Os dogmas sem sentido do Espiritismo

Um espírita revoltado não gostou quando eu disse aqui que o espiritismo era ilógico. No entanto, responder que é bom… nada. Preferiu rasgar as vestes e ter um ataque histérico, reclamando da nossa ignorância e do nosso fanatismo.

Vou dizer de novo (só que com outras palavras) o que eu disse lá e provocou a ira furibunda do seguidor da doutrina de Kardec: cada “resposta” oferecida pelo espiritismo suscita um sem-número de outras perguntas cujas explicações, em última instância, precisam ser aceitas sem comprovação alguma. Isto não é de per si um demérito; mas chega ser irônico como alguns espíritas reclamam dos dogmas do Cristianismo e, apresentando a sua religião praticamente como uma ciência cartesiana, convenientemente “se esquecem” dos muitos princípios de seu sistema que, nada possuindo de intuitivo, precisam simplesmente ser aceitos sem discussão. Dogmas por dogmas, eu prefiro os nossos. Ao menos eles fazem sentido. E o fato da Ressurreição de Cristo é evidência forte o suficiente para persuadir os homens de boa vontade e de bom senso da veracidade dos dogmas cristãos. Já quanto ao espiritismo… que evidência ele nos apresenta para que acreditemos em coisas tão inverossímeis?

Por exemplo, repetindo o que eu dizia lá nos comentários:  os “espíritos superiores” de Kardec dizem que todos os planetas são habitados (Livro dos Espíritos, q. 55). Ora, não foi encontrado até hoje um único planeta habitado sequer por uma bactéria. Como é possível que os “espíritos superiores” não soubessem disso? A resposta espírita tradicional diz que os planetas são habitados sim, mas… por “vida espiritual”. E assim, ressignificando um trecho dos seus livros sagrados, transportam convenientemente a discussão para a esfera das coisas que não são verificáveis e onde eles, por definição, não podem ser desmentidos. Que evidência existe de que haja “vida espiritual” em Marte? Esta afirmação serve tão-somente para salvaguardar os “espíritos superiores” da realidade dos fatos que os contradiz abertamente.

Mais: a população mundial (ainda) está crescendo, o que significa que nascem mais pessoas do que morrem – i.e., “encarnam” mais almas do que “desencarnam”. De onde vêm estas almas? A resposta padrão é que existem muitos outros mundos “inferiores”, nos quais as almas “evoluem” até que se tornem aptas para “encarnar” no nosso mundo. De novo: qual o indício que nós temos de que existem mundos inferiores e superiores habitados por espíritos em constante evolução? Ao invés disso, não está claro que esta afirmação gratuita não tem outro propósito que não salvar a teoria de Kardec de uma flagrante contradição matemática?

É dito, também, que Nosso Senhor não ensinou abertamente a reencarnação porque a humanidade ainda não estava suficientemente evoluída para entendê-la, e esta é a mais absurda das pretensões espíritas. Porque acontece que a metempsicose – que outra coisa não é que não a reencarnação kardecista – é uma doutrina mais velha do que a fome, sendo já conhecida de muitos povos muito antes de Cristo. Como assim, a humanidade ainda não estava evoluída para conhecer uma coisa… que já conhecia há séculos?

E o que há de extraordinário nesta doutrina para que Cristo a tivesse guardado para Si – o mesmo Cristo que ensinou coisas (essas sim) incômodas e exigentes como “amai os vossos inimigos”? Por qual motivo a reencarnação seria sublime demais para a mentalidade (grosseira, concedamos) dos homens do primeiro século, se Cristo não Se furtou a ensinar-lhes o “quem não tem pecado que atire a primeira pedra”? Qual a razão para Nosso Senhor ter esperado 18 séculos para ensinar uma doutrina velha e cômoda, quando não esperou nada para proferir o Sermão da Montanha que, este sim, é novo e revolucionário? Colocando lado a lado os Evangelhos e os Livros Básicos da Doutrina Espírita, não resta nenhuma dúvida de que a novidade mais elevada encontra-se nos primeiros e não nestes últimos. Por que o ensinamento mais elevado foi logo transmitido para os homens mais rudes e, ao mesmo tempo, a doutrina mais grosseira precisou esperar a evolução da humanidade para se fazer conhecida?

