14. Júlia, 44 anos, casada, natural da Bahia, católica, diarista. Seu marido está desempregado há 5 anos e faz uso frequente de bebida alcóolica. Procurou o posto de saúde, pois tem apresentado corrimento vaginal e dor pélvica. Há 5 anos não faz exame ginecológico. Com base nos dados apresentados, conclui-se que:
A) O uso de álcool pelo marido pouco influencia a vulnerabilidade da paciente.
B) O fato de a paciente ser mulher tem pouca influência na sua vulnerabilidade.
C) A religião da paciente influencia a sua vulnerabilidade.
D) O tratamento medicamentoso deve ser prescrito para a paciente e para o seu marido.
E) O exame colpocitológico deve ser realizado para a escolha do tratamento.
Organização Social Viva Comunidade
Processo Seletivo
Estratégia Saúde da Família – ESF
Prova de Enfermeiro
A resposta à questão acima, segundo o gabarito apresentado pela própria Fundação CEPERJ, é a letra ‘C’. Ou seja: a culpa é da Igreja Católica, que torna as mulheres mais “vulneráveis” ao contágio de doenças sexualmente transmissíveis adquiridas por maridos bêbados.
A prova foi aplicada no Rio de Janeiro, domingo passado (16 de maio de 2010). Eu não sou propriamente da área de saúde, então não sei responder quais são os problemas com as letras ‘D’ e ‘E’ da questão acima. Parece-me óbvio que tanto o marido quanto a mulher devem sofrer avaliação médica, e parece-me também óbvio que é necessário fazer algum exame (não sei se o “colpocitológico”, pois nem sei o que é isso) para determinar a natureza da doença venérea. No entanto, a resposta correcta não é nem uma e nem outra: na verdade, o correcto é criar um preconceito para com a Igreja Católica, e de tal maneira que o simples fato da dona Júlia ser católica já a coloca automaticamente num “grupo de risco” de maior vulnerabilidade.
E isto num exame seletivo! Ou seja, de acordo com a CEPERJ, estão aptos a serem contratados os profissionais de saúde que sejam preconceituosos, e que avaliem os riscos dos pacientes não com base em exames e laudos técnicos, hábitos alimentares ou de higiene, histórico de doenças ou comportamento de risco, nem nada disso – e sim com base na sua religião. Ser católico agora virou um comportamento de risco.
Com as bênçãos dos órgãos públicos cariocas (uma vez que o exame é de responsabilidade da “Fundação Centro Estadual de Estatísticas, Pesquisas e Formação de Servidores Públicos do Rio de Janeiro”), então, a religião da paciente torna-se mais importante que o fato de já fazer tempo que ela não faz exames, ou do que os próprios sintomas por ela relatados. A religião (católica) da paciente influencia na sua vulnerabilidade – é isto que os futuros enfermeiros da OS Viva Comunidade devem saber. É curioso ver como horrendos preconceitos se revestem de uma roupagem moderna e passam a ser socialmente aceitos, de tal maneira que são colocados em um concurso público sem que os autores da prova corem de vergonha. Tempos modernos! Do jeito que as coisas andam, talvez caiba perguntar até quando o catolicismo vai ser “tolerado” – e quando é que o Estado vai passar a vê-lo como um inimigo a ser combatido e erradicado da sociedade moderna.