A terceira via (*) entre socialismo e capitalismo

[(*) P.S.: Percebi depois que a expressão, mal escolhida, poderia conduzir a dois equívocos (nenhum dos quais escrevi, a propósito, mas cuja possibilidade de serem inferidos a partir da leitura realmente existia, como os comentaristas me fizeram notar), para evitar os quais acho oportuno escrever esta pequena nota prévia:

i) a “terceira via” não está aqui dita como se fosse um “meio-termo” entre o liberalismo e o socialismo, [alegadamente] conjugando o que há de melhor em cada uma das ideologias (v.g. a social-democracia);

ii) a “terceira via” não é a Doutrina Social da Igreja, como se esta fosse um sistema econômico pertencente à mesma categoria do capitalismo ou do comunismo; na verdade, uma vez que a DSI é mais propriamente um conjunto de princípios aos quais se devem adequar quaisquer sistemas político-econômicos concretos que se pretendam compatíveis com o catolicismo, melhor seria falar em “terceiras vias”, no plural, significando com isso quaisquer formas de organização da vida pública que, fugindo aos erros quer do liberalismo individualista, quer do socialismo coletivista, fosse informada pelos ditames da Doutrina Social católica (e, nesse sentido, o próprio distributismo citado nos comentários, se é conforme à DSI, com ela contudo não se identifica, sendo sempre possível conceber um outro pensamento que não seja idêntico ao distributismo mas igualmente respeite o que por aquela Doutrina é apregoado).

Em suma, o que este texto intentava era, simplesmente, apontar para a necessidade – tão amiúde negligenciada – de não se cair em uma defesa irrestrita do capitalismo ao se combater o comunismo (ou vice-versa); e o pretendia fazer sem apontar a social-democracia (de maneira alguma!) como uma solução concreta e sem nem mesmo insinuar que a Igreja tivesse um regime econômico pronto, monolítico e universalmente válido a implantar. Aos que se confundiram com essas coisas, minhas sentidas desculpas.]

Faz muitos anos que li “O problema da liberdade” de Fulton Sheen, mas uma de suas frases ficou-me impressa na memória: segundo o prelado, o liberalismo (capitalismo) queria concentrar a maior parte dos ovos em poucas cestas, o comunismo queria quebrar todos os ovos e espalhar o produto pelas cestas todas e, a Igreja, defendia a distribuição mais justa dos ovos inteiros pelas cestas existentes. Acredito que tenha sido a primeira vez que li um ensaio que defendesse uma terceira via como resposta ao clássico embate entre capitalismo e socialismo. É de se lamentar, no entanto, que a senda aberta pelo arcebispo americano não tenha sido melhor explorada pelos católicos que o sucederam.

No afã – justíssimo – de combater o comunismo, muitas vezes acabamos empurrados para o erro oposto. Não é verdade que o católico precise defender intransigentemente o capitalismo ou mesmo possa ser liberal sem reservas: se é indiscutível que se deve no geral apoiar a economia de livre mercado, não é menos verdade que certa intervenção estatal é exigida para o correto funcionamento das forças econômicas em prol do bem comum. Neste sentido, recomenda-se a leitura dos parágrafos 347-350 do Compêndio de Doutrina Social da Igreja; o qual, alguns parágrafos adiante, termina por sintetizar que «[o] livre mercado pode produzir efeitos benéficos para a coletividade somente em presença de uma organização do Estado que defina e oriente a direção do desenvolvimento econômico» (Compêndio, 353). Isso talvez seja um terror para o libertarianismo puro; no entanto, como se disse acima, o católico não pode ser liberal simpliciter.

O espírito do capitalismo, aliás, segundo Weber, é próprio da ética protestante, para usar o título de sua provavelmente mais famosa obra. Uma das situações narradas pelo sociólogo alemão para explicar a diferença entre conservadores e liberais é bem curiosa. Sob a ótica econômica, incentiva-se a venda de uma mercadoria aumentando-se o valor que por ela se está disposto a pagar: são as leis básicas da oferta e da demanda. Se o trabalho é visto como uma mercadoria, então seria de se esperar que aumentar os salários incentivasse os trabalhadores a trabalharem mais. No entanto, Weber notou que exatamente o oposto disso verificava-se com certos indivíduos: recebendo mais, eles passavam a trabalhar menos, porque passavam a conseguir o mesmo salário de antes com um dispêndio menor de horas de trabalho.

