidez e a doença da mãe, de modo que a mesma intervenção teria lugar mesmo se a mulher não estivesse grávida.

E exemplifica (id. ibid.):

De acôrdo com o parecer de muitos moralistas (Genicot-Salsmans, Vermeersch e outros) é lícito tirar o útero grávido canceroso de uma mulher, porque isso não constitui intervenção direta ao abôrto; ao contrário, é considerado abôrto direto expelir da trompa o feto ectópico.

Consideramos que isto resolve a questão.

Alguns pontos sobre a Anglicanorum Coetibus

1. A iniciativa do retorno dos anglicanos à comunhão com a Igreja Católica partiu dos próprios anglicanos – “Nestes últimos anos, o Espírito Santo conduziu grupos de anglicanos a pedir repetida e insistentemente para serem recebidos na plena comunhão católica individual e coletivamente” (AC, preâmbulo).

2. A ereção dos Ordinariatos Pessoais estará sob a responsabilidade da Congregação para a Doutrina da Fé (AC I §1), e eles estão sujeitos a este Dicastério (NC 1); exatamente para que seja feito um acompanhamento mais próximo dos possíveis desvios doutrinários nos quais podem incorrer aqueles recém-saídos da heresia.

3. Estes grupos de anglicanos professam a Fé Católica, expressa no Catecismo da Igreja Católica (AC I §5), o qual foi assinado pelos convertidos como sinal de profissão de Fé e abjuração dos erros passados.

4. Só é possível aos fiéis anglicanos fazerem parte destes Ordinariatos “após ter[em] feito sua Profissão de Fé e recebido os Sacramentos da Iniciação” (NC 5 §1). Aqueles que foram batizados como católicos só podem fazer parte de um destes Ordinariatos se forem “membros de uma família que pertença ao Ordinariato” (id. ibid.).

5. Os ministros anglicanos serão ordenados sacerdotes católicos após uma análise caso a caso. Somente aqueles “que cumprem os requisitos estabelecidos pelo direito canônico e não estão impedidos por irregularidades ou outros impedimentos” poderão ser admitidos “como candidatos às Ordens Sagradas na Igreja Católica” – o grifo é meu (AC VI §1).

6. Os ministros anglicanos não-casados deverão abraçar o celibato (AC VI §1).

7. Apesar de poder celebrar “segundo os livros litúrgicos próprios da tradição anglicana aprovados pela Santa Sé”, o Ordinariato não pode “excluir as celebrações litúrgicas segundo o Rito Romano” (AC III).

8. Os sacerdotes católicos que tenham abandonado a Fé e abraçado a heresia, caso retornem à Igreja, “não podem exercer o ministério sagrado no Ordinariato” (NC 6 §2).

9. Os seminaristas do Ordinariato estudarão junto com os seminaristas católicos da diocese, “especialmente nas áreas de formação doutrinal e pastoral” (AC VI §5); exatamente para garantir que a formação teológica destes futuros sacerdotes seja católica, afastando-se do anglicanismo.

10. A formação dos seminaristas do Ordinariato “naqueles aspectos do patrimônio anglicano que são de particular valor” deve ser feita “em completa harmonia com a tradição católica” (NC 10 §1).

Poliana às avessas

“Cristo Senhor fundou uma só e única Igreja” (Unitatis Redintegratio, 1), que é “a única grei de Deus” (UR, 2). E todos devem fazer parte desta Igreja se quiserem a salvação, porque “não se poderiam salvar aqueles que, não ignorando ter sido a Igreja católica fundada por Deus, por meio de Jesus Cristo, como necessária, contudo, ou não querem entrar nela ou nela não querem perseverar” (Lumen Gentium, 14). Importa que as almas sejam salvas; importa que aquelas pessoas pelas quais Nosso Senhor derramou o Seu Divino Sangue no Calvário façam parte da Igreja por Ele fundada, fora da qual não há nem salvação e nem santidade.

A notícia da semana é sem dúvidas a volta da Comunhão Tradicional Anglicana à Igreja fundada por Nosso Senhor. Os nossos irmãos separados abandonam – finalmente! – o caminho da heresia para adentrar no caminho da salvação: sejam muitíssimo bem vindos. Estamos falando do retorno de entre 30 e 50 bispos e centenas de fiéis à Casa Paterna; estamos falando do fim de um cisma de cinco séculos! Aleluia!

