Todo bem radica no Evangelho

No seu livro de memórias, Joaquim Nabuco, lá pelas tantas, se queixa de que a abolição no Brasil tenha sido antes um arroubo revolucionário que um apostolado religioso. E nisso distingue a caridade cristã do amor à humanidade, dizendo que tanto este amor quanto aquela caridade podem disputar a realização de uma mesma obra — por vezes avantajando-se o último quando a primeira fraqueja. Mas não é indiferente que os avanços sociais sejam conquistados pela caridade ou pela filantropia, porque no primeiro caso é mais provável que eles deitem raízes e frutifiquem, enquanto no último é-lhes mais fácil estagnar ou se degenerar.

Ora, Deus é o autor de todo bem. Assim como toda verdade pertence à Igreja onde quer que ela seja proferida — dizia Santo Tomás para explicar, embora não com esses termos modernos, os elementos de santificação e verdade existentes em meio aos hereges –, do mesmo modo todo e qualquer bem na ordem temporal radica no Evangelho, a ele pertence por direito, por ele pode ser reclamado e a ele deve ser ordenado. Que a mera filantropia possa por vezes chegar (acidental e parcialmente) ao bem humano é irrelevante: é claro que o amor natural pode mover o homem à prática de algum bem, assim como a razão natural pode chegar ao descobrimento de certas verdades. Isto, no entanto, não torna a Fé despicienda, nem aquilo torna prescindível a Caridade.

Ao contrário do que somos condicionados a pensar no nosso mundo polarizado pelas redes sociais, as bandeiras não têm o valor ou o desvalor de quem as empunha. No mundo das ideias, os vexilos valem o que representam independente de quem marche sob eles. Assim, por exemplo, a abolição era e é uma causa evangélica ainda que fosse tomada a peito pelos revolucionários, e do mesmo modo o pagamento do justo salário aos empregados era e é uma causa católica ainda que historicamente a reclamem os comunistas.

Pelas mesmíssimas razões, e mutatis mutandis, as questões ambientais dizem respeito ao Reino de Deus, são de interesse e propriedade do Cristianismo — único capaz de lhes dar a correta dimensão e a justa medida — e podem e devem ser reclamadas atualmente pelos cristãos. Que hoje em dia as monopolizem e distorçam os naturalistas e panteístas é coisa que não nos deve espantar; aliás, tal circunstância deveria ser, antes, um motivo a mais para nos dedicarmos à defesa e difusão de uma concepção correta acerca dos direitos e deveres do homem para com a Criação. Da mesma forma que não se combate o comunismo defendendo a jornada de trabalho da Revolução Industrial, assim também não se combate o (por falta de termo melhor) ambientalismo neopagão jogando garrafa plástica no rio ou tocando fogo em mico-leão dourado.

As paixões humanas tendem a ocupar os espaços onde os cristãos não fazem chegar a força do Evangelho. E o amor natural, como dizíamos, é bom e é capaz de coisas boas; mas é também decaído, propenso ao erro e capaz de equívocos. O moderno discurso ambientalista está repleto desses erros e desses equívocos. Mas disso não segue — ao menos não necessariamente, ao menos não para todos os que o adotam — que nele haja malícia em princípio, ou que ele seja desprovido de razão em todas as questões que levanta. Os cristãos devem, sim, levantar a sua voz no debate ambiental, porque a Criação é obra de Deus, e é muito importante para ficar nas mãos de gente sem Fé.

Justificativas descabidas para a comunhão dos divorciados

O artigo de D. Víctor Manuel Fernández sobre o Capítulo VIII da Amoris Laetitia publicado na última edição da revista Medellín — a despeito do que alguém poderia pensar por conta da nome da revista — está, em linhas gerais, bastante sensato: não autoriza de nenhuma maneira a sanha sacrílega de se admitir os divorciados recasados à comunhão eucarística que vem tomando conta de certos setores eclesiásticos. Haveria no entanto alguns apontamentos necessários, que passo a fazer abaixo.

Em primeiro lugar (medellín 168, p. 453), não há diferença rigorosamente nenhuma entre assumir o compromisso de viver em plena continência (São João Paulo II na Familiaris Consortio, 84) e esforçar-se por viver como amigos (Bento XVI na Sacramentum Caritatis, 29b): uma expressão implica na outra sem solução de continuidade. Afinal de contas, o único compromisso exigível ao cristão é o de se esforçar para fazer a vontade de Deus, uma vez que ninguém pode garantir a priori que nunca mais vai tornar a pecar; e viver como amigos significa, exatamente, viver em plena continência, uma vez que aos amigos não é facultada a prática de atos conjugais próprios dos esposos. Não há nenhuma evolução entre os dois documentos, como se a Igreja estivesse ensaiando “um passo à frente” nessa matéria; por sua vez, a proposta dos liberais de se conferir a Sagrada Eucaristia para quem vive em relações adulterinas não guarda nenhuma compatibilidade ou gradação com os documentos apresentados.

O artigo dá a entender que, anteriormente, os que viviam em segundas núpcias não podiam receber os Sacramentos nem mesmo se estivessem vivendo em plena continência (medellín 168, p. 452), sendo a autorização para comungar nesta última hipótese uma novidade trazida por São João Paulo II. Não sei se isso é exato mas, em qualquer caso, vem ao encontro de tanto quanto já falei aqui sobre o assunto: para mim é claro que o sentido da norma é evitar por um lado que as pessoas em pecado mortal comam e bebam a própria condenação (cf. CCE §1385) e, por outro lado, afastar mesmo qualquer aparência de confusão acerca da Doutrina Católica sobre o Matrimônio e a Eucaristia. A contrario sensu, portanto, se (note-se bem, SE) não há responsabilidade subjetiva apta a configurar pecado mortal e não se produzem escândalos nem se induz a erro acerca da Doutrina, então a participação discreta nos Sacramentos é lícita. Isso vale desde sempre, mesmo antes da AL ou da FC. Isso é a própria lógica interna da Liturgia (enquanto culto público) e dos Sacramentos (enquanto canais da Graça).

Infelizmente, contudo, a situação atual é a de escândalo institucionalizado, praticamente inexistindo alguma hipótese onde a tal “novidade” do Cap. VIII da Amoris Laetitia possa ser licitamente aplicada. A situação atual, ao contrário, talvez exigisse mesmo um recrudescimento da disciplina, impondo maiores obstáculos mesmo à comunhão eucarística (pelo menos à pública) dos que vivem em segundas núpcias praticando a plena continência. A confusão é generalizada e, para não correr o risco de menoscabar os Santos Sacramentos, talvez fosse mais pastoral, em certas circunstâncias, negar a Sagrada Comunhão a quem, conquanto interiormente em estado de Graça, não estivesse em condições exteriores de A receber.

Voltando ao artigo de D. Fernandéz, as comparações feitas com o Quinto e o Sétimo Mandamentos (medellín 168, p. 454-455) não têm pé nem cabeça. Matar alguém em legítima defesa não viola o mandamento de “não matar”, nem se apropriar da comida alheia em estado de necessidade viola o de “não furtar”. Isso é arquiconhecido de todo mundo e nunca esteve em discussão, consta em qualquer catecismo ou manual de teologia moral. Em contrapartida, ninguém jamais cogitou que a convivência more uxorio com alguém que não o cônjuge legítimo pudesse ser coisa diferente de adultério ou fornicação!

E o motivo do descabimento da comparação é muito fácil de se ver. É lícito ao agredido tirar a vida do agressor injusto porque, se ele não o fizesse, seria morto: a legítima defesa se justifica porque é conditio sine qua non para a preservação da própria vida. Do mesmo modo o furto famélico é lícito porque, se a pessoa não comesse, iria morrer de fome, e a vida é um bem maior do que a propriedade; além do quê, no estado de necessidade que justifica o furto famélico há uma violação objetiva da destinação universal dos bens, há um uso desordenado da propriedade.

Ou seja, tanto um caso quanto o outro se justificam, por um lado, porque se está diante de uma injustiça em ato (uma agressão, no caso da legítima defesa; uma desordem na destinação universal dos bens, no caso do estado de necessidade) mantida por um ser humano concreto (o agressor ou o mau proprietário); e, por outro lado, porque quem repele com força a violência sofrida ou quem se apropria daquilo que não lhe pertence o fazem legitimamente apenas porque não lhes resta mais nada a fazer, porque esta é a ultima ratio, sem a qual morreriam.

Coisa completamente diferente ocorre no caso dos divorciados recasados: nem estão diante de um agressor injusto, uma vez que os fautores do adultério são eles próprios; nem estão ausentes as outras opções, uma vez que tanto a continência quanto até mesmo a própria separação permanecem como alternativas; nem, tampouco, se encontram diante de uma situação objetiva de injustiça, uma vez que a indissolubilidade é um mandamento de Deus e não uma desordem introduzida pelo homem. É claro, portanto, de uma clareza meridiana, que as diferentes situações nada guardam em comum uma com as outras. Não é possível, em absoluto, procurar uma justificativa para o adultério raciocinando a partir do estado de necessidade ou da legítima defesa!

No artigo de D. Fernandéz há, por fim, uma outra comparação, para dizer o mínimo, forçada. As “mudanças” da posição da Igreja a respeito da escravidão ou da salvação dos não-católicos (medellín 168, p. 460-461) não são, em absoluto, “mudanças de disciplina” (!) e nem se prestam a justificar a alegada permissão para que casais adulterinos possam receber a Comunhão Eucarística. Quanto à salvação dos não-católicos diga-se, simplesmente, que o Batismo de Desejo sempre foi reconhecido pela Igreja, recebendo inclusive consagração expressa em Trento. Mas a referência à escravidão é que faz o nonsense atingir níveis inimagináveis.

