[Publico artigo do Mons. Michel Schooyans, membro da Pontifícia Academia para a Vida, já publicado no Exsurge, Domine! ontem, sobre a – aparentemente infindável – polêmica envolvendo o aborto dos gêmeos da menina de Alagoinha e o malfadado artigo do presidente da supracitada Academia, Dom Rino Fisichella, bem como o posterior esclarecimento da Congregação para a Doutrina da Fé. Não consegui encontrar o artigo original; esta tradução, no entanto, foi-me enviada por um sacerdote legionário, que conheço pessoalmente, o qual sei que não seria leviano em assunto de tão grave importância.
Não sei a data original deste artigo. Há em LifeSiteNews.com o Complete Article on “The Recife Affair” by Political Philosophy Professor Monseigneur Michel Schooyans, publicado em junho p.p., mas anterior ao esclarecimento da Congregação para a Doutrina da Fé (que, a propósito, aqui só fiz citar en passant), posto que este é de julho p.p.; aqui não se trata, portanto, daquele artigo então escrito pelo Mons. Schooyans contra Dom Rino Fisichella, mas sim de um outro, posterior aos esclarecimentos da CDF.
Em todo caso, as questões colocadas pelo membro da Pontifícia Academia para a Vida são relevantes e merecem reflexão. Rezemos pela Igreja.]
OS LIMITES DE UM ESCLARECIMENTO
Mons. MICHEL SCHOOYANS
Professor Emérito da Universidade Católica de Louvain
Membro da Pontificia Academia para a Vida
O artigo da Congregação para a Doutrina da Fé foi em geral recebido com interesse, porém, foi objeto de várias reservas. Eis aqui algumas delas:
1. O “Esclarecimento” teria se beneficiado em continuar a citação (cf. abaixo) desse mesmo número 89 da Encíclica “Evangelium vitae”: “O respeito absoluto por toda vida humana inocente exige também o exercício da objeção de consciência face ao aborto provocado e à eutanásia. ‘Fazer morrer’ não pode jamais ser considerado como cuidado médico, mesmo se a intenção fosse apenas atender um pedido do paciente: é ao contrário a negação das profissões de saúde, que se definem por um ‘sim’ apaixonado e tenaz à vida”.
2. Se RF tinha proposto a doutrina da Igreja de maneira correta, por que a CDF teve que recordá-la extensamente?
3. O Esclarecimento sugere que o artigo de RF fora doutrinariamente fiel e que consequentemente, as críticas a seu respeito, eram desprovidas de fundamento e que só poderiam proceder de uma vontade de manipular o texto do arcebispo. Afirmar isso é no mínimo ofensivo aos numerosos bispos e militantes pró-vida que manifestaram seu espanto. A reação imediata dos militantes pró-aborto, entre os quais Frances Kissling, mostra que os militantes pró-vida, atuantes, logo perceberam o perigo de um artigo de tal ordem.
4. O esclarecimento deixa de dizer com clareza que RF se afasta da doutrina da Igreja e por causa disso que a CDF teve que relembrá-la. RF cita a doutrina da Igreja não para segui-la, mas ao contrário, para reforçar sua própria posição: em certos casos, a consciência individual “legítima” a transgressão do direito canônico que, nesse caso, reafirma a moral natural. Em outros termos, RF não cita a doutrina da Igreja senão para dizer que dela podemos nos afastar, desde que a consciência subjetiva assim o solicite. A intenção fundamental, subjetiva, prevalece sobre a lei moral.
5. Ao publicar seu “Esclarecimento” a CDF se colocou numa postura delicada. De um lado, ela se recusa em desacreditar RF. De outro, sabe que a RF executou uma missão patrocinada pela Secretaria de Estado. A esta a CDF não quis desagradar. Na medida em que assim procede, a CDF se coloca em uma situação no mínimo inquietante. Com efeito, ela se arrisca a dar a impressão de dar cobertura à posição de RF. O “Esclarecimento” é portanto portador de confusões e um pouco fora do assunto. Ela escapa do ponto focal da posição de RF: “Os médicos devem sempre seguir a sua consciência”. Essa falha do “Esclarecimento” sem dúvida não escapará àqueles que militam pelo aborto. Podemos esperar para que Frances Kissling e os movimentos pró-aborto tirem proveito da insuficiência dessa resposta para fazer avançar sua agenda.
6. Em resumo, o interesse do “Esclarecimento” é um tanto quanto limitado, na medida em que este não aborda o problema a fundo. O problema, é aquele da autonomia absoluta da consciência individual que não se deve referir a uma lei superior, natural e cristã [1]. Em última análise, o artigo de RF coloca problemas dogmáticos e mais precisamente eclesiológicos. Face à consciência subjetiva, a moral cristã deve ceder lugar. Assim, em nome da liberdade de consciência do médico e da liberdade de escolha das mulheres, é corroído o direito da criança não nascida.
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[1] O ensino do Vaticano sobre a consciência é exposto notadamente em “Gaudium et spes”, 16; 19, 3; 50, 2; 87; 3; em “Dignitatis humanae”, 3; em “Apostolicam actuositatem”, 5; etc. Cf. também o “Catecismo da Igreja Católica”, em particular os n° 1776-1802 e em numerosas outras passagens.