A Congregação para a Doutrina da Fé emitiu uma nota (em italiano; em tradução não-oficial pelo Fratres in Unum) sobre a situação. Os “padres” anglicanos casados (as aspas são porque protestantes não têm sacramentos verdadeiros, à exceção do Batismo e do Matrimônio) serão ordenados verdadeiros sacerdotes do Deus Altíssimo, ainda que casados; os “bispos” anglicanos casados não serão ordenados bispos católicos, posto que, para o episcopado, não há exceção à disciplina do celibato – serão ordenados padres. E a supracitada nota trouxe à baila a figura jurídica mágica: Ordinariatos Pessoais.

Após a Administração Apostólica Pessoal (de Campos) e a Prelazia Pessoal (do Opus Dei), vem agora o Ordinariato Pessoal. Talvez sirva para a FSSPX, embora eu não saiba precisar a diferença entre as três figuras canônicas. Segundo a nota da CDF, a Constituição Apostólica (sobre o assunto, que deve sair nas próximas semanas) apresentará “um único modelo canônico para a Igreja universal que é adaptável a várias situações locais”. O que permanece para os que retornam? “[E]lementos do distintivo patrimônio espiritual e litúrgico Anglicano”. Provavelmente algumas orações e devoções próprias, quiçá um rito próprio; esperemos o documento assinado pelo Papa. E demos graças a Deus, pelo fim do cisma.

No entanto, o que é verdadeiramente cômico – ou trágico – é encontrar na mídia um enfoque totalmente nonsense. Não estão interessados nos bons frutos do [verdadeiro] Ecumenismo, não estão interessados no fim de um cisma de quinhentos anos, não estão interessados nos esforços feitos por Roma para acomodar os recém-chegados da melhor forma possível, não estão interessados nas mudanças do Código de Direito Canônico, não estão interessados em absolutamente nada, exceto no fato de Roma “aceitar [a] conversão de padres anglicanos casados”. Como se a Igreja fosse “negar a conversão” – seja lá o que isso signifique – de quem deseja estar cum Petro et sub Petro.

E a estupidez chega às raias do surreal quando “muitos analistas” vêm dizer que a volta dos anglicanos “aumenta expectativa de fim do celibato”. Ora, foi precisamente por não suportarem mais a babel modernista protestante que estes anglicanos retornaram à comunhão com a Igreja; voltarem-se para Roma exatamente por Roma ser “anti-progressista” – e alguns pretendem que este mesmo retorno seja a introdução do progressismo na Igreja! É incrível como eles conseguem. Poliana conseguia encontrar coisas boas até mesmo nas piores situações com as quais se deparava. Nos nossos dias, deparamo-nos por [muitas] vezes com uma espécie curiosa de Poliana às avessas: conseguem tirar coisas ruins até mesmo das melhores notícias que nos chegam.

Os limites de um esclarecimento – Mons. Michel Schooyans

[Publico artigo do Mons. Michel Schooyans, membro da Pontifícia Academia para a Vida, já publicado no Exsurge, Domine! ontem, sobre a – aparentemente infindável – polêmica envolvendo o aborto dos gêmeos da menina de Alagoinha e o malfadado artigo do presidente da supracitada Academia, Dom Rino Fisichella, bem como o posterior esclarecimento da Congregação para a Doutrina da Fé. Não consegui encontrar o artigo original; esta tradução, no entanto, foi-me enviada por um sacerdote legionário, que conheço  pessoalmente, o qual sei que não seria leviano em assunto de tão grave importância.

Não sei a data original deste artigo. Há em LifeSiteNews.com o Complete Article on “The Recife Affair” by Political Philosophy Professor Monseigneur Michel Schooyans, publicado em junho p.p., mas anterior ao esclarecimento da Congregação para a Doutrina da Fé (que, a propósito, aqui só fiz citar en passant), posto que este é de julho p.p.; aqui não se trata, portanto, daquele artigo então escrito pelo Mons. Schooyans contra Dom Rino Fisichella, mas sim de um outro, posterior aos esclarecimentos da CDF.

Em todo caso, as questões colocadas pelo membro da Pontifícia Academia para a Vida são relevantes e merecem reflexão. Rezemos pela Igreja.]

