Hoje, Sexta-Feira da Paixão, nós não temos a Santa Missa – é o único dia do ano em que não a temos. Reunimo-nos, no entanto, para a Celebração Litúrgica da Paixão. A cerimônia é riquíssima e haveria muito o que falar sobre ela, mas gostaria de iniciar com uma pergunta simples: por que não há Missa?
Santo Tomás de Aquino (Summa, IIIa, q. 83, a. 2, ad. 2) explica que a Eucaristia “é figura e imagem da Paixão do Senhor” e, por isso, no dia em que se recorda esta Paixão – “tal e como Ela aconteceu na realidade” – não se consagra a Eucaristia. É como se o Sacrifício Eucarístico desse lugar ao Sacrifício do Calvário – único e mesmo sacrifício, sem dúvidas, mas distintos no modo de oferecer: aquele incruento e, este, cruento. É como se hoje os fiéis se colocassem diante do Calvário não mediante o véu sacramental, mas o véu da lembrança: toda Missa é uma “celebração da Paixão”, mas na Sexta-Feira Santa nós participamos de uma Celebração da Paixão que não é Missa.
Eu, particularmente, gosto de encarar também a liturgia de hoje sob o aspecto do despojamento; é como se a Igreja morresse com o Seu Esposo, de tal maneira que nem mesmo a Santa Missa é celebrada. Mas a morte não tem a última palavra e, mesmo durante esta “morte litúrgica” que a Igreja apresenta hoje aos fiéis, muita coisa é feita: das leituras às Grandes Orações, da adoração da Cruz à procissão do Senhor Morto. Descemos ao túmulo, sim, mas para ressuscitar junto com Cristo. Vivemos de modo mais enfático a Morte do Salvador, mas à luz da Fé e não do desespero. A Igreja – ao contrário do que fizeram os Apóstolos n’Aquela Sexta-Feira – não “abandona” simplesmente o Crucificado. Como a Virgem Santíssima, fica aos pés da Cruz. Sofre, sim – mas aos pés da Cruz, e não longe d’Ela. Talvez isso até Lhe aumente o sofrimento, mas Ela sabe que é necessário, e é isso que Ela pede aos fiéis: que fiquem junto à Cruz. A Virgem Maria não gozou da companhia do Seu Divino Filho na Sexta-Feira da Paixão: ao invés disso, acompanhou-O ao Gólgata. De modo análogo, hoje, os fiéis não têm a consolação da Santa Missa: ao contrário, são convidados ao Calvário.
É, no entanto, no dia em que se celebra a Paixão do Senhor que a Igreja faz as Grandes Orações: pela Igreja, sem dúvidas, mas também pelos que não fazem parte da Igreja: pelos catecúmenos, pelos hereges e cismáticos, pelos judeus, pelos infiéis, pelos ateus, enfim, por todos. Reza-se, no Calvário, pela conversão de todos. É como se a Igreja Se lembrasse daquelas palavras de Nosso Senhor: “quando eu for levantado da terra, atrairei todos os homens a mim” (Jo 12, 32). E, de joelhos diante do Crucificado, pedisse Àquele que está levantado da terra que – como Ele disse que faria – atraia todos os homens a Si.
Segue a cerimônia com adoração da Santa Cruz, Comunhão, procissão. Cada uma das partes com um simbolismo riquíssimo. O altar permanece desnudado, os fiéis voltam para casa sem a bênção final. O Senhor está morto, e esta é a verdade que deve servir de meditação para os católicos no dia de hoje, é esta a verdade para a qual apontam a Via-Sacra, o jejum, a ausência da Santa Missa, as leituras da Paixão, a adoração da Santa Cruz, a procissão do Senhor Morto, tudo nesta Sexta-Feira Santa. Tudo lembra o Consummatum Est do Gólgota: se este Sacrifício de Amor passa-nos despercebido na Santa Missa quotidiana, na correria do dia-a-dia, a Igreja exige ao menos que hoje ele seja lembrado. Um Deus morreu por nós, foi levantado no Madeiro e, deste Lenho da Cruz, pendeu a salvação do mundo: Venite, Adoremus, é o convite que nos é feito. Atendamos a Ele: que a Salvação nascida da Cruz possa alcançar também a nós, miseráveis pecadores. Senhor, tende piedade de nós.