As imagens religiosas e a intolerância na Facvldade de Direito do Recife

No século XIX, a Facvldade de Direito do Recife foi solenemente consagrada a Nossa Senhora do Bom Conselho, dora em diante tornada a padroeira dos estudantes de direito da referida instituição. A imagem que provavelmente foi legada à Casa na ocasião encontra-se atualmente (e confesso não saber ao certo a partir de quando) como parte do acervo do Museu Franciscano de Arte Sacra.

Em 2007, na comemoração dos 150 anos da supracitada consagração, um grupo de estudantes ofereceu-se para intermediar a doação de uma imagem da Mater Boni Consilii à Casa, a fim de marcar o sesquicentenário. A matéria foi apreciada pelo Conselho Departamental – órgão deliberativo máximo da FDR – que, em sessão realizada aos 04 de dezembro de 2007, aprovou a doação, tomando diversas diligências para a oficialização do gesto.

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Foi designado um professor para supervisionar o processo, pouco tempo depois culminado com a solenidade de doação da imagem, que foi conduzida pelo Cerimonial da Universidade e acompanhada por diversos representantes do corpo docente e discente, pela pró-reitora da UFPE e pelo presidente do Diretório Acadêmico. Passava, desde então, a integrar o patrimônio público da Universidade Federal de Pernambuco.

Cerimônia de entronização da imagem de N. S. do Bom Conselho

A imagem, até a semana passada, ocupava – já há anos – um lugar discreto no hall lateral do edifício, sobre uma mesa, com uma pequena placa indicando as circunstâncias da doação. Não é o lugar que aparece nas fotos acima, mas um bastante similar, do lado oposto.

No último dia 17 de novembro, contudo, segunda feira próxima passada, determinado movimento estudantil atuante na FDR – o Movimento Zoada – adquiriu uma imagem de Iansã (uma divindade afro) e, sem obedecer a nenhuma formalidade administrativa, numa pantomima grotesca da cerimônia acima referida, afastou a imagem de Nossa Senhora do Bom Conselho da mesa onde ela se encontrava para a aposição, ao lado dela, da do orixá. O ato, apresentado como parte da I Semana da Consciência Negra da Faculdade de Direito do Recife, foi interpretado por alguns católicos como provocativo e suscitou vivo debate entre os estudantes.

No dia 20 de novembro, pela manhã, descobriu-se que a imagem de Iansã fora danificada, tendo a sua cabeça quebrada e separada do corpo. O vandalismo provocou viva indignação de toda a comunidade acadêmica e levou a direção a remover todas as imagens do local, até deliberação do próximo Conselho Departamental que está marcado para esta semana.

Os meios de comunicação fizeram verdadeira e macabra festa em torno do cadáver, apresentando o ato como uma vergonhosa manifestação de racismo e intolerância religiosa, com grave prejuízo para a imagem da instituição perante a opinião pública. Para quem vê de fora, fica parecendo que algum membro da Casa, em atitude racista ou de intolerância religiosa, destruiu um símbolo da cultura afro que estava civilizadamente exposto no prédio onde funciona a Facvldade de Direito do Recife.

Eu, na qualidade de discente da Casa e, portanto, de observador interno de toda essa patacoada, sinto-me em condições de apresentar algumas informações a respeito do ocorrido:

1. Para a maior parte das pessoas, católicas ou não católicas, a imagem de Nossa Senhora do Bom Conselho nunca provocou maiores incômodos, sendo interpretada como um objeto decorativo que contava uma parte da história da Facvldade e sobre a qual, portanto, nunca houve necessidade de se suscitar grande polêmica.

2. Também sempre houve, quer no corpo discente, quer no docente, algumas pessoas profundamente incomodadas com a presença da padroeira dos estudantes de Direito do Recife no interior do prédio da Facvldade. Reclamavam contra essa flagrante violação da laicidade constitucional. Ao que consta, já chegaram inclusive a ser enviados requerimentos administrativos pedindo a retirada da imagem, sob este argumento, tendo todos eles sido indeferidos.

3. A razão pela qual a pretensão de remover a imagem da Virgem do Bom Conselho sempre fracassou é bastante óbvia: os que a levantavam eram apenas minoritários descontentes inflamando uma polêmica já pacificada e buscando ressuscitar uma questão já anteriormente decidida. Os símbolos religiosos nos prédios públicos não ferem a laicidade do Estado quando se trata de elementos histórico-culturais: a imagem específica da Virgem do Bom Conselho (e não outra imagem) estava no hall lateral do Palácio não para fazer proselitismo religioso, mas para contar um pedaço da história da Casa.

4. (É esta a razão, inclusive, pela qual não procede, em absoluto, o argumento nonsense de que “se coloca um, então tem que colocar tudo”: há casos em que a função do símbolo religioso em público não é a de representar a religião do povo, e sim a de prestar um tributo à história do país. É por conta de determinadas contingências históricas que os nossos quartéis, por exemplo, guardam ainda imagens da Conceição dos Militares, ou as nossas cédulas de Real ostentam a Marianne revolucionária, ou a cidade de Salvador tem enormes orixás dançando despreocupadamente em público no Dique do Tororó. Tais símbolos, embora conservem o seu caráter religioso, não desempenham função específica de culto, razão pela qual não incorrem na norma constitucional que proíbe ao Estado “estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança” (Art. 19, I, CF). Não tem lógica, portanto, exigir representação isonômica, nos prédios públicos, das religiões do povo brasileiro: prédio público não é lugar para “representar” religião alguma, e os símbolos religiosos lá presentes não estão desempenhando este papel.)

5. É este entendimento o que prevalece na sociedade atual, quando a maior parte das pessoas não se mostra particularmente ofendida em suas crenças íntimas diante de um Crucifixo num tribunal ou de Thêmis na frente do STF. É este o entendimento que prevaleceu no CNJ, quando do julgamento que indeferiu os pedidos para a remoção de crucifixos das dependências do Judiciário. É este o entendimento, por fim, que prevaleceu no Conselho Departamental de 2007 acima referido, que decidiu que a presença de uma imagem de Nossa Senhora do Bom Conselho no prédio da Facvldade de Direito do Recife não violava a laicidade do Estado.

