Os escombros da ideologia: sobre o abandono das CTEHs

Agradeço ao Alien por me ter mostrado esta auspiciosa notícia: USP vai desenvolver banco de células-tronco [adultas, naturalmente] para pesquisar doenças crônicas e novas drogas. Praticamente quatro anos após o iníquo julgamento do STF que autorizou a destruição de seres humanos em pesquisas científicas (eu já estava aqui), não dá mais para esconder que as tentativas de se encontrar alguma aplicação terapêutica para as células-tronco embrionárias humanas resultaram em um fragoroso fracasso. Como nós dissemos e cansamos de repetir à época, as promessas de revoluções medicinais eram quimeras enganosas (até a dra. Zatz já pulou fora do barco furado que ela se esforçou por vender). Como nós dissemos e nunca deixamos de repetir, o verdadeiro objetivo por detrás da aprovação da lei de Biossegurança era minar a inviolabilidade da vida humana e abrir caminho para a aprovação do aborto.

Desde o surgimento das células-tronco pluripotentes induzidas (iPS) a discussão sobre o uso de embriões para obtenção de células-tronco se tornou anacrônica. A tecnologia já era conhecida quando o STF julgou, em 2008, pela destruição dos embriões humanos criopreservados – o que só vem dar mais um testemunho a respeito do viés político-ideológico (e nada científico) que pautou aquela decisão. Hoje, a debandada dos que apostaram nas CTEHs é geral – mas a que preço? Perdeu-se tempo, energia e dinheiro com pesquisas imorais fadadas ao fracasso. Foi arranhada a proteção jurídica à vida humana, e a rachadura produzida então resultou em consideráveis sangrias futuras – como a recente decisão em favor do aborto de fetos deficientes. Mas, principalmente, incontáveis seres humanos foram destruídos em lamínulas e  placas de Petri, como um holocausto silencioso e invisível oferecido a algum ídolo moderno irracional cuja voracidade é crescente e que, desde então, só faz exigir sacrifícios cada vez maiores. Agora que o monstro está criado não é suficiente criar banco de iPSCs. Os escombros da ideologia falida ainda se fazem presentes, ameaçadores, tornando a caminhada penosa e cheia de perigos. O horror está longe de ter terminado e, a despeito do lampejo de esperança que hoje reluz, é enorme a quantidade de sujeira que ainda precisa ser limpa.

Curtas

Inquérito apura aborto por engano de gêmeo saudável na Austrália. “Médicos disseram à mãe dos gêmeos que um de seus bebês tinha um problema cardíaco congênito que requereria várias cirurgias durante sua vida, caso ele sobrevivesse. A mãe escolheu por abortar o feto de 32 semanas, mas, na última terça-feira, os funcionários do Royal Women’s Hospital realizaram o procedimento, por meio de injeção, no bebê sadio”.

Não é a primeira vez que temos notícia de algo assim. Em 2007 aconteceu o mesmo na Itália; o bebê tinha síndrome de Down. A sua irmã foi assassinada “por engano” e, quando a mãe soube, pediu para que matassem também a sobrevivente. Casos assim chocam a nossa sensibilidade: mas quantos outros não morrem a cada dia sem que ninguém perceba ou lhes dê atenção?

Que Nossa Senhora de Guadalupe tenha misericórdia das crianças assassinadas no ventre de suas mães. Que alcance de nós o perdão de Deus; que sustente a Sua ira, porque estes crimes são terríveis demais.

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Caríssima GRNOPC1, da Dra. Lenise Garcia. Uma carta escrita… a uma célula-tronco. Melhor dizendo, a uma célula-tronco embrionária recentemente descartada pela Geron. Excerto:

Sabe, não é nesse mesmo sentido que a Geron te considera “caríssima”. O problema é que você e suas irmãs custaram uma nota preta, mas não estão dando o esperado retorno… financeiro. É por isso que a Geron está desistindo de vocês, porque descobriu que não serão tão lucrativas como os investidores estão exigindo.

Mas, como disse de início, você não deve se considerar uma fracassada. A sua vocação não era ser um remendo celular na coluna de outro indivíduo, mas ser você mesma, desenvolver as suas potencialidades, amar e ser amada.

Deixe para as células-tronco adultas a função de solucionar problemas de saúde. Talvez não sejam tão lucrativas, pois são retiradas de cada indivíduo, e portanto não se transformam em um produto comercial. Mas são muito mais eficientes para proporcionar curas.

