Soube hoje à tarde (via La cigüeña de la torre) de duas importantes cartas recentemente tornadas públicas e que têm a ver com os diálogos entre a Santa Sé e a Fraternidade Sacerdotal São Pio X. A primeira foi uma carta enviada por três bispos da FSSPX – Mgr. Alfonso de Galarreta, Mgr. Bernard Tissier de Mallerais e Mgr. Richard Williamson – ao Conselho Geral da Fraternidade (e, nomeadamente, ao Superior-Geral, Dom Bernard Fellay). A segunda é a resposta de D. Fellay a esta carta. Não sei se elas possuem tradução para o português; apenas vi o original francês e as duas traduções para o espanhol feitas pela Radio Cristiandad:
1. Carta de los tres obispos a Mons. Fellay – Traducción completa de Radio Cristiandad
2. Respuesta de Mons. Fellay a la carta de los tres obispos – Traducción completa de Radio Cristiandad
Muito resumidamente, os três bispos se mostram reticentes a isto que chamam de “um acordo prático” com Roma. Aliás, dizer que eles se mostram “reticentes” é um eufemismo: os bispos atacam abertamente a reconciliação que está às portas, inclusive empregando expressões bem duras como dizer que a FSSPX corre o risco de “apodrecer” caso se coloque em meio à “contradição” da doutrina do Concílio Vaticano II. E conclamando os fiéis da Fraternidade, em nome de D. Lefebvre, a recusarem todo acordo “puramente prático” com Roma.
Por outro lado, a resposta de D. Fellay é magnífica. Não apenas repetindo o óbvio – se o Papa é Papa legítimo e se o desejo que ele apresenta à Fraternidade é legítimo, não atentando contra os mandamentos da lei de Deus e nem nada, como é possível rejeitá-lo? -, mas também indo ao ponto nevrálgico e dizendo, ousadamente, que falta aos bispos tanto visão sobrenatural da Igreja quanto até mesmo senso de realidade. Visão sobrenatural, porque eles parecem esquecer que Deus é Senhor da História e, nesta aproximação com Roma, só conseguem ver complôs e armadilhas dos quais é preciso (humanamente) se resguardar. E senso de realidade porque dão aos erros disseminados na Igreja após o Vaticano II uma intensidade e uma amplitude totalmente desproporcionadas.
Sim, as coisas mudaram muito de 1988 para cá. Se naquela época poderia parecer que os inimigos da Igreja haviam triunfado, hoje o movimento de restauração é evidente e é preciso ser cego para o negar. Temos um Papa teólogo francamente dedicado ao resgate da sacralidade da Liturgia. Temos vozes conservadoras proclamando a Fé Católica por todos os lados: entre os leigos e entre os seminaristas, entre o clero, nos bispos e na Cúria Romana. Temos, em suma, uma luta encarniçada ocorrendo abertamente dentro da Igreja, na qual católicos que não aceitam as novidades heterodoxas das últimas décadas estão diligentemente empenhados em resgatar tudo o que foi perdido de Woodstock pra cá. Não é crível fingir que nada disso está acontecendo. Não é possível afirmar que este combate não seja justo. Não é portanto lícito negar-se a ele.
E a cereja do bolo vai ao final da carta-resposta: embora saibam – diz D. Fellay – que o princípio da unidade da FSSPX é o Superior-Geral, os três bispos que assinam a primeira carta parecem querer impôr o seu próprio ponto de vista a toda a Fraternidade, “mesmo sob a forma de ameaças, mesmo publicamente”. E “esta dialética entre verdade/fé e autoridade é contrária ao espírito sacerdotal”. A questão, assim colocada nas devidas perspectivas, deixa de ser sobre a alegada resistência heróica do Resto de Israel aos assaltos do Anticristo e passa a adquirir contornos de uma rebeldia sem causa, de uma polêmica que se esqueceu de sua razão de ser. E esta decadência é precisamente o maior risco que a Fraternidade corre neste momento.
Que, pela intercessão de todos os coros angélicos e de todas as almas dos bem-aventurados que do alto da Igreja Triunfante olham por nós, Deus não permita que isto aconteça! E que voltem, sim, depressa, os valorosos soldados da Fraternidade: que voltem cheios de ânimo e de zelo para se baterem pela glória do Senhor dos Exércitos! Nós precisamos deles. Que São Miguel Arcanjo possa nos trazer estes tão importantes reforços, e que a Virgem Santíssima, Auxilium Christianorum, possa conduzir os membros da FSSPX de volta ao campo de batalha o quanto antes.