6. É impossível não enxergar relação entre o incômodo que a imagem da santa católica provocava em alguns e o estardalhaço feito recentemente com a doação da imagem de Iansã: primeiro porque as mesmas pessoas que sempre defenderam a retirada da imagem católica foram as mais ardentes defensoras da permanência da da divindade africana; depois porque tudo foi conduzido de forma a acirrar os ânimos religiosos o mais possível; terceiro porque não faltaram membros do corpo discente e docente a falar, em público, coisas como “que a polêmica gerada pode dar frutos positivos e visibilidade à necessidade de se combater os discursos do ódio e da intolerância” – no caso, o discurso católico de que era ofensiva e desrespeitosa a colocação e a permanência da imagem de Iansã ao lado da de Nossa Senhora; por fim, porque agora as duas imagens foram retiradas e a relativa tranquilidade em que se encontra a Casa parece dar indícios de que o verdadeiro objetivo foi atingido: conseguiu-se um fato novo para levar ao Conselho a fim de anular a decisão pelo órgão tomada em 2007 e, no final das contas, alcançar o direito mesquinho de ostentar a intolerante Mesa Vazia no lugar onde os últimos anos viram repousar a serena imagem da Virgem do Bom Conselho.

7. Em declaração à mídia local, uma militante do acima referido Movimento Zoada – responsável pela “doação” à brasileira da imagem de Iansã – afirmou quanto segue:

Ainda em entrevista ao LeiaJá, a integrante do Zoada, Brisa Lira, afirmou que boa parte dos participantes não são adeptos ao candomblé. A própria estudante se diz ateia e garantiu que colocar a Iansã na Faculdade foi “apenas um ato político”. “Meu sentimento em relação ao acontecido é de total intolerância política”, completou Brisa.

8. Ou seja, a colocação da imagem de Iansã, além de não seguir as exigências legais a que se submeteram os estudantes que, em 2007, doaram a imagem de Nossa Senhora do Bom Conselho, ainda foi feita sem nenhuma motivação religiosa sincera: tratou-se tão somente da utilização política de um símbolo sagrado – de uma religião da qual os responsáveis pelo ato não são adeptos – para atacar uma situação que eles, contrariamente ao brasileiro médio, ao Conselho Nacional de Justiça e ao Conselho Deliberativo do CCJ/UFPE, consideravam injusta. É um escândalo que essa artimanha incivilizada prevaleça e, por conta dela, os derrotados em todas as esferas legais consigam reverter, ad baculum, uma decisão administrativa já há anos definitiva!

9. Last but not least, cabe perguntar quem foi que quebrou a imagem da Iansã. Como nenhuma investigação sobre o assunto foi concluída, a autoria do ato de vandalismo é, até o presente momento, desconhecida. Sendo desconhecido o autor, com ainda mais razão são desconhecidas as intenções que o motivaram a fazer o que fez. Não é possível, portanto, falar que a decapitação da imagem africana tenha sido um ato de intolerância! Com os elementos dos quais dispomos atualmente, pode ter sido qualquer coisa: tanto pode ter sido um acidente quanto uma manifestação preternatural de um Xangô furioso com a utilização desrespeitosa da imagem de sua esposa, tanto pode ter sido um cristão revoltado com a profanação da imagem da Virgem do Bom Conselho quanto um membro de algum movimento estudantil de esquerda que vislumbrou na polêmica uma oportunidade de ouro para conseguir enfim retirar da FDR a imagem de Nossa Senhora do Bom Conselho – e de quebra ainda culpando os católicos.

É esta a triste situação atual: um mal-estar generalizado, um profundo desrespeito à religião católica e ao Candomblé, uma sórdida capitalização político-ideológica de um ato de vandalismo cujas reais motivações ninguém sabe, e um anteparo vazio no hall da FDR. Esperemos o desenrolar dos próximos acontecimentos. Veremos se o Conselho vai respeitar a decisão tomada em 2007 ou vai abaixar a cabeça subserviente diante da truculência dos iconoclastas. Vejamos se ele vai se impôr contra essa terrível falta de caráter na última semana realizada… ou se vai se deixar ser zoado.

Sobre o assunto, ler também (no Facebook):

Vou tentar explicar que da melhor forma que consigo

Vamos falar de igualdade de tratamento?

Já que fui citado…

Em defesa de Iansã.

Sobre a inadmissibilidade da pena de morte

Um leitor do blog me envia o seguinte comentário/pergunta:

O papa disse que a pena de morte é inadmissível. Isto que é interpretar corretamente o NÃO MATARÁS!!!

Respondamos com calma. A notícia à qual faz referência o meu interlocutor é esta que diz que o «Papa Francisco considera inaceitável para um cristão apoiar a pena de morte». Manchete, permita-se o comentário, reducionista e sensacionalista; data venia, o discurso de Sua Santidade «à Delegação da Associação Internacional de Direito Penal» – que pode ser encontrado na íntegra, em português, no site do Vaticano – é um pouco mais amplo do que isso.

Não teve lá muita repercussão porque, sinceramente, trata-se de um texto bastante genérico e protocolar, falando de maneira superficial sobre os lugares-comuns da doutrina penal contemporânea. Basicamente, o Papa Francisco apresenta alguns elementos em favor do Princípio da Legalidade – defende ele uma «concepção do direito penal como ultima ratio (…) limitado aos factos mais graves contra os interesses individuais e colectivos mais dignos de protecção» – e passa a elencar algumas medidas concretas que devem servir de limites à “face violenta do Estado”.

Não vejo possibilidade de discordância alguma, nem política e nem doutrinária, no que concerne às exposições de princípios. É evidente que o Direito Penal é e deve ser a ultima ratio; é incontestável que, historicamente, a pena estatal revestiu-se de requintes de crueldades hoje completamente extemporâneos e anacrônicos; é inegável que o já referido princípio da legalidade é uma conquista e uma proteção ao ser humano frente ao poder do Leviatã – de cujas arbitrariedades mesmo a história contemporânea nos dá, a cada dia, exemplos tristemente eloquentes.

Já quanto às incursões papais no terreno dos detalhes mais específicos, explique-se-lhes o sentido em que devem ser lidas com um exemplo paradigmático. Sobre a pena de morte, por cuja abolição – segundo o Papa – «todos os cristãos e homens de boa vontade estão chamados hoje a lutar», diga-se quanto segue.

algum material no Deus lo Vult! sobre o assunto; para não me alongar em demasia, respondo que a Doutrina Moral católica é feita de princípios imutáveis que devem ser aplicados em situações de fato, contingentes; e que, embora os princípios não mudem, as situações mudam, sim, e com incômoda freqüência, de modo que é perfeitamente possível que o mesmo princípio implique em duas respostas completamente diferentes, se completamente diferentes forem as duas situações nas quais ele é aplicado.