OS LIMITES DE UM ESCLARECIMENTO

Mons. MICHEL SCHOOYANS

Professor Emérito da Universidade Católica de Louvain
Membro da Pontificia Academia para a Vida

O artigo da Congregação para a Doutrina da Fé foi em geral recebido com interesse, porém, foi objeto de várias reservas. Eis aqui algumas delas:

1.   O “Esclarecimento” teria se beneficiado em continuar a citação (cf. abaixo) desse mesmo número 89 da Encíclica “Evangelium vitae”: “O respeito absoluto por toda vida humana inocente exige também o exercício da objeção de consciência face ao aborto provocado e à eutanásia. ‘Fazer morrer’ não pode jamais ser considerado como cuidado médico, mesmo se a intenção fosse apenas atender um pedido do paciente: é ao contrário a negação das profissões de saúde, que se definem por um ‘sim’ apaixonado e tenaz à vida”.

2.   Se RF tinha proposto a doutrina da Igreja de maneira correta, por que a CDF teve que recordá-la extensamente?

3. O Esclarecimento sugere que o artigo de RF fora doutrinariamente fiel e que consequentemente, as críticas a seu respeito, eram desprovidas de fundamento e que só poderiam proceder de uma vontade de manipular o texto do arcebispo. Afirmar isso é no mínimo ofensivo aos numerosos bispos e militantes pró-vida que manifestaram seu espanto. A reação imediata dos militantes pró-aborto, entre os quais Frances Kissling, mostra que os militantes pró-vida, atuantes, logo perceberam o perigo de um artigo de tal ordem.

4. O esclarecimento deixa de dizer com clareza que RF se afasta da doutrina da Igreja e por causa disso que a CDF teve que relembrá-la. RF cita a doutrina da Igreja não para segui-la, mas ao contrário, para reforçar sua própria posição: em certos casos, a consciência individual “legítima” a transgressão do direito canônico que, nesse caso, reafirma a moral natural. Em outros termos, RF não cita a doutrina da Igreja senão para dizer que dela podemos nos afastar, desde que a consciência subjetiva assim o solicite. A intenção fundamental, subjetiva, prevalece sobre a lei moral.

5. Ao publicar seu “Esclarecimento” a CDF se colocou numa postura delicada. De um lado, ela se recusa em desacreditar RF. De outro, sabe que a RF executou uma missão patrocinada pela Secretaria de Estado. A esta a CDF não quis desagradar. Na medida em que assim procede, a CDF se coloca em uma situação no mínimo inquietante. Com efeito, ela se arrisca a dar a impressão de dar cobertura à posição de RF. O “Esclarecimento” é portanto portador de confusões e um pouco fora do assunto. Ela escapa do ponto focal da posição de RF: “Os médicos devem sempre seguir a sua consciência”. Essa falha do “Esclarecimento” sem dúvida não escapará àqueles que militam pelo aborto. Podemos esperar para que Frances Kissling e os movimentos pró-aborto tirem proveito da insuficiência dessa resposta para fazer avançar sua agenda.

6. Em resumo, o interesse do “Esclarecimento” é um tanto quanto limitado, na medida em que este não aborda o problema a fundo. O problema, é aquele da autonomia absoluta da consciência individual que não se deve referir a uma lei superior, natural e cristã [1]. Em última análise, o artigo de RF coloca problemas dogmáticos e mais precisamente eclesiológicos. Face à consciência subjetiva, a moral cristã deve ceder lugar. Assim, em nome da liberdade de consciência do médico e da liberdade de escolha das mulheres, é corroído o direito da criança não nascida.

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[1] O ensino do Vaticano sobre a consciência é exposto notadamente em “Gaudium et spes”, 16; 19, 3; 50, 2; 87; 3; em “Dignitatis humanae”, 3; em “Apostolicam actuositatem”, 5; etc. Cf. também o “Catecismo da Igreja Católica”, em particular os n° 1776-1802 e em numerosas outras passagens.

Um, dois, três.

1. Uma bela Encíclica, pelo Marcelo Coelho, sobre a Caritas in Veritate. “[P]ara se interpretar corretamente a encíclica (assim como qualquer documento eclesiástico) é necessário se afastar de qualquer tentativa de transformá-la ou lê-la como um manifesto político-ideoloógico. […] Também é importante deixar claro que o conteúdo da encíclica não apresenta nenhuma novidade em relação à Doutrina Social da Igreja, ensinando o que esta sempre ensinou. Achar o contrário é mostrar que desconhecimento a respeito dos ensinamentos sociais da Igreja”.

