Na festa de Cristo Rei

[Nesta semana em que comemorámos a solenidade de Cristo Rei, com a qual a Igreja finda o seu ano litúrgico e inicia a preparação de um novo ciclo de celebrações, publico com alegria este precioso texto sobre o Reinado de Nosso Senhor, gentilmente enviado pelo Bruno Borgarelli, a quem agradeço. Que em meio às trevas desta pós-modernidade desvairada nós nos esforcemos com denodo para que Cristo possa reinar — no pequeno mundo de nossas almas, no mundo mais amplo de nossas famílias e no vasto espaço das sociedades. Viva Cristo Rei!]

SOLENIDADE DE NOSSO SENHOR JESUS CRISTO, REI DO UNIVERSO

Bruno de Ávila Borgarelli

De todo o esplendor da Encíclica Quas Primas, de S.S. Pio XI, instituição da Solenidade de Cristo, Rei do Universo, deve o jurista atentar-se ao trecho respeitante à “pusilanimidade de certos católicos”, que vão esquecendo o Direito de Cristo sobre todas as coisas.

Sua Santidade nota essa tibieza, oportunamente operada sob a veste laicista, já em 1925.

Tanto mais notamo-la hoje, volvido quase um século, passada a Segunda Guerra, passadas as perturbações do violento século XX, e afinal abandonado o próprio estudo do Direito Natural em prol do odioso e protorrevolucionário “constitucionalismo contemporâneo”, insistente em achar princípios desgarrados da lei moral (como fosse isso possível).

Não espanta que sob o signo desse constitucionalismo os homens tenham dado foros de legitimidade ao que de mais repugnante existe, de que a ideologia de gênero é apenas um exemplo.

Sob este mesmo aporte, derivado da mesma negação de Cristo, advém a crise moral das instituições, transformado que fica o Estado em um mecanismo contínuo e eficiente de opressão e combate ao que ainda resta de cristão no mundo, na guerra aberta que opõe as “maiorias” à natural constituição da sociedade.

A participação da lei eterna na criatura racional, ou seja, a lei natural (“participatio legis aeternae in rationali creatura lex naturalis dicitur”; Summa Th., I-II, q.91, a.2) é o alvo por excelência de todos os combates desse ilegítimo “estado constitucional”.

Sabendo muito bem que a razão apreende a lei natural por conaturalidade, os revolucionários precisam ou usar a força para suprimir a mesma razão – e, assim, permitir que aflorem e sejam patrocinadas pelo Estado todas as tendências contrárias à natureza – como de fato ocorre; ou, melhor ainda, precisam tutelar o relativismo moral e os positivismos, frutos podres da mesma diabólica árvore.

Séculos de racionalismo laicista paralisaram a força do “justo”, petrificando-o em leis e códigos. Outros séculos de historicismo subtraíram, especialmente ao Direito Civil, o contato com a normatividade objetiva extraível da natureza humana.

O resultado pérfido veio, como fora arquitetado. Uma paralisia, uma inação, uma permissividade generalizada.

Olvidando, sob a pressão desses movimentos de brutal negação da objetividade, que as leis humanas positivas são meios de explicitação da lei natural, e de garantir sua eficácia, chega-se ao império não mais da lei, mas da corrupção das leis (pois, como diz Santo Tomás, “si vero in aliquo a lege naturali discordet, iam nom erit lex sed legis corruptio”).

Mandam os códigos, governa a obsessão das leis, pouco relevando sua iniquidade, sua discordância relativamente à justiça, aos preceitos da lex naturalis. O Direito Civil, primaz na regulamentação das instituições ligadas à natureza humana, perdeu a autoridade, como recorda Galvão de Sousa, que é então ocupada pelo “poder criador das assembleias”, restando a tecnocracia em lugar da constituição natural da sociedade (in “O Direito Civil entre o ‘ius naturale’ e a tecnocracia”).

E a sobrevivência das “instituições democráticas”, tomadas como fim em si, vale mais que a razão natural, vale mais que o culto público a Deus – que é mandamento, e não solicitação.