Semelhante mentalidade não é favorável à atividade econômica racional que caracteriza o capitalismo, ou pelo menos não lhe é tão favorável quanto a outra mentalidade daquele que, diante de melhores salários, enxergue nisso mais uma oportunidade de aumentar o pão que de diminuir o suor do rosto. No entanto, é fato sociológico que os nossos – de nós, os católicos – antepassados europeus no geral preferiram trabalhar menos a acumular mais, e isso talvez seja digno de mais atenção do que até agora se lhe tem dispensado. Talvez devêssemos buscar melhores soluções para o problema dos ovos e das cestas, cuja importância não parece ter diminuído nas últimas décadas.

O problema maior que vejo na exaltação ingênua do capitalismo é o seguinte: dada ela, alguém não poderia pretender que o socialismo seja capaz de passar por um processo semelhante ao que atravessou o liberalismo: qual seja, o metamorfosear-se tanto que as razões da censura eclesiástica original deixem de subsistir (ou, pelo menos, transformem-se em elementos acidentais sem cuja presença seja possível a concepção filosófica continuar existindo)? Esta pergunta não pode ser respondida ao modo leviano ao qual as condescendências que atualmente fazemos ao liberalismo podem levar o observador incauto. Em uma palavra: não podemos abraçar tão acriticamente o capitalismo liberal que isso conduza a uma legitimação – ainda que meramente retórica – da adesão ao socialismo “mitigado”. Não é somente verdade que, numa escala de erros, o marxismo está mais alto que o liberalismo; não é uma questão meramente quantitativa. Nessa argumentação [precisa] entra[r] também o fato de que as idéias liberais não podem ser assumidas sem ressalvas. E, nisto, parece-me que temos sido um pouco relapsos.

Na Octogesima adveniens, o Papa nos ensina que, mesmo diante da multiplicidade de formas nas quais o marxismo atualmente se apresenta, «seria ilusório e perigoso mesmo, chegar-se ao ponto de esquecer a ligação íntima que [a]s une radicalmente, e de aceitar os elementos de análise marxista sem reconhecer as suas relações com a ideologia» (OA, 34). No entanto, no parágrafo seguinte é feita uma recomendação análoga no que toca ao liberalismo, à qual infelizmente se tem concedido muito menos importância que à primeira:

Mas, os cristãos que se comprometem nesta linha [da renovação da ideologia liberal] não terão também eles tendência para idealizar o liberalismo, o qual se torna então uma proclamação em favor da liberdade? Eles quereriam um modelo novo, mais adaptado às condições atuais, esquecendo facilmente de que, nas suas próprias raízes, o liberalismo filosófico é uma afirmação errônea da autonomia do indivíduo, na sua atividade, nas suas motivações e no exercício da sua liberdade. Isto equivale a dizer que a ideologia liberal exige igualmente da parte deles um discernimento atento (id. ibid., 35).

Cuidemos, portanto, para não subestimar o Magistério da Igreja, e para que a nossa involuntária aquiescência seletiva não induza outras pessoas a preterirem o ensino católico seguro em favor das doutrinas da moda. A resposta ao problema da liberdade não está em nenhuma das ideologias que assolaram o mundo das revoluções burguesas para cá. No nosso labor apologético, é preciso dar mais ênfase à terceira via entre socialismo e capitalismo que a uma – extemporânea e muitas vezes errônea – defesa demasiado crédula do liberalismo contemporâneo.

A Igreja não pode ser pautada pelos que a Ela se opõem

Pediram-me um comentário a respeito da notícia de que o Papa Francisco estaria “sinalizando” a nomeação de mulheres para cargos importantes na cúria. Vejam, o que realmente importa nesta pergunta – assim interpreto eu os sentimentos dos que se sentem angustiados com este tipo de notícias – não é o que ela denota objetivamente. A rigor e analisada em si mesma, essa notícia (1) não possui substância alguma e, (2) ainda que possuísse, seria algo de extremamente banal e corriqueiro.

Por que digo que a notícia não possui substância? Porque ela faz todo um escarcéu em cima de uma frase solta numa entrevista à qual provavelmente nem o próprio Papa Francisco deu a importância que os microscópios da mídia artificialmente lhe conferem. Existe uma mulher concreta cujo nome está sendo cogitado pelo Papa? Não. Existe um cargo concreto que o Papa pretende conceder a uma mulher? Não. Existe um prazo definido dentro do qual passará a haver mulheres – ou pelo menos uma mulher – nomeadas para os dicastérios romanos? Não. Existe ao menos a certeza de que o Papa vai realmente fazer isso? Também não. Não há absolutamente nada, portanto, exceto o Papa dizendo em uma conversa privada com outro padre que “deve” nomear uma mulher «porque [elas] são mais inteligentes que os homens». Isso, sim, é literal: por que não apareceu ninguém, então, para criticar a novidade doutrinária de que as mulheres possuem uma inteligência metafisicamente superior à dos homens?