Praticamente nenhum dos pronunciamentos eclesiásticos das últimas décadas a respeito da pena de morte tem caráter principiológico, porque neste campo a situação já está mais do que resolvida há séculos: é prego batido e ponta virada. Na formulação do recente Catecismo, a «doutrina tradicional da Igreja, desde que não haja a mínima dúvida acerca da identidade e da responsabilidade do culpado, não exclui o recurso à pena de morte, se for esta a única solução possível para defender eficazmente vidas humanas de um injusto agressor» (CCE §2267). Isso, absolutamente, não está em discussão. O que se discute é, exatamente, a situação contingente atual: será que as atuais circunstâncias são tais que, nelas, o recurso à pena de morte é a única solução para a eficaz defesa da sociedade contra um injusto agressor?

Perceba-se que se trata aqui de um juízo de fato e, por isso mesmo, i) nem as manifestações nesta seara obrigam à Fé num nível mesmo análogo às promulgações dogmáticas; e ii) nem elas se revestem do caráter de irrevogabilidade que é próprio de matéria doutrinária. Em uma palavra, é simplesmente nonsense afirmar que a Igreja tenha revisto a Sua posição a respeito da pena capital, porque exposição racional de princípios e aplicação de princípios a situações concretas são duas esferas que de maneira alguma se confundem entre si. Na primeira delas, é legítimo, em abstrato, ao poder temporal punir os criminosos inclusive com a morte; na segunda, é perfeitamente possível que, nos Estados modernamente constituídos e com a sensibilidade contemporânea, não haja espaço para a aplicação daquela pena máxima. Como diz o poeta, mudaram as estações; nada mudou.

Todas as demais intervenções pontifícias no referido discurso – sobre questões de maioridade penal, de situações dos presídios, de punições a pessoas vulneráveis (v.g. idosos, doentes, mulheres grávidas) etc. – resolvem-se do mesmíssimo modo. Todas elas são juízos prudenciais a respeito de como se devem aplicar os princípios da Teologia Moral às questões contemporâneas, da maneira como elas concretamente se apresentam ao homem moderno – e, claro, como o Vigário de Cristo as percebe. Não são exposições de princípios  morais (e nem muito menos apresentações de novos princípios morais contrários aos anteriormente vigentes), e sim, no sentido mais clássico, casuísticas. Servem para auxiliar a razão prática, não engessá-la.

A Igreja é infalível em Fé e em Moral, sem dúvidas. Mas são bem raras as coisas que sempre são legítimas independente de qualquer coisa, ou que nunca são permitidas de nenhuma maneira (como, v.g., matar diretamente um inocente, que nunca é lícito); a maior parte delas envolve a consideração de princípios imutáveis vis-à-vis situações contingentes. E uma lista exaustiva de todas as possíveis situações de fato é obviamente irrealizável; não é a isto que se propõe a Igreja de Cristo! A Doutrina Católica é um facho de luz que devemos usar para iluminar os nossos passos, e não um sucedâneo do caminhar humano.

Cuba e os deveres para com a pátria

“O Estado controla tudo” e “a única esperança de vida para as pessoas é fugir da ilha”, explicou o núncio Musarò, descrevendo a situação de degradação, penúria e opressão dos cubanos. E concluiu dizendo que, inexplicavelmente, “até hoje, transcorrido mais de meio século, continua-se falando da Revolução e se louva-a, enquanto as pessoas não têm trabalho e não sabem como fazer para dar de comer a seus próprios filhos”.

Recebi por email a notícia sobre o núncio e a manchete jornalística. O artigo italiano original está aqui. Não faltou quem dissesse que o prelado devia ser expulso do paraíso caribenho. O fato pode ser novo, mas o drama é antigo; não nos surpreende mas, contudo, ainda nos choca e incomoda.

Lembro-me de um fato curioso da minha adolescência. Eu devia ter lá os meus dezesseis anos; conversava com alguns amigos sobre Cuba, e o assunto versava sobre os cubanos que se lançavam, mar afora, em fuga desesperada da ilha de Castro – sim, já naquela época os cubanos fugiam de Cuba. Um amigo defendeu que, de fato, Cuba não devia permitir que os seus cidadãos abandonassem o país. A justificativa: o governo cubano investia pesadamente na formação dos cubanos, suprindo-lhes as necessidades e (principalmente) dando-lhes educação de qualidade, e simplesmente não era justo que, depois de quinze ou vinte anos recebendo tudo do Estado, os cubanos dessem-lhe as costas e fossem embora, privando-o do retorno que ele esperava e merecia receber.

Não vou entrar no mérito das necessidades supridas ou da qualidade da educação cubana. Vou assumir, para argumentar, que lá na Ilha todos vivam no mais perfeito conforto material e, além disso, recebam, efetivamente, uma educação de ponta. Isso posto, a justificativa procede? Veja-se bem, o dinheiro do Estado é dinheiro público. Teoricamente, foi todo o povo cubano que sacrificou uma parte das suas economias para que um indivíduo recebesse a mais elevada formação científica. Não existe nenhuma dívida desse sujeito para com o povo que o financiou ao longo de sua vida inteira? É correto você tornar-se um profissional altamente qualificado às custas de seus conterrâneos e, depois, deixá-los à própria sorte? Não é justo que as pessoas recebam os benefícios do profissional por cuja formação pagaram?

Não lembro que objeção levantei à época, ou mesmo se levantei alguma. Se a conversa fosse hoje, no entanto, eu perguntaria ao meu amigo se ele estaria disposto a aplicar o mesmo raciocínio para o caso – banal e prosaico – da formação profissional do sujeito ter sido paga não pelo Estado, mas por papai e mamãe. Não têm direito os pais de se beneficiarem, de algum modo, do sucesso dos seus filhos, cuja possibilidade foi por eles proporcionada? Ou quando o Estado exige algo para si é um férreo dever de justiça, mas quando são os pais a reclamarem um quinhão dos haveres dos seus filhos, aí então passa a ser uma opressão medieval do patriarcado que se deve combater a todo custo, uma anacrônica ingerência na livre-determinação dos indivíduos que não pode mais encontrar lugar no nosso século XXI? Alguém seria capaz de defender que um pai proibisse seu filho de deixar a sua cidade natal? Por que, então, há quem defenda com tanto ardor que um país proíba os seus cidadãos de emigrarem?

Reconheço, em suma, certo fundamento no arrazoado; mas não ao ponto de justificar as violações ao direito de ir e vir que as autoridades cubanas praticam há décadas – violações de que desde a minha adolescência, a propósito, eu ouço falar. Sim, há deveres do homem para com a sua pátria; mas não um dever tal cujo cumprimento exija o sacrifício das liberdades individuais mais básicas. A pátria não se confunde com a configuração política da ocasião; patriotismo não é subserviência ao Estado.