2. Encontro de Barack Obama com o Papa Bento XVI. “De acordo com o porta-voz da Casa Branca, Robert Gibbs, no diálogo entre ambos, foram abordados temas de interesse mundial e convergentes, como a paz no Oriente Médio, e questões divergentes, como a gravidez indesejada. […] Ao se despedir de seus hóspedes, Bento XVI voltou-se para Obama, dizendo-lhe: ‘Presidente, rezo pelo senhor!’ O presidente norte-americano respondeu: ‘Santidade, espero em um relacionamento muito forte entre os EUA e a Santa Sé!'”. Que encontrem a benevolência do Altíssimo as orações do Vigário de Cristo!

3. Esclarecimento da Congregação para a Doutrina da Fé sobre o aborto provocado – publicado n’O Osservatore Romano! “Pelo que se refere ao problema de determinados tratamentos médicos para preservar a saúde da mãe, é necessário distinguir bem entre dois fatos diferentes: por um lado, uma intervenção que diretamente provoca a morte do feto, chamada em ocasiões de maneira inapropriada de aborto “terapêutico”, que nunca pode ser lícito, pois constitui o assassinato direto de um ser humano inocente (…)”.

Comentários sobre a Ecclesiae Unitatem

Já era esperado há bastante tempo que o Papa unisse a Comissão Ecclesia Dei à Congregação Para a Doutrina da Fé; desde pelo menos o decreto que levantava as excomunhões dos bispos da FSSPX sagrados por D. Marcel Lefèbvre. Na verdade, era o caminho mais imediato a ser seguido; após o motu proprio Summorum Pontificum e a remissão das excomunhões, os dois fins precípuos da Comissão (regulamentar a celebração da Santa Missa segundo o missal anterior à Reforma Litúrgica e facilitar o regresso à Igreja de todos os católicos que estavam “ligados de diversos modos à Fraternidade fundada por Mons Lefebvre, que desejem permanecer unidos ao Sucessor de Pedro na Igreja Católica” – Ecclesia Dei, 5) já haviam “passado à alçada” da Igreja Universal, de modo que a integração da Ecclesia Dei a um dos dicastérios da Cúria era natural.

O Ecclesiae Unitatem foi assinado no dia 02 de julho de 2009, curiosamente no mesmo dia em que havia sido assinada a Ecclesia Dei: esta é de 02 de julho de 1988. No aniversário de vinte e um anos da Comissão, ela recebe o presente de estar agora subordinada ao Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé – atualmente, o cardeal William Levada. É bastante trabalho; rezemos para que o eminentíssimo purpurado o consiga conduzir com a diligência que é necessária.

Qual o conteúdo do motu proprio? É interessante: primeiro, uma reafirmação da primazia do Papa, “que é o perpétuo e visível princípio e fundamento da unidade, seja dos bispos, seja dos fiéis” (EU 1), para a manutenção da unidade da Igreja. Depois, uma retrospectiva: “o Arcebispo Marcel Lefebvre (…) conferiu ilicitamente a ordenação episcopal a quatro sacerdotes” e “o Papa João Paulo II, de venerada memória, instituiu, em 2 de julho de 1988, a Pontifícia Comissão Ecclesia Dei” (EU 2), “[eu] quis ampliar e atualizar, com o Motu Proprio Summorum Pontificum, as indicações gerais já contidas no Motu Proprio Ecclesia Dei” (EU 3), “[eu] quis remitir a excomunhão dos quatro bispos ordenados ilicitamente por Mons. Lefebvre”, mas “as questões de doutrina, obviamente, permanecem, e até que sejam esclarecidas, a Fraternidade não tem um estatuto canônico na Igreja e seus ministros não podem exercitar de modo legítimo qualquer ministério” (EU 4).

Perceba-se: D. Lefevbre conferiu ilicitamente a sagração, o Papa levantou a excomunhão dos bispos ordenados ilicitamente por D. Lefevbvre, e os sacerdotes da FSSPX não podem exercitar de modo legítimo qualquer ministério. A insistência do Santo Padre neste assunto chega a parecer desnecessária. Será resposta às teorias rad-trads sobre a anulação das excomunhões? Será para sossegar o ânimo dos modernistas que vêem um “retrocesso” na proximidade entre a FSSPX e a Santa Sé? Não sei, mas a ênfase dada à ilicitude quer das ordenações de 1988, quer dos demais sacramentos ministrados pela Fraternidade desde então (incluindo as ordenações recentes, após o levantamento das excomunhões), é de uma clareza que chega a ser incomum.