Ora, a escravidão jamais foi “ensinada”, sendo tão-somente tolerada quer como pena (no caso de Nicolau V e as guerras ibéricas), quer como mal menor (no caso do tráfico negreiro): o que mudou de lá para cá não foi o ensino da Igreja (nem “a compreensão da Igreja a respeito da Doutrina” nem nada do tipo), mas tão-somente as circunstâncias externas. O que acontece é que, hoje, por força da própria pregação do Cristianismo séculos afora, não há mais espaço — graças a Deus! — para a prática daquilo que a Doutrina Cristã sempre apontou como um mal. Isso é exatamente o oposto do que historicamente aconteceu com o divórcio, cuja maldade intrínseca a Igreja sempre sustentou com intransigência mesmo perante os poderosos do mundo. Na abolição da escravatura foi a Igreja que venceu e se impôs perante o mundo; admitir a comunhão dos divorciados recasados, ao contrário, seria a derrota da Doutrina Cristã, seria o mundo se impondo à Igreja. É evidente que semelhante interpretação não pode prosperar; contra ela é mister combater com todas as forças.

Dom Afonso I, o Apóstolo do Congo

[A história é muito bonita para que a permitamos ser esquecida pelo pouco caso que o Facebook devota a tudo que não seja up-to-date. Copio-a aqui na íntegra.

Em fins do século XV, em pleno recrudescimento da escravidão negra, a Igreja estendia a Boa Nova do Evangelho aos povos da África subsaariana; enquanto negros eram traficados para o Novo Mundo como escravos, a Igreja os sagrava bispos e os enviava de volta à sua terra natal.

Isto é história. O resto é ranço anti-clerical setecentista, do qual já está mais do que na hora de nos livrarmos.

Fonte: Missionários da África.]

A história de Dom Afonso I, o Novo Constantino, o Apóstolo do Congo, o Carlomagno da África

Poucos sabem que o cristianismo na África tem uma origem muita antiga, que se confunde com os primórdios da fé. No norte africano o Evangelho chegou com a pregação dos Apóstolos e logo se encarnou na vida dos povos locais. Coptas, berberes, gregos e romanos abraçaram a Boa Nova. Na Núbia, a Igreja também se instaurou e na Etiópia a Fé está vinculada com as histórias do Antigo Testamento. Contudo, o que é ignorado é que o cristianismo na África subsaariana é mais antigo do que a evangelização da América.

Tudo começa com o ardor do Infante Dom Henrique, o visionário das Grandes Navegações. Motivados pelo interesse de chegar às Índias e descobrir o Reino cristão desconhecido – a Etiópia – os portugueses se lançaram ao mar, descobrindo o vasto continente africano. Nasce, portanto, o desejo de disseminar a fé cristã entre esses povos, anunciando a Boa Nova de Nosso Senhor Jesus Cristo. A Divina Providência, contudo, suscitou um homem dotado de muitos dons e de uma busca incessante pelo Senhor: Nzinga Mbemba (1456 – 1542), filho de Nzinga a Nkuwu, Rei do Congo.

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Esse homem, que ficou conhecido como o “Novo Constantino” e o “Apóstolo de Congo”, foi o instrumento de Deus para o início da evangelização da África subsaariana. Ele era neto do fundador do reino, que conseguiu unificar as tribos, e como filho primogênito herdaria o trono.

Os portugueses aportaram no Congo em 1482 e em 1485 os dois reinos já tinham enviados embaixadores para as suas respectivas cortes. Em 1487 já chegavam de Lisboa quatro congoleses formados na Europa e dispostos a evangelizar o reino africano. Em 1491 mais missionários vinham de Portugal, estabelecendo missões. Tanto o Rei como o seu filho estavam felizes com o advento do cristianismo. Em 3 de maio desse mesmo ano ambos foram batizados. Agora Nzinga Mbemba era Afonso, Príncipe do Congo. Assim, o seu reino se tornava oficialmente cristão, como disse o Papa Paulo VI: “O Congo pode ser realmente chamado de o filho mais velho da Igreja na África negra”.

Afonso assim relata a sua conversão: “A graça do Espírito Santo nos iluminou com um favor único e especial, a nós regalado pela Santíssima Trindade (…) Nós recebemos a doutrina cristã tão bem que, pela misericórdia de Deus, ela foi a cada momento melhor se implantando em nossos corações. Nós definitivamente renunciamos todos os erros e idolatrias que nossos ancestrais do passado acreditaram”.

Entretanto, apenas Afonso se mostrou fiel à mensagem cristã. Muitos dos batizados retornaram aos “erros” dos ancestrais, como a poligamia e a feitiçaria. Seu outro irmão conseguiu junto ao pai que o príncipe devoto fosse exilado, juntamente com os missionários, numa província. Afonso dizia que “estava longe da face do Rei, mas feliz por sofrer pela fé de Nosso Senhor”. Sabendo da morte iminente do pai, Afonso resolveu lutar pelo seu legítimo direito de primogênito, e juntamente com chefes tribais cristãos marchou rumo à capital. Ali se depararam o imenso exército de seu irmão, formado pelos adeptos da idolatria. Antes do primeiro ataque, o pequeno grupo de cristãos se ajoelhou e invocou a intercessão de Santiago, devoção levada pelos portugueses. Quando perceberam, todos os seus inimigos estavam correndo em disparada, garantindo uma vitória fácil ao exército de Afonso. Seu irmão foi capturado e executado. Os inimigos explicaram, depois de capturados, que viram no céu uma cruz branca, Santiago e uma grande quantidade de guerreiros em cavalados negros. Impactado com esse relato, o Rei Afonso rendeu glória a Deus, fez de Santiago o patrono do Congo e mandou gravar no escudo do reino a história dessa vitória, para que fosse perpetuada.

Dom Afonso iniciou o processo de evangelização do Congo. Nos lugares de culto da antiga religião mandou construir igrejas. O antigo chefe do culto pagão, guardião da água sagrada, tornou-se cristão, Dom Pedro, e passou a ser o guardião da água batismal das igrejas. Em seguida foi enviado para Lisboa como embaixador. O Rei passou a pregar depois de cada Missa, conclamando os fiéis para que rezassem e pedissem mais missionários.

Um novo grupo de missionários chegou ao Congo em 1508. Foram recebidos com grande entusiasmo por Dom Afonso, que fez uma belíssima pregação, passando por toda a história da salvação, desde Adão e Eva chegando à Redenção em Cristo. Contudo, ainda sendo apresentados como “santos servos”, os missionários se mostraram homens de escândalo. Em carta enviada para o Rei de Portugal, Afonso diz: “Nesse reino a fé ainda está frágil como um vidro devido ao mau exemplo daqueles que vieram pregá-la (…) Hoje Nosso Senhor é crucificado de novo pelos muitos ministros do Seu Corpo e Sangue. Nós preferíamos não ter nascido para ver como nossas inocentes crianças (…) vão para a perdição graças a esses maus exemplos”. A situação se tornou tão escandalosa que o Núncio em Lisboa sugeriu ao Papa que a esses missionários fosse aplicada a lei dos orientais, permitindo que se casassem. Outra opção apresentada foi a evacuação do Congo de todos os brancos, clérigos e leigos, substituindo-os por gente nova de boa conduta.

A esperança de Dom Afonso era a formação de um clero autóctone. Em 1508 um grupo de congoleses foi enviado para Lisboa, para iniciar os estudos seminarísticos. Entre eles estava Dom Henrique, seu filho. Em 1520 este foi ordenado sacerdote e em 1521, com permissão pontifícia, foi sagrado bispo – o primeiro bispo negro da Igreja -, sendo nomeado Auxiliar de Funchal, na Ilha da Madeira, da qual dependia até então o Reino do Congo. Como Bispo, esforçou-se para aumentar o número de missionários no reino e ver erigida uma diocese no país. Infelizmente Dom Henrique faleceu prematuramente um ano antes da viagem para Lisboa. O Rei também queria fazer um ato de submissão à Roma, para evitar depender religiosamente dos portugueses.

Dom Afonso era um verdadeiro Rei cristão, preocupado com a evangelização do seu reino, com a justiça e com a educação. Abriu escolas para as meninas, combateu a escravidão e lutou pela manutenção da independência de seu país frente aos portugueses. Um contemporâneo seu, em carta ao Rei Manuel de Portugal, diz: “Seu cristianismo é tanto que parece para mim não o de um homem, mas o de um anjo que Deus enviou a esse reino para convertê-lo. Fala tão bem e com tanta segurança que parece que o Espírito Santo constantemente fala através dele. Durante suas audiências ou na resolução de um litígio, Dom Afonso somente fala de Deus e dos santos”. Ao final de sua vida, o Rei viu o aumento da oposição portuguesa em São Salvador, a capital. Muitos estavam incomodados com a proibição do comércio de escravos. Em 1540, Dom Afonso foi alvo de um atentado, armado por um sacerdote, durante a Santa Missa, mas de modo miraculoso saiu ileso. Dom Afonso faleceu três anos depois, com 85 anos e uma fé inabalável. Com sua morte, seu filho Pedro foi feito Rei. Em 1596 foi erigida, finalmente, a diocese de São Salvador do Congo, a primeira da África subsaariana. Hoje nós a conhecemos como Arquidiocese de Luanda.

A história desse bravo e santo homem nos mostra a força da fé e o ardor daqueles que buscam a santidade. Dom Afonso estava movido pelos sentimentos de Cristo, por isso via como urgente a evangelização do Congo. A Igreja, que jamais teve motivações racistas, esforçou-se desde sempre para a promoção do cristianismo entre os africanos. A existência de sacerdotes e bispos congoleses já no século XVI é um resposta acachapante àqueles que reproduzem afirmações mentirosas sobre a nossa fé. Que o exemplo de Dom Afonso seja sempre recordado, o seu modelo de catolicidade que ultrapassando os obstáculos geográficos e culturais consagrou-se pela propagação do Evangelho.