É por motivos como esse, aliás, que não vejo com bons olhos que o Estado tome para si, de ordinário, a responsabilidade (quase) integral pelo sustento e formação dos cidadãos: a quem não foi financiado pela ditadura Castro, esta não pode – nem com aparência de propriedade! – exigir os sacrifícios que impõe aos que, de outra sorte, lhe devem algo. O mesmo raciocínio se aplica, guardadas as devidas proporções, para qualquer estrutura política cuja hipertrofia enseje certa desconfiança: que cada um tome cuidado para não depender em excesso dos poderosos do mundo! Mais sábio é, para usar os versos do Rostand, ser responsável por si próprio a ponto de «se acaso a glória entrar pela janela, / a César não dever a mínima parcela».

Convite para curso: «Doutrina e Ética Social»

Informação relevante aos meus leitores de São Paulo: o Prof. Rodrigo Pedroso iniciará amanhã um curso sobre Doutrina e Ética Social a que eu próprio gostaria muitíssimo de poder assistir. Os que não possuem os meus obstáculos geográficos (ou outros análogos), portanto, façam-se presentes. Estou convencido de que valerá muito a pena.

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O programa do curso, conforme foi enviado por email, é o seguinte:

Curso de direito natural
PROGRAMA

  1. Introdução.
  2. Pressupostos epistemológicos.
  3. Pressupostos metafísicos.
  4. Análise da operação natural.
  5. O objeto da operação humana. O fim último do homem.
  6. Atividade humana em ordem a seu fim. Análise do ato humano.
  7. Noções de ontologia moral.
  8. A moralidade objetiva.
  9. A moralidade subjetiva.
  10. As virtudes e os vícios. O conceito de justiça.
  11. A lei natural.
  12. A consciência.
  13. O pecado e o mérito.
  14. O direito: conceito, fim e propriedades. Direito e moral.
  15. Deveres do homem em geral.
  16. Deveres do homem para com Deus.
  17. Deveres do homem para consigo mesmo.
  18. Fundamentos dos deveres mútuos entre os homens.
  19. O direito de propriedade.
  20. Os contratos.
  21. A sociedade em geral.
  22. Os componentes da sociedade.
  23. A formação da sociedade mediante fatos associativos.
  24. Sociedade e princípio da subsidiariedade.
  25. Natureza da ação social. Como age a sociedade.
  26. Divisão do direito: público e privado.
  27. Deveres da sociedade para com seus membros.
  28. A defesa social: jurisdição e direito criminal.
  29. Noção de societas perfecta. As partes do poder politico segundo suas funções.
  30. A transmissão do poder político.
  31. A usurpação do poder.
  32. A perda do poder legítimo.
  33. O poder constituinte.
  34. O poder legislativo.
  35. O poder executivo.
  36. A divisão dos poderes.
  37. Relações mútuas entre sociedades independentes – direito internacional.
  38. Deveres de um estado independente para com uma sociedade ordenada.
  39. Deveres para com uma sociedade desordenada (agressora ou conflagrada).
  40. A sociedade das nações, um governo mundial?
  41. O desenvolvimento material da sociedade. Liberdade economica e corporações.
  42. O desenvolvimento intelectual e moral da sociedade. A liberdade espiritual.
  43. Os regimes politicos.
  44. A sociedade domestica ou familia: o laço conjugal.
  45. A sociedade domestica ou familia: deveres e direitos reciprocos entre pais e filhos.
  46. Nexo necessário entre a teoria social e a religião.
  47. Análise filosófica da Igreja católica.

* * *

O quê: Curso de Doutrina e Ética Social
Onde: Paróquia de Nossa Senhora do Monte Serrate – Largo de Pinheiros, SP.
Quando: Às quartas-feiras, às 19h30.
Quanto: Gratuito.

Não percam essa oportunidade.

De volta à vaca fria (sobre humor e blasfêmia no “Porta dos Fundos”)

Depois de tanta água rolada por debaixo da ponte, nem sei se vale ainda a pena falar sobre o “especial de Natal” do Porta dos Fundos. Chego a temer que alimentar a polêmica seja precisamente aquilo de que o grupo precisa no momento. No entanto, há dois ou três tostões que desde o final do ano passado eu queria oferecer sobre o assunto. Pelo sim, pelo não, vou fazer alguns rápidos comentários sobre o tema.

– A má repercussão que o vídeo teve (v.g. aqui e aqui) foi muito positiva. Por mais que defendam o “falem bem ou falem mal contanto que falem de mim” (e por mais que haja uma certa verdade nesse raciocínio), pior seria se ficássemos calados e deixássemos a blasfêmia caminhar livremente, como se fosse coisa que não importasse. Quem não se lembra daquele episódio “ovelhas também mordem” ocorrido há alguns anos na França? Não podemos nos esquecer da verdade que existe naquela frase segundo a qual o mal avança impulsionado pelo silêncio dos bons. Ignorar os ataques ao Cristianismo é incentivá-los a ficarem cada vez maiores e mais violentos.

– A estratégia do CitizenGO de reclamar junto aos patrocinadores foi no meu entender muito acertada. Não dá para exigir valores humanos minimamente civilizados de psicopatas como os que fazem parte do Porta dos Fundos. Não é deles que se deve exigir nada, e sim das pessoas (até prova em contrário) normais como as que patrocinam um grupo que está fazendo algum sucesso no momento. Dentro dos limites do que era razoável esperar, eu também gostei da nota que foi emitida pelo Grupo Petrópolis: disseram com todas as letras que «o Grupo Petrópolis, além de não ter previamente mantido qualquer tipo de contato com seu conteúdo, ainda, não admite que suas marcas sejam relacionadas com tais manifestações, pois não representa o pensamento de seus Diretores» (grifos meus). Só há um pequeno “problema”: a nota foi publicada na última sexta-feira (10 de janeiro) e, hoje, 17 de janeiro de 2014, a marca da Itaipava continua ostentada em lugar de destaque na página da manifestação anti-cristianismo dos marginais do Porta dos Fundos! Basta entrar no site deles para ver:

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E então, senhores do Grupo Petrópolis? Vocês disseram “não admitir” relação alguma de suas marcas com ofensas a valores religiosos. Por que não fizeram nada para tirar o enorme banner da Cerveja Itaipava da página do Porta dos Fundos onde se faz o deboche do Cristianismo que tanto revoltou os brasileiros?