Enfim, todo mundo é livre para acreditar naquilo que quiser. Mas todo mundo tem a obrigação moral de ter senso crítico e, em particular, de não atacar na doutrina alheia aquilo de que a sua própria doutrina está repleta. Todo mundo está obrigado a procurar a Verdade e, nesta busca, todo mundo tem o dever de ser honesto consigo mesmo e abandonar as próprias convicções tão logo elas se mostrem falsas. As afirmações gratuitas, não-intuitivas e até mesmo ilógicas precisam se multiplicar para manter o espiritismo de pé! Como eu dizia no início, ao menos os nossos dogmas têm fundamento: um Fundamento vivo, Cristo Ressuscitado que não morre mais.

Anna & Mia

[Este vídeo foi removido pelo usuário.]

Eu sempre fui bastante cético com relação às frases de efeito utilizadas por uma espécie de “cultura de auto-ajuda”, segundo a qual o maior problema do Universo é o fato das pessoas terem baixa estima, e se acharem, tipo, um “joão-ninguém”. E sempre fui assim cético porque a enorme maioria das pessoas com quem eu convivo tem uma consideração exagerada por si própria; os piores casos de baixa auto-estima com os quais me deparei tinham-se, sempre, em conta muito mais alta do que lhes era devido por justiça.

Não acho que eu seja exagerado. Uma das passagens de escritores espirituais que mais me marcou foi quando, há alguns anos, li pela primeira vez o Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem, e vi que São Luís de Montfort, citando São Bernardo, não tinha um pingo de autocomiseração, pois propunha uma meditação (n. 228) com as seguintes palavras de São Bernardo: “cogita quid fueris, semen putridum; quid sis, vas stercorum; quid futurus sis, esca verminum” (pensa no que foste, semente pútrida; no que és, vaso de esterco; no que serás, comida de vermes). Lembro-me muito bem de que, à primeira vez, foi um choque considerar-me como um vaso de esterco: eu me tinha em alta conta, mais alta do que me era devida, e não o sabia.

Não pretendo tecer considerações detalhadas sobre este curioso fenômeno (já o fiz há algum tempo aqui); gostaria apenas de me perguntar se existem pessoas com “baixa auto-estima”, e se isso pode vir a ser um problema para elas. E o faço sob uma ótica específica: a das garotas que têm anorexia. Nunca havia tido contato com nenhuma anoréxica antes; conheci no entanto, recentemente, uma garota assim, e me impressionei com a quantidade – e, mais ainda, com a “qualidade” – do “material” sobre o problema disponível na internet.

Existe um verdadeiro empenho para se “embelezar” e transformar num ideal o “estilo de vida” anoréxico; é perturbador! Veja-se, por exemplo, o vídeo acima, de “thinspiration” (um curioso e intradutível jogo de palavras com “thin”, “magro”, e “inspiration”, inspiração). My wish: to be pretty (meu desejo: ser bonita). My hope: to be loved (minha esperança: ser amada). My love: anorexia (meu amor: anorexia). Veja-se o desenho da menina vomitando (bulimia; voltamos já já para isso) borboletas: I hate myself (eu me odeio)… I want to be seen as someone breakable and soft (eu quero ser vista como alguém frágil – “quebrável” – e delicada). Nothing tastes as good as thin feels … nothing hurts the way being unloved does …. and WE ALL will reach our goal, if we believe (nada é tão saboroso quanto ser magra … nada machuca tanto quanto não ser amada… e NÓS TODAS vamos atingir nosso objetivo, se nós acreditarmos). WE WILL (NÓS VAMOS)! É incrível – é uma verdadeira lavagem cerebral! And someday you will be proud of today’s not-eating (e um dia você vai ser recompensada por não ter comido hoje)… because you WILL be beautiful (porque você VAI ser bonita). E surge uma Barbie anoréxica (a gente volta daqui a pouco para isso também). If you stop, you’ll never feel the freedom you search for (se você parar, você nunca vai sentir a liberdade que procura); then, you will never see the light you reach for (então você nunca verá a luz que busca). Dare to dream (ouse sonhar).