“Uma Igreja que pode e não pode mudar” – Avaliação da obra de John T. Noonan

[Publico interessante tradução de uma resenha publicada na revista «Nova et Vetera» a respeito de alegadas “mudanças” no ensino moral da Igreja ao longo dos séculos: em temas como juros, escravidão, indissolubilidade matrimonial e liberdade religiosa, mas é fácil ver que coisas análogas podem ser ditas para outros temas polêmicos – como as greves, por exemplo. A tradução foi-me enviada por um amigo, ao qual agradeço.]

Uma Avaliação da Obra de John T. Noonan
“A Church that Can and Cannot Change”.

Por: Lawrence J. WELCH, Ph.D.,
Professor de Teologia Sistemática.

[“John T. Noonan’s A Church that Can and Cannot Change: An Evaluation.”
In: Rev. Nova et Vetera, vol. 4, fasc. 3, verão de 2006, págs. 697-708.
Cfr. “docwelch.net/noonanRevforweb.pdf”.]

[Introdução: o autor e sua tese]

John T. Noonan é um juiz federal do Tribunal de Recurso dos Estados Unidos e estudioso bastante conhecido por seu trabalho na história da ética. A presente obra aborda o problema do desenvolvimento e mudança doutrinal com relação à escravidão, à usura, à liberdade religiosa e à autoridade do Papa de dissolver matrimônios naturais. O tema do desenvolvimento doutrinal e da mudança doutrinal já faz tempo que interessa a Noonan, remontando até 1947, quando ele estudou a questão da liberdade religiosa, e a uma dissertação de filosofia de 1951 sobre a usura. O magistrado Noonan é conhecido também pelo tempo em que fez parte da sedizente Pontifícia Comissão para o Controle de Natalidade, quando ele pôs-se ao lado dos que defendiam uma mudança e reversão no ensinamento da Igreja sobre a contracepção.

O título do livre presente [“Uma Igreja que Pode e Não Pode Mudar”] exprime a convicção de Noonan de que, embora a Igreja não possa alargar nem reduzir o depósito da fé confiado a ela, a Igreja poderia mudar em “continuidade com suas raízes” (7). É inegável que a doutrina se desenvolve. O argumento central do livro de Noonan parece ser que o desenvolvimento doutrinal em muitos casos envolveria uma completa reversão do prévio ensinamento da Igreja, que estava equivocado e era errôneo. Noonan julga que o desenvolvimento é dirigido pela regra da fé. Ele explica essa regra da fé com a ajuda de Agostinho, que afirmou que o verdadeiro entendimento da revelação divina é do tipo que edificará o “duplo amor de Deus e do próximo” (222). O desenvolvimento emerge da experiência humana que é aprofundada pela fé. A mudança social e a identificação com a experiência do “do outro” permitem aos cristãos superar seus erros morais. Escravidão, liberdade religiosa, usura e divórcio (aplicado a matrimônios não-sacramentais) serviriam todos de exemplo.

[A Igreja e a escravidão]

Os capítulos que tratam da Igreja e da escravidão ocupam mais de cinquenta por cento do livro. Noonan argumenta que, ao longo da maior parte de sua história, a Igreja aceitou a escravidão como uma instituição que era simplesmente parte da sociedade. Embora o Novo Testamento não tenha confrontado a instituição da escravidão, Noonan acredita, corretamente, que o NT estipulou os paradigmas que acabaram por solapá-la ao longo de um extenso período de tempo. O mandamento de amar ao próximo como a si mesmo, a injunção de Paulo a tratar o escravo com amor (Epístola a Filemon) e sua proclamação de que em Cristo Jesus não há escravo nem livre, foram todas coisas que trabalharam contra a aceitabilidade moral da escravidão. Sem embargo, cristãos, e mesmo alguns papas, foram donos de escravos. Nenhum Padre da Igreja, nenhum Doutor da Igreja, nenhum Papa e nenhum decreto conciliar da Igreja jamais fez uma condenação completa que abrangesse toda e qualquer escravidão. Noonan reconhece, sim, que a Igreja de fato trabalhou para suavizar os efeitos da escravidão de alguns modos. A Igreja defendeu certos direitos para os escravos, e os Papas proibiram a escravização das populações nativas da América. Algumas vezes, segundo Noonan, a Igreja teve de ser incitada a denunciar os males conexos com a escravidão. A história por trás da bula papal de 1839 In Supremo Apostolatus fastigioi (*), na qual Gregório XVI condenou o comércio de escravos africano, serve como exemplo principal. Todas essas coisas, porém, não chegaram a ser uma condenação direta e total da escravidão como instituição.

[(*) Nota do Tradutor: Este importante documento do Magistério da Igreja pode ser encontrado na íntegra, em português, nas págs. 94-98 do livro A Igreja Católica em face da escravidão (São Paulo, 1988), trad. br. por José G. M. Orsini dos capítulos XIV-XIX da obra-prima do filósofo católico espanhol Jaime Balmes (1810-1848), El Protestantismo comparado con el Catolicismo en sus relaciones con la civilización Europea; existe também online outra tradução no site da Associação Montfort.]

É questionável se Noonan faz justiça completamente à história dos esforços da Igreja em mitigar os males da escravidão. Algo do tratamento que ele dá aos materiais históricos parece, por vezes, destacado e achatado. Por exemplo, tome-se o relato feito por Noonan dos eventos em torno da condenação, pelo Papa Gregório XVI em 1839, do comércio de escravos (104-108). Na narrativa da história por Noonan, foi necessária a exortação da Grã-Bretanha protestante, para incitar Gregório XVI a condenar o comércio. Será que os apelos do governo britânico foram a única razão que moveu o Papa a repudiar o cruel comércio de africanos por todo o Atlântico? Por que o Papa foi tão receptivo ao pedido britânico? O relato de Noonan deixa essas importantes questões sem resposta. Ele observa que um pedido anterior, em 1822, de denúncia papal do comércio de escravos foi malsucedido. A Congregação para os Negócios Eclesiásticos Extraordinários, composta principalmente de cardeais que aconselhavam o Papa, relatou que, embora o comércio causasse sofrimento, todavia a escravidão não era contrária à lei natural, e que o Antigo Testamento aprovou-a por princípio. Mas, em 1839, de acordo com Noonan, o mesmo corpo de cardeais-consultores considerou outro pedido britânico de condenação do comércio de escravos africano. A Cúria Romana preparou o estado da questão para os consultores papais reunidos e relatou a eles que “‘os mais competentes dentre os autores e teólogos’ refutaram os argumentos em favor da escravidão e do comércio de escravos’” (106). Os cardeais-consultores aceitaram a declaração do problema pela Cúria e, desta vez, conta Noonan, os consultores prosseguiram assistindo o Papa na formulação de uma proibição do comércio de escravos. Mas Noonan deixa as perguntas óbvias sem resposta. Por que os consultores papais em 1839 deram ao Papa uma conclusão completamente oposta, sobre o comércio, daquela que fora dada em 1822? O que estava se passando no pensamento católico na época, que levou os consultores a estas diferentes conclusões num intervalo de somente 17 anos? O leitor é deixado a ver navios, se indagando sozinho sobre esta lacuna da história e sobre a importância dela para o entendimento dos bastidores da bula papal que condenou o comércio de escravos.

O importante para Noonan, ao fim e ao cabo, é mostrar que no caso da escravidão o que antes fora considerado não pecaminoso teria sido mais tarde declarado intrinsecamente mau, ou seja, sempre e em toda parte mau. Ele contrasta os pensamentos de John Henry Newman, autoridade preeminente sobre desenvolvimento da doutrina, com o ensinamento papal do Papa João Paulo II. Newman comentou certa vez uma palestra proferida por William Allies, um católico converso, que defendia que a escravidão fosse intrinsecamente má. Newman respondeu que, se bem que a escravidão é má e deve desaparecer, ela não era intrinsecamente má. Embora má, a escravidão nem sempre e em toda parte era má. Nem toda forma dela era má per se. Por mais ojeriza que ele tivesse pela escravidão, Newman explicou que os escritores inspirados das Escrituras, especialmente Paulo, impediam-no de declarar intrinsecamente má a escravidão. Paulo não disse a Filemon: ‘Libertai todos os vossos escravos imediatamente.’ Pelo contrário, ele deixou a escravidão para o lento desenrolar dos princípios cristãos.

[A dificuldade apresentada por João Paulo II
e a Gaudium et Spes]

Em contrapartida, o Papa João Paulo ensinou que toda escravidão era intrinsecamente má. Noonan argumenta que essa mudança na doutrina aconteceu primeiramente em 1993 na encíclica Veritatis Splendor, que incluiu a escravidão numa lista de males sociais que se diz serem intrinsecamente mais. Ele aponta também para um discurso que o Papa proferiu no Senegal, na ilha de Goreia, na sede da infame “Casa dos Escravos”, onde ele denunciou a escravidão e o comércio de escravos. Ali o papa disse: “É oportuno que seja confessado, com toda a verdade e humildade, esse pecado do homem contra Deus.” Noonan observa que o que não foi mencionado nessa confissão foi o quão recentemente esse pecado havia sido descoberto. Mas o leitor não é alertado para o inteiro contexto do discurso do papa, cujo tom frisa a continuidade com uma declaração de um dos predecessores do Papa João Paulo. O papa cita o Papa Pio II, que em epístola a um missionário chamou o tratamento dado aos negros de “crime enorme”, magnum scelus. Visto no contexto, o discurso do Papa João Paulo na Goreia não é uma espécie de reviravolta dramática do ensinamento anterior da Igreja. Não há nada no discurso do papa que indique que ele via a si próprio como fazendo uma mudança na doutrina católica.