A Dra. Lenise, a propósito, estará no programa “Escola da Fé” com o prof. Felipe Aquino no próximo dia 01 de dezembro, às 20h40. Não deixem de assistir.

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Estudante tem trabalho científico recusado por agradecer a Deus. Aconteceu aqui em Garanhuns; vejam o vídeo. A garota é aluna da Universidade Federal Rural de Garanhuns, e o agradecimento espantosamente estava… na parte de “agradecimentos” do trabalho! Era um simples “agradecemos a Deus”. O trabalho foi recusado.

A justificativa apresentada? “Agradecimentos devem ser relacionados à pesquisa e não a Deus”. O absurdo provocou indignação. Entre outros, o bispo de Garanhuns, Dom Fernando Guimarães, manifestou-se: “A recusa de um trabalho explicitamente porque o aluno introduz o trabalho com um agradecimento a Deus… isto me surpreende profundamente”.

Ao final, a Universidade acabou aceitando o trabalho. Mas a custa de quanto escândalo e quantos protestos? É ridículo. Isto não é mais preconceito religioso velado, é perseguição moral escancarada. E ainda se dizem “tolerantes”!

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Why I refuse to debate with William Lane Craig?, por Richard Dawkins em sua coluna do The Guardian. É incrível como o paladino da Descrença acha o Craig tão irrelevante que… dedica uma coluna inteira a falar mal dele! E é engraçado como ele não quer debater, mas aproveita o seu espaço no jornal britânico para criticar o Cristianismo sem a incômoda presença do seu debatedor. Se o Dawkins tem problemas com as alegações do Craig, que lhe vá falar diretamente, ora bolas. Ficar resmungando das coisas que o seu oponente escreve para os seus [de Dawkins!] próprios leitores fanáticos seria perfeitamente classificado como “fofoca” – se o autor de tais linhas fosse outro. Mas como é o Dawkins…

Enquanto isso, o Emerson continua mandando bem:

E ainda tem gente que leva esta cara a sério.

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São Jorge caiu do cavalo. Triste e verdadeira! Destaco:

Quem pagou foi o santo. Ao confiná-lo na igreja da Sé, confinavam a Igreja, começando a bani-la das ruas para afirmar que a rua era pública, mas não tanto, e que poder havia um só, o da lei. Santo homicida era tão criminoso quanto qualquer mortal que eventualmente tirasse a vida alheia, mesmo por acidente. Quando a catedral velha foi demolida para alargamento da Praça da Sé e construção da nova catedral, São Jorge, com outros belos objetos de arte sacra, foi removido para a Cúria, onde, nos anos 1950, o conheci, resignado em seu confinamento

O remédio prometido pela Mayana Zatz virá… das células-tronco adultas!

Eu vi na Canção Nova que o Brasil deve, ano que vem, testar um tratamento inédito com células-tronco. A boa notícia: este tratamento inédito é feito com células-tronco adultas, isto é, exatamente com aquelas células-tronco cuja utilização nós, católicos, passamos a vida inteira defendendo a despeito de vociferarem contra nós os inimigos da civilização e da humanidade – os que queriam destruir seres humanos em pesquisas científicas. A notícia surpreendente: a grande especialista entrevistada nesta matéria, e que recebe os louros pela notícia promissora, é… a Dra. Mayana Zatz!

Eu estava aqui quando a lei de Biossegurança foi aprovada. E me lembro da chantagem emocional barata da Dra. Zatz et caterva, usando pessoas doentes (inclusive crianças) para comover mentirosamente a opinião pública. O menino João Victor, aliás, tem hoje doze ou treze anos e desde os nove espera o remédio prometido após o julgamento do STF que autorizou a destruição de embriões humanos em pesquisas.

O interessante é que talvez o remédio agora venha. João Victor tem distrofia muscular, exatamente a doença cujo tratamento inédito está anunciado para o próximo ano. Com células-tronco adultas. E agora, quem vai dizer para o menino que o seu sofrimento foi instrumentalizado ideologicamente para a aprovação de uma lei iníqua que, ao fim, em nada o ajudou com o problema dele? E quem é que vai dizer a tantos doentes que a cura, afinal, não veio e nem vai vir de onde disseram que viria, mas de outro lugar? Quem vai dizer a eles que foram gastos tanto tempo, dinheiro e energias em um caminho que nós, católicos, desde o início dissemos que não deveria ser seguido?

