Pediram-me os meus comentários sobre o vídeo do pe. Fortea aqui publicado recentemente (e, mais especificamente, sobre os assim chamados “dons carismáticos” da RCC). Trago-os à consideração.
Antes de mais nada, é preciso dizer ser verdade que há elogios dos Papas à Renovação Carismática. Nestes, no entanto, há pouca (ou nenhuma) menção específica aos carismas extraordinários. Vale lembrar que os “carismas”, na Doutrina Católica, não se confundem com os dons extraordinários pregados pela RCC. Ensinar é um “carisma”, a vocação à vida comunitária é um “carisma”, etc. Em poucas palavras: existem muitos “carismas” perfeitamente naturais e ordinários e, quanto a estes, não imagino haver nenhuma controvérsia. O problema são os “carismas” entendidos como dons sobrenaturais e (teoricamente) extraordinários.
A RCC me parece ser uma coisa bastante diversificada mundo afora. Em 2008 estive em Roma e fiquei hospedado na casa de uma família que fazia parte da Renovação Carismática; e juro que eu não teria percebido se isto não me tivesse sido contado expressamente. Creio (e aqui é apenas a minha impressão) que existe um “modus vivendi” carismático que é próprio do Brasil (e talvez – não sei – de outros países da América Latina), o qual infelizmente às vezes se confunde (muito) com o de um protestante pentecostal. E este “modus vivendi” não é, de nenhuma maneira, referendado por Roma.
Eu já vi os papas louvarem, por diversas vezes, muitas coisas na RCC que são sem sombra de dúvidas louváveis. A oração particular e em grupo, a tomada de consciência da própria vocação batismal, a devoção ao Espírito Santo, a Lectio Divina, etc. Estas coisas – repito – não me parecem ser objeto de controvérsias entre os católicos. Por outro lado, há um outro grupo de coisas (como a bagunça litúrgica e má formação doutrinal, o sentimentalismo exacerbado, etc.) que, ao contrário, não me parecem ser defendidas nem mesmo pelos carismáticos. Aqui, também há consenso. Onde há discordância parece ser quase exclusivamente com relação à existência e ao uso dos carismas extraordinários. Vamos, portanto, a eles.
Quanto aos carismas extraordinários, sinceramente, eu não lhes consigo dar crédito da maneira como eles são apresentados e praticados. Fiquemos tão-somente no (assim chamado) “dom de línguas”, que me parece ser o mais massificado e o mais controvertido. É um dom extraordinário ou ordinário? Se é extraordinário, por qual motivo acontece ordinariamente nas reuniões da RCC? Se é ordinário, por que foi que deixou de ser extraordinário e, depois de vinte séculos de Cristianismo, começou a aparecer em profusão exatamente em um dos momentos mais críticos da História da Igreja e – isto é o fundamental! – sem dar os frutos de conversão e santidade que seriam esperados? Afinal, no Pentecostes “original”, o Espírito Santo provocou conversões profundas e verdadeiras aos borbotões. Por qual motivo, agora, o “Novo Pentecostes” já existe há décadas e não vemos nada parecido com o que aconteceu em Jerusalém da primeira vez?
Mais: estes dons são sobrenaturais ou são naturais? Se são sobrenaturais, por que motivo eles parecem acontecer (de novo, fico somente no “dom de línguas”) de acordo com a vontade de quem reza, e não como um fenômeno espontâneo? Se são sobrenaturais, por qual motivo eles podem ser ensinados?
Se, ao contrário, forem naturais – e eu já vi alguém defender que a oração em línguas seria, na verdade, não “o dom das Línguas” do Espírito Santo da maneira como ele foi historicamente conhecido, e sim apenas uma “modalidade de oração” -, então é urgente parar de apresentá-los como se houvesse uma identidade entre eles os fenômenos relatados no Novo Testamento. E, ainda neste caso, caberia perguntar: que espécie de oração natural é esta onde ninguém sabe o que se está rezando [afinal, em sendo natural, é preciso abandonar a explicação de “língua dos anjos que Deus entende” (uma vez que isto seria claramente sobrenatural) e considerar que se estão apenas balbuciando sons sem significado algum], e por qual motivo isto deveria ser incentivado?
Enfim, as perguntas são muitas. É óbvio que, em teoria, Deus (que, afinal de contas, é Deus) poderia perfeitamente Se manifestar de forma extraordinária também nos dias de hoje, e não me parece nem mesmo ser possível excluir a priori que estas manifestações possam se tornar ordinárias. O que elas não podem, de nenhuma maneira, é serem irracionais e sem propósito. É a este ponto que, parece-me, a apologia dos carismáticos precisa se dirigir, caso acreditem sinceramente naquilo que pregam e estejam imbuídos de verdadeiro amor à Verdade, e não às próprias opiniões.
Há pessoas que defendem a veracidade dos dons (supostamente) presentes na Renovação Carismática? Sim, há. Mas não me consta que estas pessoas tenham alguma vez respondido a questionamentos como os que eu coloquei acima, que considero bastante justos e pertinentes. Sem uma explicação satisfatória sobre estes alegados dons, causa porventura alguma surpresa que eles sejam recebidos (no mínimo) com desconfiança por alguns católicos? Os que alegam possuírem dons extraordinários do Espírito Santo precisam responder em sua defesa e corrigirem as suas práticas naquilo que for necessário. Caso contrário, não poderão se surpreender com a estranheza e incredulidade que provocam em católicos não pertencentes à RCC.