Noonan tem um argumento mais forte a partir do que é ensinado na Veritatis Splendor, 80. O argumento dele pode aparentar, à primeira vista, ser irrefutável: o Papa João Paulo fez aquilo que o prévio ensinamento da Igreja não fez, e que os teólogos, como Newman, se recusaram a dizer: a escravidão é intrinsecamente má, sempre e por toda parte má. Logo, o Papa reverteu o prévio ensinamento da Igreja. O argumento de Noonan aqui parece ser muito forte. Mas será mesmo? Será que o Papa pretendeu condenar toda forma de escravidão per se? Será que ele realmente quis corrigir o ensinamento de Paulo, dos Padres da Igreja e dos Papas anteriores? Será que a Veritatis Splendor realmente foi uma tal revogação do ensinamento anterior?

Para começar, é crucial determinar o que o papa quis dizer com escravidão (servitus) na Veritatis Splendor, 80. Que significado e escopo ele deu a essa palavra? Historicamente, existiu o tipo de escravidão de sujeição absolta, que priva as pessoas humanas de todos os direitos pessoais. Existiram outras formas de escravidão, que privaram pessoas de muitos, mas não de todos os direitos pessoais, e existiram muitas outras formas menores de servidão que, hoje, poderiam ser consideradas como equivalentes à escravidão, para fins práticos. Pretendeu o papa que a palavra servitus englobasse toda e qualquer forma de escravidão que apareceu na história, quando ele a deu como exemplo de algo intrinsecamente mau? Os leitores à procura de respostas a essas questões ficarão desapontados, pois Noonan não presta atenção a elas, e são importantes para a interpretação do ensinamento da Veritatis Splendor. Ele pressupõe que o significado do termo servitus na encíclica seja óbvio. Acontece, porém, que o papa usou o termo do mesmo jeito genérico que Noonan reconhece ter sido o da Gaudium et Spes, 27, quando ela incluiu a escravidão na sua lista de males sociais vergonhosos e ofensivos à dignidade humana. Noonan admite que a Gaudium et Spes, 27, usou a palavra servitutis (sic) “sem definição ou elaboração, nem explicação” (120). Só que isso se aplica à Veritatis Splendor também, pois quando a encíclica menciona a servitus como estando entre os males sociais que são intrinsecamente maus, ela cita verbatim a lista da Gaudium et Spes, 27! Esse problema sozinho já deveria ter levado Noonan a ter cautela em concluir que o Papa quisesse declarar que a escravidão em todas as suas formas é intrinsecamente má e, destarte, tencionasse corrigir seus predecessores, muitos Padres da Igreja e autores sacros como Paulo. Tais conclusões parecem temerárias, sem consideração alguma do que foi que o papa quis que servitus significasse, especialmente à luz do fato de que ele a tirou verbatim da Gaudium et Spes, que empregou a palavra sem precisão.

Há outras dificuldades na interpretação também. Por exemplo, Veritatis Splendor, 80, condena a deportação como intrinsecamente má. Se o Papa quisesse condenar toda e qualquer forma de escravidão como intrinsecamente má, então presumivelmente ele teria querido condenar toda e qualquer forma de deportação, igualmente. Devemos crer que é intrinsecamente mau que um Estado deporte estrangeiros que sejam uma ameaça para a sua segurança nacional? Seguramente que o pontífice deixou espaço para algumas distinções e qualificações, para as quais Noonan faz vistas grossas. Nada disso pretende dizer que não haja algo de novo no que o papa ensinou na Veritatis Splendor sobre a escravidão, ou que ele não tenha querido dizer, no mínimo, que certas formas dela são más per se. Seja qual for o desenvolvimento que haja na Veritatis Splendor, 80, Noonan não demonstrou que seja o tipo de revolução na doutrina moral católica pela qual um Papa revertesse completamente ensinamentos errôneos de seus predecessores, dos Santos Padres e dos escritores bíblicos também.

[Uma analogia indevida,
com um objetivo torpe]

O que parece é que Noonan pretende dizer que, se os ensinamentos da Igreja numa área, como a escravidão, podem ser revertidos, eles podem ser revertidos noutras áreas também. Numa passagem sintomática, Noonan repreende o finado John Ford, SJ, o qual, junto de Gerald Kelly, publicou um manual de teologia moral que condenava a “escravidão-mercadoria” (“chattel slavery”) sem perceber, segundo Noonan, que uma tal condenação era uma “mutação enorme” na doutrina moral (117). Ford teria sido incoerente, por admitir uma mudança no ensinamento da Igreja sobre a escravidão, mas sem se dispor a admitir nenhuma possibilidade de desenvolvimento sobre a contracepção. O “desenvolvimento” que Noonan exige aqui, com relação à contracepção, só pode significar uma reversão do ensinamento tradicional da Igreja de que a contracepção é sempre má. O argumento de Noonan parece claro o bastante: a mudança no ensinamento da Igreja sobre a escravidão significaria que outras doutrinas morais, tais como a doutrina contra a contracepção, poderiam mudar ou ser revertidas também.

Há numerosos problemas com esse argumento. Ele é um exemplo do fracasso do livro de Noonan em fazer distinções importantes e em fazer justiça à complexidade do desenvolvimento da doutrina. Há uma grande diferença entre a história complexa do ensinamento da Igreja sobre a escravidão e o ensinamento dela sobre a contracepção. Para começar, em parte alguma Noonan mostra que a prévia aceitação da escravidão pela Igreja, como algo que se acreditava pertencer à estrutura da sociedade, fosse ensinamento definitivo da Igreja considerado irreversível. A doutrina da Igreja respondendo ao mal da contracepção, um mal que sempre envolve a rejeição do plano divino para o pacto matrimonial, é coisa inteiramente diferente e é clarissimamente ensinamento definitivo da Igreja, como o último pontificado assinalou em múltiplas ocasiões. Mesmo que se admitisse que o ensinamento da Igreja sobre a escravidão mudou para melhor, é também verdade que a anterior tolerância da escravidão pela Igreja e a falta de condenação total dela não excluíam a possibilidade de que a Igreja mais tarde a proibisse como pecaminosa — sobretudo, em vista do fato de que a Igreja a via como pena pelo pecado radicado na Queda de Adão e ensinou, com Paulo, que em Cristo ninguém é escravo. É defensável que a mudança e o desenvolvimento no ensinamento da Igreja tenha sido uma fidelidade maior a estes princípios. Nada haveria nem de remotamente semelhante a isto numa reversão do ensinamento da Igreja sobre a contracepção, que envolveria declarar, depois de ensinar durante muitos séculos o contrário, que a frustração intencional da capacidade procriadora humana no ato da relação sexual teria deixado de ser uma coisa que é sempre má.

[A condenação da usura pela Igreja]

Em três sóbrios capítulos Noonan faz uma apresentação justa e altamente informativa da interação entre a doutrina da Igreja sobre a usura e as novas formas de economia que emergiram no começo da idade moderna. Ele mostra como o ensinamento da Igreja sobre a usura foi adaptado para dar espaço a novas circunstâncias econômicas, para permitir a justa compensação pelo risco de perda de um empréstimo, para perdas incorridas na cobrança de um empréstimo e pelos custos associados às atividades bancárias. Noonan monta o argumento de que o desenvolvimento no ensinamento sobre a usura deveu-se não simplesmente a circunstâncias econômicas. O desenvolvimento deveu-se também às “mudanças nas análises feitas pelos teólogos e na aceitação, por eles, da experiência de outros seres humanos” (213). Noonan argumenta que o exemplo da usura demonstra que o desenvolvimento do ensinamento moral da Igreja realmente ocorre pela experiência humana que leva a uma compreensão melhor e mais aguda da natureza humana.

O caso da adaptação da doutrina sobre a usura às circunstâncias econômicas cambiantes e à experiência humana não parece equivaler a uma completa reversão da doutrina original. Afinal de contas, o ensinamento sobre a usura, embora estritamente interpretado, ainda permanece, como Noonan reconheceu em sua obra anterior. Os princípios morais católicos ainda proíbem taxas de juros injustas ou então exorbitantes. Ainda que se concedesse, em prol da argumentação, que a experiência humana levou a uma melhor compreensão da natureza humana, não se segue necessariamente disso que, portanto, a doutrina moral da Igreja sobre outras questões que envolvam a natureza humana esteja sujeita ao mesmo tipo de desenvolvimento. O exemplo da usura não nos dá razão para pensar que certos atos intrinsecamente maus como a contracepção sejam capazes de adaptação similar.

[O problema da liberdade religiosa
ensinada pelo Vaticano II]

Para Noonan, o tópico da liberdade religiosa e do ensinamento do Concílio Vaticano II na declaração Dignitatis Humanae serve como exemplo de como um concílio geral da Igreja rejeitou definitivamente cerca de 1.500 anos de seu ensinamento magisterial, bem como o pensamento de Agostinho e Aquino sobre a questão. Noonan argumenta que o Vaticano II afirmou que a liberdade de crença era um direito sagrado, mas não explicou como o ensinamento prévio, “a velha mensagem da intolerância”, pôde ser posto de lado por um Papa e um Concílio. A descontinuidade entre o ensinamento do Vaticano II e a prévia doutrina da Igreja é apresentada como radical. Ironicamente, nada enxergando além de uma total reversão da doutrina da Igreja, Noonan chega à mesma conclusão, se bem que por razões diferentes, do notório oponente da DH no Vaticano II, Marcel Lefebvre.

