Audiência Pública sobre Reforma do Código Penal: AMANHÃ (14 de agosto)

Ainda com relação à Comissão de Juristas encarregada de analisar e votar o PLS 236/2012, o famigerado projeto de Reforma do Código Penal (já falamos sobre isso aqui recentemente), o Senado divulgou bem en passant na última sexta-feira que os juristas serão ouvidos no dia 14 (terça-feira) sobre o assunto.

A audiência pública está marcada para amanhã às 09h30. Dela participarão, além do ministro Dipp, “o desembargador José Muiños Piñeiro e (…) Luiz Flávio Gomes, membros da comissão de juristas que elaborou o anteprojeto de reforma do Código Penal”. Ao que parece, somente a trupe de revolucionários que, sendo os autores materiais da aberração jurídica, nada farão a não ser defender o monstro que eles criaram e se esforçar por mostrá-lo palatável, em um simulacro grotesco e nojento de democracia.

Afinal de contas, todo mundo vê que o projeto está sendo levado a toque de caixa, tramitando propositalmente a uma velocidade olímpica apenas para não dar tempo aos cidadãos de se manifestarem contra os diversos absurdos que estão tentando transformar em lei no Brasil. Permanece mais do que nunca válida a orientação já divulgada anteriormente: protestar junto ao Senado para chamar à realidade a casa legislativa.


O que falar: >>> “Solicito a Vossa Excelência que, no anteprojeto do novo Código Penal, não descriminalize nem crie novas exceções para o aborto e eutanásia. O direito constitucional à vida deve ser respeitado.” -OU- “Como cidadão, manifesto minha desaprovação à tentativa de descriminalizar o aborto e a eutanásia na reforma do Código Penal. Os nascituros e os doentes devem ser respeitados.” -OU- “Peço que, na reforma do Código Penal, seja mantida a incriminação do aborto em todos os casos e não seja descriminalizada a eutanásia. A vida é um valor fundamental.”

O prof. Paulo Fernando Melo, assessor parlamentar da Câmara dos Deputados e entrevistado pela ACI, afirmou taxativamente: «Urge a necessidade da população participar de maneira veemente quer utilizando o “Alô Senado” (0800 612211), ligando para o gabinete dos senadores e enviando fax/email para os gabinetes. Outro aspecto importante é utilizar as redes sociais para informar, debater e denunciar todas as manobras para aprovarem esse nefasto texto legal». E ele tem razão: a sociedade brasileira merece respeito. E, certamente, fazer uma aprovação relâmpago de um texto alienígena que vai na contramão de parcela enorme dos valores mais caros aos brasileiros não é respeitar o povo do Brasil, não é agir democraticamente, não é governar com legitimidade.

Aborto e Reforma do Código Penal: comentarista opõe os anseios da população à democracia do Brasil (!)

Os nossos comentaristas políticos são engraçados. Hoje pela manhã eu ouvia, na CBN, o Kennedy Alencar falar sobre o anteprojeto de Reforma do Código Penal que está tramitando no Senado. A fala dele foi um misto de loas ao trabalho dos juristas e lamentos pelos nossos senadores – os quais, na opinião dele, não permitirão que o Novo Código Penal seja aprovado do jeito que está.

O Kennedy reservou a maior parte do seu tempo na rádio para falar sobre a proposta “mais polêmica”, que é a de legalização do aborto até os três meses. Entre mal-disfarçados esgares de desprezo para com os conservadores fundamentalistas que cometem o bárbaro crime de ser contra o extermínio de bebês no ventre de suas mães (a propósito, para quem não sabe, um bebê de doze semanas se parece com este aqui), o comentarista teve ao menos a decência de lembrar, verbis, que este «é o Senado em quem a gente votou, [e] portanto ele tem toda a legitimidade, ele representa o Brasil». Não obstante, ele ainda assim foi capaz de concluir a sua fala enfatizando o seu pesar pela (prevista) não-aprovação do anteprojeto, dizendo que ele é uma «proposta muito boa, que moderniza e faz o Brasil avançar como Democracia».