– Conto nos dedos de uma mão só os vídeos do Porta dos Fundos a que assisti na vida. Depois que vi um sobre dois padres num confessionário, percebi que eles não estavam dispostos a fazer humor – e sim a ofender gratuitamente uma minoria perseguida e odiada. Por mais que os caras possam ser bons em outros esquetes que não tratem de religião, eu digo sem pestanejar: não vale a pena. Não se trata de gente que às vezes erra a mão na dose e sai com piada de mau gosto: é sistemático, trata-se de militantes anti-religiosos confessos, de pessoas que estão deliberadamente empenhadas em uma patética cruzada contra a civilização formada pelo Cristianismo. Não dá para “desculpar”, eles não querem desculpas, não se arrependem jamais de terem “exagerado”, muito pelo contrário: jactam-se de ofender e se orgulham de chocar. São conscientes e contumazes. O objetivo deles é desmoralizar a Igreja, e não fazer humor. Não merecem um milímetro do nosso reconhecimento para nada.

– Naturalmente, não dá para “debater” com esse tipo de gente. Pode até valer a pena expôr-lhes a cretinice, mas sem lhes dar demasiada atenção. Eu ia falar que tampouco vale a pena entrar no mérito da questão sobre se é lícito debochar da Fé alheia para fazer humor, mas semelhante questão não tem “mérito” algum: curiosamente, os que defendem o Porta dos Fundos são os mesmos que defendem, v.g., o assassinato de crianças no ventre materno. É claro que ninguém pode blasfemar alegando fazer “humor”, e a blasfêmia se afere objetivamente: trata-se das palavras ofensivas dirigidas a Deus, da irreverência para com as coisas sagradas, e não tem nada a ver com o subjetivismo de fulano ou sicrano “sentir-se ofendido”. De novo, não se espera que os celerados do Porta dos Fundos saibam estas diferenças e nem há esperanças de lhas explicar: processos judiciais nas costas deles, é o que há para fazer, quando menos para lhes aporrinhar. Quando menos para o registro de que ainda há pessoas dispostas a não se omitirem diante dos que escarnecem de Deus e vilipendiam as coisas santas.

Plebiscito sobre união gay?

“Comissão de Feliciano aprova projeto de plebiscito sobre união civil gay”, dizem. A forma escolhida para passar a notícia carrega já na manchete uma dose grotesca de ideologia.

Antes de mais nada, a comissão não é “de Feliciano”. É uma comissão permanente da Câmara dos Deputados que não foi inventada pelo pastor e nem pela dita “bancada evangélica”. Está no Regimento Interno da Câmara. Ainda, presidente de comissão não é “dono” dela. A frase faz tanto sentido quanto dizer, por exemplo, “Câmara de Henrique Alves”, uma vez que o deputado do PMDB é o atual presidente da Câmara dos Deputados.

O projeto de plebiscito tampouco é da autoria do Marco Feliciano ou mesmo do seu partido. O PDC 232/2011 é do deputado Zacharow, do PMDB do Paraná. Foi recebido pela CDHM no dia 14/06/2011, há mais de dois anos portanto, quando o deputado Feliciano sequer sonhava em ser presidente da Comissão.

Certo, o PDC 521/11 – apensado ao 232 – é da autoria do Marco Feliciano, mas (insista-se) foi proposto em novembro de 2011, quando o deputado não era presidente da CDHM e quando o 232/2011 já estava há meses nesta comissão. O projeto apensado é na verdade totalmente irrelevante aqui, uma vez que nada acrescenta ao que está em tramitação ordinária. Portanto, o que existe aqui é meramente uma tentativa retórica de desqualificar a priori a proposta, associando-a ao fundamentalismo evangélico. Não se trata de jornalismo informativo, e sim de guerrilha cultural disfarçada de boa imprensa. Tal não se pode perder de vista.

Isto posto, dois breves comentários sobre o mérito do projeto. Há dois aspectos sobre os quais ele pode ser analisado.

Primeiro, por princípio, trata-se de uma proposta absurda para qualquer um dos dois lados em litígio. Os que defendem que “Família” é uma realidade que não é passível de ser (re)inventada pelo direito positivo negam-se também, é óbvio, a aceitar que a sua destruição possa ser referendada via democracia direta. O povo não tem potestade para dizer que dois pederastas ou duas safistas são uma família, e não o tem nem por intermédio dos seus representantes e nem diretamente. Aqui, a forma de exercício da democracia (direta ou indireta) em rigorosamente nada altera os seus limites intrínsecos.

Depois, os que defendem que se trata de fazer justiça a uma minoria socialmente oprimida também não podem aceitar que o assunto seja levado a júri popular, uma vez que o próprio fato de se tratar de uma “minoria socialmente oprimida” implica em dizer que a maioria da população não é sensível aos seus anseios.

[E estariam cobertos de razão, registre-se, se este caso fosse de direitos de minorias. No entanto, é precisamente isso o que nós negamos. É isto o que deve ser discutido com honestidade, e não brandido ad baculum como se se tratasse de uma platitude auto-evidente.]

Segundo, para fins práticos, parece-me que um resultado não-manipulado deste plebiscito seria grandemente favorável aos defensores da Família. A maior parte da população brasileira, que ainda é conservadora, rejeitaria enfaticamente, penso, esta nefasta equiparação entre a união homossexual e a Família radicada na natureza humana. O que seria muito bom para o Brasil.

O problema é que esta seria uma vitória meramente parcial e contingente, obtida sobre falsas bases (é errado dizer que dois marmanjos são uma família não porque o povo “acha” que não é, e sim porque “Família” é uma entidade que contém em si mesma a potencialidade para a geração e educação de novos membros para a sociedade) e permanentemente periclitante (e quando o povo “mudar de idéia”? Qual deve ser o prazo de validade de uma consulta popular dessa natureza?). No entanto, nas atuais conjunturas, talvez seja o melhor que nós possamos ter. Talvez seja a nossa melhor oportunidade para rompermos a cortina de desinformação sobre o tema. Talvez seja a nossa melhor chance de esclarecermos – em igualdade de condições – a população sobre este assunto tão importante para a sobrevivência da civilização. E, por tudo isso, talvez não devamos ser tão ligeiros em rejeitar a proposta.

Notícias de um mundo enlouquecido

Essas duas notícias não são de hoje, mas valem uma meditação.