É certamente verdadeiro que a declaração DH de liberdade religiosa como direito da pessoa humana e seu reconhecimento de que a Igreja não deve esperar da maioria das sociedades políticas seculares modernas que elas lhe deem reconhecimento e privilégios especiais, foram coisas novas. Noonan, contudo, exagera a descontinuidade da DH com o ensinamento passado da Igreja. Há várias razões para pensar que o ensinamento do Vaticano II sobre a liberdade religiosa não tenha sido de completa descontinuidade com o prévio ensinamento da Igreja. É decepcionante que Noonan não as reconheça nem discuta, nos capítulos dele. Por exemplo, Noonan passa batido, em completo silêncio, pelos indícios na própria DH que mostram que os Padres conciliares não entendiam que o que eles estavam ensinando fosse o tipo de desenvolvimento que equivale a uma completa reversão dos antigos ensinamentos da Igreja. DH, 1, declara que “o concílio pretende desenvolver a doutrina dos papas recentes sobre os direitos invioláveis da pessoa humana e a ordem constitucional da sociedade.” Não haveria muito sentido em os Padres formularem a coisa assim, se tudo o que se vissem fazendo fosse, simplesmente, revertendo o ensinamento anterior da Igreja, e não adaptando e desenvolvendo algumas das implicações dos ensinamentos anteriores num contexto novo. Durante os debates no Concílio, Émile De Smedt, bispo de Bruges e porta-voz da comissão que compôs e editou o texto da DH, argumentou que o ensinamento dela era compatível com ensinamentos prévios da Igreja. Noonan não menciona que teólogos em grande número defenderam a DH como efetivamente possuidora de maior continuidade com a tradição da Igreja, contra aqueles que nada mais viam nela do que uma alteração na fé da Igreja. Até mesmo John Courtney Murray, que era da opinião de que a Igreja havia demorado para reconhecer a liberdade religiosa como princípio ético, pessoalmente e coletivamente, ainda argumentava que a DH fosse “um autêntico desenvolvimento da doutrina no sentido de Vicente de Lérins, ‘um autêntico progresso, e não uma mudança, da fé.’” Ele também sustentou que o Vaticano II pôs de lado “uma teoria mais antiga da tolerância civil em favor de uma nova doutrina da liberdade religiosa mais harmônica com a autêntica e mais plenamente entendida tradição da Igreja.”

A falta de qualquer menção desses importantes indícios em contrário da alegação de Noonan de que a DH foi uma reversão e rejeição sem rodeios do prévio ensinamento da Igreja (157) deixará mal informado o leitor não instruído. Segundo observaram comentadores posteriores, o que documentos tais como a Mirari Vos condenaram não foi a própria liberdade religiosa, mas um conceito filosófico específico e determinado de liberdade religiosa que estava atrelado ao relativismo e a um secularismo antirreligioso. Comentando sobre a necessidade que os teólogos têm de discernir cuidadosamente o processo de mudança através da continuidade, o Papa Bento XVI observou recentemente que a Igreja deve rejeitar uma visão que enxerga a liberdade religiosa como expressando a incapacidade da humanidade de descobrir a verdade. Uma visão dessas implica que o relativismo seja a norma para a sociedade. Há uma diferença enorme entre essa visão da liberdade religiosa e o entendimento que decorre da verdade de que a liberdade de crer tem de vir de dentro e não pode ser imposta de fora, ou uma visão que enxerga a liberdade religiosa como algo exigido pela coexistência humana pacífica. Diante desse pano de fundo, explicar o desenvolvimento do ensinamento da Igreja sobre a liberdade religiosa no Vaticano II principalmente em termos de reversão e rejeição do prévio ensinamento da Igreja não faz jus à tarefa com que se depara o teólogo.

[A dissolução de matrimônios não-sacramentais
vs. o divórcio moderno]

Em quatro capítulos Noonan trata da dissolução de matrimônios não-sacramentais pela Igreja com base no privilégio paulino e no privilégio petrino, em “favor da fé”. Para Noonan, a complexa história dos privilégios mostraria que houve desenvolvimento da doutrina da Igreja sobre o “divórcio” para os não-batizados. Diz-se que essa aceitação do divórcio revelaria um novo entendimento da lei natural e uma interpretação em vias de desenvolvimento do Novo Testamento (214). O magistrado Noonan argumenta que o ensinamento bíblico “O que Deus uniu, homem nenhum separe” parece não admitir exceção e abarcar todos os casos, mas que nenhuma regra ou fórmula é suficiente para “evitar que ela seja torcida ou contornada” (212). Paulo foi o primeiro a dobrá-la e a abrir uma exceção a ela, quando permitiu que uma pessoa convertida à fé se separasse de um cônjuge não batizado.

O modo de Noonan encarar o mandamento divino sobre o matrimônio e a interpretação deste dada por Paulo é demasiado legalista. Nada mudaria realmente para o matrimônio com a vinda de Cristo, exceto pela repetição de uma regra. Na consideração do ensinamento bíblico por Noonan, Cristo nada mais tem a dizer, nada mais tem a dar ao homem para o matrimônio. Nunca parece ocorrer a Noonan que Paulo, com seus intérpretes, tivesse boas razões para pensar que os matrimônios entre uma pessoa cristã e uma não-cristã, por um lado, e os matrimônios entre cristãos, por outro, são diferentes por causa de uma relação com Cristo. Há uma coisa nova que Cristo dá ao matrimônio. Noonan não considera que a vida nova em Cristo dá a graça que permite respeitar o mandamento. Nem, tampouco, lida ele jamais com a importância do modo como o vínculo matrimonial foi elevado, no matrimônio sacramental.

Noonan discute como a Igreja interpretou o texto de Paulo como fundamento para permitir que se recase o cônjuge que crê. Ele observa que a visão predominante dos teólogos em torno da época de Aquino era que o segundo matrimônio do converso, contraído como cristão, dissolvia o primeiro matrimônio, contraído antes do batismo. Ele nota que Aquino explicou que “o mais firme” dissolvia “o menos firme”. Noonan alega que, embora houvesse a doutrina de que o matrimônio é naturalmente indissolúvel, grandes teólogos não contestaram a exceção. Mas, na realidade, o pensamento dos teólogos, como Aquino, aprofundou bastante a explicação de como a Igreja podia dissolver matrimônios não-sacramentais e ainda continuar fiel ao ensinamento bíblico. Por exemplo, Aquino explicou que no batismo de um convertido havia uma espécie de morte, aparentada à morte natural, que efetivamente dissolvia o vínculo corpóreo do matrimônio natural. Quando um convertido é batizado, ele é regenerado e morre para sua vida anterior. Ele deixa de estar vinculado na vida dele àquelas coisas às quais ele estava vinculado na sua antiga vida, “dado que a geração de uma coisa é a corrupção de outra”. Um homem que é regenerado em Cristo “é, mesmo corporalmente, sepultado junto com Cristo na morte” e, assim, é libertado da obrigação de “pagar o débito matrimonial”, mesmo que o matrimônio natural tenha sido consumado. Aquino refere-se aqui ao vínculo corpóreo do matrimônio natural. Uma esposa só tem direito ao corpo do marido na medida em que ele tenha permanecido na vida em que ele se casara, dado que somente ao morrer o marido fica a esposa liberada da lei de seu esposo. (Romanos VII,3). Assim como os incréus (e também os crentes, a propósito) deixam de estar ligados a seu cônjuge após a morte natural, assim também um incréu que receba o batismo e morra em Cristo, deixa de estar ligado ao cônjuge incréu (Supl. Q. 59, a.4, ver também a resposta ad 2).

Sto. Tomás de Aquino, tal como Agostinho, conhecia uma diferença entre o vínculo natural e o vínculo sobrenatural do matrimônio. A diferença entre os vínculos encontrava-se na santidade deles e no que eles significavam. Sto. Tomás mostra como a Igreja entende que existe uma certa hierarquia de vínculos matrimoniais. Ele explicou que o matrimônio natural é imperfeito, e portanto “menos firme”, pois tem a ver somente com a perfeição da natureza, enquanto que o matrimônio sacramental é uma perfeição na graça (ST. Supl. Q.59, a.2). O matrimônio sacramental para Sto. Tomás, é claro, participa na unidade indissolúvel entre Cristo e sua Igreja. O matrimônio em Cristo vincula “mais firmemente”, porque é perfeito. “Ora, a ligação mais firme dissolve a mais fraca, se for contrária a ela” (ST Supl. Q.59, art.5, ad 1). É por esta distinção que Sto. Tomás pode falar não de divórcio, mas da dissolução de um matrimônio natural. A esta luz, o privilégio paulino pode ser visto como algo que está em completa continuidade com o mandamento divino, um mandamento trazido à perfeição e ao cumprimento em Cristo e na união d’Ele com a Igreja. A dissolução do vínculo natural entre uma pessoa não-batizada e uma pessoa recém-batizada é dada em vista da possibilidade de a pessoa fiel batizada entrar na perfeição de um matrimônio sacramental com outra pessoa que crê.

Todo esse tópico do poder que o Papa tem de dissolver matrimônios não-sacramentais, mesmo entre dois cônjuges não-batizados, é um tema complexo. Noonan, porém, acredita que a dissolução de matrimônio não-sacramental em favor da fé seja algo como uma exceção à indissolubilidade do matrimônio. Ele pensa que nunca houve realmente uma explicação adequada, seja do privilégio mesmo ou do modo de seu exercício. Noonan acusa o Papa João Paulo II de continuar o exercício do privilégio, mas sem reconciliá-lo com aquilo que ele chama de “divórcio papal” com a doutrina da indissolubilidade (189-90). É claro que o que o papa defendeu, como muitos de seus predecessores, foi a absoluta indissolubilidade dos matrimônios sacramentais. A dissolução papal de um matrimônio não-sacramental em favor da fé só é concedida sob condições muito estritas, mas Noonan nunca indica esse fato. Ele faz parecer o contrário, ao dizer que os matrimônios dos não-batizados pareçam candidatos improváveis para a dissolução papal, por não serem na realidade nada diferentes, em grau, dos matrimônios dos batizados, já que são uniões carinhosas, amantes, fiéis e frutuosas também (180). A falta de toda e qualquer atenção real, por parte de Noonan, para o significado da sacramentalidade do matrimônio e para suas implicações, o fracasso dele em considerar como Cristo realiza a perfeição e elevação do vínculo matrimonial natural, faz com que fique difícil para ele enxergar o privilégio como qualquer outra coisa que não algo legalista, arbitrário, e divórcio com outro nome.