“Porque isso é besteira”, alguém haverá de dizer, “mas o empoderamento das mulheres em uma instituição tradicionalmente conduzida por homens tem um importante valor simbólico para a luta dos movimentos feministas”. E este é o ponto relevante aqui.

Os que se preocupam com essa notícia (e outras análogas) estão, na verdade, preocupados não com ela, mas sim com o “valor simbólico” do (possível) gesto noticiado. Mais ainda: estão, na verdade, preocupados com a instrumentalização, por parte de grupos revolucionários tradicionalmente avessos à Igreja, do (possível) gesto, conferindo-lhe um valor simbólico que ele absolutamente não possui e utilizando-o para justificar um sem-número de barbaridades (no caso em pauta, ordenação feminina e abolição das diferenças entre os sexos, p.ex.) que ele absolutamente não justifica. O problema, portanto, não está com o Papa, o problema não está nas mulheres trabalhando ou deixando de trabalhar nos órgãos da Santa Sé: o problema está naquelas pessoas que não estão nem um pouco preocupadas com a Doutrina Católica, mas são ávidas em pinçar palavras, atitudes e gestos do Romano Pontífice para dar (aparência de) força à sua concepção de mundo particular. O problema, em suma, não é o Papa nomear mulheres para cargos importantes na cúria. O problema é as pessoas usarem indevidamente uma coisa banal e corriqueira dessas em benefício de sua própria agenda ideológica.

E por que digo que é uma coisa banal e corriqueira? Por diversas razões. Primeiro, porque o trabalho administrativo nos órgãos da cúria não tem nada a ver, nem remotamente, com nada da doutrina (ou mesmo da disciplina) da Igreja Católica. Segundo, porque as mulheres ocupam desde sempre um lugar de especialíssima proeminência dentro do universo doutrinário católico – basta pensar na Santíssima Virgem Maria, referência de todo fiel, do menor dos leigos aos Papas. Terceiro, porque historicamente já foram concedidas a mulheres posições de poder totalmente inimagináveis mesmo pelo mundo laico contemporâneo. Quarto, porque já existem mulheres trabalhando nos dicastérios romanos, é óbvio, sempre devem ter existido: se elas não ocupam os cargos mais altos – de prefeitos, secretários etc. – é por razões de ordem sacramental e não sexista: a reserva é aos sacerdotes em preferência aos leigos, e não aos homens em preferência às mulheres. Quinto, porque isso é uma mera convenção em si indiferente que poderia ser de um sem-número de outras maneiras.

O problema, em suma, é a tentativa de enquadrar a Igreja – ou, melhor dizendo, aspectos desconexos da Igreja – em uma clave que A deforma e termina por A retratar de uma maneira totalmente infiel à realidade. Há uma quantidade potencialmente infinita desse expediente pouco criterioso: se um Papa não permite a ordenação de mulheres então é um misógino, se cogita dar algumas responsabilidades a uma mulher então é porque é um feminista revolucionário, se é contra a camisinha favorece a AIDS, se diz que o uso de preservativos por parte de um prostituto é o menor dos problemas morais nesta situação envolvidos então é um libertino querendo entronizar a revolução sexual na Igreja, se celebra versus populum é um modernista, se celebra versus Deum é um tridentino retrógrado, se condena o comunismo é um porco capitalista, se protesta contra as injustiças sociais é porque é um agente da KGB infiltrado.

Isso acontece, isso é feito o tempo inteiro pelos inimigos da Igreja e pior: isso tem dado certo. Há hoje muitas e muitas pessoas que odeiam a Igreja por Ela ser misógina, por ser esquerdista, por ser antiquada em excesso, por ser modernosa demais, por ser muito rígida, por ser muito lassa, por oprimir os ricos, por desprezar os pobres, por tudo: e só uma minoria ínfima odeia a Igreja por Ela ser o que Ela de fato é. Fulton Sheen dixit. E ele estava certíssimo. As pessoas via de regra não são contra a Igreja Católica. São contra a imagem desfigurada que elas têm da Igreja Católica.

O texto já vai longo, e arremato: a solução desse problema não passa por se abster de fazer as coisas em atenção às leituras distorcidas que pessoas ignorantes ou mal-intencionadas farão dessas coisas feitas. Isso é um erro monumental e absolutamente injustificável. Ninguém pode deixar de venerar a Santíssima Virgem para não ser acusado de idolatria, ninguém pode deixar de celebrar a Santa Missa com decoro e diligência para evitar ser olhado como a um fariseu. E, pela mesmíssima razão, para não ser confundido com um TL não é legítimo a ninguém esquecer que negar ao trabalhador o salário justo é um pecado que clama aos Céus vingança. Pela mesmíssima razão, ninguém pode determinar o que vai fazer ou deixar de fazer em função das reações do movimento feminista a esta ação ou omissão.