Depois, existe a definição da estrutura da Ecclesia Dei, que é bastante simples e o Santo Padre resume em três pontos:

a) O Presidente da Comissão é o Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé.

b) A Comissão tem um próprio quadro orgânico composto de Secretário e oficiais.

c) Será competência do Presidente, assistido pelo Secretário, apresentar os principais casos e questões de caráter doutrinário ao estudo e discernimento das instâncias ordinárias da Congregação para a Doutrina da Fé, e também apresentar os resultados às disposições superiores do Sumo Pontífice.

Bastante simples, sem dúvidas. Todo o preâmbulo do motu proprio, antes de chegar a esta reformulação que é, afinal, o cerne do documento, poderia ter sido escrito de maneira mais sucinta. Mas o Santo Padre fez questão de reservar mais de 2/3 do documento para repetir a história que já conhecemos e reafirmar a ilicitude das ordenações de 1988. Parece que ele faz questão de dizer que o problema é grave, e é fundamental que todos o entendamos perfeitamente, porque não podemos nos dar ao luxo de gastar energia com caricaturas neste momento crítico que atravessa a Igreja.

Termina o Papa Bento XVI com um pedido: Estendo a todos um apelo urgente para rezar ao Senhor sem cessar, pela intercessão da Bem-aventurada Virgem Maria, “ut unum sint”. Sim, rezemos, aos pés da Virgem Santíssima, pro unitate Ecclesiae. Que Ela alcance de Seu Divino Filho esta graça portentosa e tão necessária aos dias que hoje atravessa a Barca de Pedro.

De nonnullis sententiis et erroribus

[Tomo a liberdade de publicar o documento abaixo. Ele não está no site da Santa Sé, embora esteja lá citado: é o último da página, n. 67 (AAS 58 (1966) 659-661; Nuntius 1 (1967) 17-19; DOCUMENTA 3). Trata-se de uma carta da Congregação para a Doutrina da Fé escrita pelo então prefeito, o Cardeal Ottaviani, e que chegou-me às mãos em um grosso volume de “Documentos Doutrinais” enviado por um sacerdote amigo. O texto vai em espanhol, como o recebi. É interessante porque ilustra (a) a existência de más interpretações do Concílio Vaticano II já no pós-concílio imediato, e (b) a posição constante das autoridades da Igreja quanto à causa delas, referente à qual destaco: “los abusos en la interpretación de la doctrina del Concilio“. A lista de erros é atualíssima; que as sábias palavras do velho cardeal possam nos ajudar a encontrar a melhor forma de saná-los, para a maior glória de Deus e exaltação da Santa Madre Igreja.]

Carta sobre algunas opiniones erróneas en la interpretación de los decretos del Concilio Vaticano II

[Epistula ad Venerabiles Praesules Conferentiarum Episcopalium et ad Superiores Religionum: De nonnullis sententiis et erroribus ex falsa interpretatione decretorum Concilii Vaticani II insurgentibus]

Habiendo promulgado el Concilio Ecuménico Vaticano II, felizmente concluido en fecha reciente, sapientísimos documentos, tanto sobre cuestiones doctrinales, como sobre cuestiones disciplinares, para promover eficazmente la vida de la Iglesia, incumbe a todo el Pueblo de Dios la grave obligación de luchar con todo empeño para que se realice todo lo que, con la inspiración del Espíritu Santo, fue solemnemente propuesto o decretado en aquel amplísimo sínodo de Obispos, presidido por el Romano Pontífice.

A la Jerarquía compete el derecho y el deber de vigilar, dirigir y promover el movimiento de renovación que el Concilio ha comenzado, de modo que los Documentos y Decretos del referido Concilio reciban una recta interpretación y se lleven a efecto con exactitud según la fuerza y el sentido de los mismos. Por tanto, esta doctrina ha de ser defendida por los Obispos, ya que, como tales, gozan de la potestad de enseñar estando unidos con la cabeza de Pedro. Es encomiable el que muchos Pastores del Concilio ya hayan tornado sobre si la obligación de explicarla convenientemente. Sentimos, sin embargo, el que desde diversas partes nos hayan llegado desagradables noticias de como no solo van pululando los abusos en la interpretación de la doctrina del Concilio, sino también de como aquí y allí van surgiendo opiniones peregrinas y audaces, que perturban no poco las almas de muchos fieles. Hemos de encomiar los trabajos o intentos de penetrar más profundamente la verdad, distinguiendo rectamente entre lo que ha de ser creído y lo que es opinable; pero, por los documentos examinados en esta Sagrada Congregación, consta que existen no pocas sentencias que, pasando por alto con facilidad los limites de la simple opinión, parecen afectar un tanto al mismo dogma y a los fundamentos de la fe.