O credo fanático no legalismo, no laicismo, a idolatria da lei positiva humana, tudo isso decorre da tentativa de destronar Cristo, o que se epitomiza em certos fatores políticos e jurídicos, dentre os quais M. Bigotte Chorão identifica a Revolução Francesa, o Estado Liberal, os regimes comunistas etc.

Esse fanatismo já ninguém o pode negar. Oprime, amedronta, e se revela com maior ferocidade no acanhamento dos cristãos, que é justamente o que sublinha S.S. Pio XI na Quas Primas, identificando a “indolência e timidez dos bons que se abstêm de toda resistência, ou resistem com moleza, donde provém, nos adversários da Igreja, novo acréscimo de pretensões e de audácia”.

E não só se pode dizer que os católicos não exercem, na sociedade civil, a autoridade que conviria aos apologistas da fé, como observa Sua Santidade. Até exercem, eventualmente.

Mas a realidade é que as instituições se recheiam de pessoas que se anunciam como católicas, metem uma tímida imagem ao canto do gabinete, esboçam (nunca em público) o sinal da cruz, murmuram uma qualquer parte da Santa Doutrina – apenas quando a conveniência dos salões o permite -, e até frequentam os Sacramentos, mas não vivem a Verdade do Reino de Cristo.

E não a vivem na medida em que não trabalham para a efetiva instituição desse Reinado, porque já as contaminou o veneno do conformismo, da acomodação: “que faria eu, pobre cristão, para reverter a marcha do tal historicismo, do tal positivismo, do tal constitucionalismo?”

E tecem contas de orações por sua sobrevivência profissional, pensando assim: “exercerei em nome de Cristo esta função institucional que me foi confiada, e, quando detiver maior poder, estrategicamente, ajudarei a arrumar a sociedade, fazendo-a voltar aos princípios da lei natural”.

Estratégias, estratégias, estratégias!

Creem ser possível justificar que se dê às leis humanas civis, ainda por um instante, um valor em si, e não uma autoridade relativa, que somente se verifica na medida – na exata medida – em que respeitam a lei natural.

E creem em tal coisa porque calculam que é mais válido não enfrentar, neste momento, a “autoridade” da lei civil, afinal, “quem sou eu para bater de frente com o laicismo, a esta altura da história? Melhor é aceitar esse estado de coisas e ir lutando para mudar o que é possível”.

Mentira! Mero oportunismo, e não prudência.

Cálculos, cálculos, cálculos!

Essa ideia – tão bem “calculada” – é fruto do medo, do zelo excessivo de si, do receio de perder a reputação perante os homens. Cria-se uma pletora de justificativas para a pior das ações: a negação objetiva de Cristo, a quem cabe toda honra e toda a glória.

Esquecem-se, contudo, que o homem não se pode justificar a si mesmo contra Deus. Pois o homem que se justifica a si julga a Deus, negando sua autoridade (Rom 3,19). Jesus Nosso Senhor, puríssimo e sem mácula, não entrou a justificar-se perante Pilatos e a multidão. Ora então, quem é o homem para assacar argumentos contra Deus? (Jo 9, 14).

Esquecem-se do que diz S.S. Pio XII, na Alocução “Ci Riesce”: aquilo que não responde à lei moral não tem nenhum direito à existência, nem à propaganda, nem à ação. Sua Santidade não faz ressalvas: àquilo que está em desacordo com a lei moral não é dado direito algum, sequer de ser propagandeado.

Esquecem-se que a ninguém Deus deu licença de pecar (Eclo 15, 20).

Esquecem-se, enfim, que o dia de amanhã não foi prometido a ninguém. “Hodie non cras!”.

E nesses esquecimentos, sinais da covardia, vai-se esvaindo a potência para o bem, vai desmoronando a ordem (i.e., a disposição das coisas segundo seus fins), vai-se consumindo a força da catolicidade, pois quem adia o Reinado de Cristo, já negou Sua Divindade sobre todas as coisas.

Cai-se daí facilmente nos respeitos humanos. Afinal, tendo-se convencido de que é possível acumular poder nas coisas do mundo e só depois agir publicamente em nome de Cristo, parece oportuno, a tais pessoas, não criar desgastes com esta ou aquela autoridade, nem figurar sob a pecha de fanatismo (que os modernos atribuem ao verdadeiro católico).