Dona Zatz, vá falar com o João Victor. É o mínimo que ele merece após ter sido enganado por quase um quarto da sua vida. Aproveite e peça também desculpas públicas a todos – doentes ou não – os que foram enganados ao longo dos últimos anos. E aos embriões imolados nas placas de Petri – seres humanos sacrificados por uma promessa alquímica de panacéia universal -, as nossas orações e o nosso reconhecimento pela terrível injustiça sofrida, junto com o nosso compromisso de não cessarmos o nosso empenho em pôr fim a esta vergonha. É sobre o nosso século que recairá esta nódoa. Que ela não seja tão tenebrosa quanto se prenuncia.

Jornal da CBN faz acusação descabida contra a Igreja Católica

Eu ouvi o Xexéo na CBN hoje pela manhã, comentando uma (excelente) notícia recente de um transplante de células-tronco na Bahia que fez um paraplégico voltar a ter sensibilidade nas pernas. No entanto, o comentário do correspondente da CBN foi tão sofrível quanto é alvissareira a notícia comentada.

Eu a tinha visto na televisão, na hora do almoço, um dia antes. Estava com um amigo e lembro-me de ter falado que os veículos de comunicação deviam ser obrigados a deixar claro, sempre que noticiassem um caso assim, que estavam falando de células-tronco adultas. Afinal, sempre se podia fazer confusão com a condenação da Igreja ao uso de células-tronco embrionárias

Não deu outra. Hoje de manhã, na CBN, em rede nacional, vem-me o Xexéo alfinetar a Igreja Católica dizendo que este “é um assunto polêmico no Brasil”, que “muita gente acha que não deve ser feito” e que “se existe uma religião que acha que não deve se mexer com células-tronco, nem por isso você tem que proibir o uso de células-tronco no país”.

É impressionante! A Carolina fez questão de dizer, no começo, que as células-tronco haviam sido retiradas da bacia! Não entendo o que passa pela cabeça dessa gente ignorante: fica a impressão que eles nunca pararam, por cinco minutos que fosse, para ouvir aquilo que a Igreja diz sobre o assunto. Apenas repetem os preconceitos.

Por qual absurdo motivo a retirada de células-tronco do osso da bacia seria moralmente proibida? As pessoas nunca perceberam que o motivo pelo qual a Igreja é contra o uso de células-tronco embrionárias é porque estas pesquisas matam o embrião, i.e., destroem um ser humano? O que isto tem minimamente a ver (além da similaridade dos nomes) com a retirada de células da bacia do próprio paciente? Sinceramente, é tanta ignorância que chega a ser frustrante – em pleno século XXI, onde a informação está ao alcance de qualquer um na internet, pelo módico custo de alguns poucos cliques. As pessoas sequer se dão ao trabalho de conhecer minimamente aquilo que vão atacar – ao contrário, parecem achar que a Igreja é contra só porque “é do contra” mesmo e, aí, descarregam os seus canhões contra este espantalho ridículo que só existe na cabeça delas. É vergonhoso.

Qual a “polêmica” que existe sobre as pesquisas com células-tronco adultas? Nenhuma. Quais são as pessoas que acham que pesquisas com células-tronco adultas não devem ser feitas? Nenhuma. Qual é a religião que é contra o uso de células-tronco adultas? Nenhuma. Por que, então, o Xexéo abre a boca para falar sobre um assunto que ele claramente desconhece? Por que a CBN se passa para disseminar a desinformação desse jeito?

O assunto foi comentado também no blog do Brasil Sem Aborto. Deste último, cito:

Mais uma vez, são células-tronco adultas envolvidas em experimento de sucesso, reforçando o que dissemos em 2007 e 2008, na audiência pública no Supremo Tribunal Federal e na Declaração de Brasília. Desta última, cito:

Pretende-se contrapor a vida dos embriões congelados… à terapia e cura de muitos que padecem de doenças graves em nosso país. Não temos receio em afirmar, com toda ênfase, que tal dilema é falso… Ao contrário do que tem sido veiculado e acriticamente aceito pela opinião pública, as células-tronco embrionárias não são a grande promessa para gerar terapias. Na verdade, são as células-tronco adultas que têm produzido expressivos resultados, que se apresentam ainda mais promissores depois do desenvolvimento da técnica de indução de pluripotencialidade em células adultas. Como o assunto envolve sofisticado conhecimento técnico, as pessoas ficam mais vulneráveis à manipulação da informação.

