– A nova encíclica do Santo Padre, recém-publicada, já está dando o que falar. Como ainda não tive oportunidade de ler da carta mais do que alguns trechos específicos e, mesmo assim, em “leitura diagonal”, não estou em condições de fornecer comentários completos sobre o documento. Mesmo assim, preciso fazer ao menos dois comentários sobre ela que, deixe-se avisado desde já, estarão circunscritos aos estritos limites da minha [falta de] leitura. Peço desde já correções sobre quaisquer erros que eu porventura venha a cometer neles.
– Manchete reducionista número I: Papa exige uma verdadeira autoridade política mundial. Na versão inglesa mais completa e mais nonsense: Pope Endorses “World Political Authority”. Quanto a isso, cabe lembrar que (i) isto é um único parágrafo [o de número 67] dos 79 que compõem a carta encíclica; (ii) o Papa não “exige” absolutamente nada, apenas considera que “urge a presença de uma verdadeira Autoridade política mundial” (itálico no original); (iii) obviamente, tal autoridade não é a ONU, nem a União Européia, nem a OEA, nem nenhuma das organizações existentes na atualidade, e nem mesmo semelhante a elas; (iv) o Papa diz isso expressamente, pois fala na “urgência de uma reforma quer da Organização das Nações Unidas quer da arquitectura económica e financeira internacional, para que seja possível uma real concretização do conceito de família de nações”; (v) o conceito de “Família de Nações” utilizado pelo Papa encontra eco na Cristandade Medieval, e já se concretizou historicamente nos Estados Católicos submissos à autoridade mundial do Vigário de Cristo; (vi) como a Cristandade não mais existe, é necessário – e é isso que o Papa diz – encontrar uma forma, digamos, “natural” de fazer alguma coisa análoga; e (vii) tal autoridade mundial delineada pelo Papa deve obviamente aproximar-se mais do modelo medieval do que do modelo hodierno das Nações Unidas.
– Manchete reducionista número II: Falta de ética e de Deus causaram crise econômica, diz papa, seguida pelo absurdamente pior artigo da UNA que inicia dizendo que o papa Bento 16 adora imolar ateus. Este faz citações erradas da Encíclica, tenta fazer acreditar que o documento é uma espécie de carta anti-ateísmo e, pior de tudo, comete uma distorção tão descarada da idéia expressa por Bento XVI que não entendo como pode ter passado despercebida. O Papa disse que o desenvolvimento humano [integral], sem Deus, “acaba confiado unicamente às mãos do homem, que cai na presunção da auto-salvação e acaba por fomentar um desenvolvimento desumanizado” (Caritas in Veritate, 11). O sr. Marcelo Druyan, prontamente, inventou que o Papa disse terem sido os ateus que geraram a presente crise financeira e defendeu-se da nonsense acusação por ele mesmo produzida argumentando que a crise iniciou-se nos Estados Unidos, cujo presidente era cristão! O samba do crioulo-doido é tanto mais deplorável quanto mais o articulista demonstra estar convicto do mais perfeito encadeamento lógico entre a citação (errada) do Papa, a (inventada) acusação que (supostamente) dela decorre e o (nonsense) argumento que a refuta. Faço coro ao que foi publicado dia desses na Dicta: o novo ateísmo “é de uma estreiteza assustadora”…