Deparo-me, vez por outra, com a alegação de que os católicos estão desobrigados de cumprir o preceito dominical caso não disponham de uma missa específica (v.g. uma Missa Tridentina) para assistir. Ora, tal alegação é falsa e ímpia, e demonstrá-lo não é difícil. Porque os que alegam semelhante temeridade fazem-no com base no pressuposto de que tal ou qual missa (v.g. uma repleta de abusos litúrgicos, ou uma Missa Nova, ou mesmo – pasmem – uma Missa Tridentina celebrada de acordo com a faculdade concedida pelo Summorum Pontificum (!)) seja capaz de causar dano à Fé de quem dela participa. Ora:
1. Que uma Missa explicitamente autorizada pela Igreja visível possa em si mesma ser daninha à Fé contraria a infalibilidade da Igreja em matéria litúrgica. Se tal fosse possível, estar-se-ia então desobrigado não só de assistir a determinada Missa, senão todas elas, porque a Igreja, tal qual como A conheceu vinte séculos de Cristianismo, teria deixado de existir.
2. Ainda que se diga, para salvaguardar o munus sanctificandi da Igreja, que a nocividade de tal ou qual Missa é-lhe não intrínseca, mas acidental, ainda assim tal dispensa não pode ser deixada ao alvitre de cada um. Seria o caso da impossibilidade moral de que falam os antigos moralistas, cuja determinação precisa exige i) uma situação concreta; e ii) o juízo da autoridade competente (v.g. o pároco). Se se diz – p.ex. – que “toda missa celebrada de acordo com o Novus Ordo Missae é nociva”, então se recai no ponto 1. acima (uma vez que um acidente que se verifica inalterável em todos os entes de uma determinada espécie não pode de maneira alguma ser tratado como acidente vere et proprie).
3. Ainda: se não for caso de impossibilidade moral, mas meramente de conveniência – digamos, que a alegação seja a de que uma Missa má celebrada predisponha a alma a tratar com desleixo as coisas sagradas etc. -, então das duas uma: ou a pessoa tem consciência de estar sendo conduzida à tibieza, ou é a ela conduzida sem disso ter consciência, et tertium non datur. Se a pessoa não tem consciência do perigo a que (alegadamente) se expõe, então é evidente que não pode pleitear uma dispensa com base numa ameaça que ignora – na verdade, ela não pode nem mesmo imaginar a necessidade da dispensa. Se, ao contrário, a pessoa tem conhecimento o bastante para saber que tal ou qual situação a conduz à impiedade e ao enfraquecimento da Fé, então ela está em condições de resistir a estas influências e, portanto, não ser por elas afetada de modo suficientemente grave para justificar a dispensa. Trata-se aqui, na verdade, de um paradoxo da fundamentação impossível: as pessoas ignorantes que poderiam em princípio ser conduzidas para longe da Fé por conta de certas omissões ou ambiguidades em determinada celebração estão, por conta da ignorância mesma, incapazes de pedir a dispensa ou mesmo de imaginar que ela possa existir; ao contrário, as pessoas que têm suficiente conhecimento litúrgico para identificar aquelas omissões e ambiguidades, pelo fato mesmo de as identificarem, não estão sujeitas a terem a sua Fé por elas enfraquecida.
4. Por fim, se o caso for da ilicitude de se participar dos sacramentos – mesmo válidos e intrinsecamente santificantes – dos não-católicos (alegando-se, v.g., que os que celebram a Missa em tais ou quais condições não possuem a Fé Católica e, portanto, estar-se-ia cometendo uma communicatio in sacris proibida se se lhes assistisse às celebrações), trata-se aqui de donatismo totalmente extemporâneo e injustificado. Santo Tomás de Aquino distingue explicitamente entre os que estão privados de ministrar sacramentos por «sentença divina» (ex sententia divina) e por «sentença eclesiástica» (ex sententia Ecclesiae), e diz que somente das missas destes últimos é proibido ao fiel católico tomar parte:
Porque os hereges, cismáticos e excomungados estão privados do exercício de consagrar por sentença eclesiástica – pelo que peca todo aquele que ouça suas Missas ou deles receba os Sacramentos. Mas nem todos os pecadores estão privados do exercício dessa potestade por sentença da Igreja. De tal modo que, ainda que [alguns] estejam suspensos por sentença divina, não o estão no que diz respeito aos demais [fiéis] por sentença eclesiástica. De onde se segue que seja lícito receber deles a comunhão e ouvir as suas missas até que a Igreja pronuncie a Sua sentença.
Rejeitem-se, portanto, todos os arrazoados que intentem dispensar por conta própria os católicos do cumprimento de seus deveres religiosos. Mandamento é o que o próprio nome diz: é Mandamento, e é precisamente quando é difícil que o seu cumprimento se torna mais necessário. É particularmente duro ser católico nos dias de hoje; poucas coisas conduzem menos a alma à adoração do que as nossas missas medianas, medíocres de símbolos e repletas de abusos. Poucos ambientes são mais hostis à oração do que as nossas paróquias repletas de palmas, de baterias barulhentas, de leigos no altar. No entanto, é exatamente por ser mais difícil descobrir Nosso Senhor por debaixo da mundanidade eclesiástica que o nosso ato de Fé é mais meritório.
É à obediência da Fé que somos chamados, e não temos o direito de dar as costas à graça de Deus porque a indignidade dos Seus ministros nos ofende. Garanto que muito mais ofende a Cristo, e mesmo assim Ele não hesita em Se doar de novo e de novo debaixo do pandemônio litúrgico contemporâneo. Se Cristo permanece lá, nós não temos o direito de abandoná-Lo. Uma coisa justa e meritória é enxugar o rosto chagado de Cristo; outra, completamente diferente, é debandar do Calvário por não suportar os escarros que lançam sobre Sua Sagrada Face.