E avançam nessa miserável vida de enganos, suportando no coração – decerto – o peso desse pecado, que conhecem bem, e que consiste em negar Deus.

Que infelizes não serão! Que sofrimento experimentam já, o qual, sem o arrependimento, se tornará danação eterna.

Afinal, a recompensa da Coroa só virá para os que praticam a verdade, e não para os que a pregam ou ouvem (Venerável Fulton Sheen). Muito menos virá tal recompensa para os que apenas murmuram a verdade, quando é conveniente, e quando as altas rodas não reprimem a exposição pública da fé.

Que terror não causa também o pensar que estamos todos nós, na provação que consiste em viver nesta época, igualmente sujeitos a tal desgraça.

A desgraça de julgar conforme nossos propósitos, de olvidar a Lei de Deus, de cair nos respeitos humanos, de zelar por nossos cargos, de amar nossas reputações, de encorajar nos outros essa mesma paixão desordenada – ou de não a desencorajar, em fraternal correção, quando assim agem – de ocultar a fé para ingressar nos círculos de mando da sociedade, de oferecer justificativas para nós mesmos.

Que Nosso Senhor nos ensine a continuamente rejeitar o mundo e suas falsas benesses, e a resgatar verdadeiramente – sem pusilanimidade e tibieza – sua Lei.

Que Ele nos conceda sabedoria para nos humilharmos diante de sua Majestade e Poder.

De joelhos, hoje, na Festa instituída em recordação ao Reinado de Cristo sobre todo o Universo, brademos como está Escrito:

“Levanta-te, ó Deus, e julgue toda a Terra, porque a ti pertencem todas as nações!” (Sm 82, 8)

Viva Cristo Rei!

Bruno de Ávila Borgarelli

São Paulo, 24.XI.2019

Campanha para o lançamento do livro “Jesus Cristo: Rei do Universo”

O Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo é uma dos temas mais pungentes — na minha opinião — do momento histórico que nós vivemos. E isto por uma dupla razão: por um lado, porque o fato de Cristo ser Rei do Universo inteiro é um dado da Doutrina que somente a muito esforço é possível obscurecer. Por outro, porque, paradoxalmente, a necessidade de que Cristo reine também no mundo social é um assunto sobre o qual muito pouco se fala atualmente, mesmo dentro de ambientes católicos.

“Toda autoridade me foi dada no céu e na terra”, disse Nosso Senhor antes de subir aos céus (Mt 28, 18). Contorcionismos interpretativos à parte, o fato é que “toda autoridade” — omnis potestas — não pode significar outra coisa que todo poder, i.e., toda função de governo, comando, cujo exercício é necessário à manutenção da ordem no mundo criado; e isto em qualquer esfera. Porque o pronome “todo”, quer signifique “qualquer um”, quer signifique “por inteiro”, contém inafastável de si a idéia de totalidade, completude, plenitude; é dizer, não há autoridade terrena que não tenha sido dada a Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo. E, se Ele detém toda autoridade, é um ultraje e um acinte que o governo do mundo seja exercido de modo indiferente — contrário até! — aos preceitos do Evangelho. Pior: é uma impiedade que tal se trate com generalizada indiferença, mesmo entre os católicos!

Omnis potestas é todo poder, e aqui não se faz a menor distinção entre a esfera secular e a religiosa. Comentando a referida passagem, São Jerônimo nos ensina que “Aquele que antes reinava apenas no Céu, agora deve, pela fé dos que n’Ele crêem, reinar também na terra” (Catena Aurea). Outro não é o ensinamento do Magistério Pontifício: “É Ele [Cristo] só quem dá prosperidade e felicidade verdadeiras, tanto para os indivíduos quanto para as nações: porque a felicidade da nação não procede de fonte distinta que a felicidade dos cidadãos, uma vez que a nação outra coisa não é que o conjunto concorde de cidadãos. Não se neguem, pois, os governantes das nações a dar, por si mesmos e pelo povo, demonstrações públicas de veneração e obediência ao império de Cristo, se querem conservar incólume sua autoridade e fazer a felicidade e fortuna da sua pátria.” (Pio XI, Quanta Cura, 16) Outras provas e argumentações poderiam ser aduzidas, mas bastem estas para atiçar a curiosidade e dispôr os ânimos para a campanha que aqui se vem anunciar.