A chave para entender o poder do Papa de dissolver matrimônios não-sacramentais em favor da fé, e os limites desse poder, está na novidade que Cristo traz ao matrimônio. Trata-se de algo mais do que a repetição verbal de uma lei. É a perfeição das coisas mesmas que são intrínsecas ao matrimônio: a unidade e a indissolubilidade. Segue-se daí que, se Cristo aperfeiçoa o matrimônio natural elevando-o ao nível de sacramento, ele tem autoridade sobre o matrimônio não-sacramental. O Papa, Vigário de Cristo e Sucessor de Pedro, a quem os católicos creem que o Senhor fez rocha e detentor das chaves da Igreja, partilha dessa autoridade. A participação do Papa na autoridade de Cristo sobre o matrimônio natural é parte do poder das chaves e da autoridade de ligar e desligar dada por Cristo.

Entendido dentro desta moldura, o privilégio petrino não envolve contornar um mandamento divino, mas sim um privilégio que é dado para ser exercido a serviço do mandamento divino dado no Gênesis e repetido por Cristo. Matrimônios não-sacramentais foram dissolvidos em favor da fé, para que aqueles que foram liberados para casar conhecessem, ou pudessem ter a esperança de conhecer, a perfeição que é dada no matrimônio sacramental. O caso que Noonan cita de 1959, quando o Papa João XXIII dissolveu um matrimônio não-sacramental para que uma pessoa católica pudesse entrar em matrimônio com uma não-crente, pode ser entendido como estando a serviço da perfeição do matrimônio em Cristo porque havia a esperança de que o cônjuge incréu pudesse ser evangelizado e se convertesse, e assim entrasse na perfeição de um matrimônio sacramental. Que o privilégio está a serviço da evangelização pode ser visto nas normas atuais. Exigem estas que uma pessoa não-batizada, que foi liberada de um prévio vínculo matrimonial para se casar com um católico, declare que ele ou ela está disposto a permitir ao cônjuge católico a liberdade de praticar a religião dele ou dela e a batizar e educar os filhos como católicos. O profundo respeito que a Igreja tem pelo vínculo matrimonial natural é ilustrado pela exigência das normas atuais de que o postulante não pode ser “a causa culpável, exclusiva ou principal da destruição da vida conjugal” do matrimônio não-sacramental que há de ser dissolvido em favor da fé. Nem, tampouco, pode a outra parte, com quem o novo matrimônio será contraído, ser culpada de provocar a separação dos esposos da união não-sacramental. Nenhuma dessas coisas informa a apresentação de Noonan. São de primordial importância para entender o modo como o privilégio é exercido dentro de limites estritamente prescritos que respeitam, por um lado, a dignidade do vínculo natural do matrimônio e, por outro lado, a responsabilidade da Igreja de evangelizar.

Noonan alega que o desenvolvimento, partindo das palavras de Jesus em Marcos sobre o matrimônio, foi enorme. Se o pleno significado da sacramentalidade do matrimônio for mantido em vista, que implica um certo entendimento de uma hierarquia dos vínculos matrimoniais – “o menos firme” e “o mais firme” –, aí então o desenvolvimento não é do tipo que Noonan imagina que seja. Não envolve um contornar a doutrina da indissolubilidade. Se há uma coisa que o desenvolvimento foi e continua sendo, é uma questão de a Igreja discernir as implicações do significado sacramental do matrimônio e de aplicá-las a novas circunstâncias pastorais, em prol da realização daquilo que Cristo quer para a perfeição do matrimônio.

[Conclusão]

A força da obra de Noonan reside principalmente nos dados e fatos que ele descobriu na sua pesquisa. Se bem que ele tem uma tendência de apresentar o que ele descobriu de maneira carente de equilíbrio e unilateral, a pesquisa dele terá de ser plenamente considerada por todos os que quiserem explicar o desenvolvimento da doutrina da Igreja nas áreas de que Noonan trata. Não se pode dizer, contudo, que ele tenha obtido sucesso em demonstrar a tese dele de que o desenvolvimento doutrinal frequentemente signifique uma flagrante reversão de ensinamentos da Igreja que teriam estado equivocados e errôneos. Ademais, essa tese não faz jus aos dados históricos que o próprio Noonan desenterra.

Lawrence J. Welch
Kenrick-Glennon Seminary
St. Louis, MO

A escravidão e o drama da história da humanidade

Ao contrário do que possa parecer à nossa experiência de mundo mais imediata, a escravidão não é uma questão racial. Na verdade, ela não tem nada a ver com raça, e é apenas o nosso provincialismo histórico que nos faz pensar diferente disso. Se é verdade que aqui na América os negros foram escravizados, não é menos verdade que soubemos nos utilizar, também e sem nenhum preconceito, de mão-de-obra escrava indígena. Ao mesmo tempo, os índios do Novo Mundo escravizavam outros índios e as tribos negras africanas escravizavam outros negros (e os vendiam aos brancos traficantes de escravos – isso quando não escravizavam brancos também). Antes disso, na Europa medieval, os mouros escravizavam os cristãos e, estes últimos, os mouros. Ainda antes, os judeus foram escravizados no Egito dos Faraós. E para não parecer que os caucasianos formam a única odiosa raça que neste jogo de forças sempre esteve em confortáveis posições senhoriais, lembro que nem mesmo os povos da Escandinávia, com seus cabelos loiros e belos olhos azuis, foram poupados dos trabalhos escravos que os Vikings lhes impuseram.

No meu texto de ontem eu abri um parêntese para dizer que o próprio instituto da escravidão, analisado sem anacronismos, significou um importante avanço no reconhecimento da dignidade humana. Isto porque, durante muito tempo, a (única) opção à escravidão era a morte pura e simples. Para que se entenda isso é preciso abrir mão da mentalidade escravocrata que nos foi legada pelos versos de Castro Alves; no geral, reduzia-se alguém à condição de escravo não como o caçador que vai à selva capturar um animal para, domesticando-o, colocá-lo a seu serviço, mas sim como uma punição imposta a um outro ser humano – justa ou injustamente – por conta de algo que ele havia feito.

Assim, por exemplo, na Roma Antiga havia a escravidão por dívidas: se alguém não fosse capaz de saldá-las, deveria tornar-se escravo dos seus credores como pagamento pelos débitos contraídos. No Antigo Testamento, todas as vezes em que o Senhor autoriza Israel a escravizar alguém, trata-se sempre de prisioneiros de guerra ou povos conquistados. Esta última modalidade de escravidão, aliás, foi praticamente uma constante na história da humanidade, sendo praticada pela virtual totalidade dos povos e culturas. Se hoje a prática nos parece – graças a Deus! – bárbara e incompreensível, é geralmente porque nos falta horizonte histórico para contemplá-la como se exige a quem pretenda colocar a compreensão do comportamento humano acima do julgamento sumário dele.

Parece-me que está bem definida a escravidão se, pelo termo, entendemos a coação da liberdade de um homem ao serviço de um terceiro. Se esta coação se dá por meio de força física ou de ameaça, se ela é temporária ou permanente, se ela decorre de punição legal ou de capricho, tudo isso me parece fugir ao essencial. Grosso modo, um escravo é isto: é um ser humano que eu constranjo a meu serviço. Cabe perguntar por qual motivo alguém poderia, em consciência, impôr semelhante fardo a um seu semelhante. Ou ainda, se existe – mesmo em abstrato – uma razão que possa, ainda que remotamente, justificar tão cruel e repugnante imposição.

Resistamos à tentação de abordar o problema unicamente sob a ótica do Condoreirismo! Porque aqui, de fato, não cabe discussão alguma. Se à pergunta sobre “quem são estes desgraçados / que não encontram em vós / mais que o rir calmo da turba / que excita a fúria do algoz” a gente responde com a grandiloqüência da Musa que Castro Alves chama a depôr n’O Navio Negreiro, então realmente não há nada que se possa fazer aqui a não ser condenar, em absoluto e com a mais apaixonada veemência, este tratamento vil e desprezível ao qual foram desgraçada e incompreensivelmente constrangidas multidões de seres humanos ao longo da história humana. Se os fatos são aqueles colocados no Canto V da obra-prima do poeta, então não há desculpas possíveis. Se os escravos viviam “ontem, plena liberdade, / a vontade por poder” e “hoje, cum’lo de maldade, / nem são livres pra morrer”, então é impossível perdoar os crimes dos que escravizaram e dos que permitiram a escravidão.

Mas as coisas não eram rigorosamente assim na época do Brasil Império e nem muito menos ao longo da história da humanidade. Ir à caça de seres humanos inocentes, livres e soberanos para reduzi-los à escravidão é sem dúvidas uma coisa abominável. Acontece que quando os israelitas venciam Amalec no deserto e só o que podiam fazer era largar os derrotados ao frio, à fome e às feras, passá-los a fio de espada afigurava-se como uma obra de misericórdia. Acontece que quando os ibéricos retomavam as terras dos seus antepassados e se viam diante daqueles que por séculos os haviam saqueado, matado seus filhos e estuprado as suas mulheres, resistir à tentação de massacrá-los era magnânima benevolência e conservar-lhes a vida enquanto escravos era o supra-sumo da caridade.