Se a Igreja tem que preservar a Sua independência, Ela a precisa preservar também (e talvez até principalmente) contra esses reducionismos maniqueístas tão em moda hoje em dia. A Igreja não pode ser pautada pelos que a Ela se opõem, isso é bastante evidente. Mas não é tão evidente assim que há formas mais sutis de pautar o comportamento de outrem, e também contra estas é preciso se precaver. A Igreja não pode ser coagida pelos “católicos” de esquerda a sancionar as teses já condenadas da teologia da libertação, é óbvio. Mas Ela também não pode negar que a pobreza evangélica seja um valor – ou que existam deveres de caridade para com os pobres que são mandatórios para todo cristão, por exemplo. É preciso combater o lobby modernista que é feito diuturnamente contra Igreja. Mas é igualmente preciso perceber que evitar fazer coisas em si legítimas para não ser visto como modernista é também uma forma de se ser influenciado. E a liberdade de anunciar o Evangelho não pode conhecer esses limites. Os inimigos da Igreja não podem ditar o que Ela pode fazer, é claro. Mas também não podem determinar – nem mesmo indiretamente – o que Ela não deve fazer.

“Toda a criação ficou imersa nas trevas da dor” – Fulton Sheen

Eis a quarta palavra da Consagração da Missa do Calvário. As três primeiras palavras foram dirigidas aos homens. A quarta, porém, foi dirigida a Deus. Estamos agora na última fase do drama da Paixão. Na quarta Palavra, e em todo o Universo, só existem apenas Deus e Jesus. Esta é a hora das trevas.

Subitamente, o silêncio dessa escuridão é quebrado por um grito – tão terrível e tão inesquecível que até aqueles que não compreenderam a língua em que foi expresso hão de recordar-se sempre do tom estranho em que foi proferido: “Eli, Eli, lamma Sabcthany”.

Sim, embora alguns não pudessem compreender essas palavras da língua hebraica, o tom em que foram ditas não mais lhes esqueceu em toda a sua vida.

As trevas que cobriam a terra naquele momento representam apenas o símbolo exterior da noite escura da alma. O sol pode esconder a sua face perante o terrível crime dos deicidas, mas a verdadeira razão da noite que se estendeu sobre a terra foi a sombra da Cruz que se erguia no Calvário.

Toda a criação ficou imersa nas trevas da dor.

Qual foi, todavia, a razão do grito que partiu da escuridão?
“Meu Deus, Meu Deus, por que Me abandonastes?”

Esse foi o grito de espanto para o pecado, em que o homem abandonou Deus, em que a criatura esquece o Criador, em que a flor despreza o sol que lhe deu força e beleza. O pecado é uma separação, um divórcio da união com Deus, e do qual derivam todos os divórcios. Desde que Jesus veio a terra para remir os homens dos seus pecados, é certo que Ele sabia que havia de sentir esse abandono, esse apartamento, esse divórcio.

Ele sentiu-o, antes de mais, no íntimo da Sua alma, tal como a base da montanha, se fosse consciente, sentiria o abandono do sol quando uma nuvem descesse sobre ela, embora os seus cumes se conservassem radiosos, banhados de luz.

Não havia sombra de pecado na alma de Jesus, embora Ele quisesse sentir os efeitos do pecado, e a terrível sensação de isolamento e solidão – a solidão do afastamento de Deus.

Renunciando à divina consolação que poderia pertencer-Lhe, Ele quis mergulhar na tremenda solidão da alma que se extraviou de Deus pelo pecado, para expiar a solidão do ateu que nega a existência de Deus e deposita a sua fé nas coisas terrenas, a dor do coração despedaçado de todos os pecadores que sentem a amargura da ausência do seu Criador.

Jesus foi até ao ponto de remir todos aqueles que não crêem e que, na tristeza e na miséria, exclamam, blasfemando: “Por que é que a morte levou tal pessoa?”, “Por que é que perdi aos meus bens?”; “Por que é que hei de sofrer”.

O “Por que” que Jesus dirigiu a Seu Pai é uma expiação que abrange os “porquês” soltados por aqueles que blasfemam.