É por tudo isto que considero importantíssima esta obra do Dr. Rafael Vitola Brodbeck, delegado de polícia e famoso apologeta católico: “Jesus Cristo: Rei do Universo”. O livro está sendo colocado no mercado editorial via crowdfunding: i.e., o financiamento colaborativo é condição para o seu lançamento. Não se trata da aquisição de um exemplar de um livro já lançado e disponível nas editoras, mas da colaboração para que tal livro, que está escrito mas não publicado, venha a ser lançado. Colaboração esta que não é gratuita: atingido o necessário para o lançamento do livro, os colaboradores receberão, privilegiadamente, um ou mais exemplares do livro, a depender da forma que escolham de colaborar.

Este blog apóia a campanha de lançamento do “Jesus Cristo: Rei do Universo” e a recomenda aos seus leitores, por algumas razões. Primeiro porque o tema, como expus acima, é importante e pouco trabalhado; segundo porque o autor é pessoa de reconhecida ortodoxia e experiência no apostolado público (quem não o conhece tem, agora, uma excelente oportunidade de o conhecer). Terceiro porque é importante que livros assim sejam colocados à disposição dos católicos de língua lusófona, adentrando definitivamente no mercado editorial — por vezes tão carentes de boas obras. Quarto porque o preço está justo, sendo uma excelente oportunidade para adquirir uma obra que tanto pode ser usada para referência, em casa, quanto para presentear amigos e familiares. Quinto, por fim, e mais importante, para que Deus seja servido, que este é o fim e a razão de todo apostolado. Deus é glorificado quando a Sua doutrina é conhecida e defendida; e outro não é o propósito do livro do Rafael que aqui se recomenda.

Para adquirir a obra basta clicar aqui. Mas atenção: faltam apenas 16 dias para o fim da campanha e, se até lá o valor total não for arrecadado, a obra não poderá ser lançada. Estamos atualmente com 51% da meta. Entrem lá, conheçam, colaborem, compartilhem, recomendem.

Aqui é possível ver um vídeo do autor explicando a obra e a campanha:

Aqui, um trecho da obra, inédito!, para dar um gostinho e incitar a vontade de a ler na íntegra:

A Tradição Apostólica é unânime em proclamar Cristo Rei do Universo, concordando com ela a Sagrada Escritura. Cumpre notar que o Reino é espiritual, não material: ‘O meu Reino não é deste mundo.’ (Jo 18,36) Já existe pela Igreja e tornar-se-á pleno quando Jesus vier em glória. Todavia, Seu Reinado espiritual comunica-se com as realidades temporais, uma vez que nós, Seus súditos, não somos puro espírito, e também porque vivemos no mundo, na matéria, criada igualmente por Deus. O Reino é espiritual, mas domina todas as coisas criadas e deve influenciar as várias obras temporais: a política, o direito, a ciência, a cultura, as artes. Não pode alguém afirmar-se cristão em sua vida privada e atuar publicamente em contradição com a Lei de Deus. Absurdo um médico católico que interrompa uma gravidez, mesmo amparado por uma legislação permissiva, alegando que a fé é meramente espiritual e de foro íntimo. Como igualmente errôneo um político que se diga seguidor de Cristo e que aprove uma lei autorizando o ‘casamento’ homossexual, invocando a autonomia do Estado frente a Igreja para ‘justificar’ sua ação.

Aqui a exposição da campanha no Facebook do autor, com uma lista das pessoas que colaboraram com a obra e a recomendam: “Tenho um recado importante para ti”.

Entrem no site e verifiquem a colaboração que mais lhes parecer adequada; há-as várias, de somente o arquivo digital (em .pdf), passando pelo livro físico, até um combo de diversos livros. Especialmente digna de sugestão, a propósito, é a “Recompensa #6”:

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R$ 300,00: 4 exemplares em brochura + seu nome impresso nos agradecimentos do livro + 1 exemplar de A Ordem Natural + 1 exemplar de A Guerra dos Cristeros + 1 exemplar de A Fé da Igreja + 1 exemplar de Sentir com a Igreja + 1 exemplar de Para Conhecer e Viver as Verdades da Fé + vídeo-aula com o autor.