Primeiro, uma garota belga foi mutilada e posteriormente assassinada, sem que isso provocasse a menor comoção social. Ao contrário, louvaram esta barbaridade como se fosse um avanço dos direitos humanos e um respeito às liberdades individuais.

A garota – R.I.P. – chamava-se Nancy. Entre 2009 e 2012, teve os seus seios arrancados e seus órgãos genitais destruídos. Vivendo infeliz e sentindo «aversão» pelo seu corpo, foi depois friamente assassinada na presença de várias pessoas.

Sádicos psicopatas procurados pela polícia? Que nada! Pessoas que se dizem normais, exercendo o que consideram direitos legais, sob o amparo de uma legislação positiva enlouquecida.

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Segundo, um teólogo ameaça se suicidar. No ápice da sua decadência, Hans Küng deseja o «suicídio assistido».

Ele tem Parkinson avançado. A degeneração moral do velho modernista atingiu o paroxismo. Tanto chafurdou na lama que desaprendeu a olhar para o Céu. Cego dos olhos da alma há muito tempo, ameaça procurar uma «clínica» (sic) onde se matam pessoas caso perca a visão dos olhos do corpo.

Loquaz exemplo do quanto é possível cair quando se afasta da Fé! Rezemos pelos desesperados. E vigiemos. Que nos livre Deus do desespero.

«Lei natural e catolicidade» – Carlos Ramalhete

Fonte: Facebook

Uma experiência científica interessante, comparável com aquelas em que pesquisadores soltam carteiras pelas cidades do mundo para medir quantas são devolvidas, seria a de furtar abertamente bens alheios em todas as culturas do mundo. Tomar o chocalho do cacique, a espada do guerreiro, o sapato da velhinha, o pirulito da criança. E ficar ali, de bobeira, esperando para ver o que iria acontecer.

Arrisco o chute: o pesquisador levaria uma bela coça na imensa maioria dos lugares, e nos outros seria conduzido a algum sucedâneo formal da mesmíssima coça: cadeia, chibatadas, “bolos” de palmatória, o que for.

Isto ocorre por uma razão simples: o furto é condenado por lei natural. Lei esta que já vem, “de fábrica”, inscrita em nossos corações. Todas as sociedades são e sempre foram compostas por gente que conhece a lei natural. Há quem finja não a conhecer, que mude de calçada para não cruzar com ela, e alguns destes acabam sempre em cargos de mando. Mas, na verdade, é impossível não a conhecer. Uma sociedade pode até criar maneiras doentias e complicadas de negar um que outro aspecto dela, como quem deixa uma válvula de escape aberta. Mas ela está ali, e todos sabem dela.

E as condenações e obrigações da lei natural, tão bem conhecidas de todos, são necessariamente a base do nosso sentido de certo e errado e daquele curioso mecanismo que nos avisa quando ultrapassamos estes saudáveis limites: a nossa consciência.

Sabemos todos que é errado, é erradíssimo, é abominável!, matar um inocente. Podemos tentar justificar o injustificável, arranjar desculpas esfarrapadíssimas, peneiras furadas com que tentaremos tapar o sol da própria consciência. Podemos até mesmo fazer com que estas mentiras ganhem força de lei, e que os donos de escravos possamos estuprar e matar nossas escravinhas sensuais, os arianos puros possamos dar uma solução final aos incômodos judeus, os samurais possamos testar lâminas cortando camponeses ao meio, ou as vadias possamos nos livrar de uma gravidez indesejada matando nosso próprio filho.

Sabemos todos que é justo e necessário dar graças a Deus a todo momento. Não importa que substituamos Seu Nome por “ainda bem” ou “ufa”; no fundo, é a Ele mesmo que dá graças o chinês que acende um bastão de incenso aos “Céus” e o africano ofegante que se deixa cair de costas na pradaria, contemplando a infinitude do céu estrelado, agradecendo silenciosamente por ter sido livrado de uma fera que o atacava.

E sabemos todos que não devemos furtar. E não devemos mentir. E não devemos cometer adultério.

Quando, contudo, a sociedade enlouquece – e vivemos numa sociedade enlouquecida – é frequentemente necessário que lembremos a nós mesmos e ao próximo o que já sabemos todos, em virtude de ser lei natural. Que, por vezes, tenhamos que brigar para impedir que o mal seja imposto por lei e o bem proibido. Que precisemos salvar as vidas cujo valor é negado pelo século, pela loucura muito peculiar que ataca aquela sociedade naquele momento.

Este dever é de todos. Não é o dever específico do cristão, nem do muçulmano, do judeu, do hinduísta, animista, budista ou do zoroastrista.

Paradoxalmente, toda e qualquer religião tradicional – pelo simples fato de ser tradicional, por ter ouvido durante os séculos o que milhares, milhões de pessoas de boa-vontade tinham a dizer sobre a busca do Bem – há de conhecer, repetir e pregar a mesmíssima lei natural. Esta lei, contudo, não há de ser o cerne de sua pregação, por uma razão simples: ela não é nem algo que **precise** ser revelado pelo Divino nem um caminho suficiente até Ele.

A lei natural é o mínimo; é o que nos faz ser plenamente humanos, para, humanos que somos, podermos caminhar rumo ao Divino. Ela não é nem pode ser confundida com a mensagem religiosa que, entre outras coisas, a contém. A mensagem religiosa a contém por ser dirigida ao homem, e a lei natural é o que deve reger o homem na sua relação com o mundo ao redor.

A religião, todavia, não é nem tratado de boas maneiras nem código civil ou penal.

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Compete ao clero, do papa ao menor dos ostiários, pregar a Vida Eterna. Pregar a Cristo crucificado, que é escândalo para os judeus, loucura para os gentios. Tratar das nossas almas, feridas nesta guerra sem tréguas a que somos chamados, com a medicina dos sacramentos. Alimentar-nos com o Pão dos Anjos. Curar-nos as almas, para que possamos viver no mundo sem a ele pertencer.

A adesão – ou não – da legislação e da política à lei natural não requer a atenção do clero. A relação entre o Estado e a lei natural não é tema de religião nem necessária à salvação.

Ao contrário, até: é uma armadilha demoníaca trata-la como se o fosse. Fazer da luta política pela proteção legal à vida do nascituro uma marca de catolicidade é, em última instância, negar que seja de lei natural que a vida do nascituro deva ser protegida. É negar-lhe a inocência, negar-lhe a humanidade, ao transformá-la falsamente em tema de Fé. Temos fé no que não vemos, e vemos – nem que seja pelos exames laboratoriais! – que o nascituro é vivo e é humano.

