Esticando os membros após muito tempo parado… a sensação é estranha. Será que o corpo ainda responde como antigamente, será que os dedos possuem ainda a mesma agilidade? Será que os golpes sairão, ainda, com a destreza de outrora? É preciso ir com calma e testar o gume da espada sem pressa, sem lhe exigir demais. Si vis pacem — diz o antigo adágio –, para bellum. E esta santa preparação para o combate deve se dar, justamente, nos tempos de (relativa) paz.
Porque os grandes feitos não se fazem do nada, de repente, em um rompante de heroísmo no calor da batalha. Ao contrário, as grandes vitórias maturam lentamente, no escuro, no silêncio, na solidão. Há muitas e muitas horas de preparação por detrás de quaisquer quinze minutos de liça, e é preciso que seja assim. Se for de outro modo, é sorte de principiante. Se for de outra maneira, os louros são fortuitos e quem os ostenta na fronte, na verdade, não os merece.
Quisera ter empregado minha ausência na preparação para o combate! Quisera chegar aqui, agora, com a espada já afiada, com as mãos já preparadas para o combate, com os dedos já adestrados para a guerra. Mas é exatamente o contrário: os músculos estão demasiado rijos e, infelizmente, se me fosse exigido manejar a espada agora, é provável que ela depressa tombasse inócua. Se eu fosse chamada à guerra agora, neste instante, é provável que o batalhão em cujas fileiras eu me alistasse ficasse desfalcado. Para minha vergonha e minha tristeza.
Não, não venho aqui, agora, exibir as habilidades conquistadas em um tempo — até demasiado longo… — de exercícios e de preparação. É o contrário, eu dizia: o tempo levou-me o manejo a duras penas adquirido, aqui e alhures, de modo assistemático, espontâneo, improvisado. Levou-mo e não foi capaz de lhe substituir a contento. Agora levanto-me vacilante, claudicante, testando a força das pernas, a elasticidade dos braços; agora me levanto não para mostrar os dons adquiridos, mas para recuperar os que ficaram para trás. E devo fazê-lo ainda que doa, ainda que custe, ainda que demore.
Porque as artes da guerra exigem diligente preparação; é preciso respirar o combate. E é natural que os braços pesem e se fadiguem quando se concede ao corpo o luxo de um descanso mais prolongado. Mas não é lícito demorar-se tanto assim em lençóis de seda enquanto, no front, a batalha ainda prossegue tão encarniçada quanto antes. Talvez até mais.
E não é possível ficar por mais tempo parado: seria enterrar talentos. É mais digno a uma espada estilhaçar-se no calor da luta do que enferrujar lentamente em um canto escuro da casa. As canções de heroísmo do passado não eximem ninguém de derramar o sangue que lhe é exigido no presente. Ao guerreiro não cabe senão guerrear; que os bardos após ele recolham-lhe, em pedaços, as façanhas do caminho.
A batalha ainda é sangrenta e preciso me acostumar de novo com a espada. Preciso sentir-lhe o peso, testar-lhe o fio, medir-lhe o alcance; preciso, em suma, reaprender a usá-la, porque os inimigos de Nosso Senhor não serão repelidos sozinhos. Porque não se sabe quando será preciso tomar — mais uma vez — o lugar às brechas da muralha; e porque não quero ser pego de surpresa quando a lâmina vier a ser necessária.
Os músculos doem; por enquanto, apenas me estico. Espreguiço-me e me massageio, pego as armas, brandindo-as lentamente, como que tateando. Doce nostalgia; esperança inflamada. Conceda-me Deus a graça de ainda lutar por Sua glória. Apraza a Nosso Senhor que eu possa voltar aos campos do bom combate.