A recente notícia, longe de desabonar a Igreja, apenas mostra mais uma vez que Ela tinha razão e estão nas células-tronco adultas os tratamentos promissores. Será que o @jornaldacbn vai retificar a informação incorreta que transmitiu? Ou será que vamos assistir a mais um triste espetáculo de jornalistas descompromissados com a verdade dos fatos?

CESEP, CNBB, CTEH’s, “orientação sexual” – onde andam os responsáveis?

Por email, uma amiga me envia a divulgação do curso “A vida: desafio à ciência, bíblia e bioética – do genoma às células tronco”, promovido pelo CESEP – “Centro Ecumênico de Serviços à Evangelização e Educação Popular”. Neste blog há uma divulgação com o cartaz do evento.

O problema aparece quando entramos na página do CESEP que apresenta este curso de verão. Lá, em “conteúdo”, podemos encontrar a seguinte palestra:

A revolução científica na biologia e genética. O projeto genoma e as células tronco embrionárias – uma nova fronteira na pesquisa genética: seus dilemas científicos, éticos e jurídicos.
Lygia da Veiga Pereira – Livre docente e pesquisadora na área de genética humana-USP – São Paulo – SP

Para quem não lembra da sra. Lygia Pereira, trata-se de pesquisadora da USP favorável ao uso de embriões humanos em pesquisas científicas. Oras, cabe perguntar: em quê, exatamente, esta senhora pode contribuir para uma formação “à luz da Bíblia, Teologia, Pastoral e do compromisso cristão na sociedade” – que é a forma como se apresenta o curso de verão do CESEP?

O curso foi divulgado. Está no site do CNLB, está também no site da PJMP. E ninguém vê problemas em uma pesquisadora que afronta totalmente a posição da Igreja referente ao uso de CTEH’s em pesquisas cientícas ser convidada para palestrar em um evento que, teoricamente, é direcionado também para o povo católico – uma vez que está sendo divulgado em meios católicos? O que é isso, vamos chamar Hitler para dar uma palestra sobre respeito ao povo judeu? Bruna Surfistinha para explicar a moral sexual católica? Por que raios, então, uma pesquisadora que trabalha com embriões humanos – em frontal discordância, repita-se, com o que ensina a Igreja – é convidada para fazer parte de um evento (teoricamente, repita-se) direcionado a católicos? Ou, então: por que meios de comunicação católicos divulgam um evento onde vai ser dada uma conferência por uma pesquisadora que discorda da posição da Igreja sobre o emprego de CTEH’s em pesquisas? Será que é pedir demais um mínimo de coerência?

O evento ocorreu entre os dias 09 e 16 de janeiro de 2011. Ao seu término, foi divulgado no site da CNBB um texto contendo os “Compromissos do Curso de Verão 2011”. No texto, não é feita nenhuma menção ao singelo fato de que a Igreja não admite pesquisas com células-tronco embrionárias humanas. Nem é apresentada a menor explicação para que a presença da Lygia Pereira neste evento. No entanto, encontro lá, entre os compromissos assumidos, a necessidade de se “superar[em] discriminações de gênero, cor, raça, deficiência física, orientação sexual” (!). Agora expliquem-me como é que a “discriminação” por “orientação sexual” foi parar entre os compromissos firmados num curso cujo tema era “do genoma às células-tronco”!

A própria existência das pesquisas da sra. Lygia Pereira é, de per si, um fato já bastante lamentável. Que esta senhora seja conferencista em um curso de bioética ecumênico, já se transforma em um terrível escândalo. Agora, que meios de comunicação católicos – incluindo aí o próprio site da CNBB – divulguem e elogiem esta palhaçada, aí já ultrapassa todos os limites do tolerável. Repito-me: será que é pedir demais um pouco de coerência? Será que os católicos não podem se ocupar simplesmente em divulgar o que é católico e criticar o que é contrário à Igreja? Quem são os responsáveis por semear a confusão no meio do povo de Deus? E onde estão as sentinelas responsáveis por zelar pela doutrina da Igreja, que parecem não fazer nada?