Para melhor revelar a sensação de tal abandono, Jesus exteriorizou-o. Porque o homem se apartara de Deus, Ele permitiu que o Seu sangue se separasse do Seu Corpo. O pecado entrara no sangue do homem e, como se os pecados do mundo recaíssem sobre Ele, Jesus deixou derramar o Seu precioso sangue, do cálice do Seu Corpo. Quase que podemos ouvi-Lo dizer:

“Pai, este é o Meu Corpo, este é o Meu Sangue. Eles estão separados um do outro, tal como a humanidade se separou de Ti. Esta é a Consagração da Minha Cruz”.

O que aconteceu então no Calvário acontece agora na Missa. Com uma diferença: Na Cruz, o Salvador estava só e, na Missa, está conosco. Nosso Senhor, agora, está no céu, à mão direita de Seu Pai, intercedendo por nós. Já não pode, portanto, sofrer na Sua natureza humana.

Como pode, pois, a Missa ser a renovação do drama da Cruz? Como é que Cristo pode renovar o drama da Cruz?

Ele não pode, realmente, voltar a padecer na Sua natureza, porque está no céu, gozando a divina bem-aventurança, mas pode ainda sofrer nas nossas naturezas humanas.

Ele não pode, de fato, reviver o Calvário no Seu Corpo físico, mas pode renovar os Seus sofrimentos no Seu Corpo Místico que é a Igreja.

O sacrifício da Cruz pode ser renovado, contanto que nós Lhe façamos a oferta do nosso corpo e do nosso sangue, em toda a plenitude. Jesus pode também oferecer-Se novamente a Seu Pai Celestial, pela redenção do Seu Corpo Místico – a Igreja.

Cristo anda no mundo juntando as almas que desejam ser outras tantos Cristos. Para que nos nossos sacrifícios, as nossas tristezas, os nossos calvários, as nossas crucificações, não fiquem isoladas, desunidas, a Igreja reúne-os, junta-os, e o agrupamento, a massa de todos esses sacrifícios humanos reúne-se ao grande sacrifício de Cristo na Cruz, durante a Missa.

Quando assistimos ao Santo Sacrifício da Missa, não somos precisamente apenas criaturas terrenas, nem indivíduos solitários, mas sim parcelas vivas de uma grande ordem espiritual, na qual o Infinito penetra e envolve o finito, e o Eterno penetra no ser temporário e passageiro, e o Espiritual reveste a materialidade.

Arcebispo Fulton Sheen, “O Calvário e a Missa”.
Extraído de “A Grande Guerra”.

Vídeos Legendados – Fulton Sheen

Divulgando: o Gilberto Edson fez a gentileza de legendar e pôr no youtube um vídeo de interesse para nós, católicos. Trata-se de um sermão proferido pelo Servo de Deus Fulton Sheen, arcebispo americano, sobre generosidade. As três partes podem se vistas abaixo; nossos agradecimentos ao Gilberto Edson pelo trabalho realizado.

Fulton Sheen – Nossa Senhora da Maternidade

NOSSA SENHORA DA MATERNIDADE

Há neste público alguma mãe cujo filho se tenha distinguido nos campos de batalha ou na sua profissão? Se há, nós lhe pedimos faça saber aos outros que o respeito havido para com ela não diminui, de mogo algum, a honra ou a dignidade devidas ao seu filho.

Por que há de então haver quem pense que todo o ato de reverência praticado para com a Mãe de Jesus diminui o poder dele e a sua divindade? Eu conheço a falsidade… do ignorante que afirma que os católicos adoram Maria ou fazem dela uma deusa; mas tal afirmação é uma mentira e, uma vez que neste público ninguém quererá tornar-se culpado de tamanha estupidez, não farei mais do que ignorar semelhante acusação.

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Fulton Sheen – Nossa Senhora da Esperança

Publico a seguir, e aos poucos, um livro escrito pelo Servo de Deus Fulton J. Sheen, bispo americano muito famoso, cujo programa de televisão — aliás ganhou o monsenhor inclusive um Emmy, vejam só! — “Life is worth living” e “The Fulton Sheen Program” são reprisado ainda hoje pela EWTN. Não estou certo da data de publicação do original. Há julgar pelo conteúdo do primeiro capítulo, suspeito fortemente que seja ao ano de 1950. Todavia, a publicação brasileira, da qual copio, tem a sua 3ª edição datada de 1953. O modo como o monsenhor entrelaçava os fatos correntes da vida (e também os mais extraordinários!) e as devoções cristãs — muitíssimo especialmente a devoção à Maria Santíssima — é o que eu mais gosto neste livro. Espero que aproveitem. Hoje, publico o primeiro capítulo, o restante se administrará capítulo por capítulo, numa frequencia, espero, constante e rápida. O prefácio publico-o sei lá quando! Nos próximos posts do mesmo livro, tratarei de usar uma tag “mais” a fim de que aqueles que não o queiram ler, tenham mais conforto navegando pelo blog.

