A respeito desta matéria cuja manchete alardeia que um “Diretor de jornal católico ataca PT e defende saída de Dilma”, talvez valha a pena fazer algumas considerações.
Antes de qualquer coisa, é preciso esclarecer que as informações a respeito do jornal católico (“O São Paulo”, da Arquidiocese de São Paulo) estão todas truncadas. O texto do blog do Roldão Arruda diz o seguinte:
O jornal ainda não defendeu o impeachment. Em editorial sobre o escândalo na Petrobrás, publicado na semana passada, com o título Mãos Sujas de Petróleo, o seu diretor escreveu: “Os hábeis marqueteiros do governo querem desviar os olhos da população para o que, de fato, importa: nunca se montou um esquema tão aparelhado, tão ‘profissional’, para desviar dinheiro público.”
Ora, a edição mais recente do jornal – da “semana passada”; o texto do Estadão foi publicado ontem, 11 de março – não traz nada disso. Em sua “Edição 3042 | 11 a 17 de março de 2015”, O São Paulo tem um editorial intitulado “Oposição é necessária e faz bem”. É um texto curto, bastante equilibrado, que fala sobre o pronunciamento da sra. presidente no domingo último e o protesto «ao som da batida de panelas vazias» que se lhe seguiu. E conclui dizendo que qualquer democracia exige «um povo que não se acomode, nem perca a capacidade de se indignar com o que é injusto, e, por fim, que não transforme diferenças de opiniões em ódio de classes». Não há aqui sombra de ataque a partido algum.
O editorial referido está na “Edição 3029 | 26 de novembro a 2 de dezembro de 2014” – do final do ano passado portanto. Nele, sim, encontra-se a passagem que o Roldão cita em seu texto. No entanto, também aqui não há sombra de defesa a nenhum movimento de impeachment (até porque seria extemporâneo procurá-la em um texto produzido no final de novembro último, quando o movimento que promete ir às ruas no próximo domingo não estava ainda delineado).
Ainda: no corpo do texto, na passagem já citada, é dito claramente que «[o] jornal ainda não defendeu o impeachment». A redação, verdadeiramente péssima, induzindo o leitor a cogitar coisas totalmente inverídicas, talvez nos autorize a indagar sobre o verdadeiro propósito do seu autor: se é passar informações fidedignas a respeito do pe. Michelino ou se, ao contrário, objetiva associar um órgão de comunicação oficial da Arquidiocese de São Paulo ao golpismo antidemocrático do qual está sendo desde o início chamado o clamor pelo impeachment da Dilma Rousseff.
Um: o jornal não defendeu o impeachment, ponto. Ao colocar que ele «ainda não defendeu», o escritor leva a crer que o periódico esteja em vias de o defender, e que a ausência de um texto conclamando os católicos a apoiarem o impedimento da sra. Rousseff é uma mera falha técnica prestes a ser sanada. Tudo isso é puro delírio do autor do texto. Dois: uma vez que o padre disse, com todas as letras – e isso está consignado no próprio texto do blog -, que «suas manifestações nas redes sociais refletem o que ele pensa como cidadão» e «não refletem necessariamente a posição editorial de O São Paulo», é gratuita a alusão ao Semanário da Arquidiocese que permeia todo o texto. Três: questões políticas concretas de impeachment e congêneres não demandam manifestações “oficiais” da Igreja Católica, como eu expliquei aqui recentemente. E, no fundo, parece ser esse o intuito do sr. Roldão: “enquadrar” o que ele chama de “posição católica” em algum dos dois “lados” do litígio, para forçar as autoridades eclesiásticas a o confirmarem ou rejeitarem. Afinal, após despejar as suas ilações político-religiosas, ele termina o seu texto quase que solicitando esta manifestação da Igreja:
Oficialmente, a Igreja Católica ainda não se manifestou sobre o debate…
É preciso rejeitar, liminarmente, por princípio, não apenas a tentativa de empurrar a Igreja hierárquica para o lado “pró” ou “contra” o impeachment mas também a própria noção de que é possível haver uma “posição oficial” da Igreja a respeito dessas coisas. Os católicos que porventura estejam se organizando para se manifestar no próximo domingo pedindo o impedimento da presidente estão fazendo isso enquanto cidadãos brasileiros, e não “enquanto católicos”. Isso precisa ficar muito claro.
A “posição da Igreja” existe em relação àquelas coisas que, em seu conjunto, integram o Seu patrimônio doutrinário e moral: daí, por exemplo, que «ninguém pode ser ao mesmo tempo bom católico e verdadeiro socialista»; que é necessário a todos empenhar-se para que «as leis e as instituições do Estado não lesem de modo algum o direito à vida, desde a sua concepção até à morte natural, mas o defendam e promovam»; ou que «todos os fiéis são obrigados a opor-se ao reconhecimento legal das uniões homossexuais». A tentativa de multiplicar “posições oficiais” da Igreja a respeito de miudezas políticas – como a marcha pelo impeachment ou o abaixo-assinado pela reforma política – não passa de um artifício capcioso para obscurecer a clareza da Sua posição sobre aquilo que é verdadeiramente obrigatório e inegociável para os cristãos na sociedade: afinal, se a Igreja Se manifesta sobre tudo, então Ela fica reduzida ao papel dos “formadores de opiniões” contemporâneos que hoje dizem uma coisa e, amanhã, o seu contrário. Se a Igreja “compra” as brigas pequenas – aquelas que, no fundo, podem ser perdidas sem grande prejuízo -, então Ela não precisa ser levada tão a sério quando se pronunciar a respeito das brigas grandes. Em uma palavra: associando-Lhe em demasia às coisas que passam, terminam por Lhe enfraquecer o peso da manifestação quando Ela se manifesta pelas coisas que não passam. E isso os católicos não podem admitir apaticamente. Essas armadilhas, cumpre denunciar com vigor.