É, verdadeiramente, um ideal de vida, a ser buscado custe o que custar, e que vale todos os sofrimentos: a fome, os laxantes, o vômito, a solidão, a fraqueza, tudo. É a perfeição a ser atingida, cuja posse recompensa todo e qualquer sacrifício; é a verdadeira liberdade, reservada àquelas que ousam sonhar alto e se empenhar na busca dos seus sonhos. Qualquer semelhança com um ideal religioso às avessas não me parece mera coincidência.

Este tipo de panegírico à doença circula livremente pela internet – é horrível. Existe toda uma “cultura” associada à anorexia vista como um ideal de vida: desde as borboletas e o desejo de ser “leve para voar”, passando pelas “amigas” Anna e Mia (a “Anna” é a anorexia e a “Mia” é a bulimia) que são aquelas que dão apoio às garotas que estão tentando emagrecer (estão “em busca da perfeição”)… Este blog traz em certo momento uma espécie de lista dos jargões: “LF” = “low food” (pouca comida), “NF” = “no food” (sem comida), “miar” = “vomitar” (vem da amiga Mia…), “tive uma compulsão” = “comi muito”… E isto não é o pior, porque as cartas das amigas “Anna e Mia” são verdadeiramente pra provocar estupor. Este profile do orkut, que achei por acaso, traz versões de ambas (aliás, hoje a garota está de “NF” – quer dizer (como só soube depois) que está sem comer). Vejam só (todos os absurdos tipográficos são do original):

CARTA DA MIA

Oi! Meu nome é Bulimia, mas os íntimos me chamam de Mia. Sou sua companheira e vou estar com vc nas horas de mais aperto e desespero, estou com vc e quase sempre com a Anna. Somos o trio perfeito e espero que vc não nos decepcione,pq nós sim somos suas verdadeiras amigas ! Não te decepcionamos e vamos sempre te ajudar. Vc com certeza terá momentos de extrema tristeza,mas passa pq nossa amizade é mais forte. Vc tem aquelas amigas que não te entendem, e se vc contar pra elas, nossa amizade estará em risco, elas irão querer te “ajudar”, mas não é isso o que elas queerem.. elas querem é destruir nosso laço e eu tenho certeza que vc não quer isso, portanto fique de boca fechada, pq vc não tem permissão da Anna de comer, e tem permissão minha de botar tudo pra fora se for necessário ! A escolha é sua, mas nós estaremos SEMPRE com vc e nunca iremos te abandonar ! Vc é forte o bastante para dizer não a seus familiares e “amigos”, nós sabemos disso. Te amamos…  Beijinhos da Mia.

CARTA DA ANA

Meu nome é Anorexia,mas você pode me chamar de Anna. Nós podemos nos tornar grandes amigas. Diziam que vc era tão madura,inteligente,que vc tinha tanto potencial. E eu pergunto, aonde tudo isso foi parar ? Absolutamente em lugar algum !Vc perde tempo falando com seus amigos ! Logo,esses atos não serão mais permitidos. Seus amigos não são verdadeiros. Quando inseguramente vc perguntou a eles: -Estou gorda? E eles te disseram: -Não,claro que não ! Vc sabia que eles estavam mentindo ! Apenas digo a verdade ! E sem falar nos seus pais ! Irei te contar um segredo agora: Bem no fundo,eles estão desapontados com vc. Porque vc se transformou em uma gorda,lerda,e sem merecimento de nada ! Vc não pode contar a ninguém. Se vc decidir o contrário,todo o inferno vai voltar ! Ninguém pode descobrir ! Eu criei vc,magra,perfeita,minha criança lutadora ! Vc é minha,e só minha! Sem mim,vc é nada ! Então,não me contrarie. Quando outras pessoas comentarem,ignore-os ! Esqueça eles,porque todos querem me fazer ir embora. Serei seu melhor apoio,e pretendo continuar assim.

Sinceramente, eu fiquei escandalizado quando encontrei estas coisas ao acesso de todo mundo, com a roupagem bonitinha e as cretinas insinuações de que é preciso afastar-se dos familiares e dos amigos, para não perder o ideal de vida anoréxico. Por isso é que eu volto a dizer que há coisas que não deveriam ser divulgadas… mas este é um outro assunto. Sobre este aqui, que já está ficando longo por demais, só mais dois comentários e um exemplo.