NOSSA SENHORA DA ESPERANÇA

O nosso mundo moderno é caracterizado por sinais profundos.

Nós estamos impregnados de ânsias e de medo.

Em tempos passados temia-se Deus: mas era um temor bem diferente do que hoje nos agita; a preocupação de outrora era não O ofenderem, porque O amavam. Depois, as guerras mundiais infundiram no homem o terror dos seus semelhantes.

Hoje sentimo-nos aviltados e receosos diante do elemento mais pequeno do universo: o átomo!

O mal do indivíduo tornou-se o mal de toda a humanidade, a partir do dia em que foi lançada a primeira bomba atômica. A morte passou a ser, desde então, o pesadelo da sociedade e da civilização, e a religião tornou-se, até mesmo em virtude de razões políticas, o fulcro da vida humana.

Na antiguidade, os babilônios, os gregos e os romanos bateram-se em nome das próprias divindades. Mais tarde o Islamismo oprimiu o mundo cristão, reduzindo os 750 bispos de África do sétimo século aos 5 do século décimo primeiro. Mas o Islamismo não combateu Deus, lutou contra aqueles que acreditavam no Deus revelado em Jesus. A diferença das teorias consistia apenas na escolha dos meios para chegar até Deus, considerado por todos como o fim da vida.

Hoje tudo mudou.

Já não há guerras de religião. Há a luta desenfreada contra toda a força, contra toda a ideia religiosa.

O comunismo não nega Deus com a mesma apatia dum estudante de liceu; ele quer destruir Deus; não se limita a negar a sua existência, mas perverte o seu conceito. Quer substituir Deus pelo homem ditador e senhor do mundo.

Hoje somos forçados a escolher entre Deus e os seus inimigos, entre Democracia e Fé em Deus, e ateísmo e ditadura.

A preservação da civilização e da cultura está hoje intimamente ligada à defesa da religião. Se os inimigos de Deus devessem prevalecer, seria necessário refazer tudo.

Mas há uma terceira característica do mundo moderno: a tendência para se perder na natureza.

O homem, para ser feliz, deve manter dois íntimos contatos: um vertical, com Deus; o outro horizontal com o seu próximo.

Hoje o homem interrompeu as relações com Deus através da indiferença e da apatia religiosa, e destruiu as relações sociais, com a guerra.

E como não se pode viver sem felicidade, procurou compensar os contatos perdidos com uma terceira dimensão de profundidade com que espera anular-se na natureza.

Aquele que dantes se ufanava de ser feito à imagem e semelhança de Deus, começou a vangloriar-se de ser o criador de si próprio e de ter feito finalmente Deus à sua imagem e semelhança.

Deste falso humanismo começou a descida do humano para o animal.

O homem admitiu descender do animal, apressando-se a prová-lo imediatamente com uma bestialíssima guerra.

Mais recentemente ainda, o homem fez de si um todo único com a natureza, afirmando não ser mais que uma complexa composição química.

Recentemente denominou-se “O homem atômico”. E assim a Teologia converteu-se em Psicologia, a Psicologia em Biologia, e esta em Física.

Podemos agora compreender o que disse Cournot, ao afirmar que no século XX Deus deixaria os homens em poder das leis mecânicas de que Ele mesmo é autor.

Deixai que eu me explique.

A bomba atômica atua sobre a humanidade como o álcool em excesso sobre um ser humano. Se um homem abusa do álcool e bebe demais, este revolta-se e fala nestes termos ao alcoolizado: “Deus criou-me, e pretendia que fosse utilizado racionalmente para curar e dar alegria, mas tu abusaste de mim. E por isso me revoltarei contra ti. A partir de agora sofrerás dores de cabeça, tonturas, mal de estômago; perderás o uso da razão e passarás a ser meu escravo, embora eu não tenha sido feito para isso”.

O mesmo se dá com o átomo; ele diz ao homem: “Deus criou-me e pôs no universo a energia atômica. É assim que o sol ilumina o mundo. A grande força que o Omnipotente concentrou no meu coração foi criada para servir para fins pacíficos, para iluminar vossas cidades, para impulsionar os vossos motores, para tornar mais leve o fardo dos homens. E afinal vós roubastes o fogo do céu, como o Prometeu da fábula, e o utilizaste pela primeira vez para destruirdes cidades inteiras. A eletricidade não foi utilizada originariamente para matar um homem, mas a energia atômica serviu-vos para aniquilar milhares deles.