Historicamente, a escravidão não se define por caçar seres humanos inocentes para transformá-los em alimária particular. No geral, como foi dito, tratava-se de uma punição de guerra ou por supostos crimes cometidos, sobre a qual devemos ser um pouco reticentes em emitir julgamentos peremptórios. É degradante? Sem dúvidas; mas não existe nenhuma pena humana que não degrade em alguma medida o ser humano. Tenho certeza de que, daqui a alguns séculos, leremos “Estação Carandiru” e nos perguntaremos como foi possível que a sociedade tivesse permanecido inerte diante da infâmia do sistema prisional brasileiro do século XX. E tomara que não sejamos então vítimas da mesma incompreensão que, hoje, temos o mau hábito de devotar aos nossos antepassados.

E quanto ao Cristianismo? Ele foi fundamental para que chegássemos ao elevado patamar moral contemporâneo de cuja altura, hoje, os anti-clericais sentem-se no direito de escarnecer da Igreja. A doutrina da igualdade essencial entre os homens – com São Paulo afirmando taxativamente que «[j]á não há judeu nem grego, nem escravo nem livre, nem homem nem mulher, pois todos vós sois um em Cristo Jesus» (Gl 3, 28) – é a verdadeira revolução na história do pensamento humano e na obrigação moral que os homens agora passam a ter para com os seus semelhantes. É somente a partir daqui que podemos falar propriamente em dignidade humana – naquela que não conhece sexo, raça ou condição social, mas que compete a todos os homens e a cada um deles em particular.

Autorizou-se ainda assim a escravidão? É porque, em si, esta punição privativa de liberdade, nos moldes em que passou a ser entendida, não é intrinsecamente má. Após o surgimento da Igreja, ela não mais significava uma diminuição ontológica do ser humano tornado escravo, uma sua coisificação; mas, ao contrário, era uma forma (ainda) socialmente aceita de fazer um indivíduo pagar pelas próprias dívidas ou pelas de outrem (v.g. dos seus pais ou do seu povo). Com o Cristianismo, mesmo os escravos são seres humanos que como tais devem ser tratados, e esta é a novidade radical do Evangelho em relação à escravidão pagã. Se o Paterfamilias romano tinha vitae necisque potestas – poder de vida e de morte – sobre seus escravos, seus filhos e até sua esposa, o mesmo não se pode jamais dizer do cristão sobre sua esposa, seus filhos ou mesmo seus escravos. Se isso nos parece pouco, tal é um tributo que pagamos ao nosso tempo – pelo qual devemos ser gratos e para cuja existência ser possível foi necessário que os influxos benéficos do Cristianismo o engendrassem (por vezes silenciosamente…) nas almas por séculos a fio.

É claro que se pode dizer que a escravidão é um castigo desproporcional, que não está em conformidade com a dignidade humana, que é indigno de povos civilizados, e eu serei o primeiro a concordar: tudo isso deve ser dito! A questão não é contudo sobre idealismos abstratos, e sim sobre o drama da história da humanidade. Transformar a ação dos cristãos ao longo dos séculos num lacônico “apoio à escravidão” é uma inverdade histórica e uma injustiça. A mensagem cristã ressignificou a forma como os homens viam seus escravos, impôs-lhes exigências até então inconcebíveis para com eles, reduziu drasticamente a abrangência da escravidão e, por fim, aboliu-a por completo! Sentar-se diante de um computador no século XXI e reclamar que isso demorou demasiado para ser feito é padecer de graves preconceitos anacrônicos, que em nada nos tornam melhores do que os que nos precederam.

Medievalista responde ao deputado Jean Wyllys

Há não muito tempo, em dezembro último, o ex-BBB e deputado-sem-votos Jean Wyllys provocou polêmica com o seu piti desaforado contra o Papa Bento XVI por conta das declarações do Pontífice a respeito do “casamento” gay. Entre incontáveis outras sandices, Sua Insselença disparou a seguinte pérola:

A “ferida grave infligida à justiça e à paz”, @pontifex (Bento XVI), foi a escravidão de negros e africanos, apoiada pela Igreja Católica.

[Aliás, li outro dia um comentário sensato sobre a escravidão, não me lembro onde. O articulista lastimava a leviandade anacrônica dos que a execravam em absoluto, ignorando que o próprio instituto da escravidão foi um profundo avanço nos direitos humanos em uma época em que o comum era matar os prisioneiros de guerra. Poupá-los, dizia ele, mesmo que fosse para explorar-lhes a força de trabalho, era um inegável avanço no reconhecimento da dignidade humana, um primeiro passo evidentemente necessário para que pudéssemos um dia chegar à DUDH. Mas isso é outra questão, e exigir este grau de sutileza da truculência da militância gayzista é pedir demais. Continuemos.]

À época da polêmica, enviei emails de protesto para o Gabinete do senhor deputado e para a Ouvidoria da Câmara. Do primeiro não recebi nada, como era de se esperar. Do segundo, recebi alguns dias depois a seguinte resposta:

Sr.JORGE FERRAZ
Recebemos sua mensagem, na Ouvidoria Parlamentar da Câmara dos Deputados, manifestando seu posicionamento a respeito de pronunciamento de parlamentar em exercício nesta Casa.
Em atenção a sua mensagem, esclarecemos que os eventuais embates de ideias entre os parlamentares em exercício nesta Casa e a sociedade não são objeto de tomada de posição da Câmara dos Deputados.
Informamos que é possível entrar em contato diretamente com o parlamentar de seu interesse por intermédio do sistema Fale com o Deputado, disponível na página da Câmara na internet, no endereço www.camara.lrg.br.
Atenciosamente,

Assessoria da Ouvidoria PArlamentar
Ouvidor-Geral Deputado Miguel Corrêa

Como eu já entrara em contato – sem resposta – “diretamente com o parlamentar”, resolvi que não valia a pena insistir. Muita gente já havia se levantado contra o preconceito catolicofóbico e o discurso de ódio religioso do Paladino Rosa, e a resposta da sociedade ressoa com muito mais força do que a burocracia do Planalto. Ao menos, a minha mensagem fora lida. Já era alguma coisa.

Mas de tudo o que se seguiu à arruaça provocada pelo Jean Wyllys, acho que o mais entusiasmante foi encontrar na Gazeta do Povo este texto do prof. Ricardo da Costa, historiador e medievalista, respondendo nominalmente ao excelentíssimo deputado. Foi de lavar a alma. Leiam-no na íntegra. Apenas cito, à guisa de exemplo:

Entrementes, a Igreja Católica, reiteradamente, condenava a escravidão. Há inúmeras bulas papais a respeito: na Sicut Dudum (1435), Eugênio IV mandou libertar os escravos das Ilhas Canárias; em 1462, Pio II instruiu os bispos a pregarem contra o tratamento de escravos negros etíopes, e condenou a escravidão como um tremendo crime; Paulo III, na bula Sublimus Dei (1537), recordou aos cristãos que os índios são livres por natureza (ao contrário dos negros, que praticavam a escravidão); em 1571, o dominicano Tomás de Mercado declarou desumana e ilícita a escravidão; Gregório XIV (na Cum Sicuti, de 1591) e Urbano VIII (na Commissum nobis, de 1639) condenaram a escravidão. Devemos estudar o passado, não inventá-lo.

Diante de tudo isso, o que dizer? Cale-se o ódio raivoso do deputado diante da serenidade do professor de história! Cale-se o preconceito gay diante dos estudos rigorosos sobre o passado da Igreja! Cale-se a cultura BBB diante do reconhecimento acadêmico sério! O Jean Wyllys bem que poderia ter dormido sem essa.

E é claro que o deputado não vai se retratar. Ele não tem decência suficiente para isso. Vai preferir obstinar-se no seu obscurantismo anti-clerical raivoso e decadente. Tudo bem. No que depender de nós, não vai faltar quem venha a público desmascará-lo.

Estadão inventa “sentença” do Santo Ofício contra o pe. António Vieira

Há algum tempo eu encontrei numa livraria uma bonita edição dos “Autos do processo de Vieira na Inquisição”. Passei um tempo considerável folheando o livro, que me pareceu interessantíssimo; não o trouxe para casa, contudo, porque a curiosidade histórica não me cabia então no orçamento mensal.

O livro não veio comigo, mas o conteúdo dele sim. O processo contra o pe. António Vieira, eu me lembrava perfeitamente, fora instaurado por conta de uma carta enviada a não-sei-que autoridade oriental, na qual o sacerdote dissertava sobre umas (supostas) profecias de um gajo segundo as quais o rei D. João IV haveria de ressuscitar. Estas referências foram-me suficientes para que eu recuperasse, hoje, a história inteira. Encontrei-a na Revista Semear 2, da Cátedra Padre António Vieira de Estudos Portugueses. O silogismo brandido pelo pe. António Vieira foi o seguinte:

O Bandarra é verdadeiro profeta; o Bandarra profetizou que El-Rei D. João o quarto há de obrar muitas cousas que ainda não obrou, nem pode obrar senão ressuscitando: logo, El-Rei D. João o quarto há-de ressuscitar.