Conviene que expresemos, a modo de ejemplo, algunas de estas sentencias y errores, tal como son conocidas a través de las relaciones de los doctores y de las publicaciones escritas.

1) En primer lugar, nos referimos a la misma Sagrada Revelación: hay quienes recurren a la Sagrada Escritura, dejando a un lado intencionadamente la Tradición, pero coartan el ámbitoo y la fuerza de la inspiración y de la inerrancia, a la vez que piensan equivocadamente acerca del valor de los textos históricos.

2) En lo que se refiere a la doctrina de la Fe, se dice que las formulas dogmáticas han de estar sometidas a la evolución histórica, de tal manera que el sentido objetivo de las mismas queda expuesto a cambios.

3) Se olvida o se subestima el Magisterio ordinario de la Iglesia, principalmente del Romano Pontífice, de tal manera que se relega al plano de las cosas opinables.

4) Algunos casi no reconocen la verdad objetiva absoluta, firme e inmutable, y todo lo exponen a un cierto relativismo, aduciendo el falaz argumento de que cualquier verdad ha de seguir necesariamente el ritmo de evolución de la conciencia y de la historia.

5) Es atacada la misma adorable Persona de Nuestro Señor Jesucristo, cuando, al reflexionar sobre la cristología, se utilizan tales conceptos de naturaleza y de persona, que apenas pueden conciliarse con las definiciones dogmáticas. Se insistía un cierto humanismo por el que Cristo es reducido a la condición de simple hombre, que fue adquiriendo poco a poco conciencia de su filiación divina. Su concepción virginal, sus milagros y su misma Resurrección se conceden de palabra, pero a menudo se reducen a un mero orden natural.

6) Igualmente, al tratar de la teología de los Sacramentos, algunos elementos son ignorados o no se les presta la suficiente atención; sobre todo, en lo que se refiere a la Santísima Eucaristía. No faltan quienes discuten acerca de la presencia real de Cristo bajo las especies de pan y de vino, defendiendo un exacerbado simbolismo, como si el pan y el vino no se convirtiesen en el Cuerpo y la Sangre de Nuestro Señor Jesucristo por la transubstanciación, sino que simplemente fuesen empleados como cierta significación. Hay quien insiste más en el concepto de agape con respecto a la Misa, que en el de Sacrificio.

7) Algunos desean explicar el Sacramento de la Penitencia como un medio de reconciliación con la Iglesia, sin explicar suficientemente la reconciliación con Dios ofendido. Pretenden que, al celebrar este Sacramento, no sea necesaria la personal confesión de los pecados, sino que solo se preocupan de expresar la función social de reconciliación con la Iglesia.

8) No faltan quienes menosprecian la doctrina del Concilio de Trento acerca del pecado original o quienes la interpretan oscureciendo la culpa original de Adán, o, al menos, la transmisión del pecado.

9) No son menores los errores que se hacen circular en el ámbito de la teología moral. En efecto, no pocos se atreven a rechazar la razón objetiva de la moralidad; otros no aceptan la ley natural y defienden, en cambio, la legitimidad de la llamada moral de situación. Se propagan opiniones perniciosas acerca de la moralidad y de la responsabilidad en materia sexual y matrimonial.

10) A todos estos temas hemos de añadir una nota sobre el Ecumenismo. La Sede Apostólica, ciertamente, alaba a todos los que en el espíritu del Decreto Conciliar sobre el ecumenismo promueven iniciativas para fomentar la caridad con los hermanos separados y atraerlos a la unidad de la Iglesia; pero lamenta que no faltan quienes, interpretando a su modo el Decreto Conciliar, exigen una acción ecuménica que va contra la verdad, así como contra la unidad de la Fe y de la Iglesia, fomentando un peligroso irenismo e indiferentismo, que es totalmente ajeno a la mente del Concilio.