É a mais recomendada não apenas porque é a que mais generosamente contribui para o bom êxito da campanha, mas também porque é a que apresenta o melhor custo-benefício (são nove livros, a um preço total médio de R$ 33,00 por exemplar): além de possibilitar presentear os amigos com o livro do Rafael (são quatro deles), ainda vêm no pacote outros volumes preciosos (por exemplo, o “A Guerra dos Cristeros” eu já resenhei aqui no blog), de leitura mais que recomendada. Mas há colaborações para todos os gostos: o livro físico, exemplar único, sai por R$ 48,00 — frete já incluso.

Que o bom Deus abençoe esta iniciativa tão louvável! E você, leitor, que se interessou pelo material aqui postado, não perca tempo e apoie “Jesus Cristo: Rei do Universo” hoje mesmo. O mundo cultural católico agradece.

Petrus Eni

Ontem foi o fechamento do Ano da Fé, junto com a celebração da Missa de Cristo Rei. Em Roma, o Papa Francisco fez uma coisa extraordinária: rezou a Profissão de Fé tendo nas mãos a urna com os restos de São Pedro Apóstolo, os quais foram depois expostos à veneração dos fiéis. Mais fotos podem ser encontradas no Facebook.

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As relíquias de São Pedro, nas mãos do seu sucessor, enquanto ele professava o Credo! Se estamos em tempos onde uma boa imagem vale mais do que mil palavras, foquemo-nos nesta imagem assombrosa: um Papa prestando vassalagem ao primeiro que ocupou o sólio pontifício; invocando o Príncipe dos Apóstolos por testemunha, o Bispo de Roma fazendo a sua solene Profissão de Fé. Passado longínquo e presente unem-se, assim, neste grandioso quadro, e o elemento que une o primeiro século aos dias de hoje é justamente a Fé. A Fé dos Apóstolos, a Fé da qual a Igreja é Mestra e Guardiã Infalível, a Fé que não muda e que é a mesma enquanto o mundo dá voltas. Papa Francisco e São Pedro Apóstolo, unidos na mesma Profissão de Fé. Que o mundo perceba a força dessa imagem e entenda essa verdade.

Cristo-Rei: solenidade da Igreja contra o laicismo, «peste de nossos tempos»

Ontem, no novo calendário litúrgico, foi a celebração da Festa de Cristo Rei; em tempos de ateísmo militante como estes nos quais vivemos, é oportuno conhecer as origens desta festa e o porquê do Papa ter um dia mandado que ela fosse celebrada.

Quem a instituiu foi Pio XI na Encíclica Quas Primas (no site do Vaticano só tem em espanhol; encontrei uma tradução para o português aqui, e é desta que tiro as citações adiante (inclusive com a numeração, que diverge da do texto em espanhol), apenas para fins de praticidade – pois prefiro a versão espanhola e recomendo a todos a sua leitura nos pontos em que a tradução portuguesa se mostrar de difícil compreensão). Os pontos mais importantes desta Encíclica, no meu entender, são três:

1) Cristo é Rei de todos os homens, e não somente dos cristãos. Embora o Seu Reino seja primordialmente espiritual, disto não segue que o Filho de Deus seja menos Rei na esfera temporal. Assim Pio XI: «fora erro grosseiro denegar a Cristo Homem a soberania sobre as coisas temporais todas, sejam quais forem. Do Pai recebeu Jesus o mais absoluto domínio das criaturas, que Lhe permite dispor delas todas como Lhe aprouver» (QP 13). E ainda:

14. Assim, pois, a realeza do nosso Redentor abraça a totalidade dos homens. Sobre este ponto, de muito bom grado fazemos Nossas as palavras seguintes de Nosso Predecessor Leão XIII, de imortal memória: “Seu império não abrange tão só as nações católicas ou os cristãos batizados, que juridicamente pertencem à Igreja, ainda quando dela separados por opiniões errôneas ou pelo cisma: estende-se igualmente e sem exceções aos homens todos, mesmo alheios à fé cristã, de modo que o império de Cristo Jesus abarca, em todo rigor da verdade, o gênero humano inteiro” (Encícl. Annum Sacrum, 25 de Maio de 1899). E, neste particular, não cabe fazer distinção entre os indivíduos, as famílias e os estados; pois os homens não estão menos sujeitos à autoridade de Cristo em sua vida coletiva do que na vida individual. Cristo é fonte única de salvação para as nações como para os indivíduos. “Não há salvação em nenhum outro; porque abaixo do Céu nenhum outro nome foi dado aos homens, pelo qual nós devamos ser salvos” (At 4, 12). Dele provêm ao estado como ao cidadão toda prosperidade e bem-estar verdadeiro. “Uma e única é a fonte da ventura, assim para as nações como para os indivíduos, pois outra coisa não é a cidade mais que uma multidão concorde de indivíduos” (S. Aug., Epíst. ad Macedonium, c. 3). Não podem, pois, os homens de governo recusar à soberania de Cristo, em seu nome pessoal e no de seus povos, públicas homenagens de respeito e submissão. Com isto, sobre estearem o próprio poder, hão de promover e aumentar a prosperidade nacional.

2) Não se diga que isto é doutrina ultrapassada que já se encontra aggiornada. A Festa de Cristo-Rei continua sendo celebrada mesmo após a Reforma Litúrgica, e – segundo Pio XI – as Festas Litúrgicas servem para incutir mais eficazmente no povo fiel as verdades divinas:

19. Com efeito, para instruir o povo nas verdades da fé e levá-lo assim às alegrias da vida interna, mais eficazes que os documentos mais importantes do Magistério eclesiástico são as festividades anuais dos sagrados mistérios. Os documentos do Magistério, de fato, apenas alcançam um restrito número de espíritos mais cultos, ao passo que as festas atingem e instruem a universalidade dos fiéis. Os primeiros, por assim dizer, falam uma vez só, as segundas falam sem interminência de ano para ano; os primeiros dirigem-se, sobretudo, ao entendimento; as segundas influem não só na inteligência, mas também no coração, quer dizer — no homem todo.

3) Esta festa foi instituída contra o laicismo, e é dever dos católicos – mesmo (e talvez principalmente) dos fiéis leigos – lutar com denodo para recuperar a Nosso Senhor a Sua Realeza pública. Assim nos ensina o Papa:

22. Como bem sabeis, Veneráveis Irmãos, não é num dia que esta praga [o laicismo] chegou à sua plena maturação; há muito, estava latente nos estados modernos. Começou-se, primeiro, a negar a soberania de Cristo sobre todas as nações; negou-se, portanto, à Igreja o direito de doutrinar o gênero humano, de legislar e reger os povos em ordem à eterna bem-aventurança. Aos poucos, foi equiparada a religião de Cristo aos falsos cultos e indecorosamente rebaixada ao mesmo nível. Sujeitaram-na, em seguida, à autoridade civil, entregando-a, por assim dizer, ao capricho de príncipes e governos. Houve até quem pretendesse substituir à religião de Cristo um simples sentimento de religiosidade natural. Certos estados, por fim, julgaram poder dispensar-se do próprio Deus e fizeram consistir sua religião na irreligião e no esquecimento consciente e voluntário de Deus.

E ainda, sobre os leigos:

24. A festa, doravante ânua, de “Cristo-Rei” dá-nos a mais viva esperança de acelerarmos a tão desejada volta da humanidade a seu Salvador amantíssimo. Fora, com certeza, dever dos católicos, apressar e preparar esta volta com diligente empenho; a muitos deles, contudo, pelo que parece, não toca, na sociedade civil, o posto e a autoridade que conviriam aos apologistas da fé. Talvez deva este fato atribuir-se à indolência e timidez dos bons que se abstêm de toda resistência, ou resistem com moleza, donde provém, nos adversários da Igreja, novo acréscimo de pretensões e de audácia. Mas, desde que a massa dos fiéis se compenetre de que é obrigação sua combater com valentia e sem tréguas sob os estandartes de Cristo-Rei, o zelo apostólico abrasará seus corações, e todos se esforçarão de reconciliar com o Senhor as almas que o ignoram ou dele desertaram; todos, enfim, se esforçarão por manter inviolados os direitos do próprio Deus.