Era exatamente isto. Lembrava-me de como me pareceu, à época, que o pe. Vieira estava a troçar dos portugueses, sustentando diante das fuças dos inquisidores um silogismo cuja premissa maior era gigantescamente questionável sem parecer se preocupar muito com esta singular lacuna argumentativa. Cheguei a pensar, a sério, que o interesse do reverendíssimo sacerdote era somente quanto aos aspectos formais da construção silogística, mais ou menos como Chesterton diz que os unicórnios eram importantes para os escolásticos medievais: “se um licorne tem um chifre, então dois deles têm tantos quanto uma vaca”. De qualquer maneira, lembro-me de que este processo do Santo Ofício evoluiu para coisas que faziam muito mais sentido, como a natureza das profecias ou a Revelação: assuntos propriamente teológicos, de leitura deliciosa cuja mera lembrança agora me dá ganas de ter o livro à mão e me faz refletir sobre o porquê de comprarmos livros. Se me é permitida a metáfora, trata-se de um testemunho – dir-se-ia profético! – do valor das estantes repletas…

Mas qual não foi a minha surpresa quando encontrei hoje, na primeira frase desta matéria do Estadão, esta incrível pérola: o pe. António Vieira foi «[c]ondenado pela Inquisição de Coimbra por fazer duras críticas à exploração dos escravos» (!). Como assim?! Não foi este o motivo do seu processo mais conhecido. Semelhante episódio da vida do sacerdote não consta na sua biografia da Wikipedia e nem em nenhuma outra. O próprio conteúdo da acusação é totalmente nonsense e descabido: como se a Igreja condenasse não os que exploravam escravos, mas os que eram contra a escravidão (!). De onde esta informação absurda foi retirada?

Confesso, desconcertado, não fazer idéia. Ou talvez até faça: trata-se aparentemente de mais um exemplar do velho e esclerosado preconceito anti-clerical, desta deficiência intelectual grave que parece ter uma doentia compulsão por dar crédito – ligeiro e leviano – a qualquer bobagem desabonadora que alguém atribua à Igreja Católica. O fenômeno não é novo. Mas encontrá-lo de novo e de novo, em pleno século XXI, é profundamente desanimador. Melhor me seria ler os autos do Santo Ofício! E melhor fariam certos repórteres em ler, senão processos antigos sobre os quais se metem a falar, ao menos os resultados mais relevantes do Google. Assim passariam menos vergonha.

Pedido pela beatificação da Princesa Isabel

Eu vou remeter a dois textos d’O Possível e o Extraordinário: “Quem foi a Princesa Isabel?” e “Prólogo da Beatificação da Princesa Isabel”. Destaco apenas a seguinte frase (do primeiro texto): «A Princesa Isabel herdou da mãe dela o catolicismo ultramontano e era devota de Santa Isabel da Hungria e Santa Isabel de Portugal!»

Era católica devota: eis a importante característica da personalidade da princesa Isabel que, não obstante, é-nos sistematicamente ocultada nas aulas de História do Ensino Médio. Sobre a importância deste fato nos fala o Cônego Manfredo Leite (apud segundo texto acima citado): «é mister reconhecer que o manancial onde se lustrou toda essa perfeição moral de d. Isabel, e onde ela hauriu essas energias para as fecundidades da sua bondade e da sua generosidade, foi incontestavelmente a pureza dos princípios cristãos, aos quais tanto se afeiçoou e com os quais se identificou sua larga existência».

Afinal de contas, é somente com o Cristianismo que se coloca a igualdade fundamental entre os homens, uma vez que «já não há judeu nem grego, nem escravo nem livre, nem homem nem mulher, pois todos vós sois um em Cristo Jesus» (Gl 3, 28). E, portanto, se por um lado o Apóstolo manda que os servos obedeçam aos seus senhores (cf. Cl 3, 22), por outro lado escreve “de próprio punho” a um senhor para pedir a liberdade de um escravo (cf. Fl 19). Na verdade, é com o florescimento do Cristianismo que se extingue a escravidão tão largamente difundida durante a Antiguidade. Apenas mil anos depois, com o Renascimento, é que esta prática voltará a ser praticada.

Nada mais natural, portanto, que a Princesa que aboliu a escravidão no Brasil fosse filha da Igreja – da mesma Igreja que, p.ex., durante a Idade Média criou a Ordem de Nossa Senhora das Mercês para libertar os cristãos cativos que caíam sob o jugo dos sarracenos. Nada mais natural, portanto, que o Papa Leão XIII tenha enviado em 1888 uma rosa de ouro para a Princesa Isabel pela promulgação da Lei Áurea. Nada mais natural que fosse o Cristianismo a força motriz por trás da abolição da escravatura no Brasil.

O pedido é pela beatificação de Dona Isabel Cristina Leopoldina Augusta Micaela Gabriela Rafaela Gonzaga de Bragança e Bourbon, a Isabel do Brasil, nossa Princesa Isabel. Foi entregue a Dom Orani Tempesta, Arcebispo do Rio de Janeiro, com a seguinte súplica: «solicitamos a Vossa Reverendíssima, a nomeação de um prelado da vossa Arquidiocese para ser o postulador desta causa, que certamente permitirá aos brasileiros conhecerem melhor e a amar mais aquela que muito fez pelo bem do nosso País. Não temos dúvida, de que o acesso aos documentos, às fontes históricas, revelarão uma vida edificante que muito motivará aos brasileiros e de modo especial aos fiéis católicos, a perseverarem na esperança de seguir o caminho de verdade e vida proposto por Nosso Senhor Jesus Cristo, via certa da salvação. E que a Virgem Maria Santíssima, Mãe de Deus e Rainha do Céu, interceda por esta causa, para o bem de todos» – Amen! Que a Virgem Imaculada, padroeira do Brasil, interceda por esta nobre causa. E, se for para a maior glória de Deus, que a última princesa imperial desta Terra de Santa Cruz possa ser honrada nesta pátria com a glória dos altares.

Sí, es posible la esperanza!

Recebi hoje pela manhã esta bonita notícia sobre o apoio que um ateu homossexual resolveu prestar, publicamente, a um sacerdote espanhol – mais, a um bispo espanhol – que, em sua diocese [aliás, pelo que eu entendi é mais especificamente no site da sua diocese], está promovendo um espaço de ajuda para as pessoas homossexuais que estão dispostas a lutar para abandonar os seus vícios e para levar uma vida da maneira que o Todo-Poderoso deseja.

Não deixem de ler as palavras do jovem venezuelano, que são bonitas; mas o que é ainda mais bonito nesta história toda é a mensagem de esperança que Dom Juan Antonio Reig Pla publicou no site da Diocese de Alcalá. Es posible la esperanza! Estas palavras são um verdadeiro alento para as tantas pessoas que, sofrendo em sua carne os males das inclinações homossexuais, vêem-se abandonadas e privadas do acesso a informações e a pessoas que lhes possam ajudar a enfrentar com dignidade a cruz que aprouve à Divina Providência que lhes coubesse. Porque a Ideologia Gay tampouco admite que haja um homossexual insatisfeito com a sua condição e desejoso de mudar. A famosa “liberdade de escolha”, que até há bem pouco tempo ressoava em nossos ouvidos em defesa dos homossexuais, virou rapidamente uma liberdade de uma escolha só e portanto, por definição, uma não-liberdade.

O Carlos Ramalhete falava exatamente sobre isto na sua coluna de ontem na Gazeta do Povo. Não sobre homossexuais, mas sobre escolhas, e sobre os males que advêm quando terceiros tomam sob si a “responsabilidade” de decidir o que é melhor para alguém. Não é muito diferente a (hipotética) proibição do açúcar no café da (concreta) proibição dos programas de ajuda à pessoa homossexual: em um e em outro caso, temos burocratas ou ideólogos decidindo por si próprios o que é melhor para as pessoas, pouco importando o que estas pessoas pensem ou queiram.

Em última instância, ninguém pode forçar um pecador a se converter. Mas é fundamental – é uma exigência da Caridade inegociável – que os pecadores desejosos de se converterem possam receber de nós todo o apoio do qual necessitarem. Outra, no entanto, é a idéia (e a prática) do Movimento Gay: ao pregarem abertamente contra a irreversibilidade do comportamento homossexual, ao desacreditarem as iniciativas que se propõem a oferecer verdadeira ajuda às pessoas que padecem destes vícios e ao até mesmo atacarem abertamente (por via judicial, se necessário for) as pessoas ou entidades dispostas a oferecerem uma alternativa à entrega animalesca aos imundos pecados contrários à natureza, o que o Movimento Gay quer na verdade é impôr uma terrível escravidão a todas as pessoas que padecem de tendências homossexuais. Negando-lhes a possibilidade de escolher (ou, ainda pior, negando que haja escolhas), transforma-as em escravos [afinal, «a incapacidade de escolha é a maior característica do escravo», como disse o Ramalhete] de seus torpes desejos. Isto sim é degradante, e isto sim deveria ser objeto de censura dos poderes públicos – não os convites à liberdade dos filhos de Deus.

Não deixem de ver o site do Es posible la esperanza (sim, contra tudo o que dizem os baluartes da Ideologia Gay e a despeito das tentativas da Gaystapo de silenciar as vozes dissidentes, é sempre possível a esperança). E, em particular, não deixem de ver as mensagens de agradecimento ao bispo de Alcalá; o preito de gratidão por um bispo que não se rendeu à agenda gay e que está, sozinho, fazendo infinitamente mais pelos homossexuais do que todo o Movimento Gay do mundo inteiro.

“Sou mesmo escrava e obrigada a sorrir” – Miriene Fernandes

[Este artigo está circulando por emails e, incrivelmente, ainda não o tinha visto publicado na net. Trago-o à apreciação; é uma resposta à matéria da VEJA da semana passada intitulada “Os Legionários do Anticristo”.]

SOU MESMO ESCRAVA E OBRIGADA A SORRIR

[Artigo removido (em 23/11/2011) a pedido da autora, que entrou em contacto por email e solicitou a sua retirada. Ela foi consagrada do Regnum Christi de fevereiro de 1998 a setembro de 2010, mas hoje sente-se chamada por Deus para servi-Lo de outra maneira e teme que o artigo possa (principalmente entre pessoas que ela conhece) gerar algum tipo confusão. Não obstante, o seu amor por Cristo permanece firme e, se ela é hoje chamada a uma vida vida secular, isto em nada muda suas posições em defesa da legitimidade da opção radical por Cristo e da vida consagrada.]