A interina e o aborto dos anencéfalos

Comentei aqui en passant, mas a mulher parece realmente estar empenhada em ser a interina mais ativa da história da Procuradoria Geral da República! Após a Dra. Deborah Duprat – procuradora-geral interina, é sempre bom lembrar – ter enviado ao STF uma Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental pedindo o reconhecimento da união estável entre pessoas do mesmo sexo, esta incansável e exemplar funcionária pública preparou um parecer favorável ao aborto de anencéfalos e o enviou também ao Supremo Tribunal Federal:

A argumentação é que a proibição vai contra o direito à liberdade, à privacidade e à autonomia reprodutiva da mulher, além de ferir o princípio da dignidade humana e também o direito à saúde.

[…]

De acordo com a procuradora-geral, se a anencefalia ficar comprovada após diagnóstico de um “médico habilitado”, a antecipação terapêutica do parto é um “direito fundamental de gestante”.

A situação é tão surreal que eu nem sei por onde começar, se pela estupidez da declaração da Procuradora-Geral [“direito fundamental da gestante”? Qual o conceito que esta gente tem de “direito fundamental”?], se pelo absurdo que é aproveitar um cargo interino para semear o caos e lançar-se em defesa desesperada de tudo o que é imoral, se pelo questionamento das motivações da sra. Duprat. Como não tenho tempo para comentar tudo, vou me restringir ao parecer enviado pela sra. procuradora-geral.

Comecemos do começo. A íntegra do parecer pode ser lida aqui. É um primor. Na concepção da autora, permitir o aborto de anencéfalos é fazer uma “interpretação conforme à Constituição dos artigos 124, 126, caput, 128, I e II, do Código Penal” (p. 4)! Quer dizer, a inviolabilidade do direito à vida deixou de ser direito constitucional; na verdade, é o assassinato que o é. A tática de utilizar, na defesa de uma coisa, precisamente aquilo que é usado para impugná-la, não é simplesmente um nonsense. É deboche e escárnio, e é estratégia para anestesiar a inteligência do interlocutor, por meio da apresentação de uma posição tão descaradamente extremada que termine por “forçar um meio-termo” – um síntese entre a tese e a antítese – que se aproxime muito mais do lado nonsense do que do lado do bom senso.

Dois parágrafos abaixo, a interina joga duas informações: a anencefalia seria “incompatível com o desenvolvimento da vida extra-uterina” e poderia “ser diagnosticada com 100% de certeza” (id. ibid.). Contra este mau-caratismo intelectual, basta lembrar da saudosa Marcela de Jesus, que faleceu com um ano e oito meses após ter sido diagnosticada como anencéfala. Diante deste fato, das duas uma: ou a anencefalia não é “incompatível com o desenvolvimento da vida extra-uterina”, ou não pode “ser diagnosticada com 100% de certeza”. Um único contra-exemplo basta para mostrar que as duas afirmações da dra. Duprat simplesmente não podem ser ambas verdadeiras.

Só que não há um único contra-exemplo, há diversos. Ainda quanto a esta conjunção de meias-verdades que tenciona induzir o leitor incauto ao engano, permito citar uma coisa que já escrevi aqui há quase um ano:

[H]á diversos casos de crianças anencéfalas mundo afora que viveram após o parto. Entre os diversos graus de anencefalia existentes, temos exemplos (todos diagnosticados como “anencéfalos” nos exames pré-natais; todos cujos pais receberam a sugestão de “interromper a gravidez”) dos mais variados: um dia, três dias, uma semana, doze dias, e até dois anos.

A dra. Duprat, contudo, cita Marcela de Jesus. Mas tem a cara de pau de dizer que, “[n]as audiências públicas realizadas nesta ação, foi devidamente esclarecido o fato de que a menina Marcela de Jesus, que teria supostamente sobrevivido por um ano e oito meses com anencefalia, não tinha na verdade esta patologia, ao contrário do que afirmaram os opositores da interrupção voluntária da gravidez, mas outra má-formação cerebral menos severa” (p. 5). Quanto a isso, só dois comentários. Primeiro, não ficou “devidamente esclarecido” absolutamente nada, a não ser a sanha dos abortistas de encontrarem a todo custo diagnósticos feitos à distância e post-mortem que desdissessem tudo o que sempre foi dito sobre a menina. Segundo, acho verdadeiramente impressionante como a dra. Duprat conseguiu se esquecer tão rapidamente dos diagnósticos “com 100% de certeza” que ela havia citado na página anterior. E ainda tem a coragem de chamar este imbroglio contraditório de “premissas fáticas” (sic)!