Mais ainda: assumir a luta pela lei natural como se fosse uma luta intrinsecamente católica é cair na armadilha da mídia, que não consegue perceber o que realmente é a Igreja e a reduz àquilo em que a Verdade eterna faz intersecção com as besteiras do século, e olhe lá. É auxiliar a pregar que a Igreja é um bando de esquisitões dizendo “não” às alegrias, e só. É fazer com que a luta pela vida seja percebida como uma maluquice a mais, irracional – ou mesmo antirracional –, pregada por loucos sem noção alguma do mundo real.

Isto ocorre porque esta redução da Igreja ao combate contra a violação deste ou daquele aspecto da lei natural faz com que aquilo que é realmente intrinsecamente católico desapareça. Se a Igreja **é** o combate ao aborto, à distribuição de camisinhas ou ao “casamento gay”, ela ***não é*** o Cristo. Ela não é a Encarnação do Verbo. Ela não é a Imaculada Conceição. Ela não é o Santíssimo Sacramento.

O que compete à Igreja pregar é o Eterno, é a Verdade Revelada. Esta Verdade – que é uma Pessoa, a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade! – tem, sim, corolários. Entre outros, ela ilumina e atrai a atenção a algo que já é de lei natural, que é o valor e a dignidade da vida humana. Da vida do camponês, da mulher, do judeu, do escravizado, do nascituro.

Não podemos, contudo, reduzir ou deixar reduzir a especificidade católica a um ou mais corolários do que é o cerne da mensagem e do próprio ser da Igreja: o Cristo. Não podemos permitir que a imprensa venha nos pautar, que ela venha a transformar a luta pela vida em catolicidade ou a catolicidade em luta pela vida. Ou contra o “casamento gay”. Ou contra a exploração do pobre, especialmente o órfão ou a viúva. Em todos estes pontos, a Revelação ilumina e atrai a atenção a um ponto de lei natural. Não é, contudo, a Revelação que faz com que tenhamos o dever de agir neste ou naquele sentido na sociedade, sim a lei natural.

O combate pela lei natural é o combate de todo ser humano, não só de todo católico. É um combate a que somos chamados individualmente ou em grupos e associações que formemos; serão, contudo, associações de pessoas, não braços da Igreja. Uma ação de pessoas, de leigos, de indivíduos, de quem quer combater o mal – católico ou não –, não um braço pastoral.

A Igreja, lembrou-nos com razão o Santo Padre, é como um hospital de campanha, um hospital feito de lona, localizado logo ao lado do campo de batalha.

A batalha pela lei natural é nossa, como seres humanos. Quando nossos amigos também batalham por ela – como é seu dever, por serem eles também seres humanos – e não têm acesso ao hospital, não acedem aos Sacramentos, levemo-los, sem dúvida! Mas esta já é outra batalha, quiçá bem mais importante.

Se o nascituro não pode se defender, compete a cada um de nós, seres humanos, lutar pela vida de todo ser humano inocente. Em cada ser humano inocente que é assassinado toda a humanidade é atacada. O assassinato de inocentes é a negação da própria humanidade, e combate-lo é dever de todo ateu, muçulmano, judeu, budista… ou católico. Este combate é um combate humano, feito em prol da humanidade. Não é um combate religioso, nem o pode ser. Dizer que é um combate religioso é negar o valor do combate e permitir que ele seja tratado como uma idiossincrasia idiota qualquer, pois é assim que o mundo trata a religião.

É urgente que não nos deixemos mais confundir. Que não façamos mais a besteira de querer que o Papa implore a governantes de terceiro mundo que aprovem ou vetem esta ou aquela lei antinatural, que nós, leigos, burramente deixamos passar. Ao Papa compete pregar a Cristo crucificado. A nós, leigos, é que compete combater no terreno imundo da política.

É urgente que não mais nos confundamos. Que não façamos mais a besteira de levar imagens de santos para passeatas em que estamos lutando pelo humano, não pelo divino. Passeatas pedem cartazes, gritos e a lembrança permanente de que estamos ali por sermos seres humanos, não por sermos católicos.

É urgente que não mais confundamos as almas. Que não ofendamos a Deus e a Seus Santos, levando cartazes, bonequinhos e balõezinhos de campanhas políticas – por mais nobres que sejam!!! – para as procissões em que prestamos homenagem e culto de veneração e rogação a Seus Santos. Cartazes, bonequinhos e balõezinhos são feitos para serem vistos pelos homens. Procissões são feitas para que os Céus nos ouçam.

Que Deus nos ajude, para que sejamos os seres humanos que Ele quer!

– Prof. Carlos Ramalhete

PGR não sabe a diferença entre um quartel e um motel

Apenas um ligeiro comentário sobre o «fim de criminalização de prática sexual em área militar» (!) pleiteado pela Procuradoria Geral da República.

Na tentativa de promover a todo custo o “gay-way-of-life”, as instituições públicas advogam em favor das maiores barbaridades e se expõem cada vez mais ao escárnio e ao descrédito. Ora, o Art. 235 do Código Penal Militar, que os excelentíssimos Procuradores-Gerais parecem não ter mais o que fazer do que buscar revogar, diz textualmente o seguinte:

Art. 235. Praticar, ou permitir o militar que com êle se pratique ato libidinoso, homossexual ou não, em lugar sujeito a administração militar:

Pena – detenção, de seis meses a um ano.

O ato aqui tipificado como crime não é a «pederastia» simplesmente, é qualquer ato libidinoso. E é bastante óbvio para qualquer pessoa que mantenha algum resquício de senso moral que não há nada de errado com isso, muito pelo contrário: trata-se de uma regra mínima de decência e de civilidade. Se o militar quer praticar atos libidinosos, que o faça em sua própria casa, ora bolas, ou num motel, e não dentro de instalações públicas militares! Era só o que faltava mesmo: transformar dependências das Forças Armadas em motéis custeados pelo Poder Público!

É verdadeiramente espantoso que uma notícias dessas possa ser publicada no site do Supremo Tribunal Federal. É tagarelice vazia em cima de tagarelice vazia:

A PGR afirma que, a partir da Constituição Federal de 1988, não há fundamento “que sustente a permanência do crime de pederastia no ordenamento jurídico brasileiro, tendo em vista que é nitidamente discriminatório ao se dirigir e buscar punir identidades específicas, sem qualquer razão fática ou lógica para tal distinção”. O crime estaria inserido num contexto histórico de “criminalização da homossexualidade enquanto prática imoral, socialmente indesejável e atentatória contra os bons costumes”, visão que “não mais se sustenta internacionalmente”.

