Qual é a principal diferença entre um anel de ouro verdadeiro e um anel de ouro falsificado? Não é somente o preço, óbvio, até porque os dois podem custar a mesma coisa – se o vendedor estiver mal intencionado e não disser que a mercadoria negociada é uma imitação. Também não é “a beleza” do ouro, porque para a maioria das pessoas não é evidente a diferença do metal verdadeiro para o “metal falsificado”. A principal diferença entre o anel de ouro e o anel falsificado é que o anel de ouro dura, e o falsificado, estraga, e todo mundo sabe disso, e por isso dá valor ao ouro verdadeiro.
“Criastes-nos para Vós, Senhor, e o nosso coração vive inquieto, enquanto não repousa em Vós” – escreveu Santo Agostinho em suas “Confissões”. E “Deus criou o homem à sua imagem; criou-o à imagem de Deus” (Gn 1, 27). Tem, portanto, o homem uma certa sede de infinito, um fascínio pelo transcendente, um desejo de eternidade inscrito em sua própria natureza. É natural que o homem fuja de horror diante da morte, diante da possibilidade de deixar de existir; é-lhe um absurdo incompreensível. Como a fome física exige a existência da comida e a sede física, a existência da água, assim a fome e a sede de eternidade que o homem possui exigem a Vida que não passa. Não a encontrando no mundo visível, segue contudo buscando-a mesmo assim.
Na verdade, o homem carrega em si uma eterna insatisfação com a sua própria contingência; sabe que passa, mas não quer passar. Quer permanecer. Constrói monumentos portentosos, que possam dar testemunho dele ao porvir quando ele não for mais do que pó na terra. Busca o Elixir da Eterna Juventude, ou sob a versão “mística” prometida pelos alquimistas, ou sob a roupagem “racionalista” dos progressos científicos atuais. Cria fábulas e inveja secretamente o Peter Pan, por não ter uma Terra do Nunca onde consiga parar a inexorável marcha do envelhecimento que jamais se detém. E admira as coisas que permanecem ao longo do tempo, como os anéis de ouro.
O homem sente-se atraído pelas coisas que não passam – verdade universalmente atestada pelo comportamento humano ao longo de toda a História! Quereis, portanto, encantar uma alma? Mostrai-lhe o diamante indestrutível da Doutrina Católica, o esplendor imperecível da Verdade, o eterno brilho dourado da Fé! Oferecei-lhe um bem que não se acaba, que as traças e a ferrugem não consomem e os ladrões não roubam (cf. Mt 6, 20), e a vereis vender tudo o que possui para o adquirir (cf. Mt 13, 44).
Estranhos tempos estes em que vivemos, em que as pessoas julgam poder convencer as almas oferecendo-lhes utensílios descartáveis ao invés de diamantes eternos. Sob a desculpa de que são “úteis” e “modernas”, as idéias mais estapafúrdias são espalhadas por aí afora no lugar da “antiquada” Sã Doutrina de sempre. Para que serve esse negócio de Igreja? Digamos que as religiões são como “rios que desaguam todas num mesmo mar” – é bonito, é poético, é agradável para todos. Para que serve esse negócio de Sacrifício de Cristo? Digamos que basta às pessoas serem boas, porque, afinal de contas, Deus é Pai – não é mais lógico? Para quê tantas imposições morais? Digamos, enfim, que o homem é livre, e que o importante é o amor, pois foi Santo Agostinho quem disse “ama e faz o que queres”. E os exemplos podem multiplicar-se ao infinito. Sempre modernos, sempre descartáveis. Completamente incapazes de prender a atenção de uma alma que foi criada para os altares.
O que explica o “culto ao efêmero”, esta revolta metafísica que faz com que o homem procure, de toda maneira, sufocar as suas aspirações naturais e colocar, no seu lugar, um artificial desejo por aquilo que lhes é oposto? Acredito que foi a decepção. Após infinitas tentativas frustradas – após o tempo ter destruído até as Maravilhas do Mundo, após a alquimia ter fracassado vergonhosamente na busca da pedra filosofal, após as incuráveis doenças modernas, após as crianças terem crescido e deixado de acreditar em Peter Pan – o homem deve ter desistido de procurar aquilo pelo qual o seu coração anseia. Esqueceu-se ele de que o ouro não enferruja. Nunca subestimemos a capacidade humana de errar; quando pensávamos que os erros iriam conduzir, por via adversa, ao único acerto possível, o homem nos surpreende com mais essa: após enveredar por tantos caminhos errados que praticamente só restava o caminho correto a ser explorado, no liminar de segui-lo, pára o homem e afirma categoricamente não haver caminhos. Triste.
Pensava em tudo isso quando li uma reportagem da FOLHA segundo a qual alguns “católicos” pediram ao Santo Padre que libere os contraceptivos. A despeito de se dizerem católicos, é claro que eles não o são: os católicos se preocupam com o Eterno, não com o jornal do dia que amanhã vai estar embrulhando peixe. Os católicos julgam o mundo de acordo com as palavras do Sucessor de Pedro – estes, querem julgar o Papa de acordo com o que diz a OMS.
Hoje, a Humanae Vitae completa 40 anos. Os modernos certamente dirão que ela está velha e precisa ser substituída; os católicos, todavia, sabem que as palavras do Papa não são descartáveis. Os inimigos de Deus – afinal, os que odeiam as coisas imutáveis certamente odeiam Deus, o Ser Imutável por antonomásia – querem que o Papa “mude” a Doutrina da Igreja; as ovelhas do aprisco do Senhor sabem que a segurança só se consegue quando se constrói sobre a rocha, inabalável, inalterável. A loucura moderna pretende transformar a ferrugem em valor; não nos deixemos enganar. “Só tem valor o que muda e evolui”, diz o homem moderno; todo se pasa, Dios no Se muda, diz a santa do século XVI. Permaneçamos firmes, enquanto o mundo passa. Afinal, as coisas que permanecem são preferíveis às que se destroem; não nos esqueçamos de que o ouro não enferruja. E nem de que “[o] céu e a terra passarão, mas as minhas palavras não passarão” (Mt 24, 35).