Cristo é Rei e Se revestiu de Majestade: esta verdade solenemente cantada ontem em todas as nossas igrejas não perde o seu valor por conta da lastimável situação na qual o mundo se encontra hoje em dia. Assim como Nosso Senhor está substancialmente presente nas espécies eucarísticas ainda que d’Ele zombem e blasfemem, Cristo é Rei das Nações ainda que os nossos governantes deixem-se guiar pela impiedade e batalhem ostensivamente para erigir «o esquecimento constante e voluntário de Deus» como única regra de fé permitida no Estado Moderno. A nós, contudo, que tivemos a graça de ouvir da Igreja de Cristo a doce mensagem da Salvação, cumpre batalhar com todas as nossas forças pelos «direitos do próprio Deus». Não ousemos nos furtar a tão grave dever! Porque, se o fizermos – Deus não o permita! -, n’Aquele Dia Terrível «de tamanha afronta há de tomar o Supremo Juiz a mais terrível vingança» (QP 33).

“Um rei cujo trono é uma cruz” – Bento XVI

Isto pode, sem dúvida, parecer-nos desconcertante! Ainda hoje, como há 2000 anos, habituados a ver os sinais da realeza no sucesso, na força, no dinheiro ou no poder, temos dificuldade em aceitar um tal rei, um rei que Se faz servo dos mais pequeninos, dos mais humildes; um rei cujo trono é uma cruz. E todavia – como ensinam as Escrituras – é assim que se manifesta a glória de Cristo; é na humildade da sua vida terrena que Ele encontra o poder de julgar o mundo. Para Ele, reinar é servir! E aquilo que nos pede é segui-Lo por este caminho: servir, estar atento ao clamor do pobre, do fraco, do marginalizado. A pessoa baptizada sabe que a sua decisão de seguir Cristo pode acarretar-lhe grandes sacrifícios, às vezes até mesmo o da própria vida. Mas, como nos recordou São Paulo, Cristo venceu a morte e arrasta-nos atrás de Si na sua ressurreição; introduz-nos num mundo novo, um mundo de liberdade e felicidade. Ainda hoje temos muitos vínculos com o mundo velho, muitos medos que nos mantêm prisioneiros, impedindo-nos de viver livres e felizes. Deixemos que Cristo nos liberte deste mundo velho. A nossa fé n’Ele, vencedor de todos os nossos medos e misérias, faz-nos entrar num mundo novo: um mundo onde a justiça e a verdade não são objeto de burla, um mundo de liberdade interior e de paz connosco, com os outros e com Deus. Tal é o dom que Deus nos fez no nosso Baptismo.

Bento XVI (20/11/2011)
Homilia de Cristo-Rei em Benin

Hoje celebramos o que já não existe

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Hoje, no calendário antigo, celebra-se a festa de Cristo Rei. Tenho a impressão de que os modernos católicos pouco ou nada sabem sobre o significado do dia de hoje; afinal, para quê serve esta festa? Por exemplo, a Páscoa existe para testemunhar ao mundo que Cristo ressuscitou, e Corpus Christi foi instituído para combater os que negavam a presença real de Nosso Senhor na Eucaristia. E quanto à solenidade de Cristo Rei?

Causar-nos-ia espanto sabermos que o dia de hoje existe precisamente para combater o Laicismo, e foi instituído para testemunhar o poder (também temporal!) d’Aquele a Quem todo poder foi dado nos Céus e na Terra? Surpreender-nos-ia descobrirmos que a solenidade hoje celebrada é para dizer aos católicos e ao mundo que Cristo-Homem é Rei em sentido próprio, tanto dos indivíduos quanto das sociedades?