Por esta razão, revoltar-me-ei contra vós, farei que temais aquilo que devíeis amar, e milhões de corações entre vós hão de tremer aterrorizados diante dos inimigos que vos farão o que vós lhe fizestes: transformarei a humanidade num Frankenstein que se defenderá nos abrigos anti-aéreos contra os monstros que vós criastes”.

Não foi Deus que abandonou o mundo, mas o mundo que abandonou Deus, unindo a sua sorte à de uma natureza divorciada de Deus.

O significado da bomba atômica é este: o homem tornou-se escravo da natureza e da física que Deus criara para o servirem.

Isto sugere uma pergunta: “Haverá ainda uma esperança?”

Sem dúvida, há uma esperança e grande!

A última esperança é Deus, mas nós estamos tão longe dele, que não conseguimos transpor dum salto o abismo que nos separa.

Temos de começar pelo mundo tal qual está, e o nosso mundo está completamente absorvido pela natureza, cujo símbolo é a bomba atômica. O sentido da Divindade parece assim distante.

Mas não haverá em toda a natureza algo de puro e de intato com que nós possamos trilhar o caminho da reabilitação?

Há, sim: é aquela que Wodsworth definia como “a única glória da natureza corrupta”.

Essa esperança é a Mulher.

Não é uma deusa, não é de natureza divina, não tem direito a ser adorada, mas somente venerada e saiu da matéria física e cósmica tão santa e tão boa, que, quando Deus desceu à terra, foi a ela que escolheu para sua Mãe e Senhora do mundo.

É particularmente curioso notar como a Teologia dos Russos, antes de o coração desse povo ser gelado pelas teorias dos inimigos de Deus, ensinava que Jesus foi enviado para iluminar o mundo, quando os homens repeliram o Pai Celeste. Depois prosseguia dizendo que quando o mundo tiver repelido Nosso Senhor, como agora faz, sairá da escura noite do pecado a sua Mãe a iluminar a escuridão e a guiar o mundo no caminho da paz.

A bela revelação da Bem-aventurada Nossa Senhora em Fátima, em Portugal, entre os meses de abril a outubro de 1917, foi uma demonstração da tese russa: quando o mundo tiver esquecido o Salvador, Ele mandar-nos-á a sua própria Mãe para nos salvar.

De fato, a maior revelação verificou-se no mesmo mês em que deflagrou a Revolução Bolchevista.

O que nessa ocasião se disse, deixamo-lo para outra transmissão.

Agora quero falar da Dança do Sol, ocorrida em 13 de outubro de 1917.

Os que amam a Mãe de Deus, Senhor Nosso não necessitam de ulteriores demonstrações.

Uma vez que aqueles que desgraçadamente não conhecem nem a um nem à outra hão de preferir o testemunho dos que repelem tanto Deus como a Mãe do mesmo Deus, ofereço-lhes a descrição do fenômeno feita pelo então ateu articulista do jornal português “O Século”.

Ele foi um dos 60.000 espectadores que presenciaram o acontecimento. E descreve-o como “um espetáculo único e incrível… Vê-se a imensa multidão voltada para o sol que se apresenta liberto de nuvens em pleno meio-dia. O grande astro-rei lembra um disco de prata e podemos fitá-lo diretamente sem o menor incômodo ou perturbação… As pessoas, de cabeça descoberta e cheias de terror, abrem os olhos na intenção de perscrutarem o azul do céu. O sol tremeu e executou alguns movimentos bruscos sem precedentes e à margem de toda e qualquer lei cósmica. Segundo a expressão típica das pessoas do povo, ‘o sol dançava’. Girava em torno de si mesmo como uma peça de fogo de artifício e esteve quase a ponto de queimar a terra com os seus raios… Pertence às pessoas competentes pronunciarem-se sobre a dança macabra do sol que atualmente tem feito brotar, em Fátima, hosanas do peito dos fiéis, e tem até impressionado os livres-pensadores e todos aqueles que não sentem o mínimo interesse pelos problemas religiosos”.

Um outro jornal, “A Ordem”, escreveu: “O sol, tão depressa está circundado de chamas purpúreas, como aureolado de amarelo e de vários tons de vermelho. Parecia girar sobre si mesmo com um rápido movimento de rotação, afastando-se aparentemente do céu, e aproximando-se da terra, sobre a qual irradiava forte calor”.

Por que se serviu Deus Onipotente da única fonte de luz e de calor indispensável à natureza para nos revelar a mensagem de Nossa Senhora em 1917, quase no fim da primeira guerra mundial, se os homens se não arrependeram? Apenas podemos fazer conjecturas. Quereria indicar que a bomba atômica havia de obscurecer o mundo como um sol cadente?