O primeiro comentário é sobre a Barbie anoréxica que aparece no vídeo. Este blog toca, quatro anos atrás, no assunto, e reproduz um comentário de uma anoréxica que vale a pena ser de novo reproduzido aqui:

A comunidade [do orkut] está crescendo espantosamente, numa rápida pesquisa, encontrei um número enorme de blogs com depoimentos chocantes (especialmente para uma mãe, como eu!). Entre esses textos, encontrei um que me chamou muita atenção pela lucidez da menina.

“Vocês podem até ser contra sites destes tipos, mas saibam e vejam que antes de tentar nos mudar vocês vão ter que mudar o mundo. Algumas perguntas relevantes:

1) Por acaso vcs já viram alguma gorda sexy como garota propaganda em alguma grande revista como Marie Clare ou Boa Forma?

2) Por que os maniquins das lojas femininas são baseados em números de 36 a 42 em sua maioria ?

3) Já viu alguma protagonista de filme ou novela realmente gorda???

4) Se o normal é comer porque todo dia lançam no mercado mais e mais produtos e dietas para emagrecimento?

5) Porque nunca colocam um gorda na campanha do Mac Donalds?”

Infelizmente, ela está certíssima. Antes de tentar mudá-las, precisamos mudar o mundo.. Não é o caso de criticá-las, mas de tentar compreendê-las e ajudá-las a superar esse problema. Nesse passeio pelos blogs, minha vontade é de colocá-las no colo. Fico imaginando, quantas mães sabem o que está se passando com essas meninas?

E a “ditadura da beleza” tem, sim, a sua parcela considerável de culpa no drama que estas meninas vivem; cansei de ler coisas como “é melhor morrer magra do que viver gorda” nos profiles de orkut pelos quais andei passeando. Trago o exemplo: este blog é de uma menina de Recife de 16 anos (não sei quem é, e gostaria muitíssimo de saber). O que tem escrito ao lado? “Se você nunca chorou ao ver sua imagem no espelho… Se você nunca sentiu odio de todo o mundo… Se você nuca foi motivo de piada… Se você nunca sentiu vontade de se trancar em seu quarto e nunca mais sair e lá…então você não sabe o que se passa comigo, portanto não venha me julgar”. A menina quer chegar aos 35 kg. E eu, sinceramente, acho um completo absurdo que exista um mundo no qual as meninas sejam forçadas a “se enquadrarem” n’algum perfil obtuso de beleza, sob pena de “ser motivo de piada” ou de chorar “ao ver sua imagem no espelho”. Vontade de chorar tenho eu, ao me deparar com uma situação dessas…

E, aqui, termino com o segundo comentário, retomando o que falei acima, sobre a auto-estima das pessoas. Estas meninas provavelmente sentem-se muito mal; qual a diferença, portanto, delas para o ideal proposto pelos santos para meditação? A diferença é que o problema  – combatido pelos santos – está relacionado à estima do jeito que o mundo a entende. Não basta sentir-se um sapo e desejar ser um rouxinol; não é suficiente ter consciência de que é um patinho feio, mas cultivar secretamente o desejo de vir a ser cisne. Não adianta saber-se um vaso de esterco e desejar, custe o que custar, ser um vaso de bálsamo. Em uma palavra: evidentemente não é para cultivar o desprezo por alguma coisa terrena mantendo, ao mesmo tempo, uma enorme insatisfação e um desejo desordenado de se obter alguma outra coisa terrena. À estima do jeito que o mundo a entende (e que praticamente todo mundo tem – mesmo que seja só “em potência”, em desejo, como as anoréxicas), opõe-se uma espécie de “santa estima”, que é a consciência clara de ser amado por Deus, de que se é filho de Deus e se tem o Céu por herança – isto deve nos bastar. É porque somos filhos de Deus que podemos desprezar as consolações do mundo; não é um mero masoquismo, e sim uma correta ordenação das graças que nos são concedidas. Todo filho de Deus tem do que se orgulhar, tem um bem que não lhe podem arrancar, tem uma riqueza mais valiosa do que qualquer outra que poderia almejar. É na verdade esta a auto-estima – e não a que o mundo apresenta – que deve ser buscada. Porque, na verdade, nem todo mundo pode ser o cisne branco – ou “a borboleta” – apresentado(a) pelo mundo como ideal supremo: no entanto, na casa do Pai há sempre – e sempre haverá, independente das modas do mundo – muitas moradas.