Esparcidos por aquí y por allá esta clase de errores y peligros, los presentamos recogidos sumariamente en esta carta a los Ordinarios de lugar, para que cada uno, según su cargo y oficio, cuide de frenarlos y prevenirlos.

Este Sagrado Dicasterio ruega encarecidamente que los Ordinarios del lugar traten de ellos en las reuniones de sus Conferencias Episcopales y envíen relaciones a la Santa Sede, aconsejando lo que crean oportuno, antes de la fiesta da la Navidad de Nuestro Señor Jesucristo del año en curso.

Esta Carta, que una obvia razón de prudencia nos impide hacer del dominio publico, ha de ser guardada bajo estricto secreto por los Ordinarios y por todos aquellos a los que con justa causa la enseñen.

Roma, 24 de julio de 1966.
A. Card. Ottaviani

Mais algumas sobre o aborto

– Vale a pena ler: “Ajuda urgentíssima”. Trata-se da menina de treze anos sobre a qual comentei aqui ontem; ela não quer abortar, mas o promotor do caso quer que ela faça uma avaliação para saber se gravidez oferece risco a ela; caso positivo, ele “disse que poderá encaminhar à Justiça um pedido para que o aborto seja realizado em detrimento do desejo da conselheira e da garota”. Diz o email reproduzido no blog da Julie:

É muito possível que o Iperba afirme que a menina corre risco de vida e que por isso deve praticar o aborto, apesar de que esta afirmação seja falsa. Segundo várias denúncias, os funcionários dos serviços de abortos legais fazem isto habitualmente. Em um relato que enviei a esta lista na semana passada, mostrei como estes serviços mentiram aos pais da menina grávida de Recife, ambos contrários ao aborto, para poderem obter o consentimento deles para autorizar o aborto. Quando o pai da menor procurou esclarescimento fora do hospital e, sabendo da verdade, preparava-se para voltar ao estabelecimento para obter a alta da filha e a suspensão do procedimento do aborto, duas organizações feministas de Recife, com a anuência da coordenação clínica do serviço de aborto legal, raptaram a menina e a conduziram a um local ignorado até que o aborto tivesse sido consumado. Este foi pelo menos foi o quinto caso de rapto de menores realizado por grupos feministas na América Latina com a finalidade de produzir visibilidade para a promoção da total legalização do aborto.

– O email diz ainda que “HÁ 30 MIL GESTAÇÕES DE MENORES DE 14 ANOS NO BRASIL TODOS OS ANOS E ATÉ HOJE NÃO HÁ NENHUMA NOTÍCIA DE UMA MENOR QUE TENHA MORRIDO POR CAUSA DA GRAVIDEZ QUANDO FOI OFERECIDO UM ACOMPANHAMENTO PRE NATAL E UM PARTO CESARIANO” – caixa alta no original. No Diário de Pernambuco de hoje, saiu uma reportagem sobre o assunto que, a despeito do viés abortista, faz eco a esta informação: em dois anos foram “99 casos de meninas com menos de 14 anos que deram à luz em maternidades públicas do Recife”, segundo o estudo reproduzido na matéria. Nenhum óbito.

– Também vale a pena ler: “Declaração sobre o aborto provocado”, da Congregação para a Doutrina da Fé, de 1974.

A função da lei não é a de regist[r]ar o que se faz; mas sim, a de ajudar a fazer melhor. É função do Estado, em qualquer hipótese; salvaguardar os direitos de cada um e proteger os mais fracos. Ser-lhe-á necessário, para tanto, corrigir muitos erros. A lei não está obrigada a sancionar tudo, mas ela não pode ir contra uma outra lei mais profunda e mais augusta do que toda a lei humana, a lei natural inscrita no homem pelo Criador, como uma norma que a razão discerne e se esforça por formular, que é necessário fazer mesmo esforço para compreender cada vez melhor, mas que é sempre mal contradizer. A lei humana pode renunciar a punir, mas não pode declarar honesto aquilo que porventura fosse contrário ao direito natural, porque uma tal oposição basta para fazer com que uma lei deixe de ser lei.

– Vale a pena lamentar duas notícias publicadas em ZENIT nos últimos dias: a tradução do artigo de Dom Rino Fisichella e este comentário entusiasta da sra. Inma Álvares sobre o referido artigo. E vale a pena entrar em contato com ZENIT para pedir a publicação da declaração da arquidiocese de Olinda e Recife, por uma questão de justiça. A fim de que a Verdade triunfe.