Não creio.

Penso antes que foi um sinal de esperança, a significar que Nossa Senhora nos ajudará a evitar a perversão da natureza, operada pelo homem.

A Sagrada Escritura predisse: “Aparecerá, pois, no céu um grande prodígio, uma mulher que tinha por manto o sol” (Apoc. 12,1).

Durante séculos e séculos a Igreja tem cantado Maria, escolhida como um sol, bela como o sol que faz o giro do mundo, espargindo a sua luz por toda a parte, até onde os homens não a quisessem, aquecendo o que está frio, abrindo os botões em flor, e dando força a quem é fraco.

Fátima não é uma admoestação, é uma esperança!

Ao mesmo tempo em que o homem toma o átomo e o desintegra para aniquilar o mundo, Maria agita o sol como um brinquedo dependurado no seu pulso, para convencer o mundo de que Deus conferiu um enorme poder à natureza, não para a morte, mas para a luz, para a vida, para a esperança.

O problema do mundo moderno não é a existência da graça, mas a existência da natureza e a sua necessidade da graça.

Maria é o anel de conjunção e assegura-nos que não seremos destruídos, porque a própria sede da energia atômica, o sol, é um brinquedo nas suas mãos.

Assim como Cristo faz de medianeiro entre Deus e o homem, assim Ela faz de medianeira entre o mundo e Cristo.

A semelhança dum filho obstinado que, insurgindo-se contra o pai, tivesse abandonado a casa e que se dirigisse em primeiro lugar à mãe a pedir-lhe que intercedesse por ele, assim nós devemos proceder com Maria, a única criatura pura e sem mancha que pode interceder entre nós, filhos rebeldes, e o seu Divino Filho.

Uma terceira guerra mundial não é necessária, e jamais o será, se tivermos por nós Nossa Senhora contra o átomo.

A ciência fez todo o possível por que nos sentíssemos à nossa vontade sobre a terra. E eis que agora produz qualquer coisa que pode deixar-nos a todos sem uma casa, sem um abrigo. No meio deste temor, voltemo-nos para a Senhora que se encontrou seu um teto, pois “não havia lugar na hospedaria”.

Realmente a Rússia desejaria conquistar o mundo para Satanás. Mas nós continuamos a esperar. Entre as criaturas, há uma Mulher que pode aproximar-se do mal sem ser atingida por ele.

No princípio da história da humanidade, quando o demônio tentou o homem para que substituísse o amor de Deus pelo egoísmo, Deus prometeu que o calcanhar duma Mulher esmagaria a cabeça da serpente.

Se se trata de uma cobra vermelha, ou dum martelo que bateu, ou duma foice que corta, isso pouca importância tem para a Mulher através da qual Deus conquista na hora do mal. Começai por orar melhor do que jamais o fizestes. Recitai o terço pela manhã enquanto andais a trabalhar, em casa, no tempo que tendes livre, e enquanto trabalhais no campo ou no celeiro.

Não haverá mais guerras, se rezarmos! Isto é absolutamente certo.

O povo russo não deve conquistar-se com a guerra, já bastante ele sofreu nestes últimos trinta e três anos!

É preciso esmagar o Comunismo. E isto pode conseguir-se com uma revolução interna.

A Rússia não tem uma, mas duas bombas atômicas. A segunda bomba é o sofrimento do seu povo que geme sob o jugo da escravidão. Quando esta explodir fá-lo-á com uma força infinitamente superior à do átomo!

Também nós precisamos duma revolução como a Rússia.

A nossa revolução deve vir do íntimo dos nossos corações; temos de reconstruir as nossas vidas; assim a revolução da Rússia deve partir do interior do país, repelindo o jugo de Satanás.

A Revolução Russa caminhará a par da nossa. Mas acima de tudo tenhamos esperança. Se o mundo estivesse sem esperança, julgais vós que Jesus vos teria mandado sua Mãe com a energia atômica do sol às suas ordens?

Ó Maria, nós desterramos o teu Divino Filho das nossas vidas, das nossas reuniões, da nossa educação e das nossas famílias. Vem tu com a luz do sol, como símbolo do seu poder! Esmaga as nossas guerras, a nossa obscura inquietação. Tapa a boca dos canhões em fogo de guerra. Liberta os nossos espíritos do átomo e as nossas almas do abuso da natureza. Faz-nos renascer no teu Divino Filho, a nós, pobres filhos, já velhos, da terra!

No amor de Jesus!

Servo de Deus Fulton John Sheen (1895 – 1979)