Antes de terminar, existe mais uma informação relevante que precisa ser citada: é sobre jurisprudências. São palavras da interina: “[n]o julgamento da ADIn nº 3.510, o voto vencedor do Ministro Relator Carlos Ayres de Britto endossou a tese de que a Constituição só protege a vida após o nascimento” (p. 11). A ADIn 3510 é a das pesquisas com células-tronco embrionárias. Também comentei aqui esta vergonhosa decisão do STF. Sugeri então que as manchetes dos jornais poderiam ter sido “Aberto importante precedente para a legalização do aborto”. Ninguém nos levou a sério. Agora, vem a Procuradora-Geral dizer que, sim, o julgamento das células-tronco “endossou a tese de que a Constituição só protege a vida após o nascimento”. Não adianta ela, a la Lula, dizer no parágrafo seguinte que não adota esta perspectiva, porque o que interessa aqui é que ela existe. O óbvio foi posto a descoberto.

É difícil não levantar suspeitas sobre as motivações desta extraordinária atividade. Provavelmente, nunca antes na história deste país uma procuradora interina trabalhou tanto. Espero contudo que os feitos da Dra. Deborah Duprat sejam tão interinos quanto o seu cargo. Que passem. E que as tentativas desta senhora de desmoralizar a Procuradoria Geral da República não vigorem. O Brasil não precisa deste tipo de oportunismo barato.

Vendendo esperanças

Há quase um ano, escrevi aqui o seguinte sobre um menino de nove anos de idade, doente, e que, por ocasião do julgamento sobre as pesquisas com células-tronco embrionárias pelo STF, acompanhava tudo com bastante ansiedade:

Ele tem nove anos, e já pergunta quando vão sair os remédios. Quem é que vai se preocupar em dizer ao menino, dia após dia, mês após mês, ano após ano, que ele espere a panacéia universal que vai ser descoberta “logo amanhã”?

Ontem, no entanto, saiu na Folha de São Paulo uma reportagem que levava o seguinte título: “Acho um absurdo vender esperanças”, diz secretária de SP sobre células-tronco. E, no corpo da matéria – que continha uma entrevista -, constava o seguinte:

Folha – A secretaria auxilia no financiamento das pesquisas com células-tronco em andamento?

Battistella – Acho um absurdo vender esperanças. Sou absolutamente contra a forma como se coloca isso [as pesquisas] para o público. A ciência de boa qualidade consegue superar as barreiras sem perder de vista os limites éticos. Não entendo que esse seja o caminho mais rápido para melhorar a vida das pessoas com deficiência. Temos de ter esperança, sempre, mas não ilusões. Esse é um caminho que ainda não se mostrou viável na questão da lesão medular, da paraplegia. É preciso olhar para aquilo que a vida nos deu e viver com aquilo que temos. Cruzar os braços e ficar esperando o resultado de uma pesquisa enquanto a vida passa lá fora é um absurdo. Não podemos colocar as pessoas em uma situação de risco perdendo de vista o direito à vida. A secretaria não reservou nenhum recurso para esse tipo de pesquisa. Entendo que células-tronco têm resultado de sucesso para alguns tipos de câncer. Mas o grupo de pessoas que a secretaria representa precisa de outras linhas de pesquisa que o coloque dentro da sociedade.

Ah, pois muito bem. E por que ninguém se preocupou com a venda de esperanças no ano passado, por ocasião do lobby feito pela legalização das pesquisas, alguém pode me explicar? O senso de responsabilidade da Folha de São Paulo está uns doze meses atrasado. A sra. Linamara Rizzo Battistella deveria ter sido ouvida um ano atrás.

P.S.: Sou capaz de apostar que a sra. Battistella não é católica, já que a reportagem não faz – estranhamente! – a menor alusão ao obscurantismo religioso ou às trevas medievais, mesmo tendo a médica afirmado “que a pasta do governo de São Paulo não vai destinar nenhum centavo para estudos relativos às células-tronco”…

P.S.2: Tomei ciência desta notícia por email, vinda de uma certa senhora que se diz católica, e que foi capaz de fazer o seguinte comentário na mensagem enviada:

Não contente em desativar o local onde realizam pesquisas, “cede-lo” e  para a “Canção Nova” novamente o Governo Serra mostra que não se importa e não tem interesse em pesquisas.

Eles querem um Estado atrasado, retrogrado, dependente.

Eles nivelam por baixo.

Deus nos livre e nos guarde de ter esse homem na Presidência.

Haja paciência…