Hoje celebramos o que já nāo existe, mas deve existir: os povos e as nações devem submeter-se ao senhorio de Cristo! Digo melhor: hoje celebramos o que sem dúvidas existe (afinal, Cristo é Rei), mas as pessoas agem como se não existisse. A festa de hoje não foi eliminada e nem ressignificada: seria, portanto, um grave engano supormos que aquilo ensinado por Pio XI não seja mais aplicável aos nossos dias. Ora, é claro que é aplicável: tanto porque a festa continua a ser celebrada quanto porque hoje – mais do que nunca! – o senhorio de Cristo é negado por tantos, na teoria e na prática. Devemos, portanto, celebrar o reinado de Cristo, testemunhá-lo ousadamente neste mundo que lhe é tão hostil.

Cristo não reina nos corações e nem nas sociedades. É por conta dos nossos pecados. Se o mundo não sabe que Cristo é Rei, é também porque nós celebramos mal o dia de hoje: revertamos este triste quadro! Que os católicos defendam abertamente o reinado de Cristo. Que combatam as impiedades modernas contra as quais foi instituída a festa de hoje. Que encham as igrejas para cantar, com júbilo, o Christus Vincit, Christus Regnat, Christus Imperat solene. Que Ele nos ouça. Que reclame o que é Seu. Vinde, Senhor, não tardeis.

Cristo, Rei dos reis

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Fonte: "A História dos Santos" (clique na figura)

Ergo rex es tu?
[Evangelium secundum Ioannem XVIII, 37]

Sim. Nosso Senhor é Rei. Aquele de quem zombaram e escarneceram, Aquele que foi entregue aos judeus porque o Seu Reino não era deste mundo, do alto do Calvário revestiu-Se de majestade. Rei dos Judeus, simplesmente, como Lhe chamaram? Não! Rei dos reis, e Senhor dos senhores. Rei do Universo.

Como pode Cristo ser Rei do Universo, se Ele disse a Pilatos que o Seu Reino não era deste mundo? Não é deste mundo, explica Santo Agostinho na catena aurea, porque não provém da raça degenerada de Adão. No entanto, está neste mundo, porque “foi feito um Reino, [que] já não [é] deste mundo, de todo aquele que foi regenerado em Cristo”. Apesar de não ser deste mundo, é neste mundo que o Reino de Cristo deve resplandecer. Nosso Senhor não disse, de Seu Reino, que “não está aqui, porque o Seu Reino está aqui até o fim dos tempos (…) não é daqui; no entanto, peregrina neste mundo”.

O Reino de Cristo está neste mundo, e é neste mundo que Nosso Senhor deve reinar. O Papa Pio XI, quando instituiu a festa de Cristo Rei na encíclica Quas Primas, disse que a realeza de Cristo contém uma tríplice potestade: no campo espiritual, no campo temporal, e no campo dos indivíduos e da sociedade. Nosso Senhor não é meramente um rei espiritual: o Seu império inclui também as realidades temporais, os indivíduos e as sociedades. Negar-Lhe estas é negar-Lhe a realeza! Escrevia Pio XI em 1925: “Não se recusem, portanto, os governantes das nações a darem por si mesmos e pelo povo demonstrações públicas de veneração e de obediência ao Império de Cristo, se querem conservar incólume sua autoridade e fazer a felicidade e a fortuna de sua pátria” – o quanto são atuais estas exortações!

Mas o Vigário de Cristo não foi ouvido, e a realeza de Nosso Senhor não é reconhecida. No entanto, Ele é rei! Já uma vez na História, diante de Pilatos, não Lhe reconheceram a Majestade; ao contrário, zombaram d’Ele. Hoje, Nosso Senhor está de novo no pretório; hoje, mais uma vez, zombam e escarnecem d’Ele. No entanto – iterum dico – Ele é Rei. Esforcemo-nos para que Nosso Senhor reine. Em nossas vidas, primeiramente, e daí para a sociedade. Esforcemo-nos para expandir o reinado de Nosso Senhor, a fim de oferecer-Lhe o que Lhe pertence por direito. Cantemos, do fundo da alma, o Christus vincit, Christus regnat, Christus imperat! – e rezemos para que esta verdade resplandeça diante dos povos e nações. Há de resplandecer. Sim, o nosso Deus é Rei. Alegremo-nos com isso, e esforcemo-nos por sermos bons súditos. Que Ele reine. Heri, Hodie et Semper.