Ora, se o Senado é hostil a esta proposta de Reforma do Código Penal e o Senado representa legitimamente a população brasileira, isto só pode ser porque o próprio povo brasileiro – como as pesquisas demonstram à exaustão – não concorda com estas propostas “polêmicas” que uma minoria do Congresso quer impôr a toda a população. Assim, torna-se inexplicável por quais obscuros e esotéricos meios seria possível que a aprovação de uma proposta abertamente rejeitada pela maioria dos brasileiros fosse, ao mesmo tempo, um avanço para a democracia. A contradição é tão aberrante que só pode significar uma de duas coisas: ou o comentarista da CBN não faz a menor idéia do que está falando (e aí não se preocupa em se contradizer dentro de quatro minutos) ou então, para esta gente, “democracia” é apenas um chavão vazio de significado e que não tem, absolutamente, nada a ver com os anseios da população de um certo país: “democracia” é como se fosse um mantra ou um talismã que deve ser invocado no debate público sempre que se deseje buscar apoio para a bobagem ideológica da vez. A “Democracia” assim entendida pode perfeitamente estar dissociada da vontade política de um povo ou até mesmo ser contrária a ela, não importa: ela é somente um fetiche a ser empregado em favor da idéia (de jerico que seja) que alguém deseje vender em um dado momento.

Entre outras incríveis razões pelas quais esta Reforma do Código Penal seria muito boa, na opinião expressa do Kennedy Alencar, estão:

  • tornar a homofobia crime inafiançável;
  • endurecer a lei seca (permitindo que o motorista responda pelo crime de dirigir embriagado somente com o testemunho do guarda de trânsito); e
  • fazer com que deixe de ser crime plantar, portar ou guardar droga para consumo pessoal.

E olhe que ele nem falou da eutanásia…

Ora, com um tão grande número de propostas tão abertamente estranhas à cultura brasileira, fica claro que apenas gente do naipe do Dipp pode ter a cara-de-pau de dizer que estas propostas são equilibradas. O mesmo Dipp, aliás, ao qual o comentarista da CBN não poupou elogios: é um “homem sério” que “não deixou nenhum tabu de lado” nesta reforma do Código Penal. De novo: como é possível que uma coisa seja ao mesmo tempo “equilibrada” e “não deixe nenhum tabu de fora” é outro dos arcanos da fantástica capacidade de conciliação de paradoxos exercida com tanta maestria por nossos governantes. Nós é que não conseguimos enxergar isso.

Porque, na opinião do Kennedy Alencar, nós somos meros ignorantes dignos de pena. Nas palavras dele, o nosso Legislativo está repleto de «senadores muito fracos, como o Magno Malta», o qual «é só um exemplo de um grupo de senadores e de deputados que reúnem o conservadorismo à ignorância, o que a gente tem de pior no Congresso Nacional». O problema é que nós temos a irritante mania de manter a coerência dos nossos posicionamentos, habilidade que parece estar tão atrofiada nos progressistas que nos deixa de cabelo em pé. Dou só um exemplo e, com ele, encerro.

O comentarista da CBN fez questão de lembrar (com uma entonação de voz de quem está descobrindo a pólvora) que «a legalização [do aborto] não obriga a mulher a interromper a gravidez: ainda vai continuar sendo uma decisão dela, de foro íntimo». É inacreditável: eu fico pensando se ele está fazendo somente uma declaração hipócrita ou se, ao contrário, ele realmente acredita que não passou pela cabeça de ninguém que a descriminalização do aborto faz com que cada mulher possa decidir abortar ou não! Como se – agora, sim! – fizesse uma enorme diferença e os anseios dos brasileiros que acreditamos ser errado abortar estivessem plenamente respeitados.

Alguém avise a este sujeito que ser contra o aborto é acreditar que é moralmente errado matar crianças no ventre de suas mães, e que – por óbvio – não tem nenhum cabimento se dizer “contra o aborto” e aceitar tranqüila e alegremente que as pessoas possam abortar impunemente! Ninguém é contra o aborto, meu caro senhor, como quem não gosta de brócolis ou de caminhar na praia, que aí tanto faz se fulanos ou sicranos fazem isso ou não. É-se contra o aborto como se é contra o roubo, o assassinato ou a escravidão: não faz nenhum sentido tornar o aborto “facultativo” da mesma maneira que não fazia nenhum sentido dizer (p.ex.) aos abolicionistas do século XIX que eles ficassem “tranqüilos” porque a legislação atual não “obrigava” ninguém a ter escravos, mas somente dava a cada um a capacidade de decidir tê-los ou não. Esta “argumentação” só tem sentido na cabeça de quem já é a favor do aborto, pois somente uma coisa que é indiferente pode ser objeto de liberdades individuais. Uma coisa que é intrinsecamente errada – como roubar ou abortar – não pode ser ao mesmo tempo um direito de ninguém. Nós acreditamos que abortar não é indiferente. É incrível como alguém que não tem capacidade de entender uma obviedade dessas se ache mais gabaritado do que a população brasileira para saber o que é ou não é melhor para a democracia do Brasil.