[…]

Além do aspecto discriminatório, a Procuradoria aponta que a norma tem o objetivo de limitar a liberdade sexual dos militares. (…) O que seria passível de punição, assim, seria o assédio sexual, de acordo com a PGR. “Não pode haver criminalização do exercício pleno da sexualidade consensual entre dois adultos, ainda mais quando os indivíduos não estejam exercendo qualquer função”.

Primeiro, o crime não é de «pederastia», e sim de «ato libidinoso».

Segundo, não há nada de “discriminatório” aqui, uma vez que qualquer espécie de ato libidinoso cometido por militares dentro de dependências militares – independente do sexo dos envolvidos – é punido com o mesmíssimo artigo do Código Penal Militar.

Terceiro, é óbvio que instalações militares não são lugares adequados para a prática de «atos libidinosos», quaisquer que sejam eles.

Quarto, o homossexualismo ser uma «prática imoral, socialmente indesejável e atentatória contra os bons costumes» não está sequer insinuado aqui, uma vez que o dispositivo regulamenta a decência e a moralidade de um espaço público independente das preferências sexuais dos envolvidos.

Quinto, que ninguém tem «liberdade sexual» para praticar atos libidinosos em dependências públicas, e proibir estes últimos não tem nada a ver com criminalizar as opções sexuais de ninguém.

Sexto, que o assédio sexual já é crime no Brasil (Art. 216-A do Código Penal), e é uma coisa completamente distinta da utilização de dependências militares para satisfazer o baixo-ventre, donde a exigência de tipos penais distintos para coibir práticas distintas.

Sétimo, que o «exercício pleno da sexualidade consensual entre dois adultos», para existir, não precisa ser realizado dentro de lugar sujeito a administração militar – aliás, não o pode ser, porque uma dependência militar não é motel e nem a casa privada de nenhum dos dois «adultos» para que eles se julguem no direito de praticarem atos libidinosos lá.

Oitavo, que não faz nenhuma diferença se os indivíduos estão ou não exercendo funções, o que interessa é que todo mundo – em serviço ou não – precisa obedecer a regras mínimas de moralidade e convivência em espaços públicos.

Nono, por fim, que se engana quem pensa que o chão é o limite. Nós já passamos do chão faz tempo. O limite é o inferno, e os nossos governantes parecem realmente empenhados em fazer com que cheguemos cada vez mais perto de lá. É vergonhoso.

Aborto: Globo mostra ficção e esconde a realidade

A respeito de certa cena pró-aborto que a Globo recentemente transmitiu em uma sua novela, está primoroso este artigo da Dra. Elizabeth Kipman publicado na Gazeta do Povo. Antes de aparecerem por aí com comentários disparatados, melhor fariam as pessoas em se inteirarem devidamente a respeito do que é verdadeiro e do que é falso no que aparece “na telinha”. Para que não juntem à sua imoralidade já suficientemente repugnante a mais abjeta desonestidade intelectual.

Porém, consideremos: uma pessoa que quiser amputar sua própria mão sem ser por motivo de saúde não pode ser auxiliada pelo médico, que sofrerá severa punição se o fizer – apesar do risco que esta pessoa corre se insistir em fazer o ato de forma insegura. Mas, quando existe a ameaça da realização de um aborto provocado, o médico seria obrigado a fazê-lo?

Não existe um único médico católico no mundo que se recuse a fornecer cuidados básicos para uma mulher que tenha sofrido complicações por conta de um aborto provocado. Como não existe nenhum médico católico no mundo que se recuse, por exemplo, a ministrar os primeiros socorros a um ladrão que tenha sido ferido num tiroteio com a polícia. Isto não está sequer em discussão, e é verdadeiramente calhorda a empulhação que foi ao ar numa novela da Globo. Inventando uma história totalmente sem pé nem cabeça, a emissora apresenta as coisas como se a culpa das mulheres que morrem em conseqüência de abortos provocados fosse não delas próprias, que tentaram mutilar o próprio corpo a fim de matar o filho inocente que carregavam no ventre, mas sim da ficção totalmente inexistente de médicos religiosos se recusando a lhes prestar socorro uma vez que elas chegam nas emergências dos hospitais!

É uma lástima que mulheres morram na prática de abortos clandestinos? Sim, é, sem dúvidas. Mas se o governo se importasse realmente com estas mulheres, deveria fornecer-lhes todo o suporte possível (psicológico e financeiro) para que elas não precisassem matar os próprios filhos. No entanto, as pobres mulheres em situação de vulnerabilidade que – num momento de desespero – desejam recorrer ou recorrem ao aborto são utilizadas pelo Governo brasileiro como bucha de canhão para o avanço da agenda abortista no país. Depois disso, são descartadas.

Se a mesma quantidade de recursos e energia gastos para empurrar o aborto no Brasil fosse aplicada no auxílio verdadeiro a mulheres grávidas que não têm condições de ter os seus filhos, o (aliás já baixo) número de mulheres mortas por conta de abortos provocados no nosso país ia cair para zero. Para que se veja o quão hipócrita é a política governamental de “apoio” às mulheres grávidas, veja-se este artigo (com um vídeo) que o pe. Lodi publicou há algumas semanas no seu site. O testemunho é impressionante. Regiane foi estuprada e ficou grávida. Procurou fazer um aborto, e foi tratada a pão-de-ló pelos órgãos oficiais e oficiosos de “defesa da mulher”. Antes de fazê-lo, contudo, desistiu; e, por conta disso, o Governo rapidamente perdeu o interesse nela. Para ajudá-la a criar o seu filho, não apareceu ninguém que movesse uma palha em seu favor. Ouçamos o que ela diz:

Vim pra falar que Secretaria de Política para Mulheres não defende as mulheres, procurei o CEDIM no Rio de Janeiro [e] escutei delas que, por não optar pelo aborto, que eu tinha problemas porque eu queria. Porque meus problemas poderiam ter sido resolvidos. Como eu optei pela gravidez, eu estava com problemas por livre e espontânea vontade.

Isso, sim, é a realidade das mulheres brasileiras, isso deveria estar em horário nobre na televisão, para que os brasileiros de bem se indignassem com a patifaria que o Governo realiza com o dinheiro dos nossos impostos, empregando-o para assassinar crianças e deixando mães passarem necessidades. Isso é o que precisa ser mostrado. Não a ficção mentirosa que a Globo coloca nas suas novelas para, mentindo e enganando, minar a sã aversão que o povo brasileiro tem ao crime horrendo do aborto.