A estupidez da semana é o Ministério Público Federal ter entrado com uma ação em que exige a retirada da frase “Deus seja louvado” das notas de Real. A presepada já contou com muita repercussão nos blogs e redes sociais; gosto particularmente de uma campanha que alguém jogou no Facebook e que diz, muito singelamente, o seguinte (cito de memória):
Se retirarem a expressão “Deus seja louvado” das cédulas de Real, eu faço questão de escrevê-la a caneta, com letras garrafais, em toda cédula que me cair às mãos.
De todas as opiniões que vi sobre o assunto, a mais acertada me pareceu ser a do Percival Puggina compartilhada via Facebook: não se trata, absolutamente, de “falta do que fazer” do egrégio Procurador do MPF, mas sim de um projeto ideológico posto pacientemente em prática gota a gota. Trata-se de erigir lentamente, tijolo por tijolo, um modelo de sociedade onde não se faça referência alguma a Deus; a proposital lentidão do processo, com a deliberada opção por atacar temas de pouca monta, tem o objetivo consciente de ocultar o processo revolucionário sob o manto da sua diluição. E então, quando nos dermos conta, a iníqua Civitas Terrena estará já estabelecida sem que saibamos como ela pôde crescer tanto sem ser notada.
Mas vamos ao mérito desta infâmia. Em primeiríssimo lugar, é mister deixar claro e com todas as letras que os virtualmente únicos incomodados com a menção a Deus nas notas da moeda brasileira são os fanáticos ateus. A expressão – ao contrário do que procura fazer parecer o Procurador do Ministério Público Federal – não provoca, absolutamente, incômodo algum nos adeptos de Shiva, Oxossi ou Lord Ganesha – ou ao menos ninguém jamais se lembrou de vir a público reclamar sobre esta “opressão” que o Banco Central vem sistematicamente realizando aos que não são monoteístas.
Em segundo lugar, como já dito à exaustão, “Estado Laico” não se confunde com Estado Ateu. A única coisa que “Estado Laico” significa é que não existem atos estatais religiosos (p.ex., a posse do Presidente da República não se dá com Missa Solene onde o Cardeal Primaz do Brasil impõe a faixa presidencial sobre os ombros do governante eleito, após o que este presta o juramento de defender e guardar a Fé Católica e Apostólica). Nem a liberdade religiosa tem algo a ver com a laicidade do Estado, uma vez que é perfeitamente possível um Estado que simultaneamente seja Confessional e garanta a liberdade dos adeptos de outros cultos de praticarem as suas religiões.
Como já explicado e re-explicado, a Parede Vazia é um símbolo do Ateísmo pela simples razão de que ela não é um elemento natural da sociedade: ao contrário, faz permanente referência a algo que estava ali até há pouco tempo e hoje não está mais. No dia em que os ateus construírem a sua civilização, poderão exigir o direito de ostentar as suas Paredes Vazias, os seus Átomos, suas efígies de Dawkins, suas Bolas de Golfe Perdidas ou o que seja. Enquanto este dia não chega e enquanto esta civilização que existe foi forjada sob a égide da Cruz de Cristo, todas as tentativas de remover elementos religiosos da vida pública constituem insofismáveis ataques da Irreligião contra a Fé – exatamente o tipo de coisa que o Estado Laico tem a obrigação de impedir, e jamais promover.
Em terceiro lugar, a argumentação utilizada pelo MPF é simplesmente estapafúrdia e falaciosa. A Ação Civil Pública em questão está aqui. Como cerne do arrazoado nela expresso, temos a seguinte pérola:
[Q]uando o Estado ostenta um símbolo religioso ou adota uma expressão verbal em sua moeda, declara sua predileção pela religião que o símbolo ou a frase representam, o que resulta na discriminação das demais religiões professadas no Brasil.
E esta estupidez é um grosseiríssimo non sequitur. Ora, a escolha de um símbolo religioso para compôr a moeda de um país não implica, sob nenhuma lógica, “na discriminação das demais religiões professadas no Brasil”. Não existe um único direito dos crentes de outras religiões (do Xintoísmo ao Ateísmo) que é violado por conta do “Deus seja louvado” das notas de Real; eles continuam com plena liberdade de abraçar a religião que queiram, de mudar de religião quando bem entenderem, de praticá-la sós ou reunidos, et cetera, et cetera. É bastante óbvio que esta frase da moeda brasileira não cria aos cidadãos brasileiros nenhuma obrigação ou impedimento de adotarem nenhuma religião, não lhes atrapalha o culto, não lhes dificulta a vida espiritual nem nada do tipo. Onde, então, a “discriminação” alegada pelo Ministério Público Federal?
E, para ilustrar o quanto este discurso é completamente nonsense, apliquemos esta mesma “lógica” a um outro elemento da mesmíssima moeda brasileira. A cédula de Real, que todos conhecemos, é esta aqui:
Consideremos o rosto humano que ocupa grande parte da cédula, e que todos nós conhecemos muito bem. Trata-se, como sabemos, da efígie da República. Não vou chamar a atenção para o fato de ser um símbolo revolucionário, maçônico e nem nada do tipo. Vou me ater a algo muito mais simples e escandaloso: senhoras e senhores, a mulher estampada em todas as cédulas que circulam no nosso país é uma mulher branca!
Branca! Em um país formado de tantos negros, índios e mestiços, é – na “lógica” do sr. Jefferson Aparecido Dias, Procurador da República – um absurdo racista injustificável que o Estado tenha escolhido precisamente uma elitista figura feminina europeizada para ilustrar a sua moeda. Tal ostentação revela um evidente preconceito contra os negros. Tal predileção é uma clara discriminação das outras raças existentes no país. É, portanto, urgente aboli-la.
Ora, eis o discurso que o Procurador da República deveria proferir se tivesse um mínimo de coerência! Mas ele não o vai fazer, porque o seu compromisso não é com a lógica ou a coerência, e sim com uma estúpida cruzada fundamentalista atéia empenhada em banir toda menção a Deus da vida pública do Brasil. O sr. Jefferson Dias sabe perfeitamente que a representação clássica da República como uma mulher branca não resulta na discriminação dos negros – e, portanto, que a expressão “Deus seja louvado” nas cédulas de Real não implica na discriminação das outras religiões. Mas o compromisso dele não é com a justiça e a sua preocupação não são as discriminações religiosas: tudo isto é só pretexto. O que ele quer, do alto do seu fanatismo religioso, é impôr a sua descrença sobre a população brasileira. E, nesta “nobre” luta, ele demonstra estar convencido de que vale tudo.